CONTAMINAÇÃO NA ILHA TERCEIRA 3

Partilha-se notícia publicada hoje no jornal Diário Insular com o título: “DESCONTAMINAÇÃO LIGADA A DERRAME DE COMBUSTÍVEL”
e subtítulo: ” Estado português aciona NATO/SOFA para Cabrito”.

O Estado português vai acionar o acordo NATO/SOFA para lidar com o processo de descontaminação do Cabrito, zona da ilha Terceira que foi percorrida por pipelines de combustível e que verificou derrames ao longo de décadas.
A declaração conjunta da 40ª Comissão Bilateral Permanente Portugal- Estados Unidos da América, que se realizou em dezembro, avança apenas: “A Comissão Bilateral Permanente foi informada de que o pedido formal relacionado com o derrame de combustível no pit 18 do oleoduto do Cabrito está a ser finalizado pelo lado português, com vista a ser submetido ao 65th Air Base Wing (comando americano das Lajes) através do mecanismo de reclamações previsto no Acordo sobre o Estatuto das Forças da NATO (SOFA) artigo VIII”.
DI tinha apontado, em 2017, para o facto da “chave” para o processo de descontaminação residir no acordo NATO/SOFA.
O Acordo de Cooperação e Defesa entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América não prevê nada de concreto em matéria ambiental, mas, no entanto, remete para o NATO/SOFA (Status of Forces Agreement), o acordo multilateral estabelecido entre os estados membros da NATO (Organização do Tratado do Atlântico Norte).
Em concreto, o Acordo das Lajes refere que “os membros da força ou do elemento civil não podem ser demandados nos tribunais portugueses para satisfação de pedidos de indemnização de natureza cível resultantes de ato ou omissão em serviço”, sendo que “estes pedidos serão satisfeitos judicial ou extrajudicialmente por Portugal, que será reembolsado pelos Estados Unidos da América nos termos do artigo VIII, nº5, do NATO SOFA”.
O artigo indica que, no caso concreto de uma indemnização pela poluição causada na Terceira, o estado Português teria 25 por cento da indemnização a definir para pagar, ficando os EUA responsáveis pelo restante. “Quando apenas seja responsável um estado de origem, o montante da indemnização será repartido à razão de 25 % para o estado local e 75 % para o estado de origem”, define o NATO/SOFA.
Em abril do ano passado, já várias vozes defendiam que o processo de “descontaminação” ao longo do pipeline do Cabrito tinha sido mal conduzido.
Segundo o diretor regional do Ambiente, Hernâni Jorge, na altura ouvido pela Comissão de Assuntos Parlamentares, Ambiente e Trabalho (CAPAT), no Cabrito e na Cova das Cinzas os pipelines foram removidos e inertizados de forma eficaz, mas ficaram por descontaminar os terrenos envolventes, afetados por um derrame ocasional, fora do âmbito dos trabalhos de remoção e inertização.
“Os EUA pagaram indemnizações pelos prejuízos causados a esses proprietários, mas não foi feita a descontaminação dos terrenos”, disse, salientando que esse processo devia também ser garantido pelos norte-americanos.
Segundo o governante, em 2016 a intervenção incidiu sobre 12,5 km de condutas e foram retirados 218 mil litros de combustível e 23 metros cúbicos de solos.
Também ouvidos pela CAPAT, o professor da Universidade dos Açores Félix Rodrigues e o antigo funcionário da secção de Ambiente da Base das Lajes, Orlando Lima, apontaram para o que consideravam ser um deficiente trabalho de descontaminação.
“Houve um derrame grande no Cabrito em 2016, depois de já se ter alertado para o problema da remoção do pipeline e da sua inertização. Afinal, não tinha sido feita. Foi retirado o pipeline. Não tenho conhecimento da remoção dos solos que foram contaminados por esses derrames enquanto se fazia a própria remoção ou mesmo durante o seu uso”, afirmou Félix Rodrigues.

