Categoria: TIMOR história e memorias

  • poemas dedicados a timor no dia em que a indonésia invadiu

    poemas dedicados a timor no dia em que a indonésia invadiu

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    pintura de margarida bem madruga, oferta ao cnrt, timor-leste, 1999

     

     

     

     

     

     

     

    timor excertos d epoesia dedicada a timor do livro CRÓNICA DO QUOTIDIANO INÚTIL DE CHRYS CHRYSTELLO, 40 anos de vida literária 2011 ed calendário de letras v n gaia.

     

    547. eleições sem lições em timor, 8 julho 2012

     

    díli 23 setembro 1973

    cheguei hoje a timor português

    a vinda marcará a minha vida para sempre

    sem o saber nunca mais nada será igual

    o futuro começa hoje e aqui

    entrei no tempo da ditadura

    sairei na democracia adiada

     

    na bagagem guardo sabores,

    imagens e odores

    sonhos de pátria e amores

    divórcios e outras dores

     

    cheguei sem bandeiras nem causas

    parti rebelde revolucionário

    tinha uma voz e usei-a

    tinha pena e escrevi sem parar

    pari mais livros que filhos

    para bi-beres e mauberes

     

    48 anos de longo inverno da ditadura

    24 de luta independentista

    agora que a lois vai cheia

    e não se passa na seissal

    já maromác se apaziguou

    crescem os lafaek nos areais

    perdida a riqueza do ai-tassi

    gorada a saga do café

    resta o ouro negro

    para encher bolsos corruptos

    sem matar a fome ao timor

     

    perdido nas montanhas

    sem luz, água ou telefone

    repetindo gestos seculares

    mascando sempre mascando

    o placebo de cal e harecan

    mas com direito a voto

    para escolher quem o vai explorar

    sob a capa diáfana da lei e ordem

    do cristianismo animista

     

    oprimido sim

    mas enfim livre.

     

     

    548. queria ser toké 11 julho 2012

     

    eu queria ser toké e contar o que vi

    desde que partiste em 1975

     

    queria saber falar

    dar os nomes os locais e os atos

    de todas as atrocidades, violência e mortes

    que testemunhei mudo na minha parede

     

    eu queria ser toké e escrever tudo

     

    queria contar o que não querem que se saiba

    queria contar o que não queriam que se visse

    queria contar os gritos que ninguém ouviu

     

    queria ser água e apagar os fogos

    que extinguiram a nossa história

    como se não fora possível reconstruí-la

     

    queria ser pássaro e levar nas asas

    todos os que foram chacinados

    violados, torturados e obnubilados

    voar com as crianças que morreram de fome

    as mulheres tornadas estéreis

     

    tanta coisa que queria dar-te timor

    e não posso senão escrever palavras

    lembrar teu passado heroico

    sonhar futuros ao teu lado

     

     

    549. alucinação na areia branca (timor) 11 julho 2012

     

    era maio em 1975

    havia luar na areia branca

    sem ondas na ressaca

    caranguejos azuis na fina areia

    baratas voadoras à frente dos faróis

    eram pequenos os lafaek e raros

    quase se ouviam os corais a falar

     

    ao longe sem luzes em díli

    o escuro dos montes

     

    entre nós e o ataúro

    deslizavam barcos espiões

    antecipavam a komodo

    ensaiavam invasões

     

    corri a alertar

    ninguém quis ouvir

    escrevi e denunciei

    chamaram-me alucinado

     

    nunca imaginei o genocídio

     

     

     

     

     

     

    550. timor nas alturas 15 julho 2012

     

    queria subir ao tatamailau

    pairar sobre as nuvens

    das guerras, do ódio, das tribos

    falar a língua franca

    para todos os timores

     

    queria subir ao matebian

    ouvir o choro dos mortos

    carpir os heróis esquecidos

     

    queria subir ao cailaco e ao railaco

    consolar as vítimas de liquiçá

    beber o café de ermera

    reconstruir o picadeiro em bobonaro

    tomar banho no marobo

    ir à missa no suai

    buscar as joias da rainha de covalima

    passar a fronteira e voltar

    chorar todos os conhecidos e os outros

     

    e quando as lágrimas secassem

    à minha palapa imaginária regressaria

    à mulher mais que inventada

    um pente de moedas de prata ofertaria

    vogando nas suas ribeiras e vales

    sussurrando no espesso arvoredo

    desaguando no vale de vénus

     

    nos seus beiros navegaria

    ao ataúro e ao Jaco rumando

    desfrutando a paz e as belezas ancestrais

    ouvindo os tokés e as baratas aladas voando

    os insetos projetados contra as janelas

    atraídos pela luz do petromax

     

    a infância e a juventude são como uma bebedeira

    todos se lembram menos tu

     

    551. lágrimas por timor, até quando? 16 julho 2012

     

    confesso sem vergonha nem temores

    hoje os olhos transbordaram

    lágrimas em cascata como diques

    pior que a lois quando a chove

     

    o coração bateu impiedoso

    os olhos turvos a mente clara

    as mãos trémulas de impotência

     

    nas covas e nas valas comuns

    muitos se agitaram com a morte gratuita

     

    mais um casal de pais órfão

    mais um filho varado às balas

    sem razões nem justificações

     

    poucas vozes serenas se ouviram

    velhos ódios, vinganças acicatadas

    o povo dividido como em 1975

     

    sem alguém capaz de congregar o povo

    sem alguém capaz de governar para todos

    sem alguém acima de agendas pessoais

    sem alguém acima de partidos

     

    temos de ultrapassar agosto 75

    udt e fretilin

    a invasão indonésia e o genocídio

     

    faça-se ou não justiça

    é urgente um passo em frente

     

    é urgente alguém com visão

    um sonhador, um utópico

    um poeta como xanana já foi

     

    alguém que ame timor

    mais do que ama suas crenças

    mais do que ama suas ideias

    mais do que ama sua família

     

    talvez mesmo uma mulher

    sensível e meiga

    olhar almendrado

    pele tisnada

    capaz de amar

    impulsiva para acreditar

    liberta de injustiças passadas

    solta de ódios, vinganças e outras

    capaz de depor as armas

    todas e liderar.

