comer bem em sao miguel

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Sejamos sinceros, até há bem pouco tempo comia-se mal em São Miguel. De uma forma geral o cenário na restauração era pobre, monótono e, em muitos aspectos, francamente triste. Mas, e para continuarmos na campo da honestidade, a culpa por este ambiente gastronómico desertificado era tanto dos restaurantes como dos clientes. Os primeiros espartilhados entre uma sazonalidade acentuadíssima e uma falta de imaginação crónica. E, os segundos presos pela escassez dos mesmos. Sem clientes é impossível haver bons restaurantes e os Micaelenses são conhecidos por ir pouco a restaurantes. Em São Miguel, para se comer bem, era preciso ser-se convidado a casa de alguém, onde uma avó, ou uma mãe, ou, em alguns casos raros, um distinto cavalheiro epicurista, nos receberiam com uma opípara ementa de delícias regionais, todas à base de forno ou de panela, para um repasto digno de memória. As serras assadas, os molhos afonsos, o feijão, o polvo guisado e outros clássicos da gastronomia familiar regional, completados com o arroz doce e os licores caseiros. Na restauração, costumava dizer-se que em São Miguel não havia bons restaurantes mas bons pratos. Algumas casas especializavam-se em determinadas confecções ganhando fama pelo bife, o filete, os chicharros impecavelmente fritos e outros marcos da cozinha regional. Da Ryanair para cá a coisa, felizmente, mudou de figura. Hoje já temos em São Miguel um punhado de bons oásis no que era antes um deserto gastronómico. Não só aumentaram os clientes sazonais, como aumentou também o poder de compra dos consumidores locais o que, acompanhado pelo bom trabalho da escola hoteleira e a irreverência e o empreendedorismo de alguns jovens chefes e empresários, dotou a ilha de uma nova e entusiasmante narrativa gastronómica tão longe do “vais comer e vais gostar”, dos pratos derramando Juliana de Alface arroz branco e pimenta da terra com carne ou do recorrente bater com o nariz na porta às oito e meia da noite. Um desses recantos de bom comer, que são dois, são as casas do Sr Abel, o Bar da Caloura, primeiro, e a Casa do Abel mais recentemente. O Sr Abel é o exemplo clássico do velho adágio de que em terra de cegos quem tem olho é rei. Numa ilha de peixe fresco tantas vezes assassinado no forno ou em óleos rascos o Sr Abel apostou nos grelhados e nos deliciosos refugos da lota. Onde se fritavam lombos de vaca em vinho e alhos com pimenta da terra o Sr Abel apostou em carnes nobres devidamente maturadas e com respeito pela confecção. Agora, o Sr Abel e o seu filho Nelson apostam naquela que é uma das melhores localizações da ilha e no colmatar de uma inadmissível lacuna desde os tempos da saudosa Marisqueira da Lagoa. O BocAberta, no Porto dos Carneiros, na Lagoa, onde tive recentemente o prazer de almoçar em modelo de soft opening promete vir a ser um dos, se não o melhor, restaurante da ilha e, a julgar pela ementa, ao que consta com consultoria da dupla Cláudio Ponte e Joao Couto, que faz justiça ao melhor do que se espera de um lugar deste tipo, mesmo reinterpretando os clássico de cervejaria, não será só por ser a melhor esplanada da ilha com o olhar espraiado no horizonte e na calma de deliciosos fins de tarde de verão… um clássico instantâneo.
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