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Ouve o que eu digo mas não faças o que faço!
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Sobre Cortar a Mão a Ladrões
Aquele constrangedor momento em que se descobre que um homem acusado pelo Ministério Público de roubar 7500 euros em ouro e jóias à ex-namorada é um dos principais financiadores do candidato que sugere cortar a mão a ladrões.
Texto completo:
Há dias, num debate para as Presidenciais, o proto-fascista que lidera o Chega brincou com a possibilidade de cortar a mão a ladrões.
Pois bem, com isto em mente, uma pergunta: viram o segundo episódio do trabalho de investigação “A Grande Ilusão: cifrões e outros demónios”? Se não viram, devem mesmo ver, sobretudo aqueles que têm alguma simpatia pela narrativa simplória, intelectualmente desonesta e embrutecedora dos “cidadãos de bem” que o proto-fascista diz defender.
A ligação para a reportagem está no campo de fontes e referências, no final deste texto.
Para os mais desatentos, permitam-nos explicar muito resumidamente de onde vem a narrativa das “pessoas de bem”: na produção literária, sobretudo em ficção para crianças, a narrativa é polarizada em dois campos simples e distintos, o herói e o vilão. Na banda desenhada, isto funciona bem. Na propaganda política, também.
Essa narrativa foi usada pelo regime nazi para estigmatizar judeus e outras minorias, levando alemães ingénuos a acreditarem que uma minoria pouco significativa da sua população era a causa de todos os males no país.
Em casos mais recentes, esta divisão entre “bons” e “maus” também foi aproveitada por Trump e Bolsonaro. Trump falava em “good citizens” e conseguiu associar a ideia de que patriotismo significava apoiá-lo a si e rejeitar estrangeiros e adversários políticos. Após quatro anos de pessoas a desvalorizarem a ameaça evidente que o discurso do presidente representava para a democracia no país, a presidência de Trump acabou literalmente num tentativa de golpe de Estado, incentivada por Trump e levada a cabo pelos seus apoiantes.
Já agora, ontem, soube-se que o FBI está em alerta, após ter descoberto que há protestos armados a serem planeados em 50 Estados americanos, para serem executados no dia da investidura de Biden.
A ameaça de insurreição nacional é real e, após cinco mortos no ataque ao capitólio, as autoridades decidiram começar a levar a sério estes fanáticos.
Entretanto, no Brasil, Bolsonaro também usou a mesma técnica de apelar aos “cidadãos de bem”, alegando que vinha combater a corrupção. Após uma série de escândalos em que se descobriu que Bolsonaro trabalhou activamente para impedir a Justiça de investigá-lo a si e aos seus filhos pela participação em vários esquemas de corrupção, o Organized Crime and Corruption Reporting Project escolheu Bolsonaro como pessoa do ano na categoria de crime organizado e corrupção.
Bolsonaro, o corrupto do ano, diz que defende as “pessoas de bem”. Irónico, não é?
Ainda a propósito de inssurreição, desde que chegou ao poder, Bolsonaro tem incentivado os seus apoiantes a adquirirem armas de fogo, usando a mesma retórica de Trump em relação a combater pela via da violência os seus adversários políticos. O Brasil vai a caminho de uma desgraça ainda maior do que os EUA, com uma séria ameaça à Democracia e ao Estado de Direito à espreita.
Voltemos ao Trump cá da terra, Ventura.
Portanto, cortar a mão a ladrões e tal, certo? Se ainda não viram “A Grande Ilusão”, têm mesmo de ver e mostrar a todos os simpatizantes deste proto-fascista. A reportagem destapa o véu de um partido repleto de figuras sinistras envolvidas em esquemas de desvio de dinheiro, intimidação e ameaças a adversários e militância em organizações fascistas. Desde as vigarices de Ventura para afastar e silenciar os críticos dentro do partido até à comitiva de delinquentes violentos e criminosos que o apoiam, tudo reforça os avisos que muita gente tem vindo a fazer – incluindo nós aqui, na Página – de que o Chega é uma fraude política. Alegam que surgiram para acabar com a “pouca vergonha” e defender os trabalhadores, mas a pouca vergonha está dentro do partido. Quanto aos trabalhadores, oferecem-lhes desregulação do mercado de trabalho e o fim de vários direitos dos trabalhadores, incluindo a flexibilização salarial que, na prática, significa dar aos patrões a possibilidade de pagar ainda menos aos trabalhadores. Está tudo no programa do Chega, nas alíneas do Ponto 6.
Na reportagem “A Grande Ilusão”, descobrimos mais uma daquelas ironias que provam a fraude política que é o Chega. Ventura brincou com a ideia de cortar a mão a ladrões. Na reportagem, descobrimos que um dos principais financiadores do Chega roubou bens à ex-namorada no valor de cerca de €7500, pediu-lhe dinheiro, ameaçou-a e, depois, fugiu.
Este indivíduo, supostamente, é milionário, mas os bens que declara são muito inferiores à capacidade financeira que mostra ter. Tem uma fundação na qual estão envolvidas pessoas do Chega, do PSD e, até há pouco tempo, Nuno Melo, do CDS, que rapidamente saiu da instituição quando descobriu que estava a ser investigada. A criação de fundações é um dos mecanismos mais comuns de fuga ao fisco, ao abrigo de pequenos truques como o artigo 10.º do Código do IRC, muito popular entre profissionais da engenharia fiscal.
E, não por acaso, recordamos que Ventura foi inspector da Autoridade Tributária e trabalhou depois, precisamente, em serviços de engenharia fiscal num gabinete privado. Os proprietários desse gabinete foram apanhados no escândalo dos nos Panamá Papers, como já antes denunciámos.
Portanto, um dos grandes financiadores do Chega roubou valores de cerca de 7500 euros à ex-namorada, depois, desapareceu. Hoje, financia o Chega através de uma fundação com vários indícios de estar envolvida em esquemas ilegais.
E estas são as “pessoas de bem” que Ventura diz defender.
O que Ventura quer é proteger as pessoas de bens.
A extrema-direita não quer o fim da corrupção, ela quer o monopólio.
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Fontes e referências:
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