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PORTUGAL E OS MEDIA – UMA URGÊNCIA A NÃO IGNORAR
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domingo, 4 de setembro de 2022
Uma urgência a não ignorar
J.-M. Nobre-Correia
Globalmente, a paisagem mediática portuguesa é pobre e pratica um jornalismo que não está à altura das necessidades da democracia…
Há como que um mistério na chamada “Contemporaneidade” portuguesa: como é que um povo pôde viver mais de dois séculos sem uma informação de qualidade? E sobretudo sem uma informação suficientemente difundida por entre a população? Três primeiras explicações saltam aos olhos: a alta e duradoira taxa de analfabetismo, alargada a uma instrução reduzida e manifestamente deficiente; um poder de compra que também ele foi durante longos decénios reduzido, fazendo desde logo dos jornais e dos recetores de rádio e de televisão produtos de luxo; um clima político repressivo em diversas fases da história, impedindo a afirmação de uma prática jornalística livre e de uma informação de qualidade.
Mas estas explicações liminares não respondem a outra interrogação: como é que, globalmente, ao longo destes mais de dois séculos, os meios dirigentes deste país não sentiram a necessidade de dispor de uma informação de qualidade, abundante e plural para melhor exercerem as suas próprias funções de direção? Interrogação tanto mais pertinente que, até aos anos 1990, grosso modo, o acesso a média estrangeiros foi bastante difícil e limitado.
Resta-nos uma explicação particularmente desagradável: os meios dirigentes deste país foram-se concentrando ao longo dos séculos na “capital do império”, onde círculos de poder diversos se foram habituando a reinar sem prestar contas ao resto do país. E pior do que isso: interiorizaram um modelo de governação que não só ignora largamente a população, como prefere mantê-la longe dos corredores do poder, das suas manobras, negociações e decisões. O que explica o desinteresse profundo dos meios dirigentes em relação à situação de subdesenvolvimento atroz dos média em Portugal e da preocupante insuficiência da informação que praticam. E o constante desinteresse dos meios governamentais que se têm sucedido no poder da atual Segunda República[1] é terrivelmente significativo disso.
Porque Portugal vive de facto num inaceitável estado de subdesenvolvimento em matéria de média de informação jornalística, particularmente evidente no que diz respeito à imprensa escrita (em papel ou em digital). São raros os diários nacionais como os regionais, sendo as difusões (circulações) de todos eles inconcebivelmente baixas num país com a dimensão demográfica que é a sua. E, embora os periódicos (não diários) sejam relativamente numerosos, as difusões são igualmente bastante reduzidas e até mesmo, em muitos casos, insignificantes.
A própria paisagem mediática dita “nacional” (imprensa, rádio, televisão e média em linha) está unicamente sediada em Lisboa, com uma pequena exceção no Porto, sendo o resto do país um desolador deserto. Um duplo deserto aliás: nenhum média “nacional” emana deste resto do país e a pretensa imprensa “nacional” pouco se vende na chamada “província”. Enquanto jornais, rádios e televisões com origem na “província” praticam um jornalismo particularmente pobre. Uma situação que tem tendência a acentuar-se, dada a evolução atual dos investimentos publicitários nos chamados média “tradicionais”.
Ora, uma democracia no pleno sentido do termo supõe cidadãos bem informados e meios dirigentes dispondo de elementos fatuais de informação e de análise que permitam a uns e outros tomar as decisões que lhes parecem impor-se. O que pressupõe a existência de uma paisagem mediática diversificada e plural, mas também redações numerosas e competentes. Porque um dos dramas dos média de informação jornalística em Portugal é a pobreza das redações, em termos quantitativos como de especializações. O que se traduz por conteúdos editoriais bem mais reduzidos do que os de confrades com posicionamentos comparáveis noutros países da Europa. Mas também por conteúdos menos substanciais, tratados quantas vezes por jornalistas que passam, por exemplo, de uma área geopolítica para outra de um continente diferente, de um tema médico-hospitalar para outro sobre um caso judicial, de uma guerra no estrangeiro para um fogo de floresta.
