cegueira solidária SANDRA FERNANDES

A cegueira solidária

O mundo que, a bem da verdade, nunca dorme, acordou. Acordou para mais um dia .
As pessoas vão sair à rua sem instalarem as funções mais importantes do ser (se) humano: a educação, a verdade e a compaixão.
Chegam ao trabalho já em modo “não me aborreças”. Na maioria das vezes chegam em modo “ não dou Bom Dia a ninguém” e ainda muitas delas, saem de casa já a odiar quem dormiu a seu lado…
Vivemos num mundo em que dizer as verdades é injurioso. Falar o que se sente é fora de moda e educar as crianças é tarefa das escolas.
Eu já cheguei à escola a saber pedir por favor e a pedir perdão, a saber levantar-me para que um idoso ou uma grávida se sentasse no autocarro, a saber esperar pela minha vez para falar.
Eu já cheguei à escola a saber que os mais velhos eram figuras de autoridade e a saber respeitá-los, não por medo, mas por respeito. E desenganem-se aqueles que acreditam que tive uma família dita tradicional e perfeita. Faltou-me o acompanhamento de um pai, mas sobrou-me assertividade de uma Mãe!
Eu acredito que, quando nos falta uma mãe de jeito nos falte tudo. Quando uma mãe não ama a sua cria não há remédio que cure.
É certo que há pais a fazerem um excelente trabalho, mas na maioria quando falha o pulso de uma mãe na hora certa e um colo de mãe na hora incerta, deve faltar tudo.

E o mundo voltou a acordar.
Muitos são os que continuarão a achar que as frustrações alheias não lhes tocam e que, os problemas da casa ao lado não lhes poderá bater à porta…
Dia a pós dia, a vida exige-nos presença. É como na alimentação. Durante um só dia o nosso organismo necessita de alimento várias vezes. Assim é com o nosso espirito e o nosso compromisso com a vida. A cada momento é preciso repetir as regras e relembrar os valores, a cada dia é preciso relembrar que o mundo não é só nosso e que o partilhamos com tantos outros. É preciso perceber que não adianta participar em campanhas de recolha de resíduos para melhorar o ambiente, enquanto se descora da educação dos que dependem de nós, e com os quais temos uma obrigação para a vida, deixando as suas vidas um caos cheio de lixo…
E depois há quem ainda (te) critique por seres frontal, exigente e responsável. Criticam-te por fazeres valer os teus direitos e cumprires os teus deveres. Recriminam-te por não seguires o rebanho da cegueira solidária, em que ninguém fala para “não se chatear”, porque não “é nada com ninguém” e não têm “tempo a perder”…

Eu já cheguei à escola a saber que se as pessoas nunca forem responsabilizadas pelos seus atos, elas nunca serão cidadãos responsáveis.

Sandra Fernandes