     

     

    578. eu canto do maio, maio 1, 2013

     

    eu canto do maio as mortes inúteis

    os deportados para timor

    o sangue derramado

    tudo o que se pedia eram 8 horas

    de trabalho, descanso e recreação

     

    eu canto do maio a memória de 1886

    do degredo, do cárcere, das torturas

    das manifes proibidas, das bandeiras

    vermelhas do sangue inocente

    sem olhar a partidos nem a pessoas

     

    apenas o direito inalienável

    ao trabalho, ao descanso, à recreação

     

    para que os novos fascistas de hoje

    não roubem essas memórias

    esses direitos, essas lutas

    eu canto do maio o dia do trabalhador

    hoje desempregado, sem-abrigo, doente

    nos novos gulags e campos de concentração

    sem grades nem gás mortal

     

     

    608. eleições 29 jul 2013

     

    era tempo de eleições

    políticos vinham e prometiam

    a populaça aplaudia

    acenava e acreditava

     

     

    depois de contados votos

    os políticos desapareciam

    junto com as suas promessas

    e o povo esquecido esperava

    assim crendo na democracia

    uma pessoa, um voto, uma promessa

    repetiam a antiga escravatura

    acreditando serem livres

     

     

    610. história timor, 29 jul 2013

     

    primeiro veio a polícia

    expulsos estudantes “ocupas”

     

    depois vieram bulldozers

    assim acabou o hotel resende

     

    era história em díli

    e um povo que destrói

    não merece o seu futuro

    mas ganhou condomínios de luxo

     

     

     

    685 dili inundado, 6, fevº 2016

     

    maromác zangou-se

    as ribeiras transbordantes

    em dili nada mudou

    tudo alagado como dantes

     

    décadas depois

    nem os milhões do petróleo

    dominam as águas

    passados quarenta anos

    sem dinheiro para voltar

    dominam-me as mágoas

     

    a minha saudade

    rima com verdade

     

     

     

     

    634. guerra colonial, moinhos, 20/8/2013

     

    há várias catarses

    para a guerra colonial

    escrever livros

    tornar-se alcoólico

    ser antissocial ou violento

    eu apenas mudei de nome

    e de nacionalidade

    e nunca escreverei

    uma palavra que seja

    sobre esse inferno

    não posso perder mais tempo

    com essa trampa.

    449. EROS nos jardins de leste Díli, Timor, novembro, 25, 1974

     

     

     

    os corpos se venderam por dez réis de nada

     

    assim me serviam do que criam inútil

     

    e se davam

     

    fáceis e apáticas

     

    faziam amor como quem respira

     

    isto é

     

    o ritmo cósmico da órbita do poema

     

    descrevia uma sinusoide irregular

     

    e de tanto engravidarem

     

    sentiam na carne

     

    o vício de todas as necessidades

     

    e de tantas fomes acalentarem

     

    o instinto as aguilhoava

     

    nascituras

     

    logo então vitimadas

     

     

    -EROS senhor e amo nos jardins de leste

     

     

    pequenas

     

    saracoteantes

     

    delicado delinear de dietas forças

     

    figuras de cabaia e lipa[1]

     

     

    dos agrestes picos montesinos

     

    às planuras

     

    frágeis ninfas

     

    que o sol em nascendo vê primeiro”

     

    diac ca lai? la diac malai[2]

     

    e a gente compra

     

    Escudo ihra – Né

     

    la cói! ata! lima

     

    cabeça búlac! menina lá diac… ossam báric

     

    loro mai massimida

     

    os lábios de carmim de viva cal e da harecan

     

    haneçam maliri.[3]

     

     

     

     

     

     

     

    431. V. TIMOR Díli, Timor, setembro, 20, 1973

     

     

    timor cresceu cercado

     

    lendas que a distância empolgou

     

    o sonho

     

    a quietude

     

    as 1001 noites do oriente exótico

     

    o sortilégio dos trópicos

     

    para o europeu

     

    chegar era já desilusão

     

    desprevenido

     

    sobrevoa estéril ilha

     

    montes e pedras

     

    agreste paisagem sulcada

     

    leitos secos

     

    abruptas escarpas

     

    terra sem marca de homem

     

    esparsas cabanas de colmo

     

    será isto timor?

     

    o avião desce o vazio em círculos

     

    em vão os olhos buscam a pista

     

    por trás de um montículo imprevisto

     

    se vislumbra o “T

     

    e a torre de controlo dos folhetos de propaganda

     

    nunca existiu

     

    a alfândega é o bar

     

    a sala de espera

     

    sob o zinco e o colmo

     

    isto é baucau

     

    aeroporto internacional

     

    a vila salazar dos compêndios

     

    que a história esqueceu

     

    uma turba estranha se amontoa

     

    à chegada do cacatua-bote[4]

     

    o patas-de-aço

     

    esta a cerimónia sagrada do deus estrangeiro

     

    descendo dos céus

     

    dia de festa para os trajes multicoloridos

     

    o contraste do castanho de sóis pigmentados

     

    cinco da matina

     

    e é já o pó e o calor

     

    o espanto mudo nas bocas incrédulas

     

    as formalidades aqui com sabor novo

     

    espera lenta e compassada

     

    séculos de futuro por viver

     

    antes que ele venha

     

    antes não venha

     

    num barracão zincado uma velha bedford

     

    de carga com caixa fechada

     

    vidros de plástico sob o toldo puído

     

    pomposo dístico colonial

     

    carreira pública baucau-dili

     

    picada em terreno plano

     

    mar ao fundo

     

    baucau

     

    cidade menina por entre palmares

     

    densa vegetação tropical

     

    connosco se cruzam estranhos homens de lipa[5]

     

    galo de combate ao colo

     

    entre torsos e braços nus

     

    das ruínas do mercado se evocam

     

    desconhecidos templos romanos

     

    estrada n.º 1 até dili

     

    sulcam-se abruptas as encostas

     

    ao mar sobranceiras

     

    ali se adivinham cristais multicolores

     

    em lugar de pontes se atravessam ribeiras

     

    enormes

     

    leitos secos

     

    o tempo as converteu em estradas de ocasião

     

    pedregoso solo

     

    cores indefinidas

     

    castanhos e verdes

     

    palapas [6] dissimuladas na paisagem

     

    imagens tristes de pedras e montes

     

    baías primitivas

     

    inconquistas

     

    praias de despojos e conchas

     

    paraísos insuspeitos

     

    as gentes de sorrisos vermelhos

     

    assusto-me

     

    não é sangue nas bocas gengivadas

     

    masca, mescla de cal viva e harecan[7]

     

    placebo psicológico da alimentação que falta

     

    um sorriso encarnado esconde a fome

     

    súbito

     

    por paisagens que só a memória

     

    sem palavras descreverá

     

    eis dili

     

    a capital

     

    larguíssima avenida semeando o pó nas palapas

     

    casas de pedra com telhados de zinco

     

    na ponta leste chinas e timores

     

    partilham a promiscuidade da pobreza

     

    dili

     

    plana e longa

     

    a vasta baía antevendo imponente

     

    o ataúro ilha

     

    um porto incipiente

     

    a marginal desagua no farol

     

    construções coloniais pós 1945

     

    da guerra que ninguém quis

     

    dos mortos que os japoneses quiseram

     

    da neutralidade do país mãe calado e violado

     

    albergam chefes de serviço

     

    altas patentes militares

     

    sem guerras para lutar

     

    sem movimentos libertadores das gentes

     

     

