COLONIALISMO, COMBATENTES E FALTA DE RESPEITO, Crónica 345. 7.7.2020

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COLONIALISMO, COMBATENTES E FALTA DE RESPEITO, Crónica 345. 7.7.2020

 

Fartei-me das não-notícias, da TAP, da SATA, da EDP, das bacoradas do ministro do desensino, das falhas da saúde, da desvergonha dos CTT, dos confinamentos desconfinados dos turistas, dos testes e dos infetados, dos prejuízos da Atlanticoline, das estátuas e da imbecilidade do politicamente correto… é tempo de pensar e corrigir os verdadeiros males. Venero a liberdade de expressão que permite, a todos os que pensam de forma contrária à minha, se manifestem (mesmo com ameaças, ódios e insultos). Por aí não vou e agradeço a quem me deu a liberdade que tanto prezo e pela qual lutei nos jovens anos, antes de ser obrigado a ir “defender as colónias” de arma em riste, feito máquina de guerra, eu, que nunca andei à pancada com ninguém. Sem o 25 de abril não haveria a liberdade e os melhores da minha geração teriam continuado a verter o sangue em África. Sem o 25 novembro 1975, o país dividir-se-ia ao meio numa guerra civil fratricida como a de Espanha, décadas antes, com o Norte e os Açores a recusarem a ditadura do proletariado. Haja a decência que se deve aos que morrem ou estaremos a caminho de um Trump em cada esquina.

 

Há temas chamados fraturantes, demasiado incómodos para contestar, e desde há muito não discuto com ninguém futebol, descolonização ou religião. São experiências pessoais que em muito transcendem a lógica argumentativa e duma disputa dessas nunca sairia resultado útil. Dito isto e respeitando as opiniões contrárias (não disse concordando), contraponho a quem diz que a descolonização das “províncias ultramarinas” foi catastrófica e não uma descolonização exemplar, como nos querem fazer crer, que não foi nem uma coisa nem outra. Foi a possível, fora de tempo, forçada pelos grandes interesses das potencias mundiais num enorme jogo de dominó em que se manipularam os inexperientes portugueses saídos do 25 de abril. Não foi nem melhor nem pior do que as restantes feitas por países mais poderosos como o Reino Unido, Alemanha, França, Austrália, Bélgica, etc. foi, certamente, má, nem mais nem menos que as restantes. Inábil, atabalhoada e manipulada de fora. Os desgraçados que lá viviam foram a moeda de troca, enxovalhados ao serem chamados “retornados” e espoliados da vida, dos bens, do futuro, do trabalho. Nem todos eram racistas ou negreiros, nem todos eram salazaristas (embora muitos o fossem). Tiveram de recomeçar do nada e ficaram para sempre ressabiados, com razão, mas a vida continua e temos de andar para a frente. Também fiquei impedido de regressar a Timor (e Bali) pela saída atabalhoada do governo português para a ilha do Ataúro (agosto 1975) e pela invasão colonial da Indonésia a 7 dezembro 1975. Toda a vida teve de ser planeada, de novo, após a guerra colonial, e posta à prova. Como pude e soube recomecei em Macau, Austrália e, mais recentemente, continente e Açores.

 

De uma enorme devastação psíquica, mental e psicológica que os anos de guerra colonial (mesmo em Timor) me causaram e subsequente reajustamento a novas sociedades e culturas, fiz disso uma mais-valia multicultural enriquecedora. Não me ando a queixar eternamente do infortúnio. E se admito que a minha noção de patriotismo nada tenha a ver com a dos restantes, quando fui amnistiado por Spínola e fui a Bali e Austrália, não entendo como o povo português continue calado e tolere mais de mil corpos de combatentes abandonados em campas rasas em Angola. Intolerável, isto só comprova a teoria, que nós, especialmente os oficiais milicianos, não éramos senão carne para canhão. É a falta de respeito pela memória dos mortos e estropiados que é inadmissível, mas sobre ela raramente se fala. Pior estão os ex-combatente dos EUA que morrem nas ruas, onde nem sobrevivem com doenças e SPT (stress pós-traumático), abandonados pela sociedade que os espoliou dos melhores anos de vida em troca de uma mancheia de nada. Não sigo as campanhas eleitorais, pois de promessas fartas e incumpridas anda este eleitor cheio, mas não devo errar se disser que nem um político atual, se deve ter lembrado dos desgraçados dos ex-combatentes, em avançada idade como eu, ou mais velhos, sem uma pensão condigna, sem acompanhamento eficaz do SPT e outras maleitas além da idade. É a indiferença, o esquecimento, desprezo pelos que deram os melhores anos da juventude que magoa e me afasta de promessas políticas de quatro em quatro anos. Assim será sempre, até ao dia em que o sol não nasceu, a chuva não caiu, a maligna carne de vaca não se comeu e em que eu (que não vendo livros) deixe de os escrever.