FINADOS EM TIMOR LESTE

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MUSEU VIRTUAL DE TIMOR LESTE
O cristão/católico e o profano/”pagão” na vida dos timorenses.
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FINADOS EM TIMOR LESTE
Ainda a propósito da polémica sobre se os mortos (ou as almas deles) precisam, ou não, das oferendas, comuns no dia de Finados, lembrei-me de 2 coisas.
Uma, o interessante conceito “catolulik”, trazido à luz pelo(a) misterioso(a) poeta Dadolin Murak, juntando as palavras “católico” e “lulik”, que significa “sagrado”, e que sintetiza a forma como o profano e o sagrado se juntaram, numa forma em que já é difícil perceber as fronteiras de um e outro.
A segunda, este texto de Dom Carlos Ximenes Belo, em que ele descreve detalhadamente a forma como os timorenses em geral celebram esta importante data, em que se lembram os que já partiram, mas que tem também funções de reunião e reforço dos laços familiares, de vivência comunitária e de partilha. (este relato é sobre as tradições na zona de Baucau- cada região tem tradições ligeiramente diferentes, mas na maioria, misturam a participação nas cerimónias religiosas católicas com as práticas Lúlik (do sagrado pagão ou animista).
Deixo no final um link para um texto também interessante, do Joao Paulo Esperanca, em que ele fala um pouco desta miscelânea de culturas, que forjou a cultura moderna timorense.
“Texto de: D. Carlos Filipe Ximens Belo, SDB
Publicado em: SEARA, edição Novembro de 2011, P. 30-32.
Na cultura Cristã e na cultura Timorense há um ponto de coincidência que é os vivos relembraram os entes queridos, os antepassados e os familiares e amigos. Na tradição cristã, a liturgia consagra o dia 2 de Novembro a memória dos fieis defuntos desde os inícios dos séculos XI.
No Credo, os cristão rezam:”creio na ressurreição da carne ou seja, na vida eterna”. Ressurreição da carne significa que depois da morte, não haverá somente a vida da alma immortal, mas também os nossos ”corpos mortais” Retomarão a vida (Cf Roma 8, 11). Crer na ressurreição dos mortos, foi desde os seus princípios, um elemento essencial da fé cristã. Nosso Senhor Jesus Cristo havia dito:”Eu sou a ressurreição e a vida(Jo 11,25)”. Ser discípulo de Jesus Cristo é ser testemunha da ressurreição.
E os Timorenses, como encaram a morte e a vida ”do além”? antes da entrada nos cenários, os Timorenses eram animistas e acreditavam na existência de um ente supremo, MAROMAK, sinónimo de naroman, que significa “brilhante”, “luz”. Em 1975, a Fretilin publicava a um jornal chamado NAKROMAN (luz). Apesar de crerem na existência de Maromak, os Timorenses cultivam especial culto aos espíritos dos antepassados e aos “lulik”.
Os antepassados são venerados como fonte de vida e protectores dos vivos. Acreditam que são os antepassados que preside os destinos da família e protégé os membros. Por isso, quando alguem morre, os Timorenses realiza cerimónias, como hader mate, hakoi mate, tau ai-funan moruk, ai-funan midar, foti Kruz e Kore metan, etc. O saudoso padre Ezequiel Enes Pascoal, missionário, literato e poeta, escreveu: ”uma das crencas mais arraigadas entre os Timorenses é de que os mortos (…) se imiscuem no destino e nas actividades dos vivos. Se estes são solicitos em prestar-lhes os obséquios e deveres tradicionais, como sejam as ofertas das primícias na colheita do milho e do arroz, de arroz ou milho cozidos, na inauguração duma nova casa ou a colocação dos mesmos sobre as sepultures em certas ocasiões, tudo lhes corre bem e gozam de boa saúde. Se, pelo contrário, são remíssos no cumprimentos desses deveres, a doença e outros malefícios não deixam de os apoquenetar, os natives crêem que os mortos aparecem em forma humana a que, em tetum chama mate klamar” (A Alma de Timor vista na sua fantasia, P. 159). Seria interessante descrever tudo o ritual a volta do “hakoi mate” (funeral e enterro). Mas, vou cingir-me ao dia dos fieis defuntos. Como é celebrado este dia, por exemplo, em Baucau?