     

    quinze quilómetros de asfalto

     

    três casas dantes da guerra grande

     

    aeródromo em terra batida

     

    um jipe de afugenta búfalo

     

    a rua comercial atravessa dili senhora

     

    de leste a oeste

     

    espinha dorsal

     

    o centro

     

    o palácio das repartições

     

    do governo

     

    perto um museu

     

    o seu nome ostenta o vazio

     

    riquezas sem fim

     

    seus governadores exportaram

     

    patriotas

     

    colonizadores de séculos com nada para mostrar

     

    um museu morto

     

    dois sinaleiros nas horas de ponta

     

    ociosos às portas dos cafés

     

    à noite transfiguram-se

     

    os bas-fond

     

    o texas bar

     

    da prostituição às slot machines

     

    o submundo

     

    a vida underground

     

    afogar esperanças em álcool

     

    sonhos há muito perdidos nunca sonhados

     

    restaurantes poucos

     

    melhor comida a chinesa

     

    bares espalhados pela cidade

     

    militares e álcool para calar distâncias

     

    um portugal dos pequeninos

     

    longínquo

     

    cada vez mais

    esquecido

     

    nunca

     

    perdido.

     

     

     

    1973 numa cidade sem vida

     

    morrendo nas cinzas próprias de cada noite

     

    por entre o silêncio e a voz triste dos tokés[8]

     

    o calor putrefacto

     

    por entre o voo alado das baratas gigantes

     

    carros poucos

     

    de dia só do estado

     

    motocicletas pululam por entre viaturas oficialmente pretas e verdes

     

    esperando mulheres de oficiais

     

    às portas dos cabeleireiros

     

    do liceu

     

    militares a pé

     

    em berliets ou unimogs

     

    chineses muitos

     

     

     

    dili é isto

     

    a desolação

     

    na parte alta da cidade o complexo militar

     

    barracas insalubres

     

    sob a sombra dos hospitais

     

    um civil um militar

     

    fresco e verdejante vale

     

    triste esta cidade

     

    pretensamente euro-africana

     

    palapas marginando ruas

     

    nelas vive o timor

     

    sem água nem luz

     

    dez ou quinze filhos

     

    que importa

     

    a miséria é só uma e a mesma?

     

     

     

    esta “a terra que o sol em nascendo vê primeiro”

     

     

     

    aqui as imagens

     

    e são já história

     

    não se repetirão

     

     

     

    aqui não daremos testemunho

     

    como transfigurar

     

    colónias pacíficas

     

    em palcos de guerra.

     

     

     

     

    433 I BUCÓLICA BOBONARIANA-I Bobonaro, Timor, novembro, 23, 1973

     

     

     

    a colina à esquerda ergue-se mansamente

     

    sem pressas

     

    caminha do mar

     

    reproduz-se altiva

     

    pico agreste me vigia

     

    não há vegetação

     

    nem sinais de gente

     

    (terá emigrado daqui a seiva?)

     

    as rochas puras ainda

     

    primitivas

     

    nascituras

     

    erguidas por ciclópicas mãos

     

    do fundo dos mares

     

    quedaram-se ostensivas

     

    desafio de nuvens eternas

     

    arbustos pequenos

     

    insignificantes como as gentes

     

    misturados na paisagem

     

    espraia-se na vastidão o olhar

     

    (começa em mim)

     

    e só montes

     

    pedras

     

    horizonte

     

    e eu aqui fechado

     

    cercado

     

    ilha de mim próprio

     

    o vale profundo

     

    (talvez abismo, talvez acusação)

     

    resisto

     

    diviso emaranhado das brumas

     

    ciscos amarelos

     

    (segredam-me são casas de gente)

     

     

    ENTÃO PARTO.

     

     

    sem hesitar cavalgo

     

    pedras

     

    ribeiros

     

    encostas

     

    subo

     

    desço

     

    torno a subir e nada destrinço

     

    insensível à rude beleza

     

    atinjo inóspito cume

     

    estranhamente plano

     

    nele plantaram casas

     

    cinco

     

    seis

     

    uma ao centro

     

    lulic[9] dizem-me

     

    baixo-me e entro

     

    teto erguido a pique

     

    muro de pedra a tocar baixo sobrado

     

    térreo madeirame trabalhado segue as vigas

     

    quadros sacros

     

    sol

     

    elementos

     

    animais

     

    no andar elevadiço

     

    um lar entesourado em morada última

     

    assusto-me

     

    em volta ósseas relíquias

     

    cheiro imenso a fumigação

     

     

     

    saio

     

     

     

    respiro ar puro

     

    sacrossanto

     

    das montanhas cercanias

     

     

     

    uma laje quadrada

     

    uma placa ereta

     

    tipo tumular

     

    flores murchas e perdidas

     

    casas sem muros

     

    no andar térreo

     

    animais se abrigam

     

    por cima pessoas se alojam

     

    deitadas

     

    a nascer

     

    a cozinhar

     

    a comer

     

    a dormir

     

    a morrer

     

     

     

    quando as chuvas tombam

     

    e o colmo amolece

     

    quando o sopro do vento vem

     

    rasgando a mirrada pele

     

    quando maromác[10] se zanga

     

    nascem surdos lamentos

     

    ninguém ouvirá.

     

     

     

    olhei

     

    vi gente

     

    acocorada

     

    semidespida

     

    esquelética

     

    nuas crianças

     

    algumas do colo a mim chegaram

     

    sorrindo orgulhosas da sua alva pele

     

    pedindo as fotografasse

     

    tartamudeavam malai[11] como quem se afirma

     

    compreendi esse estranho orgulho

     

    ilegítimo

     

    mulheres se alugam para não perecerem

     

    da fome vil

     

    quando novas servem de pasto

     

    a abutres forasteiros

     

    depois

     

    escavacadas

     

    descarnadas

     

    desdentadas

     

    mascando infindáveis sementes

     

    esboçam sorrisos

     

    para a objetiva acusadora e cúmplice

     

     

     

    não mais suportei este dantesco inferno

     

    saí

     

    acenei

     

     

     

    voltei as costas

     

    voltei ao exílio

     

     

     

    • ENOJADO -.

     

     

     

     

    450. O TETO DO MUNDO Díli, Timor, dezembro, 3, 1974

     

     

    como romper as palavras?