Uma larga ausência de especialistas a que vem acrescentar-se uma escassez de correspondências e de reportagens no interior do país como no estrangeiro que, quando realizadas, revelam quase sempre uma manifesta falta de meios técnicos e humanos. O que é particularmente evidente em audiovisual, o jornalista mantendo-se longe do acontecimento, enquanto as gravações e as montagens prévias são extremamente raras.
Tal escassez de meios financeiros, técnicos e humanos, aliada a formações académico-profissionais muito discutíveis, faz que os jornais sejam muitas vezes meros canais amplificadores do que foi produzido pelas assessorias mais diversas (ministérios, partidos, ordens, sindicatos, corporações, polícias, bombeiros, autarquias…), quantas vezes sem que a mais elementar distância, a desejável verificação e o salutar sentido crítico tenham sido exercidos. Vêm juntar-se-lhes despachos, sons e imagens propostos por agências de informação, muitas vezes unicamente a portuguesa Lusa, por vezes também as britânico-estado-unidenses, com o que isso significa como visão da atualidade no mundo. Um conjunto de conteúdos ou perspetivas de conteúdos acolhido como maná por redações e que as leva a produzir jornais exageradamente monotemáticos-folhetinescos (covid, fogos, Ucrânia, urgências hospitalares…).
Para que Portugal possa de facto vir a ser um membro entre os melhores da União Europeia nesta matéria, é pois urgente que o seu sistema mediático e o tratamento da informação sejam repensados. Mas, numa perspetiva puramente liberal, a sociedade portuguesa sendo o que é e tem demonstrado ser, haverá provavelmente pouco a esperar dos meios económicos em termos de iniciativa, ab ovo, a última tendo sido a criação do Público pelo grupo Sonae em 1990, há 32 anos.
Aos poderes legislativo e executivo de tomarem pois iniciativas de modo a incrementarem as indispensáveis evoluções. Criando uma fundação dotada de um fundo capaz de permitir o financiamento parcial de iniciativas provenientes dos meios editoriais e jornalísticos com vista a criar novos média de informação ou a reforçar iniciativas (jornalísticas e promocionais) de média existentes.
Este fundo proviria do Estado e da União Europeia, mas também de empresas, instituições ou pessoas privadas, como consequência de uma legislação fiscal favorável às doações à fundação. Da mesma maneira que uma legislação devidamente adequada deveria garantir a independência e a sua não recuperação por criaturas partidárias notoriamente incompetentes na dupla matéria mediática e jornalística.
A entrada de Portugal na rota de um verdadeiro progresso democrático, quase meio século depois do 25 de Abril, depende largamente do estatuto que soubermos dar aos média de informação e à sua prática jornalística. Os meios dirigentes responsáveis do país não podem continuar a ignorá-lo…
[1] De 1926 a 1974, Portugal viveu em Ditadura e não em República.
Professor emérito de Informação e Comunicação da Université Libre de Bruxelles, autor do livro “História dos Média na Europa” (Almedina).
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O MENINO TONECAS

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A SINDROMA DO MENINO TONECAS
Repórter do Marão, 20 de Março de 1998
A. M. Pires Cabral
Um dos programas mais deletérios que passam presentemente [em 1998] na nossa bem-amada televisão é o que dá pelo nome inocente de “As lições do menino Tonecas”. Corre na RTP-1 este monumento ao que há de mais charro no humor nacional, todo ele feito de trocadilhos baratos e segundos sentidos primários.
Por casualidade, ou talvez não, o programa anda sempre nos top twenties das audiências. Na semana de 8 a 12 de Março, por exemplo, diz-me um jornal que informa sobre estas coisas da audiometria que 12,2% dos portugueses o viram. Viram – e presumivelmente, digo eu, deleitaram-se com as saídas do dito menino Tonecas.
É o país que temos: quase europeu até à hora de ligar a televisão; daí para diante, terceiro-mundista de todo.