No dia 2 de Novembro, os que são cristãos vão a Igreja ouvir a missa (rona missa). Por volta das oito ou nove horas de manhã, chegam os familiares e parentes. Segundo o costume, é-lhes oferecido, em primeiro, o malus fatin ou kohe, contendo malus (betel), bua (areca), ahu (cal) e tabaco. Depois de mascarem e fumarem, é-lhes oferecido um copo ou uma caneca de àgua para lavaram a boca; segue-se o “matabicho/matabixo” que consiste em comer fatias de pão (comprador na loja dos Chinêses), bolachas, batata-doce frita, banana frita, amendoim, milho torrado, café e/ou chá. A seguir prepara-se o futo-ai-funan (preparação de capelos e ramalhetes de flores). As crianças que de manhã cedo tinham percorrido as terras vizinhas colhendo flores, trazem cestos (lafatik) cheio flores de mais variadas cores. Alguns homens preparam o chamado “capelo” feito da haste de palmeira ”akar ou tali-tahan”. As mulheres, sentadas numa esteira estendida na varanda ou no pátio, escolham as flores que começam a ser “atadas” e nos capelos, flores essas entrelaçadas de folhas. Entretanto, na cozinha, uma barraca improvisada na véspera, outras mulheres a fadigam-se em voltaa das lareiras cozendo panelas de arroz e de katupa.
Os homens essses matam um cabrito e dois porcos e preparam a carne para a cozinha. As senhoras tendo como dirigente principal um cozinheiro da administração seguir, cozem a carne (tein modo) em tachos e panelas a especiaria denominada “modo” leva condimentos como cebola, sal, alho, e uma espécie de erva “duut morin”. Concomitantemente, outros homens preparam outro tipo de iguarias, isto é, assam ao lume a cabeça do porco e do cabrito. Numa pane la, a parte, são cozidos o braço do cabrito, parte do figado e do coração e, que por serem lulik só serão reservados aos mais velhos. Enquanto, decorre esta azáfama, o katuas, lulik nain (sacerdote gentílico) ou ancião da aldeia leva pedacinhos de carne (fígado, coração) num “kohe”, para oferecer aos espíritos dos antepassados, num local escondido, atrás dos arbustos e piteiras e cactos. Nesse local, havia umas lajes sobrepostas situadas ao pé de àrvore centenária, um Hali, ou gondoeiro. Alí, o velho depôs os cestinho de arroz de carne, e outro de areca, betel e cal. Longe da barulheira o velho fez as suas rezas. Ao meio-dia tem lugar do almoço. Comem primeiros os homens. Não se sentam a mesa mas todos, sentados em semi-circulo, numa esteira estendida de baixo de uma tenda.
O arroz é servido em pratos de folhas de akadiru; o tuaka (vinho) em copos de bambo; o “modo” (iguarias de carne ), em espécie de uma travessa feita de uma membrane da arequeira. Nesta ocasião, os membros do clã dos fetosa não podem comer a carne do cabrito; e os do clã de umanee , não podem comer a carne do porco. Terminado o almoço, os homens retiram-se para as sombras de um grande ai-kamí, e dão ao início ao tesi-lia, durante o qual dois anciãos representantes, um da facção dos fetosa e o outros dos umane, debate a questao das relações ou alianças ique eram cultivadas e mantidas “na antguidade” pelos seus antepassados; falam de relações que devem continuar a existir nos tempos que decorrem. Mas o ponto fulclar do debate era a questão do barlaque, e sobretudo a dívida que ainda persistia entre os fetosa e umane. O lia-nain dos umane argumentava que o dia dos matebian era uma boa ocasião para que os fetosa entrgasse o resto do que ficou acordado no ano anterior: um buffalo, uma cavalo e um surik. O representante dos fetosa rebatia dizendo que ele e os seus parentes, até a data, ainda não tinha recebida o que os umane haviam prometido: 2 porcos e 3 cordas de mortem. O debate animava-se, e os assistentes, mascando bua e malus davam vivas e haklalak apoiando o seu interlocutor…