     

    o som e o lamento do ai-tassi

     

    sagrado lenho

     

    em ti se moldaram

     

    faces e rugas milenárias

     

    caminhos de teto do mundo

     

    nas mãos vazias viaja o passaporte

     

    para que não sucumbas hoje

     

    há muitas mortes nos amanhãs

     

    teus pés ligeiros voam vinte quilómetros

     

    o cacho solitário que colheste

     

    bananas com que não matas as fomes

     

    enganas malai com parco lucro

     

    escudo lima[12]

     

    e teu rosto infantil e puro

     

    sorria

     

    vendeste a sobrevivência duma semana

     

    caminhas curvado e galgas montanhas

     

    teus os reinos de Railaco e TataMaiLau[13]

     

    por isso retornas e teu sorriso é jovem

     

    na cal e harecan misturas o prazer e o engano

     

    também teu estômago sorri confiante

     

    também tua a linguagem do corpo

     

    no regresso de braços dolentes

     

    firme em teu braço direito

     

    o teu combate de penas

     

    pobre mercador de ilusões em galos de luta

     

    acaricias teu ganha-pão

     

    teu desporto

     

    e apostas

     

    mais

     

    sempre mais

     

    são tuas as lágrimas

     

    a revolta e a derrota

     

    é teu o sangue e o alimentaste

     

    guardas o estilete acerado

     

    não decepou medos

     

    são tuas as planícies e as ribeiras

     

    as torrentes inundaram o arrozal

     

    levaram pontes e caminhos

     

    e tu ris do grande engenheiro malai

     

    como do búfalo do china luís

     

    navegando rumo à liberdade

     

    nem pensas na tua

     

    das árvores pendem camarões doces do rio

     

    e o pequeno jacaré

     

    faz o cruzeiro oceânico Ribeira de Seiçal-Dili

     

    maromác[14] sabe

     

    maubere é diac [15]e vai passar

     

    esse o lado outro do abismo.

     

     

     

     

    434. A LEPRA Díli, Timor, dezembro, 3, 1974

     

     

     

    eu vi-os

     

    de olhar gasto e gestos caídos

     

    vinham com neves eternas nos cabelos

     

    enxada às costas

     

    vergados ao peso de séculos

     

    maltrapilhos

     

    descalços

     

    rotos

     

    bronzeados por sóis perdidos

     

    na memória dos tempos

     

    uma grande fome para contar

     

    e o silêncio sem fim

     

    de todas as solidões

     

     

    falei-lhes

     

    acenaram sem se deterem

     

    cadência de autómatos

     

    sem vontade

     

    explicaram por gestos

     

    o que presumi sorriso

     

    onde só havia gengivas descarnadas

     

    informes

     

    perguntei

     

    donde vinham

     

    de que estranha guerra

     

    sobreviviam

     

    sem abrandarem a insólita marcha

     

    puxaram da bia sem idade

     

    acenderam-na na concha dos dedos recurvos

     

    suspiraram

     

    fundo

     

    como jamais ouvira

     

    era um sopro indefinido

     

    murmurado

     

    amargo

     

     

     

    entretanto havíamos chegado

     

    povoado estranho

     

    sem gente

     

    nem cães

     

    ladrando em redor

     

    casas estranhas

     

    elevações de colmos

     

    suspensas de estacas

     

    mudas

     

    sem janelas

     

    nem portas

     

    um silêncio velho de morte

     

     

     

    deixar a alma

     

    deste ritmo

     

    parar

     

     

    deixar o instante

     

    deste tempo

     

    renascer

     

    eterno

     

     

     

    esta a proposta

     

    inicial

     

    iniciática

     

    até lá, como?

     

     

     

     

    433.II BUCÓLICA BOBONARIANA Bobonaro, Timor, novembro, 23, 1973

     

     

     

    (permaneci calado

    traído por pensamentos galopantes

    onde as mulheres

    cadê as crianças?

    que gente esta

    donde vem?

    que peso arrastam

    penosa

    mecanicamente?)

     

     

     

    ao longe divisei um ancião

     

    vergado como uma aduela

     

    corri para ele

     

    inspirou-me medo

     

    fez um gesto vago

     

    um arremedo

     

    a suster-me

     

    estaquei a distância

     

    nem um pássaro riscava a muda quietude do céu

     

     

     

    tremi

     

    como se de súbito

     

    me penetrassem

     

    as respostas todas

     

     

     

    virei costas

     

    e corri

     

    corri

     

    corri

     

     

     

    e aqui estou

     

    hoje

     

    a dar-vos conta

     

    do que vi.

     

     

     

     

     

    452. MEMÓRIAS Díli, Timor, abril, 13, 1975

     

     

     

    ave louca

     

    sinusoide voo

     

    rias-te

     

    nem sabíamos o quê

     

    de quê

     

    era já o fumo

     

    olhos e mãos

     

    baças mãos

     

    gestos nunca antes inventados

     

    sabíamos do tempo a imponderabilidade

     

    a curva obscena dos corpos

     

    na posse do mundo estávamos e éramos

     

    coloridos e diáfanos

     

    queimávamos identidades

     

    alguém cantarolava palavras

     

    desconexas

     

    inúteis

     

    carícias

     

    premeditadamente esquecidas

     

    ela se levantou

     

    a víamos como se não fosse

     

    isto é

     

    criada no instante mesmo

     

    hesitante

     

    avançava pela janela

     

    ninguém a abrira

     

    seria talvez noite

     

    transcendental o país

     

    bebedeiras de amor

     

    roteiros estelares

     

    no suor do regresso

     

    como se nunca partiras

     

    no sorriso distante

     

    nos teus lábios

     

    cresceram da criança os olhos

     

    encheu-se a sala de frágeis gestos

     

    alguém ousara!

     

    na rua um escape no silêncio do grito

     

    a regra é saber que horas são

     

    ou medo

     

    a vertigem

     

    a regra do pavor

     

    o voo de ficar

     

    céleres que nem imagens

     

    falam de nós

     

    no teto branco ou nu

     

    ou somos

     

    desirmanados no frémito que nos invade

     

    a resposta recusada

     

    texto ou resumo

     

    a vida violada.

     

     

     

     

    451. PORQUE JOVENS Bali, dezembro, 3, 1974

     

     

     

    eram jovens

     

    por isso partiam

     

    nas mãos os cravos

     

    nos lábios mil sangues

     

    por florescer

     

    os corpos amadureciam quando matavam

     

    pilhavam

     

    violavam

     

    era o fogo das balas

     

    as granadas

     

    o napalm

     

    a carne para canhões

     

     

     

    porque jovens

     

    cantavam impolutos

     

    e as mãos decepavam

     

    a saudade desilusionada

     

    irmãos todos

     

    fratricidas

     

    o papão fantoche do governo

     

    lhes ensinara o decálogo de guerra

     

    indesejada

     

     

     

    porque jovens

     

    partiam obrigados

     

    nos sonhos

     

    armada a verdade

     

    vulcões por semear

     

    sangrando campos

     

    estiolavam

     

    eram os braços emigrados

     

    era a fome

     

    eram soldados

     

    era o povo

     

    porque soldados e povo

     

    partiam

     

    levavam ódios insentidos

     

    cumpriam destinos alheados

     

    nos lábios as palavras

     

    e eram amor

     

    o alfabeto dos oprimidos

     

    para uso interior

     

    lá onde os regulamentos não mandam

     

    pelo caminho

     

    eram a voz e a bandeira

     

    o povo sorria às armas

     

    libertado caminhava

     

    no braço armado do povo.