Face nuclear
A zona do Cabrito tem sido notícia também devido à suspeita de que o Pico Careca armazenou armamento nuclear no passado, com uma série de reportagens emitida pela TVI no final de 2018 a abordar o problema.
Uma das reportagens apresentou os resultados de análises a amostras de solos, realizadas pelo laboratório radiológico independente francês CRIIRAD.
Bruno Chareyron, diretor do CRIIRAD, viajou, em julho do ano passado, até à Terceira, depois de este laboratório ter identificado radiatividade artificial na ilha. Foram retiradas várias amostras de diversos locais.
“As medições que fizemos não nos permitem considerar que esta poluição é de origem local. Pode muito bem tratar-se do fallout global, porque, entre os anos de 1945 e 1980, houve mais de 500 ensaios nucleares na atmosfera”, afirmou, na reportagem do canal de televisão.
No entanto, avisou: “O nosso estudo é muito preliminar e mostra, mesmo assim, uma contaminação que merece ser aprofundada”.
Chareyon estranhava as conclusões tiradas pelo Laboratório de Segurança Radiológica do Instituto Superior Técnico, de Lisboa, que atribui a presença de alguma radiação artificial aos acidentes nucleares de Chernobyl e Fukushima e também aos testes nucleares efetuados na Guerra Fria pelos EUA, União Soviética e China, cujas consequências se propagaram pelo globo. “Não fazemos, de todo, as mesmas constatações. Por exemplo, os níveis de Césio 137 que medimos em certos solos em volta do Pico Careca são, digamos, dez vezes mais elevados, por vezes vinte vezes mais elevados que os níveis que foram medidos pelo organismo oficial português. Também ficámos bastante surpreendidos com o relatório de 2017, que dá impressão de ter sido redigido para banalizar a realidade”, disse.
O acionamento do NATO SOFA, contudo, não parece vir a abordar este problema, focando-se, de acordo com a declaração da última reunião bilateral Portugal-EUA, na contaminação por derrame de combustível.
Em abril do ano passado, o Congresso norte-americano exigia ao Departamento da Defesa dos Estados Unidos da América que produzisse um estudo sobre os sistemas de armazenamento de combustível da Base das Lajes.
A medida estava incluída num grupo de emendas à Lei para a Defesa dos Estados Unidos da América (National Defense AuthorizationAct for Fiscal Year 2018).
“Este relatório deve incluir uma avaliação de impacto da contaminação de solos devido aos sistemas de armazenamento de combustível pertencentes ao Departamento da Defesa na Base das Lajes, incluindo uma avaliação das causas da fuga do Pipeline do Cabrito”, avançava o documento.
Investigadores como Félix Rodrigues consideram que é necessário conhecer melhor a dimensão e a natureza da poluição existente na zona do Cabrito, para reunir os argumentos para acionar o NATO/SOFA de forma abrangente

Defende investigador Félix Rodrigues (UAç): Descontaminar às claras.

É sempre assim, explica o investigador da Universidade dos Açores, Félix Rodrigues: “Os processos de contaminação ocorrem às escondidas, de forma intencional ou acidental. Já os processos de descontaminação têm de ser realizados às claras, com a maior transparência possível”.
Félix Rodrigues utiliza o argumento para defender que os vários processos de descontaminação, incluindo o que se possa desenrolar no Cabrito ao abrigo ao acordo NATO/SOFA, devem ser seguidos por cidadãos e entidades regionais, com informação transparente disponibilizada ao público em geral.
Quanto ao Cabrito, teme que o processo se venha a revelar, uma vez mais, incompleto. “O que há é um conjunto de suspeitas, documentadas, apresentadas de forma muito clara pela TVI sobre armazenamento de materiais nucleares. Depois, quanto ao armazenamento de combustíveis e aos derrames que ocorreram e que estão registados, é difícil discutir em qualquer âmbito a questão da poluição, quando ninguém sabe onde foram colocar os resíduos resultantes de hipotéticas descontaminações”, lamenta.
Sublinha que tem sido o próprio Estado português a desvalorizar a dimensão do problema. “Tem sido apresentado um conjunto de argumentos,sistematicamente desvalorizado pelo governo português e pelos responsáveis norte-americanos. Não sei que resultados se podem esperar, sobretudo quando é o Estado português que aciona este acordo”, afirma.
A fotografia que uso nesta ilustração é da autoria de José Maria Botelho.

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