COMO O PS DILAPIDOU A SINAGA

Anterior governo “não agiu de forma correcta sempre numa atitude crispada e arrogante contra os accionistas continentais” da SINAGA Jorge Castanheira Cruz foi 16 anos administrador da SINAGA. Fala da ascensão e queda da empresa numa altura em que o Governo dos Açores decide pela sua extinção
Correio dos Açores – A fábrica de açúcar SINAGA chegou a ser relevante no contexto da actividade económica dos Açores até que, agora, o Governo decidiu extinguir a empresa. Pode, em traços gerais, falar da ascensão e queda da SINAGA? Jorge Castanheira Cruz (antigo administrador da SINAGA) – Desde os anos 70 o consumo de açúcar na Região Autónoma dos Açores começou a decrescer desde das 10.000 toneladas para as 6500 toneladas e a produção de beterraba em São Miguel decresceu consideravelmente. Faço notar que em 1986 a produção de beterraba era apenas de 6.000 toneladas o que equivalia a 600 toneladas de açúcar produzido. Das 200.000 toneladas de beterraba produzida na década de 60 apenas 3% eram produzidas no ano de 1986. Ao longo da sua história recente, a SINAGA – no tempo em que Emanuel Sousa era Presidente do Conselho de Administração – debateu-se com uma concorrência feroz de empresas nacionais que até eram suas associadas perante a incompreensão de alguns poderes ao criar restrições ao comércio do açúcar produzido na Região no espaço nacional. Quer descrever, em pormenor, este período e qual o seu impacto na empresa? Temos que considerar dois períodos distintos: Um, em que a Administração Geral do Açúcar e do Álcool (AGAA) tinha um monopólio de distribuição do açúcar no continente. Um outro, o período em que o monopólio desta empresa pública acabou e as duas refinarias de açúcar nacional passaram a controlar o mercado continental e a Região Autónoma da Madeira Estas duas empresas, posteriormente, vieram a ter uma posição acionista na SINAGA de 38% do capital após comprarem as acções pertencentes ao Grupo Bensaude. Com uma produção por parte da SINAGA diminuta era impossível concorrer com as empresas continentais que abasteciam o mercado com 300.000 toneladas de açúcar com ramas de cana importadas. Chegou a ser Administrador da SINAGA já num tempo em que nem tudo era um “mar de rosas” para a empresa. Qual a estratégia que seguiu nessa altura? Os estudos feitos sobre a matéria apontavam para a viabilidade da SINAGA a médio prazo? Fui, inicialmente, administrador da SINAGA e, no último ano, presidente do Conselho de Administração. Nessa altura definiu-se como estratégia aumentar a produção de beterraba em São Miguel através da mecanização da cultura, criando-se para efeito a Sociedade de Desenvolvimento Agrícola na qual eram também accionistas as duas fábricas tabaqueiras e uma fábrica de chicória. Assim, em dois anos, conseguiu-se atingir uma produção de 65.000 toneladas de beterraba das quais resultaram numa produção de açúcar de 6500 toneladas, quantidade esta praticamente suficiente para, na altura, o abastecimento regional. Porém, foi ainda necessário proceder, a muito custo, junto da Comissão Europeia à alteração do regulamento comunitário permitindo à SINAGA importar ramas de beterraba da quota comunitária (preços muito baixos) que permitia a custos marginais e em complementaridade, viabilizar então a SINAGA se a exportação de açúcar das mesmas se pudesse efectuar para a Madeira e continente. Foi possível, nessa altura, exportar para a Madeira, mas para o continente a SINAGA nunca teve abastecimento de ramas suficientes para, a custos marginais, ser concorrente a nível nacional. Sem o acordo das refinarias nacionais, era impossível atingir tal objectivo. Estamos sempre a falar de uma pequena indústria comparada com as duas grandes refinarias nacionais. Não lhe parece que devia ter havido um plano de negócios que, aproveitando a capacidade da SINAGA, pudesse diversificar o seu portefólio numa altura em que o mercado ainda tinha pouca oferta? A capacidade financeira da SINAGA nos anos 80 era diminuta embora tenha obtido resultados positivos durante vários anos que chegaram a atingir, num determinado momento, 126 milhões de escudos. Porém, e