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Do jornalismo não lucrativo (nos 100 anos do Correio dos Açores)
O jornalismo nos Açores nunca foi lucrativo.
As empresas que detêm jornais sempre ancoraram o seu “core business” (negócio central) nos serviços gráficos (tipografia), aproveitando as oficinas para imprimirem os jornais nas horas de menos encomendas.
A história fez com que, apenas no século XX, com a competição dos novos média, os patrões dos conteúdos começassem a olhar de forma diferente para as edições em papel.
Nos Açores a mudança chegou mais tarde, mas ajudou a corrigir os erros cometidos pelos outros e a aperfeiçoar as ferramentas e a fiabilidade de uma imprensa historicamente centenária, como é o caso, agora, do Correio dos Açores.
Não é fácil manter de pé um jornal, sobretudo agora, em situação de crise profunda e com uma mudança de hábitos e de tendências onde prevalece a rapidez na procura de conteúdos, especialmente através das redes sociais.
O problema é a tal fiabilidade, como se tem visto por estes dias, onde imperam as notícias falsas, muita desinformação e, à mistura, muito comentário de ódio e imbecilidade.
Então onde procurar as notícias em que confiamos?
A resposta está no jornalismo profissional, na imprensa tradicional de referência e credível, nas marcas de confiança que são escrutinadas e possuem regras de ética.
Ora, no meio deste turbilhão informativo com que somos bombardeados a toda a hora, o jornalismo de qualidade tornou-se num autêntico serviço público, porque distingue a verdade da mentira e ajuda a manter os valores da democracia e do pluralismo nas sociedades.
O leitor já imaginou o que seria, no meio desta crise pandémica, se a comunicação social privasse a população de notícias?
As empresas de média poderiam, à semelhança das outras, aderir às medidas de apoio oficiais, recorrendo ao lay-off e encerrando a actividade.
Desistir não faz parte da missão da comunicação social. O jornalismo e os jornalistas têm que estar na linha da frente, em todas as circunstâncias, até em cenário de guerra.
Não se peça à comunicação social que faça o papel de governo ou oposição, nem tão pouco que seja ideológica e alarmista em qualquer cenário, mas também não lhe peçam que seja submissa e reverente seja em que cenário for.
A missão dos média é só uma: procurar a verdade dos factos, ser irreverente e coerente nas causas e escrutinar ao máximo os poderes, sempre ao serviço do público.
Os jornais açorianos estão a dar provas de resistência, apesar das enormes dificuldades que também enfrentam com esta crise.
Precisamos de informação cada vez mais asseriva, em contraponto aos boatos, especulação e opinião insultuosa das redes digitais.
Será uma prova de resistência, é certo, mas quem sobreviveu durante um século certamente que saberá ultrapassar mais esta batalha.
Não é por acaso que o lúcido Papa Francisco, ainda há poucos dias, agradecia o trabalho dos jornalistas em época de combate ao “vírus do egoísmo e da indiferença”.
É por isso que a imprensa tradicional deve ser apoiada pelas instituições públicas e pela sociedade civil, em nome destes valores e da própria promoção da literacia mediática.
Não é preciso dar dinheiro às empresas, basta promover uma série de incentivos e benefícios fiscais, como já foi proposto, até mesmo aos cidadãos e empresas que compram os conteúdos da imprensa tradicional, como já acontece nalguns países.
A reabilitação do porte pago, a distribuição de assinaturas pelas escolas e até a possibilidade de os cidadãos consignarem parte do seu IRS aos jornais, são ideias já propostas que ajudariam a revitalizar a imprensa regional. É um debate que tem de ser feito depois de passar esta tormenta sanitária.
É porque os jornais não possuem uma forte estrutura de suporte financeiro que o jornalismo enfraquece e os seus profissionais são cobiçados para assessorias e outras actividades mais aliciantes economicamente.
A História centenária do jornalismo açoriano sempre foi de inúmeras dificuldades, o que torna a sua resiliência ainda mais valorizada, à semelhança do que acontece hoje com os 100 anos deste jornal.
Os Açores nunca seriam o que são hoje se não existisse uma imprensa com essa resiliência, que esteve sempre na linha da frente das principais causas políticas ou de outra índole, reinventando-se perante todas as adversidades, mas sempre em prol dos mais justos valores da população açoriana.
Tive a felicidade, nos meus 40 anos de jornalista, de ter começado aqui, no Correio dos Açores, uma saudosa escola que só quem passa pelas redacções da imprensa escrita é que compreenderá.
Como dizia o meu querido e saudoso Mestre, Jorge do Nascimento Cabral, de quem fui adjunto na direcção deste jornal, “um dia de cada vez, uma prosa de cada vez, e sempre de cabeça levantada, sem medo dos polícias dos costumes da nossa praça”.
É esta liberdade que mais prezo, para mim e para todos os leitores, na pluralidade de ideias e opiniões, sem a boçalidade das redes sociais, que faz do Correio dos Açores a justeza desta longevidade.
Este prolongamento da História riquíssima do jornal tem rostos.
Na impossibilidade de os nomear a todos, concentro-os na bravura dos timoneiros Américo Natalino de Viveiros e Paulo Viveiros, que vão pilotando, com arrojo e sentido de responsabilidade, este barco enorme, confluente na História centenária do jornalismo açoriano,enriquecendo o nosso património regional e nacional.
Apesar de tudo, um privilégio histórico nos dias de hoje.
Parabéns Correio dos Açores!
1 de Maio de 2020
Osvaldo Cabral
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