O programa é deletério, a meu ver, porque constitui uma glorificação da indisciplina, do desrespeito e do reguilismo infantil. Reguilismo é palavra minha, julgo: fi-la a partir de “reguila”, que em calão quer dizer “malcriadamente desenvolto”.
Repare-se bem: o professor é infalivelmente a vítima. Ele suscita o riso pelas visagens de impaciência que faz, nunca pelas palavras que diz. O menino Tonecas, pelo contrário, é o herói: faz rir pela desenvoltura das saídas com que encosta o professor à parede, de princípio a fim da aula.
Embora eu seja professor, não faço esta análise por defesa corporativa. Faço-a por genuína revolta contra um cenário de permanente perversão das relações professor-aluno e até aluno-colegas que o programa apresenta e, pelo mecanismo do riso e da simpatia que este induz, glorifica.
Encorajados por esta glorificação do Tonecas, há milhentos alunos por essas escolas fora que o tomam por modelo e procuram reproduzir-lhe as gracinhas nas respectivas salas de aula. Isto, numa época em que a disciplina já não andava grande coisa, tem o efeito que facilmente se deixa adivinhar: desespero do professor, risadas, balbúrdia, retardamento das matérias, insucesso, etc. e tal.
Junte-se ao menino Tonecas todo o cortejo de programas violentos que a televisão, generosa como sempre, dá todas as noites – e o caso agrava-se.
Aparecem então os Ivos. O Ivo – para quem ande distraído destas coisas – é uma criança de oito anos cujo hobby principal parece ser aterrorizar a escola em bloco: professores, funcionários e alunos. Cerca de trezentas pessoas, mais coisa menos coisa. Acontece isto na Rinchoa, ali às portas da capital, numa escola que até nem é, segundo a Direcção Regional de Educação de Lisboa, “uma escola de risco”.
Aparentemente o Ivo desenvolveu “comportamentos de liderança” e, segundo os colegas, para os exercer apoiava-se em correntes e facas que trazia na mochila.
Aparentemente também, as autoridades escolares têm um sentimento de culpa por terem deixado as coisas chegar ao ponto a que chegaram (“Alguma coisa correu estrondosamente mal”, diz uma das responsáveis, num tocante mea culpa.) E agora andam com o menino nas palminhas. Transferiram-no de escola e destacaram um professor para o “tutelar” em exclusivo, possivelmente convencidos de que a coisa voltará assim ao normal.
Aposto dobrado contra singelo que não volta. Porque o Ivo continuará a ter, à noite, no televisor, o menino Tonecas, o Predador partes 1 e 2, o Rocky partes 1, 2, 3, 4 e 5, e toda uma panóplia de filmes que lhe fornecerão os modelos para, no dia seguinte, moer a paciência do professor e andar ao murro, quando não à facada, a colegas, funcionários e professores.
Longe de mim pretender desenterrar a palmatória lá do purgatório onde jaz, mas um puxão de orelhas a tempo poderia talvez ter evitado tudo isto. Isso causaria talvez algum desconforto físico e psicológico ao menino Tonecas, perdão, menino Ivo. Mas evitaria o mesmo ou pior desconforto a 300 pessoas inocentes.
Cá para mim, o que anda a correr estrondosamente mal na escola, há muito tempo, é a sua permissividade demissionária. Podia-se lá traumatizar o menino, tadinho, impedindo-o de aterrorizar quem ele muito bem quiser e lhe apetecer… Arrisco-me a muito ao escrever isto, mas é isto mesmo que eu penso.
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Domingos da Mota, Armando Dias Sarmento and 33 others
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  • João Martins

    Pois é Senhor Doutor. Tudo está a mudar vertiginosamente, para PIOR. O caso da “EDUCAÇÃO”. Onde é que há uns anos atrás, não é necessário ir para os nossos tempos, os alunos levavam nas mochilas, facas, pistolas… e então a falta de respeito com os pr…

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