Como conclusão, pois estava a próxima a hora para ida ao cimitério, são renovados os acordos: as famílias do lado de fetosa deveriam continuar a fornecer buffalos, cabritos e surik (espada de makassar) as famílias de umane, nas grandes ocasiões, como a construção de casa lulik; no casamento; no funeral de um parente e na colheita de arroz. E os membros de umane continuariam a dar porcos, panos de Timor, mortem ou mutissala (cordões de pedras preciosas).
Seguiu-se o almoço das senhoras, e só no fim, o dos jovens e das crianças. Por volta das quarto horas da tarde, organizou-se a procissão para o cimetério (Bibi-dala). Para a deposição de flores nas sepultures dos antepassados e dos parentes recentemente falecidos. Chegados ao local, todos permanencem em siléncio. Observado este ritual, a mulher do katuas lia-nain manda distribuir os kapelos de flores e uma vela, a cada um dos presents, começando pelas mais importantes: o liurai, o dato, o ancião, o mestre, catequista, o enfermeiro e o guarda-fio, por fim, os homens e os jovens. Chegou a vez das senhoras: a prioridade era dada liurai feto, seguindo-se a professora, a catequista, …etc. aos adolecentes e crianças são entregues ramalhetes de flores ou, apenas um punhado de pétalas. Todos depõem sobre a campa e, a seguir, ascendem as velas. Durante este tempo, reza-se o terço ou seis Pai Nosso, seis Ave Marias e seis Glórias. Finda a oração, era a vez do ancião, colocar sobre as sepultures um cestinho com betel, areca, cal e tabaco, e um prato de folha de akadiru (lutero) contend arroz e pedaços de carne.
Terminado este acto de sufrágio e de comemoração todos regressam à aldeia, onde será servido o juntar “gentílico”. À hora da chegada, a entrada do pátio, todas as pessoas são aspergidas com àgua de coco por um ancião, usando como hissope um ramo de ai-ata(anona). Na varanda trageira da casa, estava estendida uma esteira onde foram colocados objectos pertencentes aos antepassados, retirados da casa lulik: sete surik (espadas), sete tais (panos de Timor), sete kohe (bornal de folha de palmeira), pratos chinee ses antigos, uma rota (bastão), belak (discos de ouro ou de prata), kaibauk (mei luas de ouro ou de prata), mortem, sete pratos de katupa, sete pratos de carnee e sete copos de bamboo contendo tuaka. Entretanto, todos os membros dois clãs (fetosa e umane ) já se haviam reunido à volta da esteira levando cada pessoa, uma vela ou um “kesak de kamii”. O sacerdote gentílico, em silêncio, murmura umas orações imperceptíveis. Certamente estaria a impetrar juntos dos matebian, favores, graças e benefícios sobre os vivos, sobre os campos de arroz(natar) e de milho (toos), sobre o gado (kuda, karau no bibi)…etc. a assembleia permanence em profundo silêncio.
Por fim, o ancião, em voz alta, declara: “que para o ano, não entrem, nem doenças, nem desgraças nos nossos lares e povoações…que haja abundância de chuvas para a cultura de arroz e de milho; que os animais tenham crias…. Que a fonte da aldeia não venha a secar…. E que os nossos filhos que estão no tasi balu (estrangeiro) estejam de saúde e voltem depressa….”. Feita esta cerimónia “gentílica” segue-se o jantar. A noite é passada com jogos de cartas, conversas amenas intercalados com canções. A vigília prolonga-se a até o surgir da estrela matutina. Ao promeiro cantar do galo (cerca de três horas), começa a devandada. Os fetosa regressam à suas aldeias levando um porco e um Tais. E os umane, um cabrito e um surik de Makassar. Neste dia de matebian, os antepassados foram, mais uma vez recordados. E a aliança entre fetosa e umane ficou mais vez selada. É, um ramo de ai-sukaer (tamarindo), mais um chifre do cabrito ficou alí pendurado….. a recordar aos vindoros este memorável dia. É por causa destas e doutras razões, que os Timorenses, todos os anos, regressam às suas aldeias de orígem para celebrar do dia dos finados ou de matebian. (SEARA, Novembro de 2011, P. 30-32).”
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falta de gasolina em timor

