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Através de Jorge Buescu:
AS MEDIDAS ESTÃO A TER EFEITO? CALCULADOR DE BOLSO
Já expliquei várias vezes por que razão não se pode atribuir demasiado significado a variações diárias. Os dados diários estão contaminados por ruído externo, a maior fonte do qual está associado a underreporting (sub-registo) de casos, que no dia seguinte é corrigido. Assim, as variações diárias não têm grande significado na identificação de tendências; é necessário observar uma variação pelo menos 3 dias consecutivos para podermos falar em tendência.
Os números de hoje continuam dentro do expectável e do já descrito ontem. Foram detectados menos casos em absoluto (792 contra 902 de ontem), mas em bastante menos testes: o número de pessoas testadas decresceu de 7323 para 5288. Assim, a densidade de testes positivos aumentou: o número dos testes decresceu para 72% de ontem, o número de casos positivos apenas para 87% . Ou seja: o número de casos positivos cresceu menos porque fizemos menos testes.
Assim, o quociente entre o número de infectados de ontem (5962) e de hoje (5170), que conduz à variação diária de 15%, não corresponde à variação diária real. Para a saber, temos de fazer aquilo a que se chama normalização: se tivessem sido feitos os mesmos testes que ontem, qual seria a variação diária? Feitas as contas, obtemos 21%. Um pouco melhor do que os cerca de 25% médios dos últimos 10 dias, mas não significativamente. De novo: temos de esperar pelo menos mais dois dias antes de falar numa tendência.
A pergunta que mais vezes me é feita é se as medidas de contenção e quarentena estão a ter efeito. A resposta é que, sendo provável que venham a ter efeito, é improvável que estejamos a observar, já hoje, algum efeito delas. Com efeito, no lockdown de Hubei, extremamente violento, é muito claro identificar o instante em que as medidas começaram a ter efeito: foi do dia 12 para o 13 do lockdown. Também em Itália, os efeitos do lockdown total se começaram a sentir no dia 13 (infelizmente, o lockdown italiano foi bastante menos severo do que o chinês, e a sua eficiência ainda não foi suficiente para congelar o contágio. É provável que as medidas em Itália endureçam ainda mais. O monstro que combatemos não cede a meias-medidas.
E em Portugal?
Desde o início que acho que as nossas medidas foram demasiado brandas. A eficiência das medidas não é proporcional às medidas; a resposta é não-linear. Há estudos que indicam que, se a contenção social for inferior a 70%, o efeito é muito pequeno, mas acima de 80% o seu efeito dispara. Estaremos a fazer o suficiente? O grande risco que corremos é que estejamos abaixo dos 70%. Se assim for, todos os sacrifícios que (quase) todos estamos a fazer terão muito pouco efeito. Se estivermos acima da linha crítica, os efeitos serão muito bons.
Mas o facto é que, hoje, ninguém sabe.
Assim sendo, com o sempre precioso apoio do José Carlos Pereira, preparei para os leitores uma “calculadora de bolso” a que chamei “Medidor de Efeitos da Quarentena” para aferirem por si próprios diariamente se, quando, e até que ponto as medidas adoptadas pelo Giverno português estão a ter efeito.
O processo é simples e o leitor pode ir acompanhando diariamente a evolução dos acontecimentos. Damos os dados, em tabela e gráfico, da evolução previsível do número de infectados ao ritmo actual. O dia 12 do nosso “lockdown português suave” é 2 de Abril. Até lá deveremos estar dentro dos limites fornecidos. A partir daí podemos esperar ver um abaixamento dos dados reais face às nossas projecções. Quando o limite inferior dos valores que forneço for cruzado, isso assinala que as medidas começaram a ter efeito visível.
Em contrapartida, mantermo-nos dentro do intervalo calculado para lá de dia 3 de Abril é mau sinal: significa que a evolução se mantém e que não há efeitos significativos do sacrifício que estamos a fazer. Em suma, que as medidas adoptadas não estão a funcionar.
Neste último caso, espero que tenhamos todos noção do enorme risco que estamos a correr e que tenhamos a consciência cívica de exigir dos nossos governantes medidas bem mais duras para a segunda quinzena do Estado de Emergência, para bem de todos nós.
Jorge Buescu, 29/3/2020
Coronavírus: factos a partir de números

