Não há uma alma democrática que não questione a legitimidade deste homem.
O mais jovem desde Lord Liverpool (1812), que tinha acabado de fazer 42 anos, o mais rico desde Rosebury (1894), que era casado com uma Rotschild, o mais baixo desde Churchill (1940), que tinha menos dois centímetros, o primeiro oriundo de uma minoria étnica desde Disraeli (1868), de ascendência sefardita, e o primeiro não-caucasiano desde que o cargo existe (1721), Rishi Sunak é um primeiro-ministro do Reino Unido que exala excecionalidade.
Tão novo que não tinha idade para votar na última grande derrota conservadora, quando Blair subiu ao pela poder primeira vez, em 1997.
Tão rico que a fortuna estimada da sua família duplica a do Rei Carlos III, também recém-chegado.
A sua ascensão meteórica ‒ de deputado a ministro das Finanças de Boris, de seu chanceler a seu carrasco, de derrotado na sucessão a líder nomeado sobre pressão ‒ culminou hoje num dos mais inacreditáveis comebacks políticos de que há memória.
O feito, que tem mérito seu e maior demérito de Liz Truss, gozou um curto estado de graça.
Não há um partido da oposição que não exija eleições antecipadas.
Não há uma alma democrática que não questione a legitimidade deste homem, que não abriu a boca durante os caóticos 45 dias de Truss, que não deu uma única entrevista ao recandidatar-se ao lugar, que foi rejeitado pelos militantes do seu partido há menos de dois meses e que chega a Downing Street sem ser submetido aos votos de absolutamente ninguém: nem dos seus deputados, nem das suas bases partidárias, nem do seu povo.
Ter um primeiro-ministro indicado por nomeação ao fim de 12 anos de poder, quatro chefes de governo e dois referendos seria impensável em qualquer partido minimamente consciente.
Os tories, uma das forças políticas mais antigas e bem-sucedidas na história europeia, estão visivelmente órfãos dessa consciência.
Desde 2016, ano em que votaram para saírem da União Europeia, os britânicos tiveram o mesmo número de primeiros-ministros que haviam tido nos 37 anos anteriores.
A disrupção do Brexit ofereceu sucessos eleitorais maciços aos conservadores.
Agora, essa instabilidade é a maior adversária de um país que enfrenta uma crise de inflação, energia e estagnação económica.
A house divided cannot stand…
Hoje, nos conservadores, há mais rivais do que aliados, mais calculismo do que interesse nacional, mais divisão do que união ‒ e isso sente-se a léguas.
Ao longo do dia, Sunak não convidou os melhores governantes para o seu cabinet.
Limitou-se a escolher aqueles que lhe asseguram as melhores hipóteses de sobreviver até às sondagens saírem da casa dos sub-20%.
Suella Braverman, de volta ao Ministério do Interior seis dias depois de se demitir por mau manuseamento de informações confidenciais;
Michael Gove, de regresso ao governo dois meses após anunciar a sua reforma de funções ministeriais;
Penny Mordaunt, mantida como líder parlamentar, sendo-lhe recusada uma promoção.
Gavin Williamson, que ficou ministro sem pasta simplesmente por já não haver mais pastas para distribuir na compra de apoios.
O Reino Unido conheceu esta terça-feira de tarde a sua quinta ministra da Educação em quatro meses.
Maior exemplo da irracionalidade de todo este processo não há.
As três traições de Rishi
Entalado entre a esquerda que não lhe tolera a ostentação e a direita que não lhe perdoa a etnia, entre a City que não abdica de um fisco anglo-saxónico e os cidadãos que não desistem de um Estado Social europeu, sobra-lhe espaço para fazer exatamente o quê?
Rishi Sunak é hoje líder de um governo esgotado, de uma maioria parlamentar que já não representa quem votou nela e de um partido que é tudo o que ele não é: velho, radical e ávido de Estado.
O Sunak liberal, aberto ao mundo, moderno, herdeiro do “conservadorismo de compaixão” de Cameron, cruza-se frequentemente com o Sunak que tem de convencer a massa eleitoral que votou Brexit por razões identitárias, nacionalistas e pouco esclarecidas.
O choque entre ambos ocorreu repetidamente na corrida para a liderança durante o verão: a sua campanha publicou vídeos com trituradoras de papel a desfazerem legislação europeia e não negou a possibilidade de reproduzir em Inglaterra os campos de detenção para migrantes implementados na Austrália.
Qual dos dois Sunaks prevalecerá no número 10?
Mas os seus silêncios, a brevidade das suas intervenções e a quase artificialidade da sua persona política têm um objetivo claro: evitar que esse choque se torne demasiado evidente.
Sunak, apesar disso, está entregue à inevitabilidade de três traições: ao seu partido, que o preteriu há sete semanas; ao programa do seu partido, impraticável três anos depois de valer uma maioria a Boris; e ao seu cargo, conspurcado pela sua total falta de legitimidade democrática.
De boas intenções está o Partido Conservador cheio
Sunak, que não é alheio a nada disto, tentou acautelá-lo no seu primeiro discurso de primeiro-ministro.
De forma inteligente, procurou apoderar-se das bandeiras que Boris Johnson apresentou em 2019 (“mais dinheiro para o SNS, mais escolas e mais hospitais”) e defender a ideia de que a maioria absoluta desse ano “não é de um homem só” ‒ ou seja, que também é dele.
Ao fim de dois parágrafos, porém, Sunak já embatia com Sunak.
Receando repetir a alienação de Truss, o novo PM alertou para os tempos difíceis que aí vêm e para as decisões que terá de tomar.
O programa eleitoral de 2019 não serve para responder à recessão de 2023.
Ou Sunak o assume, o que colocaria o seu mandato em causa.
Ou Sunak o esconde, o que arruinaria a sua credibilidade.
Hoje, conseguiu escapar a ambas.
Mas esse é um dilema que não se pode evitar para sempre.
É um erro presumir que alguém será um bom-primeiro-ministro por ter mais integridade do que Boris e mais competência do que Liz Truss.
Numa democracia saudável, esse padrão é o mínimo, não o ideal.
Com oito horas de vida como primeiro-ministro, o sr. Sunak é um ponto de interrogação de hipóteses exclusivamente desfavoráveis.
Creio que podemos concordar: alguém que não conseguiu ganhar uma eleição a Liz Truss ‒ a PM mais breve da história do Reino Unido ‒ dificilmente vencerá uma eleição a Keir Starmer.
Este governo está morto e à espera que venham recolher o corpo.
Aos 42 anos, porém, é cedo para declarar o óbito de Rishi Sunak enquanto protagonista.
A política britânica é pródiga em ressurreições.
Gigantes como Churchill e Harold Wilson perderam eleições e voltaram a ganhá-las.
Veremos se Sunak resiste a uma noite que promete ser longa na oposição, quando lá chegar.
E se há Partido Conservador que valha a pena liderar depois de os britânicos fazerem o que já deveriam ter sido chamados a fazer há muito tempo.