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    443. Post-scriptum (a andré breton)

     

     

     

    como num mundo

     

    outro

     

    em mim

     

    aguda memória

     

    inenarrável

     

    caminho no fogo das mãos

     

    é nossa a estrada

     

    alheios

     

    os calendários o negam

     

    no vento da derradeira galáxia

     

    nascitura terra

     

    fálica linguagem

     

    precipitamos cegueiras

     

    violento abismo

     

     

    • momento zero na viagem do corpo-

     

     

    fomos a lava e o magma

     

    ébrios

     

    exaustos

     

    incendiário batismo bíblico

     

    construímos a casa e as areias

     

    nove

     

    para ti

     

    eram os meses infenecidos

     

    hoje

     

    palavras intimidadas

     

    seminolentes

     

    cerne de alquimias

     

    para quê crer

     

    utopias suicidas

     

    o país o decepam

     

    apáticos

     

    direi mesmo

     

    apátridas

     

    resignados

     

    assistimos

     

    gerámos a hidra

     

    agnósticos

     

    incréus

     

    expectamos

     

    das cinzas

     

    das ruínas

     

    obnubiladas memórias

     

    aqui começa

     

    a medieval noite

     

    silêncio de vivos com morte nos olhos.

    [1] saia de tecido colorido, típica de Timor, de origem malaia, e que é usada enrolada à cintura, descendo até aos tornozelos

    [2] Em Tétum no original

    [3] Em Tétum no original

    [4] cacatua-bote ou patas-de-aço eram designações dadas pelos timorenses aos aviões

    [5] lipa, saia de tecido colorido, típica, de origem malaia, os timorenses usam-na enrolada à cintura descendo até aos tornozelos.

    [6] casas cónicas, quadradas ou rectangulares em colmo

    [7] folha de planta semelhante à do tabaco

    [8] espécie de lagarto sonoro, cuja idade se determinava pelo número de vezes que emitia o som toké.

    [9] lúlic significa sagrado em tétum

    [10] o equivalente a deus em língua tétum

    [11] designação dada aos brancos pelos timorenses

    [12] o equivalente a cinco escudos em moeda de timor

    [13] picos mais altos de timor, rondando os 3 mil metros de altitude

    [14] maromác o equivalente a deus em língua tétum

    [15] maubere é diac, o timorense é bom, coisa boa

     

  • the last WWII Australian digger dies

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    The 2/2 Commando Association has announced the death of the last of their members to be in Timor during WWII, Condolences !
    May be an image of 1 person and outdoors
    VALE ALFRED JAMES (JIM) ELLWOOD – VX67548 – 1921-2021
    Sadly, I inform Doublereds members and supporters that WWII Timor campaign veteran Jim Ellwood passed away peacefully at his Melbourne home last Sunday afternoon surrounded by his family – Jim was aged 99 years and would have celebrated his 100th birthday on the 16th of December. Jim’s son Damian has advised me ‘I think we will convert the 100th into a celebration of his life as he didn’t want a funeral service’.
    Corporal Jim Ellwood was a Cipher Specialist with NT Force Signals when he arrived on Timor with the advance party of the No. 4 Independent Company on 15 September 1942. He was attached to Sparrow Force HQ in his specialist capacity and continued in that role when Lancer Force succeeded Sparrow Force on 7 December 1942. He then volunteered as a member of the 14 man S Force (Stay Behind Party) that was established on 9 January 1943 to continue to observe and report on Japanese activities after the departure of the No. 4 Independent Company from Timor. S Force was evacuated from Timor to Fremantle by the submarine USS Gudgeon on 10 February 1943. Ellwood returned to Timor in September 1943 as a member of the ill-fated SRD (Z Special) Operation Lagarto, was captured and spent the remainder of the war as a POW (mostly in Dili) and subject to terrible deprivation and torture.
    The late Jim Truscott prepared an informative article relating aspects of Jim’s life and wartime experiences; the issue of COMMANDO – The Magazine of the Australian Commando Association that includes the article can be downloaded from https://www.yumpu.com/…/commando-magazine-edition-3-2020 – see p. 63-66.
    Jim Ellwood was a humble, brave and honourable man who would have been well known to many of the No. 2 Independent Company men who served on Timor.
    VALE Jim, RIP
    Ed Willis, President, 2/2 Commando Association of Australia
  • conference online Timor Cast a Magical Spell 50 Years Ago, by Chrys Chrystello

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    Topic: Luso-Brazilian Culture: Timor Cast a Magical Spell 50 Years Ago, by Chrys Chrystello
    Time: Nov 29, 2021 04:30 PM Central Time (US and Canada) 21.3o azores

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    213.244.140.110 (Germany)
    103.122.166.55 (Australia Sydney)
    103.122.167.55 (Australia Melbourne)
    149.137.40.110 (Singapore)
    64.211.144.160 (Brazil)
    149.137.68.253 (Mexico)
    69.174.57.160 (Canada Toronto)
    65.39.152.160 (Canada Vancouver)
    207.226.132.110 (Japan Tokyo)
    149.137.24.110 (Japan Osaka)
    Meeting ID: 920 8914 5687

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  • 40 anos/Timor-Leste: O paradoxo de um fundo petrolífero de milhões fora e a pobreza reinante dentro

