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Através de Jorge Buescu:
PICOS E PLANALTOS REAIS E NÃO IMAGINÁRIOS
É desnecessário perder muito tempo com os números de variação diária de casos. Repito mais uma vez o mantra: menos testes, menos casos. Hoje, com 3330 testes, pouco mais do que ontem, foram descobertos 514 casos, pouco mais do que ontem. No dia 8 de Abril tinham sido realizados o triplo dos testes (10.272), verificando-se no dia seguinte o triplo dos casos: 1516 (o facto de se reflectir no dia seguinte foi devido a terem ficado muitas análises pendentes para o dia seguinte provavelmente por dificuldades de processamento laboratorial). O facto de, testando 1/3 das pessoas, encontrarmos 1/3 dos casos (até para mais), é um indicador (grosseiro, claro) de que a situação é a mesma de há uma semana: a nossa taxa de crescimento real deve andar pelos 5-6%. Já não arrisco sequer um cálculo rigoroso.
A única coisa positiva que vejo nos números de hoje é mesmo a queda substancial nas análises pendentes, que passaram de 5903 a 8 de Abril para 2474 hoje. Esta recuperação na análise de quase 3.500 testes (mais do que os efectuados no dia de ontem!) em atraso numa semana é mais um reflexo, precisamente, do facto de se estar a testar muito menos: os laboratórios tiveram menos trabalho e conseguiram recuperar o atraso.
Com este tipo de ruído, as variações diárias de casos confirmados perdem qualquer tipo de fiabilidade e mesmo de significado. Se não fosse a distorcida importância que a Comunicação Social lhes atribui, e que acho importante contrariar, nem me referiria mais a eles.
O nosso picómetro aumentou hoje ligeiramente, para 412. Continuamos a perseguir o pico. Mas, é claro, também esta métrica fica contaminada pelo baixo número de pessoas testadas.
Mais importante nesta fase do que as variações diárias dos confirmados, porque não sujeitas a testes, são as análises aos números de internamento, e sobretudo UCIs e óbitos, pois são números menos sujeitos a under-reporting (mas não totalmente: sabemos hoje que em França centenas de óbitos não-hospitalares, nomeadamente em lares, simplesmente não foram incluídos nos números oficiais, pelo que Macron veio ontem dizer que a situação é pior do que se imaginava e prolongou o confinamento até 11 de Maio. O vírus é imune a retórica).
Os internamentos simples aumentaram 40 casos, de 1187 para 1227. Este aumento parece confirmar uma tendência de subida dos últimos 4 dias, e subida a ritmo cada vez maior (1175->1177->1187->1227). O número de internamentos é hoje o mais elevado de sempre. Quanto aos internamentos UCI, depois da estabilização por volta de 5 de Abril e regressão a partir daí, voltaram hoje a crescer substancialmente, passando de 188 para 218 casos. Os óbitos mantêm o seu ritmo de crescimento linear, com 32 novos casos hoje.
planalto (plano + alto), s.m. Terreno elevado que se estende em planície (Dicionário Priberam)
Infelizmente sou obrigado a voltar a este assunto. Toda a comunicação social parece, aos dias de hoje, ter engolido a narrativa de que o “pico” teria passado e estamos num “planalto”, não parando dois segundos para reflectir como é que, sendo assim, o número de infectados cresce todos os dias. Como é que, estando num planalto, subimos todos os dias? Achará toda a gente que existem “planaltos inclinados”?
Já fiz uma análise exaustiva desta falácia extremamente perigosa no meu post “SOBRE PICOS, PLANALTOS, E O VÍRUS DO FACILITISMO”, que não vou repetir. Quem tenha dúvidas por favor releia esse post. Vou apenas recordar as conclusões:
(1) a curva epidemiológica é dada pelos Infecciosos I(t), também chamados Infectados Activos ou contagiosos, pois são estes que, em cada instante, transmitem a infecção.
(2) O pico dos Infecciosos em Portugal ainda não ocorreu, estando previsto para a segunda quinzena de Abril. Não estamos portanto em planalto nenhum, mas em plena ascensão para o pico.
(3) Quando a DGS ou o MS falam num “pico que pode já ter ocorrido” ou num “planalto”, referem-se a outra curva, à curva NC(t) dos Novos Casos diários. Essa NÃO É a curva epidemiológica: é a taxa de crescimento (em linguagem matemática a derivada) dos infectados – que, atenção, não são sequer os activos I(t), que se obtêm dos infectados totais removendo os que deixaram de o ser (os recuperados e os óbitos).
(4) O pico da epidemia é o pico da curva epidemiológica I(t): é quando existem mais indivíduos contagiosos disseminados na população e a probabilidade de nos cruzarmos com um é maior. É a fase mais contagiosa da epidemia, em que o risco de contágio é máximo. Passarei a chamar-lhe, para evitar ambiguidades, o pico de contágio.
Vou agora ilustrar este conceitos com as curvas epidemiológicas, ou seja, dos Infectados activos I(t), dos quatro países que tenho acompanhado mais de perto: Itália, França, Alemanha e Espanha, para comentar a fase da epidemia em que se encontram e podermos comparar com a nossa. No final coloco o gráfico de Portugal, que não irei comentar, deixando que o leitor extraia as suas próprias conclusões. Os gráficos foram extraídos do Worldometers e referem-se ao dia 13/4.
1. Itália está na fase final da ascensão para o pico de contágio, mas ainda lhe falta subir um pouco. A manter-se tudo como está, é provável que o atinja dentro de 10 a 15 dias.
2. França está mais longe do pico do que Itália. O declive da sua curva ainda é muito grande, o que significa que a epidemia está longe de estar dominada. Macron sabe muito bem o que está a fazer quando diz que o estado de emergência é para continuar pelo menos até 11 de Maio. E não é evidente, neste momento, que consiga evitar a ruptura do sistema de saúde. Boa sorte, França.
3. Alemanha está a ter a compensação da sua reacção extremamente rápida e organizada ao surto, com a política de localização, rastreio e testes em massa. É o único país de entre os aqui analisados que já passou o pico do contágio, a 6 de Abril passado, encontrando-se, depois de passar o pico – a Alemanha sim! –, num pequeno planalto. Parabéns à Alemanha.
4. Espanha encontra-se em pleno pico do contágio e é um caso dramático. Fiquei arrepiado quando surgiram ontem a notícia de que Espanha vai retomar a partir de hoje parte da actividade económica – com máscaras, distanciamento e apenas em certas actividades – precisamente agora, na fase mais perigosa do surto! Se isso realmente acontecer, é quase suicida: com grande probabilidade haverá uma nova fase de exponencial da epidemia em Espanha, desta vez ordens de grandeza acima da inicial. E essa explosão poderá propagar-se a Portugal.
5. Portugal é o país mais atrasado no processo. Aqui fica a respectiva curva epidemiológica.
E então, caro leitor? Depois de ver estes gráficos ainda está disposto a aceitar a narrativa oficial segundo a qual “já passámos o pico e estamos em fase de planalto”?
Jorge Buescu
14/4/2020
Coronavírus: factos a partir de números