apenas utilizando uma conta corrente para abastecimento, a SINAGA era uma empresa sem passivo financeiro. Faço notar que o açúcar é um comódite e a procura não se faz pela marca, mas pelo preço. Relembro que, a partir dos anos 80, as pequenas fábricas de açúcar na Europa foram absorvidas pelas grandes indústrias dado a sua pequenez em termos de competitividade. Restaram apenas as grandes cooperativas europeias de beterraba. Neste período de dificuldades, os governos regionais de então poderiam ter feito mais pela SINAGA? O quê? E de que forma? Neste período, apenas a SINAGA conseguiu modernizar tecnologicamente parte do seu equipamento com o apoio do Governo Regional e uma compensação financeira pelo facto de estar obrigada a praticar um regime legal de fixação de preços máximos bem inferiores àqueles que poderia realmente praticar. Este regime foi alterado pelo Governo Regional passando a empresa a ficar condicionada pelos preços do açúcar que as refinarias nacionais poderiam colocar na região e pelo abastecimento de ramas altamente problemático na Política Agrícola Comum, com as quotas de beterraba a serem reduzidas drasticamente e os apoios comunitários à cultura serem extintos. Tais factos conduziram falência da empresa beterrabeira DAI no continente. O Governo dos Açores, quando assumiu a maioria do capital da SINAGA, agiu da forma correcta para garantir o sucesso da empresa? Nas decisões tomadas, os pequenos accionistas foram tidos em conta? Quer explicar? Não agiu de forma correcta, p pre uma atitude bastante crispada e arrogante contra os accionistas continentais. Nunca compreendeu o quadro da Política Agrícola Comum e os problemas que uma pequena indústria tem em termos de abastecimento de ramas de beterraba. Lembro que logo de inicio definiu uma estratégia altamente surrealista de exportar açúcar para a Polónia de forma a viabilizar a empresa. Nas reuniões das assembleias gerais em que tive oportunidade de participar como acionista minoritário nunca foi apresentado qualquer estudo nem sequer uma estratégia delineada para o futuro da empresa, muito embora diversas vezes solicitada, a fim de decidir o sentido de voto dos accionistas privados sobre o futuro da empresa que, entretanto, tinham sido afastados da Administração. Recordo que a SINAGA, nessa altura, comprava açúcar à RAR para ser embalado com a marca SINAGA nos Açores pensando que os consumidores compram o açúcar pelo rótulo da empresa e não pelo preço. Mais surrealista foi a relação financeira estabelecida com a fábrica de cervejas Melo Abreu. Qual delas em pior circunstância em termos financeiros? Que rumo deveria ter seguido o Governo, enquanto sócio maioritário, para viabilizar a SINAGA? A beterraba deixou de ter viabilidade para a produção de açúcar ou, no seu entender, havia alternativas para manter a indústria? Muito se tem falado sobre a construção de uma nova unidade industrial de produção de açúcar, mas ainda não vi qualquer estudo que suporte a viabilidade de uma pequena unidade industrial no sector açucareiro europeu, com a actual Politica Agrícola Comum. Relembro, mais uma vez, que o açúcar é um comódite e é com tal que deve ser encarado e gerido. Quer acrescentar algo mais, no âmbito desta entrevista, que considere importante? Fui 16 anos administrador da SINAGA e os meus conhecimentos sobre este sector não vieram da função pública mas foram aprendidos, ano após ano, pelo contabilista e altamente conhecedor da matéria de então José António Mota Amaral e pelos administradores das duas empresas nacionais altamente competentes que estavam representados no Conselho de Administração. Por último, pois vejo muitos a pensar e a analisar uma nova fabrica mas gostaria de ver as suas conclusões. Realço que o sector do açúcar deixou de ser o principal negócio das refinarias nacionais. Aguardo com alguma curiosidade o estudo sobre a nova empresa de açúcar que pretendem instalar relembrando que a rentabilidade da cultura e a rentabilidade da indústria são coisas diferentes e que só a politica as pode tornar coincidentes mas devem estar cientes dos custos que tal decisão acarreta. João Paz