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    Lusa – Dias das Independências
    40 anos/Timor-Leste: O paradoxo de um fundo petrolífero de milhões fora e a pobreza reinante dentro
    Lisboa, 25 nov (Lusa) – Em Timor-Leste vive-se o paradoxo de o país ter um Fundo Petrolífero de mais de 16,6 mil milhões de dólares no exterior e uma pobreza interna que o torna um dos Estados mais pobres do mundo.
    A crítica vem do escritor timorense Luís Cardoso que, numa entrevista à agência Lusa, em Lisboa, por ocasião das celebrações do 40.º aniversário da independência de Timor-Leste – a 28 deste mês -, admitiu que a situação poderá inverter-se assim que houver “estabilidade” na edificação e consolidação do Estado.
    “É uma questão de política e percurso não foi fácil. Esse percurso da procura da estabilidade teve, muitas vezes, duas faces: a estabilidade do ponto de vista governativo, de quem governa, e a estabilidade do governado”, afirmou Luís Cardoso.
    O autor timorense, com cinco livros publicados, o último em 2013, lembrou que, na prática, a independência em 1975 foi “breve”, na sequência da invasão e posterior ocupação indonésia, que iniciada em fins de 1975 e terminada em 1999, após o referendo sobre autodeterminação, acedendo novamente à categoria de Estado em 2002.
    “As pessoas que ocupam o poder são quem esteve nas montanhas, como Xanana Gusmão ou Taur Matan Ruak. São essas pessoas que, em princípio, têm por função formar e consolidar o Estado. São homens de Estado. Mas a aplicação dos fundos diz respeito a técnicos. Xanana e Matan Ruak não são técnicos, nem gestores”, argumentou.
    “Há esse paradoxo. Existindo esse fundo, enorme, toda essa possibilidade de manejar o dinheiro não tem sido aplicada em Timor-Leste. Então, há esse problema de pobreza. Existe pobreza em Timor-Leste”, acrescentou, garantindo, porém, que o país já está a entrar numa fase de “sucessão”.
    Para Luís Cardoso, os líderes carismáticos estão, pouco a pouco, a ceder o lugar a jovens quadros, pelo que será a nova geração quem irá solucionar o problema da pobreza e do desenvolvimento do país.
    “(O poder) tem atualmente a tutela dos mais velhos, que tudo ordenam, podem e direcionam. Ficando fora dessa tutela, creio que (os mais novos) poderão seguir outros caminhos para resolver problemas mais concretos da população timorense”, disse.
    Segundo o escritor, de 56 anos, natural de Cailaco, distrito de Bobonaro, o tempo “corre a favor” dos mais novos, que estão a ser formados em várias universidades no exterior, que irão ter, disse, uma “outra visão” sobre como aplicar os cerca de 15 milhões de euros do fundo na resolução dos problemas concretos, como a pobreza.
    Questionado se, por um lado, “teme” e, por outro, “gostaria” que Díli se transformasse numa “espécie de Singapura”, Luís Cardoso defendeu que esse “mito” criado pela “cidade Estado” nada tem a ver com Timor-Leste por uma simples razão: foi colonizada pelos ingleses e não por portugueses.
    “O mito de Singapura tem de ser bem equacionado. Singapura é uma cidade Estado, que esteve sob o domínio dos ingleses e não dos portugueses. As colonizações foram todas diferentes – a portuguesa, a inglesa. A inglesa tentou formar agentes locais dinâmicos, como na Índia, Hong Kong, Singapura. A portuguesa formou sobretudo administradores, que, muitas vezes, só administram e não produzem”, concluiu.
    JSD // EL
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  • Ramos-Horta denuncia extrema pobreza infantil e subnutrição em Timor – Renascença

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    Em 20 anos de independência, Timor-Leste vive em extrema pobreza e faltam alimentos às crianças, denuncia o Prémio Nobel da Paz José Ramos-Horta. Na Bienal Internacional de Poesia, o antigo Presidente pede mais escolas portuguesas.

    Source: Ramos-Horta denuncia extrema pobreza infantil e subnutrição em Timor – Renascença

  • TIMOR não tinha condições em 1975 para ser independente – Mário Carrascalão

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    ENTREVISTA Agência Lusa:
    40 anos/Timor-Leste: País não tinha condições em 1975 para ser independente – Mário Carrascalão
    António Sampaio, da Agência Lusa
    Díli, 20 nov (Lusa) – O ex-governador de Timor-Leste Mário Carrascalão considera que em 1975, aquela colónia portuguesa não tinha condições económicas, políticas ou técnicas para ser independente, porque vivia à custa do poder colonial, com subsídios de Portugal e outras colónias.
    “Timor não tinha condições para ser independente. Quando foi declarada a descolonização depois do 25 de abril (…) a única que talvez não estivesse em condições era Timor”, disse em entrevista à agência Lusa.
    “Talvez tenha sido uma das únicas colónias, senão a única, que viveu à custa do poder colonial. Normalmente as colónias são exploradas pelo poder colonial e Timor foi o contrário, viveu à custa de subsídios vindos de Angola, de Portugal e de outras colónias”, disse o também fundador do primeiro partido de Timor-Leste, a União Democrática Timorense (UDT).
    Terceiro governador nomeado pela Indonésia (de 18 de setembro de 1983 a 18 de setembro de 1992), Carrascalão fundou o Partido Social Democrata (PSD) depois da independência e foi vice primeiro-ministro no IV Governo constitucional, até à sua demissão por incompatibilidades com [o Presidente da República] Xanana Gusmão.
    Numa longa entrevista à Lusa, em que recordou o seu passado, a história dos últimos 40 anos em Timor-Leste e perspetivou o futuro do país, Mário Carrascalão manteve-se fiel à frontalidade que o caracteriza.
    Recordando a situação pós 25 de abril em Timor-Leste, Mário Carrascalão disse que nessa altura o país “não tinha em ação nenhum movimento político” e registava um “desenvolvimento económico ridículo”.
    “Tínhamos um rendimento per capita anual de 40 dólares, de acordo com os números fornecidos pelo BNU. Não é com 40 dólares que se vai fazer uma independência”, disse.
    A situação em Portugal não ajudava, pelo que os timorenses não poderiam estar “de qualquer maneira esperançados que o desenvolvimento de Timor se fizesse à custa de Portugal”, que dizia “para Timor nem mais um escudo nem mais um soldado”.
    Mário Carrascalão relembra que Lisboa “jogava com um pau de dois bicos”, negociando por um lado com os partidos timorenses e ao mesmo tempo com a Indonésia.
    “Teve encontros inclusivamente na Cimeira de Macau para tratar do processo de descolonização de Timor mas ia negociando com os generais indonésios, nomeadamente com o general Ali Moertopo (responsável pelos serviços secretos), sob a forma de melhor integrar Timor na Indonésia”, recorda.
    “O próprio encontro na cimeira de Macau deu-se quando estava a decorrer em Hong Kong um encontro com uma delegação indonésia”, sublinha. Portugal “queria aliviar-se do fardo de Timor”, insiste.
    Por isso, quer a UDT quer o segundo partido timorense a nascer, a Associação Social Democrática de Timor (ASDT) – que se transformaria depois na Frente Revolucionária de Timor-Leste Independente (Fretilin) – apoiavam a ideia de uma transição “de autonomia progressiva” com Portugal até à independência.
    Essa “sintonia de opiniões” variava apenas em tempo: a UDT queria 20 anos de transição e a UDT apenas cinco.
    Tudo mudou, diz Carrascalão, quando chegaram a Timor, em setembro de 1974, sete estudantes universitários timorenses vindos de Portugal: António Carvarinho Maulear, Vicente Manuel Reis, Abílio e Guilhermina Araújo, Roque Rodrigues, Rosa Bonaparte e Venâncio Gomes da Silva.
    Esse grupo, considera, pôs fim à convivência entre a UDT e a ASDT – “quando até se falava na sua fusão” – transformando logo a ASDT em Fretilin, considerando que “tudo o que não era Fretilin era fascista, com gritos de morte aos fascistas, aos colonialistas, aos imperialistas”.
    “A partir daí, criou-se um ambiente difícil. Mas mesmo assim ainda foi possível criar-se uma coligação que durou de janeiro de 75 até maio de 75 e que depois se desfez por interferência australiana, que não queria os dois partidos juntos”, disse.
    Os “insultos políticos” só passaram a outros excessos quando a Indonésia começou a “infiltrar-se em Timor”, enviando, por exemplo, figuras como o então coronel Dading Kalbuadi – que mais tarde comandaria as operações militares em Timor-Leste – e que com o pretexto de vir oferecer trigo e combustíveis, teve o primeiro contacto com o então [líder tradicional] liurai de Atsabe, Arnaldo de Araújo.
    Daí nasce o primeiro partido integracionista, a Associação para a Integração de Timor na Indonésia (AITI), “que foi depois transformada em Apodeti (Associação Popular Democrática Timorense) pela influência do major Arnão Metelo”, chefe do Estado-Maior das Forças Armadas em Timor e representante no território do Movimento das Forças Armadas (MFA) na altura da guerra civil timorense.
    “Diziam que AITI era muito óbvio”, comenta sorrindo.
    Mário Carrascalão considera que houve alguns excessos, de parte a parte, e recorda alumas execuções em Ermera, pelo presidente da UDT, “que condenou e executou alguns dos seus opositores” e posteriormente respostas também da Fretilin.
    “Acho que antes da entrada dos indonésios, da invasão, terão morrido aqui em Timor como consequência do golpe e contra golpe talvez nem 100 pessoas”, disse.
    ASP // APN
    Lusa/Fim
    You and 3 others
  • morreu o heroi de SANTA CRUZ DE DÍLI MAX STAHL