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Dificuldades no fornecimento de gasolina afetam Díli até ao fim de semana
Díli, 07 jun 2023 (Lusa) – A Autoridade Nacional de Petróleo e Minerais (ANPM) de Timor-Leste anunciou hoje que haverá dificuldades no fornecimento de gasolina à capital Díli nos próximos dias, vincando que a situação deve normalizar a partir de domingo.
“Temos problemas com o fornecimento de gasolina, desde segunda-feira, com menor disponibilidade de gasolina nos armazenamentos das duas principais infraestruturas, na Pertamina em Díli e na ETO em Hera”, disse hoje o diretor de ‘downstream’ da ANPM, Nelson de Jesus.
“O problema é apenas de disponibilidade mais reduzida. Ainda há gasolina em Timor-Leste. Não acabou, estamos com menor quantidade e estamos a trabalhar com os dois fornecedores para gerir a gasolina disponível até domingo, quando se espera que chegue o navio da ETO ao cais de Hera”, explicou.
Nelson de Jesus disse em conferência de imprensa que a ANPM está a monitorizar a situação, incluindo avaliação do comportamento dos preços no mercado, explicando que não há problemas com o diesel.
Segundo explicou, há atualmente em Díli cerca de 125 toneladas de gasolina na Pertamina e 205 toneladas na ETO, com o produto a ser distribuído para garantir o fornecimento até à chegada dos novos carregamentos.
O responsável disse que a situação pode levar a problemas em alguns postos de abastecimento – dois dos 21 postos em Díli já fecharam -, apelando aos consumidores para não acumularem gasolina desnecessariamente.
“Já vimos pessoas com bidons a comprar gasolina. Isso não é preciso. No domingo esperamos a chegada de cerca de 2.700 toneladas da ETO e na quarta-feira esperamos o carregamento da Pertamina”, notou.
Hoje eram visíveis longas filas de veículos nos vários postos de abastecimento do outro fornecedor em grande escala, a empresa timorense ETO, com indicações de alguns aumentos de preços em vários locais,
Questionado sobre a causa dos problemas de fornecimento, Nelson Silva explicou que houve problemas com o carregamento da gasolina no exterior, com longas filas.
“As empresas fornecedoras têm um plano de reabastecimento dos terminais. O problema que até agora os navios de abastecimento não chegaram porque há filas de navios no carregamento do combustível. O problema não afeta apenas Timor-Leste, mas outros países, como a Papua Nova Guiné”, explicou.
“No caso da ETO, tiveram que trocar o navio de abastecimento por problemas mecânicos numa das bombas”, notou.
Questionado pela Lusa sobre a falta de existência em Timor-Leste de reservas estratégicas de combustível, o responsável da ANPM disse que essa decisão não cabe ao regulador, explicando que seria importante que o Governo avaliasse adequadamente a questão.
“Há muitos países, não todos, que têm essas reservas estratégicas para responder a situações como estas. Isso exige aqui uma decisão do Governo, um estudo sobre se vale a pena ou não fazer isso”, disse.
ASP // VQ
Lusa/Fim
May be an image of 6 people and oil refinery
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Rosely Forganes

