PICO E A DIÁSPORA ESQUECIDA, JOSÉ GABRIEL ÁVILA

(artigo publicado no Semanário ILHA MAIOR de hoje)
Diáspora esquecida
Os picoenses são considerados, tradicionalmente, gente resiliente, corajosa, destemida e empreendedora.
Basta olhar para a paisagem e nela se atesta a valentia que os habitantes da Ilha Montanha demonstram na divisão e repartição da terra, no cultivo das vinhas em currais cercados por pequenos pedaços de basalto negro, no cuidado em proteger os pomares de fruta das invernias mais rigorosas, no cultivo das hortas do pé-de-casa trabalhados com alviões, pois as enxadas não dão pão.
A história desta ilha é feita de partidas para longes – terras-de-nunca-mais.
Primeiro para os brasís, por “casais” sonhando com riquezas que tarde ou nunca fizeram, ocupando superfícies incultas para demarcar a posse de territórios do sul, que a coroa espanhola ameaçava para firmar a sua supremacia na América do sul.
Mais tarde na América do norte ainda não unificada, foram em busca do ouro da Califórnia, que tanta riqueza deu aos nossos emigrantes, regressados mais tarde com as águias que compravam propriedades aos terra-tenentes para demonstrarem o bom-sucesso das suas vidas.
Está ainda por fazer a história desses picoenses de ontem e de hoje que adquiriram terras e construiram novas casas, passando a ser os novos homens ricos da ilha.
É tarefa difícil, é certo, pois os arquivos históricos não se encontram ao alcance dos investigadores e os arquivos paroquiais não se sabe que destino tiveram. Desse acervo, grande parte foi transferida para as ex-capitais e os que se mantém nas repartições da fazenda pública,carecem de cuidados especiais que não estão ao alcance dos investigadores.
De há mais de meio século para cá, alguns investigadores, recorrendo à “memória das gentes” como Dias de Melo e Joanne Pourcel, conseguiram acautelar muito desse espólio cultural, como já antes o tinha feito em narrativas literárias Nunes da Rosa, ou em pesquisas históricas, Lacerda Machado. Outros se lhes seguiram, como o Professor Ávila Coelho, Ermelindo Ávila, Pe José Idalmiro Ferreira e o Historiador Avelino Menezes.
Todos eles, e outros que lhes seguiram, continuam a abrir as portas do conhecimento histórico desta ilha, cujo percursor foi Gaspar Frutuoso.
O tempo, todavia, não parou e muito falta ainda aprofundar para se saber como é que esta Ilha – a nossa Ilha – evoluiu e que constrangimentos a impediram de ter o lugar que merece no contexto sócio-económico do arquipélago.
O Pe Xavier Madruga, conceituado jornalista e orador sacro, nas suas “Cartas da América”, publicadas entre 1946 e 1950 no semanário O DEVER de que era diretor, e recentemente editadas em livro pelo Núcleo Cultural da Horta, faz menção muito pormenorizada sobre a atividade desenvolvida por muitos picoenses residentes na costa leste e na Califórnia, bem como as iniciativas culturais e religiosas desses emigrantes, muitos dos quais bem sucedidos e conceituados naquele país.
O desígnio de melhoria de vida dos que partiram após o Vulcão dos Capelinhos continuou até nós, embora com contornos diferentes.
Essa geração está, naturalmente a extinguir-se, mas é vê-los quando regressam: o seu amor à terra que os viu nascer, a facilidade de integração nas pequenas comunidades e as facilidades financeiras e de bem-estar que dispõem.
Esses conterrâneos emigrados para os EUA e Canadá, transportam estórias de vida que nos enriqueceriam, se conhecidas por todos.
Seria esse um processo de se fazer a história da emigração dos picoenses, alguns dos quais viveram e vivem no extremo-oriente – em Macau e Timor -, e muitos, muitos milhares no Brasil, nos Estados Unidos e Canadá. Alguns já o fizeram, contando eles próprios as suas histórias de vida e de sucesso, mas muitos mais mereciam esse trabalho.
Reconheço existir alguma relutância em reconhecer o sucesso dos nossos compatriotas, construído na luta diária, no sacrifício, na vontade intrépida de vingar em terra estranha, com língua, cultura e hábitos diferentes.
Para os que aqui ficámos, com vontade de partir ou não, esses cidadãos são sangue do nosso sangue e o seu mérito releva as qualidades humanas e dignifica-nos como povo.
Neste fim de verão que, em circunstância normais, seria um tempo de regressos, é importante termos a noção de que a Ilha Maior repartiu-se por continentes onde fizemos chegar a nossa identidade e valor.
Por tudo isto, valeram bem a pena as lágrimas de saudade sumidas em lenços brancos decorados de corações apaixonados e partidos.
José Gabriel Ávila
jornalista c.p. 239 A
Jose Manuel R Barroso, Ricardo Branco Cepeda and 5 others
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