Conversas pandémicas XLIV – Açores fora da caixa

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Conversas pandémicas XLIV – Açores fora da caixa
1. Ponto de situação
Portugal é, actualmente, um dos países do mundo com mais vítimas mortais, por esta pandemia. Analisando o gráfico, que aqui apresento, verifica-se que resulta clara a evolução negativa da mortalidade a partir do início de Novembro de 2020, com um pico no mês de Janeiro de 2021.
A agravar tudo isto, temos a certeza de que estamos a testar pouco. É um facto, objectivo, cujas consequências já aqui esclareci na última destas “Conversas”.
Apesar de tudo verifica-se a redução diária da mortalidade por COVID19 no nosso país, de níveis absolutamente estratosféricos; porém, ainda muito acima de qualquer país com o qual nos possamos comparar.
2. As evidências da importância da vacinação: Israel.
Para definir a estratégia de vacinação de Israel só há uma palavra: notável.
3. O caso da “vacinação maciça no Corvo”
Nem mereceria qualquer tipo de explicação, pela sua simples lógica. Porém, a polémica tem de aparecer sempre, mesmo com a medida mais lógica. Para a explicar, de forma simples, recorro às palavras do deputado Dr. Paulo Estevão, ao Diário Insular, no dia 18.02.2021.
«(…) A a decisão resulta da ponderação de vários fatores. Entre eles está o facto de o Corvo ser a ilha menos dotada de clínicos, equipamentos ou condições de internamento e apoio médico. Não existe, por exemplo, ninguém preparado para utilizar ventiladores (que é muito mais complexo do que se julga) e a possibilidade de resposta a um rápido agravamento do estado de saúde não existe.
A evacuação, mesmo a realizada em situações de urgência, é difícil e demorada (cerca de 6 horas se as condições atmosféricas o permitirem). A ilha é também a única que, nesta altura do ano, não conta com ligações aéreas diárias (apenas existem 3 ligações aéreas por semana, mas na prática nem isso sucede devido aos frequentes cancelamentos ocasionados pelo mau estado do tempo).
Veja-se, também, que a população da ilha é muito reduzida (pouco mais de 3 centenas de pessoas vacináveis). Todas as outras ilhas têm pelo menos mais 10 vezes a população que a ilha do Corvo. A população vive concentrada numa única localidade, num espaço muito reduzido, com as casas encavalitadas umas nas outras. Partilham-se paredes e entradas muitas vezes separadas por canadas com poucos centímetros. O Corvo é um mundo liliputiano. Não existe nada de semelhante nos Açores. Do ponto de vista logístico não faz sentido, num quadro de grande complexidade logística, realizar várias deslocações ao Corvo para vacinar meia dúzia de pessoas de cada vez. O risco de um contágio generalizado na ilha do Corvo é elevadíssimo. A população da ilha seria tragicamente dizimada num cenário desse tipo. Não existiriam condições para poder salvar todos. A Região não teria os meios e os recursos para o fazer.»
4. O caso da “cerca sanitária em Rabo de Peixe”
“Sol na eira, chuva no nabal”. Com alguns ditos populares poderíamos facilmente definir a natureza do nosso povo. O povo português é, por destino ou natureza, insatisfeito, raiando muitas vezes a critica ligeira, fácil, cruel.
Quando perante uma qualquer mudança, ou perante algo diferente, de forma quase instintiva reage negativamente, sem reflectir atentamente sobre o que motivou o outro, a tomar aquela decisão. Que certamente, e quando o nível de responsabilidade pela mesma assim o exige, não foi tomada de ânimo leve.
As Redes Sociais vieram exponenciar tudo isto, de forma muito clara. O lado positivo desta exponenciação está em que os decisores têm ao seu dispor um instrumento, quase em tempo real, que permite aferir o impacto nas populações das decisões, e da mudança.