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3.6.4. OUTRA VERSÃO SOBRE O DESAPARECIMENTO DO ARBIRÚ

Quatro estudantes passaram dois anos a aprender métodos de pesca atlântica em Portugal totalmente desajustados ao Pacífico. Terra calma onde nunca nada acontece e onde faltam estruturas e meios. Há incentivos negativos, fatalmente destinados ao desengano, sem hipótese de sobrevivência, morrendo uma morte lenta, tão lenta que as pessoas acreditavam que vivia. O tempo parara há muito, só as palavras viviam no engano triste do “Loké dalan foun[caminho para o desenvolvimento], a via para a estagnação dissimulada.

Depois do misterioso desaparecimento do ‘Arbirú’ era necessária uma barcaça de 150 ton. e um rebocador. A primeira seria a ‘Lifau’, 30 m. de comprido e 180 ton. De Macau viria a “Laleia” a reboque da “Lifau” em agosto 1975 mas não foi a tempo, a guerra civil estava a começar. A lancha canhoneira “Tibar” raramente operacional, passava mais tempo na doca seca do que em água.

Tito Duarte escreveu em 28.4.2020,

“Hoje, vou dedicar o meu post ao José Rocha, e à sua meia-irmã, Telvira Dores. Na manhã do dia 28 de abril de 1973, partiu de Díli o navio “Arbirú,” construído nos estaleiros de Aveiro, propriedade do governo de Timor, destinado à cabotagem, sob o comando de José da Rocha Dores. Ia com destino a Banguecoque e, além da tripulação, levava alguns passageiros, entre eles a esposa do Capitão, Rosentina Napoleão, conhecida por Babo, e mais três senhoras: a esposa do Comandante dos portos, Pacheco Medeiros, a do gerente do BNU e a do major Viegas, algarvio. Menos de 24 horas depois, o navio deixou de comunicar, o que não era de estranhar, pois já acontecera anteriormente.

Porém, passados os doze dias, calculados para chegarem à capital da Tailândia, nada aconteceu. Passado algum tempo, iniciaram-se as buscas, quer pelos nossos dois aviões “Dove,” quer por alguns países da área. Alguns dias depois, soube-se que havia um sobrevivente, Paulo do Rosário, resgatado do mar por uma córcora da Indonésia e levado para as Flores. Pouco se soube do que ele relatou e, embora o chefe dos Serviços Meteorológicos, Dr. Manuel da Costa Alves, tenha pedido, ao Centro Meteórico de Darwin, cópias das cartas meteorológicas e das imagens obtidas por satélite, daquela zona, que provavam a evidência clara a confirmar o diagnóstico, formulado pelos colegas australianos de “que um pequeno e intenso ciclone tropical” justamente na posição indicada pelo marinheiro sobrevivente, “provava a existência de uma banda nebulosa com curvatura ciclónica perto do centro de perturbação e que pode ter originado uma tromba de água, que é, nem mais nem menos, um tornado no mar.”

O Governador, inexplicavelmente, com a colaboração da PIDE DGS, não ligou importância ao diagnóstico daquele técnico, nem o deixou dialogar com o náufrago, nem à afirmação do Comandante dos portos, nem à minha, que, então chefiava os Serviços das Alfândegas, de que o navio não tinha carregado qualquer mercadoria… nada!

Com que propósitos preferiram que se espalhasse o boato, que ainda hoje parece perdurar, de que o navio tinha sido atacado por piratas, ou pela Frelimo (incrível!), ou de transportar armas, devido a um misterioso negócio militar, de armas. Passados estes anos, penso que o propósito, de ocultar toda a verdade, terá sido para não terem que pagar indemnizações ou multas, pois o “Arbirú” destinava-se à cabotagem, por conseguinte ao longo da costa, e não a viagens de “longo curso “. Várias vezes fora a Singapura, Banguecoque, Hong Kong, ou Fremantle, na Austrália. Estarei perto ou longe da verdade? Os conhecedores do assunto, já quase todos desapareceram. É o que posso, amiga Telvira e amigo José Rocha.”

