Confinamento, clausura, reclusão,A M Pires Cabral

Views: 1

Confinamento, clausura, reclusão — três palavras que dizem o mesmo, embora cada uma com as suas ressonâncias próprias.
Confinamento cai sobre nós com todo o peso e cruel frieza da terminologia jurídica.
Clausura, evocando o ambiente monástico, traz consigo a ideia de penúria e penitência.
Reclusão lembra o mundo opressivo de cadeias e penitenciárias, e o seu sentido colateral é expiação.
As três trazem consigo uma outra trindade de palavras: limitação, ausência, angústia.
Pessoalmente, não é a limitação espacial que me fere, desde que não traga consigo outras limitações, digamos, espirituais. Felizmente tenho em carteira o “quam satis” de sucedâneos que dispensem o ar livre: escrevo o meu versinho quando estou para aí virado; depois sarapinto uma ou duas aguarelas; depois atiro-me com unhas e dentes ao aperfeiçoamento da “Língua Charra”, o meu dicionário de regionalismos. Oiço rádio enquanto exercito essas práticas de subsistência e resistência, se me apetece; se não, prefiro fazer tudo isso em silêncio.
E claro, também uso um pouco de televisão — quase sempre um “zapping” entre o National Geographic e o Mezzo. Quando no National Geographic os crocodilos começam a deglutir gnus, salto para o Mezzo. Quando no Mezzo a música não é bem aquela que realmente me diz alguma coisa (e devo confessar que tenho gostos bastante primários em matéria de música: melodia acima de tudo!) salto para o National Geographic. De notícias, pouco: só o essencial até me começar a causar náuseas aquela insensibilidade brutal com que contabilizam os mortos, como se se tratasse de sacos de farinha.
O que me penaliza então? O que verdadeiramente me penaliza e custa a suportar é mesmo a segunda pessoa daquela trindade feroz: a ausência. É duro, para quem se afez a ter em casa o bulício, o desalinho e o permanente terramoto que são os netos, enfrentar agora a sua ausência — o vazio. Imagine-se que passou a fazer-me falta mesmo tudo aquilo que antes me enervava e por vezes enfurecia neles: as brigas constantes, as birras, as correrias, as pequenas maldades… Faz-me falta cantar para eles e ensinar-lhes cantigas. Fazem-me falta, pronto.
Daí até à angústia — até quando? meu Deus, até quando? — é um saltinho de pardal.
A minha Mulher e eu não somos os únicos a sentir em angústia a ausência do Pedro Miguel, da Maria, da Inês, da Margarida. As próprias letras magnéticas que há na porta do frigorífico em todas as casas onde haja crianças —, elas, que se divertiam tanto como as próprias crianças nos intermináveis jogos e mutações a que eram submetidas, parece que sentem a angústia destas horas do diabo, e amontoam-se a um canto, amuadas, à espera do dia em que de novo mãozinhas infantis as façam andar numa roda viva.

Image may contain: indoor