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SUMÁRIO EXECUTIVO
JOÃO CARLOS BARRADAS
VÍRUS: VAI SER MUITO MAU
Imprevidência e incompetência são causas maiores da impreparação na Europa de instituições e empresas para o impacto do COVID-19 e tudo isso se paga em mortes, sofrimento e desgraças.
Os alertas sobre a eclosão de uma epidemia em Wuhan datam do final de Dezembro e à medida que, apesar da censura do regime, se avolumavam informações sobre a contaminação poucos estados da região, salvo Coreia do Sul, Taiwan e Singapura, tomaram imediatamente medidas
rigorosas de contenção.
A epidemia de Síndrome Respiratório Agudo que se propagara a partir de Guangdong, província limítrofe de Macau e Hong Kong, em 2003, servira de aviso.
Focos de infecção
Grandes concentrações de populações humanos e de explorações contíguas de suínos, aves, mamíferos exóticos e outros animais para venda, vivos ou mortos, em mercados sem condições mínimas de higiene tornaram regiões do sul e do centro da China potenciais focos de epidemias cada
vez mais frequentes.
A urbanização e a devastação de habitats de vida selvagem, por outro lado, agravaram substancialmente riscos de zoonoeses, doenças transmissíveis entre animais e seres humanos, não apenas na China e Sudeste Asiático, como, ainda, na África subsariana, ou na América Central e América do Sul.
Ao risco de consumo de pangolins, morcegos ou gatos almíscarados sobrepõe-se a imensa rede global de circulação de pessoas e bens e, consequentemente, menosprezar a detecção de sinais de alarme de doenças contagiosas é negligência criminosa.
Foi em Janeiro
Quando na segunda metade de Janeiro foram detectados os primeiros casos em França e Itália, chegados da China, estava já sequenciado o genoma da eclosão em Wuhan e identificadas com rigor variável características fulcrais da epidemia como letalidade, número básico de reprodução da infecção e grupos de isco.
Acasos infelizes, o dito azar, levaram à mortífera propagação
exponencial através de múltiplas cadeias de transmissão, primeiro em Itália, e, depois, em Espanha e, agora, prevalece a opção na maior parte da Europa de isolamento em massa para tentar aplanar a curva epidémica.
Levará tempo até que pelo menos 60% da população possua anticorpos de modo a travar a propagação e são de esperar recorrências epidémicas na eventualidade de levantamento prematuro de medidas de confinamento, sabendo-se que a produção e aplicação de vacina poderá demorar um ano
ou mais.
Descurar e morrer
A gadanha da morte da pandemia começou, entretanto, a ceifar nos Estados Unidos onde fracassa, outra vez, a prevenção, somando-se à ineficácia de um sistema de saúde dispendioso e iníquo e ao desvario reinante na Casa Branca em ano de eleição presidencial.
Em África, na América Central e do Sul, por sua vez, a pandemia está prestes a provocar grande número de mortes dada a fragilidade dos sistemas de saúde pública, os aparelhos de estado ineficazes ao serviço de interesses oligárquicos, sem falar da acção nefasta de políticos irresponsáveis como Jair Bolsonaro.
A patente incapacidade de manter a operacionalidade de serviços de saúde em situações de crise obriga a rever prioridades de despesa pública com recursos escassos.
Prevenção estratégica e investimento em pesquisa dificilmente entram no cálculo político e paga-se por isso.
O aquecimento global tem vindo a agravar o degelo do permafrost, os solos gelados do Ártico, e quando em 2016 na península de Iamal, no noroeste da Sibéria, um surto de antraz fez vítimas entre a escassa população local, os nómadas Nenets, poucos se comoveram.
Vírus de infecções mortais do século XVIII e XIX, porventura outros ainda mais antigos, estão prestes a chegar cada vez que derretem um pouco mais as camadas superficiais do permafrost.
Mortos e desempregados
Violentos conflitos de interesses vão fazer-se sentir e o custo
político é assinalável na União Europeia tanto mais que não falta quem cogite nos poderes vigente no cálculo da balança de mortos e desempregados.
Mortos lamentam-se e esquecem-se; desempregados, falidos e indigentes ficam e protestam.
É irrelevante que Berlim tenha começado a fornecer material médico a Roma ou a acolher pacientes franceses porque se generalizou em Itália a ideia de que os parceiros europeus e a Alemanha, em primeiro lugar, falham no momento de maior aperto quando até a China e Cuba conseguem
ganhar a guerra de propaganda enviado pessoal e equipamento médicos.
Ao avaliar pacotes investimentos e financiamentos, pesará imenso esta falta de solidariedade ou, no mínimo coordenação entre estados, e, ainda a pandemia estará longe de contida e já se lhe terá somado o acinte que trará recrudescimento da emigração clandestina rumo a Itália, Malta, Espanha e Grécia.
Depois, no fim da Primavera, Portugal começa a arder e, enquanto se assa a sardinha, alguém que assuma responsabilidades.
Alguém que explique, por exemplo, porque razão até hoje o esdrúxulo sistema de SMS da Protecção Civil só emitiu um aviso a 17 de Março apelando à lavagem frequente das mãos e a evitar contactos sociais.
barradas.joaocarlos@gmail.com
jornalista
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