Foi isto que escrevi na altura no livro Timor-Leste o dossier secreto 1973-1975”:

MAIO 1973 – Em maio assiste-se a um novo mistério típico de Timor, quando o navio Arbirú deixa Díli dia 28 rumo a Hong Kong, Macau e Banguecoque e subitamente desaparece dos mares sem deixar vestígios. Com a cooperação internacional, extensas buscas são feitas pelas marinhas da Indonésia, Filipinas e Malásia mas sem resultados! Semanas mais tarde, um único sobrevivente é recolhido em circunstâncias pouco críveis.

Como sobreviveu no alto mar, infestado por tubarões e sem alimentos, permanecerá para sempre um mistério. Depois de chegar a Díli descreve com implausível detalhe as suas experiências de náufrago, deixando mais perguntas sem resposta do que aquilo a que responde. As conjeturas, então feitas, merecem apenas um vago comunicado oficial. Embora se tratasse de um cargueiro, naquela viagem transportava cerca de vinte passageiros civis, na sua maioria mulheres de oficiais do exército e senhoras da alta sociedade local.

Depois de inquirido localmente, o sobrevivente foi transferido para Lisboa para mais interrogatórios. Desconheço se alguma vez regressou a Timor. Dois anos mais tarde, começaram a surgir rumores de que alguns viúvos estariam a receber mensagens das esposas desaparecidas, mas nenhum deles estava disposto a discutir o assunto ou especular sobre o mesmo. Outro tabu!”

Arbirú Lifau

Em 2020, em plena pandemia do Covid-19, chegou-me às mãos um texto, que corrobora uma das versões que ouvi em Timor sobre o desaparecimento. O testemunho afirma:

“Estive lá (jun 72- outº 75) em Ataúro, servindo na Marinha Radionaval. Isso deu-me oportunidade de ver, formar opiniões diferentes dum artigo de Tito Duarte que colocou em linha. O Arbirú e o Comandante tinham uma posição única em Timor. Sou contemporâneo das famílias – não tenho intenções de mexerico. O Arbirú fazia contrabando como qualquer um. Neste caso como navio único em Timor era muito importante mas era um segredo aberto. Na viagem anterior um tripulante foi preso pela PIDE por contrabando de munições. Na última viagem o Comandante do navio moveu mundos e fundos para ir na viagem. Antes da partida o Comandante Rocha insistiu em informar o Sgt. Lourenço da capitania sobre a situação financeira completa. Como não era pedido habitual, disse ”nunca se sabe…”

Na última viagem para Banguecoque seguiam como passageiros os membros da Comissão organizadora da Festa do 10 de junho com fundos para compras e dinheiro do Conselho de Câmbios para transferir para Lisboa. Nos passageiros iam senhoras da fina flor de Díli como a esposa do Comandante DM Medeiros, do Gerente BNU Figueiredo, do Comandante da Intendência militar, esposa do Comandante Rocha, e esposa de oficial de Informações militares (não chegou a partir). No cais com as despedidas habituais, Dona Babo hesita, demora a embarcar, chorando incontrolável. O Comandante Rocha manda Luís Napoleão (irmão dela) levá-la para bordo. No último momento, o oficial de informações militares entra na ponte cais velozmente, trava junto da prancha de embarque, sobe rapidamente, agarra a esposa por um braço e desce.

