CÉSAR E CABRITA POR ANTÓNIO BULCÃO

César e Cabrita
Carlos César acha que tentar retirar vantagens políticas do acidente de viação que envolveu o automóvel oficial de Eduardo cabrita é “imoral”.
O Presidente do PS tem andado relativamente calado. O que, no caso dele, constitui uma enorme vantagem. Sim, porque quando fala muito, diz muitas asneiras e a coisa passa. Dizendo apenas uma asneira de vez em quando, nota-se mais.
Quem pede a demissão de Eduardo Cabrita, não o faz apenas por causa deste acidente. Fá-lo porque o ministro chegou a um estado tão deplorável que já não merece ser de Estado.
Mas os socialistas gostam desta manta corporativista que cultivam desde sempre. Tentam proteger-se uns aos outros, mesmo quando já é óbvio que o visado está condenado. Jorge Coelho verbalizou: “Quem se mete com o PS, leva”. Mas lembro-me igualmente de Mário Soares, quando foi visitar Sócrates à cadeia. “Todo o PS está contra esta bandalheira”, afirmou, antes de chamar malandros aos agentes da Justiça que tinham ordenado e efectuado a detenção e, posteriormente, a prisão preventiva. Grande separação de poderes, na mente de um homem que foi 1º Ministro e Presidente da República… Grande respeito pela Justiça…
César também foi a Évora. Mas preferiu não falar, quando saiu da visita. Só muito depois, quando ficou claro que Sócrates teria mesmo culpas no cartório, é que veio confessar a “vergonha do PS”, que, no caso do arguido, era “maior porque tinha sido 1º Ministro”. Os evidentes indícios da prática de crimes não lhe bastavam, no início. A vida luxuosa que Sócrates levava não insultava a ideologia que diz professar.
Cabrita só sobrevive pela defesa teimosa destes amigalhaços. Lembrando as golas anti fumo que afinal eram inflamáveis, as falhas no SIRESP, sucessivamente ignoradas, e a morte do cidadão ucraniano às mãos de inspectores do SEF, parece miraculosa a sobrevivência deste ministro. Fosse-o de uma governo de direita, e Augusto Santos Silva já muito tinha malhado, ele que “gosta é de malhar na direita”, cerrando fileiras com Costa e César.
Ignoremos, no entanto, estes erros de governação por parte de Cabrita. Fixemo-nos apenas no acidente. Seria suficiente para que alguém exigisse a sua demissão?
Se tiver sido mesmo um acidente, claro que não. Um acidente é um acontecimento casual ou inesperado, provocado de forma não intencional. Viesse o automóvel dentro dos limites de velocidade impostos pelo Código da Estrada, na sua mão, e o trabalhador tivesse saltado para a frente do veículo, de repente e de forma a não permitir qualquer manobra de recurso, era mesmo um acidente e nenhuma culpa haveria a atribuir. Acontece a qualquer um…
Só que há notícias de que o carro seguia pelo menos a 200 km/hora. Na faixa de circulação errada. Que não há rastos de travagem. Não sei se foi assim ou não. Mas, se assim foi, já não é um acidente, mas um homicídio por negligência.
Se tiver havido crime, podemos afirmar que o Ministro é culpado? Só se tiver ordenado ao motorista que excedesse a velocidade permitida, ou apercebendo-se da violação das regras estradais, nada tenha feito para que o seu subordinado as passasse a cumprir.
Não sabendo como as coisas se passaram, limitamo-nos a constatar que o comportamento de Cabrita é muito estranho. Escondeu-se atrás do Presidente da República, atrás do seu próprio estatuto ministerial, fez sair um comunicado em que afirmava não haver sinalização de trabalhos na via e que a culpa foi do trabalhador vítima do embate. Desmentido pela Brisa, que veio dizer estarem os trabalhos devidamente sinalizados, restava a Cabrita fazer o que devia ter feito desde a primeira hora: falar.
Ele é que estava lá. Ele é que viu como tudo se passou. Ele é que tem o dever de contar os factos. E se o carro seguia a velocidade regular, na sua mão, nada tem a temer por falar. Morreu uma pessoa, Senhor Ministro. Que estava a trabalhar. Que tinha mulher e filhos. Mereciam a sua presença no enterro, seja ou não culpado. Chama-se a isto respeito.
A moral é um conjunto de regras, costumes e formas de pensar e agir, que define o que devemos ou não devemos fazer em sociedade. Ficar em silêncio perante uma morte que, com ou sem culpa, foi provocada por um veículo onde seguia, é que é imoral. Não é pedir a demissão de um sujeito que vai à sua vida, como se nada se passasse, e se recusa sucessivamente a esclarecer o modo como ocorreu a morte de alguém que estava a trabalhar numa via sob administração do seu ministério, provocada por um carro em que o próprio ia dentro. Quem, dos que me leram agora, procederia desta forma, com ou sem culpa?
António Bulcão
(publicada hoje no Diário Insular)
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