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Chega: seita nacional, flop local
Os fiéis são crédulos no grande líder, mas não adoram as pagelas: o “impensável” aconteceu mesmo e o partido de André Ventura não conseguiu a desejada implantação autárquica.
Um líder carismático com autoridade total, manipulação psicológica e social dos seguidores, crença numa verdade milagrosa, uma estrutura interna rígida e hierarquizada, tendência para o isolamento.
Se esta é a descrição de uma seita religiosa, a verdade é que se aplica também à política.
E em particular ao Chega e à sua relação com o eleitorado.
E se André Ventura tem sido bem-sucedido a evangelizar o povo para confiar nele para o Governo à base do protesto e do soundbite, domingo ficou claro que não conseguiu plantar “santinhos” igualmente adoráveis por esse país fora.
Os fiéis são crédulos no grande líder, mas não tanto nas pagelas: (pseudo) Messias há só um, Ventura e mais nenhum.
A política tem destas coisas: o Chega ganhou as suas primeiras três câmaras e mais do que quadruplicou os resultados face a 2021,
mas foi mesmo o grande perdedor destas eleições autárquicas, ficando muito aquém de todas as expectativas sonhadas e declaradas.
A desilusão ao nível local foi brutal.
O Chega pode ter conseguido a Câmara do Entroncamento, mas saiu-se um fenómeno do Encolhimento:
mingou para menos de metade a votação das Legislativas e “só” foi até aos 654 mil votos.
O líder Ventura chegou a aventar 60 câmaras, declarou o objetivo das 30 e viu o seu coordenador autárquico traçar a meta das dez.
E se disse e repetiu que “era impensável” que o partido tivesse menos votos do que o CDS e a CDU, mais uma vez não pensou bem no assunto.
É que o que lhe era inimaginável impôs-se: só atingiu metade das câmaras do CDS (6) e um quarto das da CDU (12),
dois partidos que o líder do Chega despreza e aos quais vaticinou o fim, mas que, apesar de tudo, se aguentaram.
Apesar de ter colocado quase toda a bancada da Assembleia da República como cabeças de cartaz, o povo não aderiu.
As pessoas querem Ventura como porta-voz para o seu ressentimento em Lisboa, mas preferem outros a gerir-lhes as questões de proximidade do dia a dia por esse país fora.
Os populistas de pantufas Bruno Mascarenhas em Lisboa e Miguel Corte Real, no Porto, não convenceram.
Rita Matias faz vídeos que bombam no TikTok, mas não disparou em Sintra:
ficou-se pelo terceiro lugar, bem atrás do PSD e do PS, ambos com mais de 30%.
Em Oeiras, Pedro Frazão vinha com taxas de autoconfiança em máximos, mas acabou a noite com uma taxa de votação em mínimos:
só chegou aos 8%, atrás de Ana Sofia Antunes, do PS, a invisual que apostou na mensagem da inclusão.
Isaltino, como era esperado, esmagou com 62% e “limpou o chão” autárquico com o Andrezito e o Pedrito, conseguindo mais um vereador para a sua maioria absolutíssima.
Notório foi o facto de o Chega ter começado logo com o pé extremo-direito:
o primeiro presidente de câmara eleito (José Carlos Gonçalves, na Madeira) agrediu o delegado do PSD na assembleia de voto.
Habituem-se…
A outra derrotada da noite foi a Iniciativa Liberal.
Esteve melhor do que em 2021, é certo, mas não conseguiu implantação autárquica, não ganhou nenhuma câmara
e ficou-se por uns parcos dois vereadores, um em Braga (Rui Rocha) e outro em Castelo Branco.
Poucochinho.
O partido da ambição que quer acelerar Portugal não consegue sair do passo de caracol.
Por outro lado, as notícias da morte do bipartidarismo ao nível local eram manifestamente exageradas.
No país real, o centrão está bem e recomendou-se.
O PSD foi o grande vitorioso da noite em todos os critérios relevantes:
conseguiu os dois bastiões de Lisboa e Porto, as cinco câmaras mais populosas do país e a Associação Nacional de Municípios.
Luís Montenegro está de parabéns: ganhou um boost de energia com o facto de poucos se terem mostrado agastados com o rumo do seu governo minoritário
(nem com os seus problemas de falta de transparência na Spinumviva).
Em Lisboa, a vitória foi do mérito de Moedas e do seu vertiginoso marketing pessoal, mas também do demérito do frentismo de esquerda liderado por Alexandra Leitão – um erro que se adivinhava.
Já o PS teve um mau resultado e deixou de ser o maior partido autárquico,
mas não foi a “hecatombe” das Legislativas (palavras do próprio José Luís Carneiro)
e até teve algumas vitórias de consolação que lhe dão ligeiro fôlego:
roubou cinco capitais de distrito ao PSD, incluindo o tradicional “Cavaquistão” de Viseu e a câmara laranja de Bragança.
No Algarve, onde se esperava um grande resultado do Chega, o Partido Socialista manteve-se o mais votado (e até aumentou em número de votos),
alcançando 11 câmaras, incluindo a capital de distrito.
O povo ordenou (dentro de ti, ó cidade), está ordenado.
Mafalda Anjos.
CNN Portugal, 13 de Outubro de 2025.