O Comandante pergunta, ele responde ”a minha mulher não vai”. Entram no jipe e desaparecem. O navio foi dado como desaparecido quando uma das casas comerciais chinesas em Díli, não tendo recebido notícias da chegada a Banguecoque, contactou os serviços portuários acerca da chegada do navio. Foi-lhe respondido ”não está no porto nem é esperado”. Quer dizer não há ETA (data prevista de chegada) ou qualquer outra info. Só depois disso foi dado como desaparecido pelas autoridades de Timor. Devido ao tempo decorrido por não haver ideia da posição do navio, como habitual foram alertados os serviços de busca e salvamento numa área alargada – Indonésia, Singapura, Hong Kong (Royal Navy) e Austrália. Nada. Havia incerteza sobre a posição do Arbirú porque apesar de ter rádios de longo alcance, sempre verificados antes de longas viagens, o navio só fazia contacto uma ou duas vezes depois da saída. A Estação Radionaval fazia a chamada e escutava em hora e frequência determinadas. Depois disso fazíamos chamada e registávamos – chamado, escutado, não ouvido. Era o habitual, portanto não havia motivo para alarme. Quando chegava ao porto de destino comunicava através da Radio Marconi e nós interrompíamos a escuta até sermos avisados da ETD (data estimada de partida) e nova escuta. Eles criaram essa situação e hábito e nunca foram corrigidos! Só passados uns tempos as autoridades receberam informação de um ”Timorense” dando à costa na ilha das Flores. A Informação não correspondia à posição e área de interesse da busca que estava muito mais afastada. Quando eventualmente Paulo do Rosário foi trazido das Flores contou que o navio fora afundado por uma vaga gigante. Havia chuva torrencial com gotas do tamanho de pontas de dedo, vagas enormes, vento forte quando tudo aconteceu e ele, estava na popa a fumar um cigarro, o navio afundou mas ele salvou-se porque entretanto na agua conseguiu agarrar-se a uma tábua (sem referenciar os outros náufragos). Ao fim de algum tempo deu à costa. Este foi o relato publicado n’A Voz de Timor. Chegado a Díli foi levado pela PIDE para investigação e libertado, ficou confinado em casa guardado por polícia.

O Arbirú nessas viagens fretadas levava grades com galinhas no convés juntamente com grande número de bidons vazios. Navegava leve porque ia vazio e com combustível suficiente só para chegar ao porto de destino. Levava dinheiro ou cartas de crédito para atestar depósitos e os ditos bidons vazios. Com a diferença de câmbio fazia uma maquia. Era outro hábito permanente (de tal forma que quando voltava Díli, descarregava num dia ou dois e invariavelmente navegava para a contracosta por uma semana! Quando havia falta de combustível em Díli este vinha da montanha). Não há referência alguma desses bidons vazios a flutuar durante as buscas.

Eles seriam parte dos destroços que esperavam encontrar. Mas nada foi avistado. No fim agarraram-se a uma referência dos serviços meteorológicos australianos ”talvez um pequeno tornado na área com pequenos vestígios de ‘‘flotsam (detritos à deriva).” E foi assim o fim da investigação oficial. Houve missas pedindo a ajuda divina mas não para encomendar os mortos – naquela altura ”desaparecidos”. Só para confirmar que o M/V MUSI navegando Singapura – Díli costumava pedir reatamento de comunicações via Marconi duas vezes por dia, religiosamente, e comunicava para dizer “loud and clear” no traffic – until next QSO thanks and out.”

O mesmo com petroleiros nacionais para o Golfo Pérsico passando por Nacala em Moçambique diariamente até entrar em Ras Ta Nura (Arábia Saudita, Golfo Pérsico). Na volta ainda atracado pedia para recomeçar o contacto até Nacala, o mesmo Radionaval Lourenço Marques (Maputo), Macau e até na base em Diego Garcia. A exceção – Arbirú. Sistema manhoso desde sempre. O chefe de máquinas e telegrafista do navio era sempre da Marinha. O ultimo telegrafista permanente, Célio, aparentemente também queria negociar mas por conta própria e tentou fazer outra comissão mas o Comandante informou o Governador que era desnecessário haver telegrafista permanente. Na navegação costeira só telefonia e para o estrangeiro poderiam levar um dos Correios ou um militar com comissão terminada mas aguardando transporte de regresso.