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    Very sad news this morning of the death of Max Stahl condolences to Ingrid and the family.
    +3
    Max Stahl
    Is Kotu
    Max Deixou-nos.
    Mensagem hosi Dra. Ingrid:
    “The King is dead. With immense sadness I am writing to let you know that Max passed away this morning around 4.30am.
    Ingrid”
    Max Is Kotu 4:30 ohin deder Iha Brisbane.
    Max Husik Mundu Ida ne.
    Timor-Leste Kiak Liu Ona.
    Na’i Aman Iha LALEHAN ho Santu no Anju Sira Simu Ba Ami Nia Maun Alin MAX STAHL.
    Ingrid
    Ben
    Barnaby
    Malin
    Leo
    I know it is an unbearable pain, immense sadness, irretrievable loss. Max legacy of courage and love for family and TIMOR-Leste lives on in Mount Ramelau.
  • TIMOR COLONIAL OU INDÍGENA?

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    No photo description available.
    «Colonial or indigenous rule?
    The black Portuguese of Timor in the 17th and 18th centuries
    From the late 15th century, the Portuguese created a far-flung political, religious and economic network in maritime Asia, where Portuguese men often married Asian or mixed-blood women who were Catholic by birth or conversion. The resulting mestiço groups constituted a ubiquitous and important presence in Portuguese Asia for hundreds of years, as they became instrumental in maintaining relations with indigenous Asian societies. One interesting case is the Topasses or black Portuguese population on Timor, which enjoyed a pivotal role on the island in the 17th and 18th centuries.
    H a n s H ä g e r d a l
    The scattered complex occasionally known as the Portuguese ‘seaborne empire’ was directed in Asia by its colonial organisation Estado da Índia, based in Goa, India, but its control over Portuguese activities was less than complete. Rather, it was but the formal aspect of the Portuguese presence. Almost from the beginning of the Portuguese enterprise in Asia, merchants and soldiers acted outside the auspices of the Crown. Portuguese society contained an element of racialist thinking, but it is not enough to look at indigenous Asians using European perceptions of human categorisation. Rather, we must put the Portuguese groups in Asia in a localized context, exploring how they adapted to indigenous conceptions. For while Portuguese newcomers to Asian waters prided themselves on their whiteness and discriminated against mestiços, whites and mestiços both were seen as Portuguese, not least in the eyes of their Asian neighbours. In what is conventionally called the early modern period, roughly 1500-1800, religious affiliation frequently constituted a more important marker of identity than physical features. Thus the Catholic creed was the fundamental denominator of Portugueseness in Asia, and since most people of Portuguese descent retained a marked Portuguese identity, intermarriage was a means to establish a loyal Catholic community in Portuguese posts.
    Timor was economically attractive to external powers owing to the trade in sandalwood and beeswax. It was also known for problematic geographical conditions, which made the means of subsistence and even access by sea cumbersome.
    The island’s multi-ethnic society possessed primitive technology and was divided into innumerable principalities. Still, it was on Timor and some surrounding islands that the name of Portugal was preserved, while its other South-East Asia possessions were knocked off by the Dutch East Indies Company (VOC) between 1605 and 1641. This is the more remarkable since the Estado da Índia had few resources to spare for the marginal Timor. The number of whites on the island was never large. Moreover, since 1613, the Portuguese had to contend with Dutch interests in the Timor area, though the Dutch, too, allocated few resources to this far corner of Southeast Asia .
    Part of the eternal question of how the Portuguese managed to hang on in Timor for several hundred years lies precisely in the dynamics of the Topasses – a term probably connected to the Indian ‘du-bashi’, meaning ‘bilingual’ or ‘interpreter’. Their mestiço community evolved in nearby Solor in the late 16th century and later moved to Larantuka on East Flores – both places were stepping stones to appropriate sandalwood and other commodities on Timor. In the mid-17th century they began to move to the Lifau area on the north Timor coast. This modestly sized group, which was moreover hostile to the Estado da Índia for long periods, was able to prevail and retain a Portuguese identity owing to four factors: ethnicity, religion, political structures and the group’s place in the early colonial system.
    ‘Blacks with shotguns’ and ‘hanging trousers’
    The ethnic composition of the Topasses was constantly changing, and this relates to the ethnic perceptions prevalente in Southeast Asia until fairly recente times. At this time there was no propagation of a racial hierarchy based on alleged intellectual or other properties. It was entirely possible to alter one’s ethnic belonging, thus it was possible for people of all skin colours to become
    members of the Topass community. Topass leaders, the Hornay and Da Costa families, descended from a North European and a Pampanger (Filipino), respectively, which exemplifies both the breadth of their ethnic origin and the possibilities of advancement regardless of skin colour. The mixed community that arose in Solor and later Larantuka was thus reinforced during the 17th and 18th centuries. The sources of such demographic reinforcement were several.
    One, oddly enough, was the great rival of the Portuguese, the VOC, because numerous defections from VOC outposts and ships took place in East Indonesian waters. Conditions for VOC servants in these faraway places were often miserable, which made desertion a dangerous but attractive alternative. Such desertions are known to have taken place both in times of war and peace until 1730. Very few instances have been found of Portuguese deserting to the VOC side, though suppressed Portuguese clients on Timor sometimes did. The non-official aspect of the mixed Portuguese community was also underscored by the social position of white Portuguese who joined their ranks. A 1689 Dutch colonial report characterizes them as pennyless people and runaways, which implies that they were on the margins of white society. Another Dutch colonial report, from 1665, mentions prisoners from Cochin and Cannanore, most of whom were presumably Indian Christians or of mixed blood, who ended up in Lifau. It is apparent that people who the Estado da Índia wanted out of the way were sometimes sent to the Timor area. However, locals from Timor and the surrounding islands were able to join the Topasses.
    A 1659 report by a Dutch official notes some 300 Topasses on Timor, of whom few were white or of mixed race; the great majority were ‘blacks with shotguns’. Thus locals acquired a Portuguese identity and proficiency in European weaponry, which was important when the main Timorese weapon was still the assegai.