Isto vem a propósito do tema deste ponto. Todos nos recordamos na quase histeria colectiva que grassava nas redes sociais com o aumento do número de casos em são Miguel, logo após o início de 2021. Imperava o atribuir de culpas, o suplicar por medidas extremas, a majoração do risco estava em níveis absolutamente disparatados. Acicatados por quem, de forma calculista, direccionava o debate para a responsabilidade política.
O Governo dos Açores entendeu então, e mais uma vez muito bem, tomar decisões cirúrgicas, centrando-se em 2 “pontos quentes” na ilha de São Miguel. Pediu-se serenidade. Conseguiu-se o apoio de todos (a unidade da comunidade micalense é um factor-chave no controlo destes surtos). A adesão da população foi notável. E os resultados foram obtidos.
Hoje os indicadores dos Açores, e em particular em São Miguel, a ilha onde a situação mereceu mais preocupação, são motivo de aplauso. Em locais tão longínquos como Estados do interior do Brasil se fala da forma como os Açores estão a conviver com a Pandemia, e se publicita os Açores como “destino turístico obrigatório em tempos de COVID19”.
Porém, os indicadores de saúde são cruéis, pela frieza dos números. E foram estabelecidos para não permitir que a natural subjectividade humana nos tire o discernimento necessário à análise que se impõe. E, essa análise, tem de levar sempre em linha de conta o “custo-benefício” de cada medida.
Os indicadores referentes à área sob cerca sanitária, na freguesia de Rabo de Peixe, levam a que, tecnicamente, aquela área de São Miguel se constitua como um doente sob vigilância atenta. Ora, não se pode dar alta do Hospital a um doente que ainda não está estabilizado, a um doente cujo prognóstico é ainda imprevisível. Realizando-se análises regulares continua a verificar-se que o doente uns dias está melhor, e leva a acalentar a esperança de que terá alta em breve, para no dia seguinte fazer febre, e precisar de mais antibiótico. Permita-me, o leitor, esta comparação que torne tudo mais entendível.
Se o médico (o governo regional) der alta ao doente, sem estar certo de que a situação já está estável, arrisca muito. Demasiado. Arrisca a saúde daquele doente, mas também dos familiares, uma vez que o doente “ao ir para casa” (levantar a cerca sanitária) pode levar a que a família fica toda doente. E com isto não estou a dizer que tal aconteceria de forma “propositada”, mas apenas pelo natural comportamento do vírus, que se propaga de forma silenciosa e célere.
Governar não é fácil. Governar em contexto de “guerra” (porque é de uma guerra sanitária que falamos) é terrível. Mas é nestes contextos que se afirmam os líderes, como a História avidamente o demonstra. Aguardemos serenamente as decisões do governo, certos de que são alvo de apurada análise, e extrema poderação.
5. O Hospital do Divino Espírito Santo, de Ponta Delgada
Paulatinamente, e sem alaridos, o “caminho faz-se caminhando”. Parece ser este o lema do novel Conselho de Administração do HDES, Hospital de Ponta Delgada.
Tal como anunciado na audição, em sede de Comissão dos Assuntos Sociais da Assembleia Legislativa Regional dos Açores, pela Presidente do Conselho de Administração, Dra Cristina Fraga, imprimiram-se já várias mudanças, em apenas 2 semanas, as quais se centram na melhoria do papel que se espera do HDES, e do Serviço Regional de Saúde.
Cumpre aqui destacar a criação de estruturas no HDES para análise da situação epidemiológica do grupo oriental, e para tomada de medidas preventivas, assim como a redução de riscos em ambiente hospitalar. Esse é o caminho, reprodutível em cada uma das instituições. Só assim se conseguirão efectivar, nas estruturas de cuidados hospitalares, as Boas Práticas fundamentais para que não ocorram surtos. Muito bem, a administração do HDES. Muito bem, mesmo.
Mario Freitas
Médico consultor (graduado) em Saúde Pública e Delegado de Saúde
(Diário dos Açores de 19/02/2021)
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  • Israel teve durante décadas treino e planeamento para uma guerra NBQ com algum dos seus vizinhos e aplicar um antídoto em caso de araque. Além da enorme encomenda, foi só colocar o plano em prática.
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