O Governador concordou e um aprendiz de feiticeiro perdeu o negócio. Quando um novo enfermeiro começou a comissão, Sargento Simões, teve que fazer uma fogueira nas traseiras da radionaval para queimar a droga. Palavras dele próprio e confirmado por outros. Esse citado telegrafista Célio é fácil de referenciar, tinha uma Honda 300 cor amarelo berrante.

O penúltimo Chefe de Máquinas, na penúltima viagem sofreu um acidente enquanto o navio estava atracado em Singapura. A única testemunha que estava com ele na casa das máquinas disse que teria tocado numa bateria e morreu eletrocutado. Era um homem novo e muito calado. Quando em Díli, jantava e dormia na Radionaval, e dizia que tinha medo do que via. O novo chefe de máquinas morreu na última viagem. Eu vi a esposa no aeroporto de Figo Maduro à chegada dos refugiados de Atambua e ela perguntava a toda a gente lavada em lágrimas: digam-me só se sou viúva, digam se o meu marido está vivo ou morto!

E para finalizar o caso do Sargento maquinista morto em Singapura. Houve um inquérito sobre o “acidente” na Capitania de Díli. Aparentemente a única testemunha era já de idade e meio surdo. Quando ele começou a falar contando o acontecido, foi ouvido gritarem-lhe “ouve, tu só respondes ao que te perguntarem. Nada mais!”

Recorde-se que a capitania era o lugar de trabalho e escritórios do pessoal ligado a ela – Sargento Lourenço e escriturários. Lugar de entrar e sair dos que estavam ligados a estas funções. Portanto na sala de inquérito estava rodeado desse pessoal. Depois de algum tempo, meses talvez, passado sobre o naufrágio o José Rocha, filho do Cmdt Rocha chegou de Lisboa, passou um tempo curto e depois voltou. Falou-se que aparentemente as partilhas tinham sido feitas sem alarde. Talvez as informações recebidas pelo Sargento Lourenço tivessem sido úteis. Da parte da Dona Babo ouvi de um parente que tudo tinha sido partilhado sem problemas ou dividido sem dúvidas ou amarguras. Costumávamos acampar para o sudoeste e éramos todos um grupo unido. De ambas as ocasiões foi citado que não tiveram que esperar pelos sete anos (desaparecidos sem prova de morte ou restos mortais.) Alguém saberia alguma coisa que os meros mortais ou plebeus não tinham acesso. Durante anos ouviu-se dizer que alguém em Jacarta ou Surabaya via alguém conhecido, a quem chamava mas olhavam para trás e seguiam sem responder.

Mesmo depois da invasão Indonésia, Timorenses circularam por portos e juraram que “aquele navio era o Arbirú.” Uma pintura diferente, uma chapa aqui ou ali mas era o Arbirú. De lembrar que o navio fora construído no estaleiro de S. Jacinto, Aveiro. Era difícil haver navios gémeos navegando nessas paragens. Eu próprio em Darwin em trânsito para Hong Kong para trazer o rebocador Lifau encontrei um irmão do enfermeiro de bordo, Borges, que afirmou ter mantido contacto com Darwin (onde residia) com um tripulante indonésio que lhe afirmou saber que o irmão estava vivo e iria trazer fotos na próxima viagem.”

A mesma fonte disse: estive em Macau na tripulação do Lifau na viagem inaugural e quando fomos buscar a Laleia, ficávamos alojados na guarnição local, jantávamos no clube da Polícia Marítima no cais da Taipa.

IN CHRONICAÇORES VOL 5 LIAMES E EPIFANIAS AUTOBIOGRÁFICAS ED LETRAS LAVADAS PONTA DELGADA