    A 1670 Franciscan report attests that the Portuguese language was spoken in Larantuka by the local population, and that locals educated by the Portuguese community identified themselves as ‘Portuguese’. Even Timorese princes were at times categorised as Topasses and behaved in a fashion that ran contrary to traditional Timorese codes of conduct. It was possible to enter the ethnic category of ‘Portuguese’ by adopting certain markers, such as language, profession (soldier, administrator, trader) and clothing (the Dutch know the Topasses as ‘hangbroeken’, meaning ‘hanging trousers’). All this, again, accords well with the flexible Southeast Asian way of alternating between ethnic identities.
    Padres, generals, wife-giving and -taking: consolidating power through religion and politics
    More than blood, religion was the more profound identity marker; one is reminded that the very word ‘ethnic’ in early modern European dictionaries referred to something pagan or non-Christian, rather than something related to racial origin or material culture. Dominican priests, who enjoyed a role in Topass society that was not restricted to religious service, demonstrate religion’s role in the reification of Topass identity. Documents contain many hints of the great devotion Topasses exercised toward Dominicans, who sometimes even headed military expeditions. Dutch reports repeatedly complain about ‘Roomse paapen’, or Catholic padres, who easily influenced local populations to the detriment of Dutch aims. The rather few priests operating in the Solor-East Flores-Timor area were able to strengthen the Topass sphere of influence through their missionary activities.
    In the 1620s, 1630s and 1640s, an intense flurry of conversions swept West Timorese rajas into Catholicism. Much of this was obviously superficial, but at the same time conversion implied a political approach to solidifying the Portuguese colonial empire, where the institution of the Portuguese kingship in Lisbon was symbolically important in spite of its obvious distance. That leads to the third factor in Topass retention of Portuguese identity, the political development of the Topass community. From the late 16th century the mixed group on Solor was led by officers with the title Capitão Mor, while the main title-holder in the 18th century became Tenente General. Owing to the non-existence of the Estado da Índia in these waters before 1702, the choice of leaders was made locally. A kind of dynastic dynamics evolved after 1664, when the Hornay and Da Costa families ascended to the leadership.
    These two families ruled in turns up to modern times in the Oecusse area in north-western Timor. Their genealogies are insufficiently known, but it’s clear that they regularly intermarried after 1700. From the second half of the 18th century, moreover, they intermarried with the Da Cruz royal dynasty of Ambeno on whose traditional domain they settled. It is interesting to note that the Hornays and Da Costas, apart from a few brief periods, were not violent rivals, but rather peacefully co-existed.
    By the early 19th century, they even signed contracts jointly. The Topasses were able to dominate the most important West Timorese principalities from around the mid-17th century. In 1670, they undertook expeditions to the eastern coastlands and brought them into a superficial state of submission. By the late 17th century they thus had a very strong position on Timor, while the Dutch were confined to the island’s westernmost parts. One important aspect of this was their martial culture, which was even able to include members of Timorese aristocracies. Another aspect was their ability to act as wife-givers and wife-takers. The Topass leader Mateus da Costa (d. 1672) married a princess from the principality of Amanuban, which in the Timorese system placed him into a strategic position vis-à-vis his in-laws; as a wife-taker he was expected to support the latter, but he also found an important base in Amanuban for fighting his rivals.
    The fall: from officers to petty
    kings to ‘Black Foreigners’
    For the Topasses, the 18th century was filled with conflicts with the Estado da Índia, which imposed Goa-appointed governors who settled in Lifau beginning in 1702. Although the Hornays and Da Costas managed to expel the white governor from Lifau in 1769, their power had been on the wane since 1749, when they suffered a major defeat against the VOC in western Timor. The conflicts deterred traders from Macau and emboldened Southeast Asian Chinese to increase their economic networks on Timor to the detriment of the old Topass-dominated system.
    Towards the end of the 18th century their influence was mainly confined to the Oecusse-Ambeno enclave and Larantuka, and the Hornays and Da Costas emerged as local petty kings of Oecusse rather than just colonial officers. Was, then, Topass rule on Timor colonial in any meaningful sense, or is it more judicious to regard it as a basically indigenous power? Arguments support either position. Documents from the heyday of Topass rule, from the 1650s to 1702, reveal a rather loosely structured tribute system, the tuthais, that was adopted from the local Timorese principalities. This may seem more like a pre-colonial, rent-seeking practice than colonial rule (in the sense of a systematic subordination in order to produce economic and other benefits to an external nation or power). In general, the Topasses may not have been terribly different from the majority population, and for the most part they were of course of Timorese or East Florenese blood. On the other hand, it is also true that there was a close relationship between Topass governance and the colonial system managed by Portuguese traders, particularly from Macau. The rationale for external interference on Timor – the sandalwood trade – demanded cooperation between a polity able to secure regular shipments and traders from other Portuguese-controlled Asian ports who appeared on a likewise regular basis. Timor therefore was included in an early colonial system built on a superficial but often heavy-handed domination over the innumerable Timorese principalities.
    That the Topasses were something apart is also reinforced by a study of local Timorese traditions recorded over the last two centuries. In spite of being overwhelmingly Timorese in terms of ethnic origins, the Topasses were and remained in the eyes of Timorese posterity Kase Metan – the Black Foreigners. <
    Hans Hägerdal
    (…)
    A 1659 report by a Dutch official notes some 300 Topasses on Timor, of whom few were white or of mixed race; the great majority were ‘blacks with shotguns’. Thus locals acquired a Portuguese identity and proficiency in European weaponry, which was important when the main Timorese weapon was still the assegai. A 1670 Franciscan report attests that the Portuguese language was spoken in Larantuka by the local population, and that locals educated by the Portuguese community identified themselves as ‘Portuguese’. Even Timorese princes were at times categorised as Topasses and behaved in a fashion that ran contrary to traditional Timorese codes of conduct. It was possible to enter the ethnic category of ‘Portuguese’ by adopting certain markers, such as language, profession (soldier, administrator, trader) and clothing (the Dutch know the Topasses as ‘hangbroeken’, meaning ‘hanging trousers’). All this, again, accords well with the flexible Southeast Asian way of alternating between ethnic identities.
    You and 2 others