Com o Livro é diferente!

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Com o Livro é diferente!
Observar estas imagens, algumas que de outra forma eu tinha já visto, sempre rigorosamente retangulares no ecrã do PC (então passando-as a toque de dedo na tecla ➡️), é agora também sentir o peso do volume no colo, passar os dedos, prazerosamente, pelo papel macio usado pelo editor, sentir a resistência das folhas ao passá-las… E as imagens dobram-se e recuperam a forma em cada virar da página.
As que se estendem em 2 páginas a par – não poderia gostar mais da das pp. 88/89, da das pp. 92/93… – guardam na dobra do livro formas e tons de cor que os píxeis do PC nivelam no plano de todas as outras, como se as desnudassem. Mas numa pornografia do nu. Que na vida tudo não é dado por igual, assim também acontece com o livro.
Tanto as imagens que já conhecia, quanto as que encontro nesta versão final da belíssima obra de Paulo Abrantes e de Lara Kantardjian, fazem agora parte deste mundo em que me encontro ao sentir o conforto da tepidez da tarde, o som dum automóvel a passar, no espaço que fica de um outro lado de onde estou, no tempo em que ele passa e que depois dura no silêncio… É neste tempo e neste espaço onde fazemos e sofremos a diferença uns para os outros – o peso nas pernas, o som que se eleva e apaga sem botão de “off” com que eu o pudesse anular, “delete” como se pudesse nunca ter existido – é neste mundo onde me posso encontrar que essas imagens me chegam agora, e me deixam também aqui as encontrar.
É diferente com o livro.
Folheei-o a partir do princípio, como manda o costume. Mas a sorte e talvez qualquer inconsciente disposição da hora me parou na p. 73, podia ter sido noutra. Uma imagem que poderia ser de G. de Chirico: sequências de arcos e outras formas arquitetónicas, espaços abertos, 2 vultos anónimos que, simplesmente, estão ali. Como estamos nós perante tudo isso, como se o víssemos pela 1ª vez.
(À atenção de quem vive em ou conhece Ponta Delgada: a mesma referência, ainda que menos vincada, poderá ser feita à fotografia no par de pp. 128/129🙂)
Noutras páginas, o grão da imagem e o contraste do preto e branco são mais como as pinceladas impressionistas que nos dão a ver as pequenas visões com que normal e distraidamente compomos os objetos para onde julgamos olhar. Outras, têm as emoções duma novela romântica (na p. 483 referi a da p. 56, também a que lhe está ao lado).
Essas e outras fotografias, todas são “obra de arte” porque – assim me ocorre – tanto dão algo a ver quanto dão a ver uma forma, aquela usada em cada fotografia (romântica, impressionista, “metafísica” ou já surrealista…), de assim precisamente o ver.
Numa obra de arte – e por isto é que ela o é – trata-se tanto daquilo de que se trata quanto da forma de o tratar.
Mas só assim, só nesse recuo daquilo para onde apressadamente costumamos seguir a olhar, é que as coisas (e nós próprios) que nos chamam a vê-las através de cada 1 daquelas formas se nos dão a ver-se, ali, do outro lado do exercício de cada forma de as ver.
E nessa altura, elas e nós, co-nascemos num mesmo mundo – o da “connaissance”.
O mundo onde me encontro na pressão da poltrona contra as coxas, nádegas e costas que me compõem. Onde há pouco sentia no colo o peso maleável do livro e agora o da rigidez deste PC em que passei a escrever. Mas onde já de seguida voltarei a sentir nos dedos a macieza das folhas dele, do livro, cujas páginas dobrarei com cuidado deixando oculto o que só teria por violação, demorando-me antes nas imagens que se sucedam. É esse mundo o que daí emergirá.
Assim me guie, ao folhear, a sorte ou alguma disposição da hora.
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  • Miguel S. Albergaria

    para adquirir integralmente e em papel, creio que só para quem for a Londres, na grande livraria Waterstones (que valerá a visita além desta razão!). Mas pode-se encomendar aqui e entretanto ficar tb com 1 ideia da obra de Kartardjian e Abrantes: https

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