Antonio Sampaio
É preciso um esforço conjunto. Educativo, preventivo, punitivo e de limpeza por parte das autoridades. A sociedade civil e igreja devem apoiar e promover. E todos devemos denunciar quem deita lixo fora assim. Timor-Leste depende dos seus recursos naturais e se os trata assim tem um futuro muito dificil pela frente.
Nestes dias tive a oportunidade de visitar o único sobrevivente conhecido da frota da Transportes Aéreos de Timor (TAT). Trata-se de um De Havilland DH 104 Dove, que está a descansar à sombra de um B-52, no museu aéreo de Darwin, no norte da Austrália. Este avião foi oferecido à Austrália pelo governo português.
(Texto da Wikipedia)
Transportes Aéreos de Timor (TAT) foi uma empresa aérea colonial do Timor Português, sediada em Díli, que operou entre 1954 e 1975.
A companhia aérea colonial foi fundada em julho de 1939. Com sede em Díli, as suas bases de operações funcionavam em Díli e Baucau. A companhia servia os destinos da colónia e da Austrália e Indonésia.
Em 1967, a TAT realizou voos entre Baucau e Oecusse, e entre Baucau e Darwin, na Austrália, com dois aviões de Havilland Doves.
Em 1969, a TAT realizou voos para seis destinos timorenses, e um voo fretado semanal com a aeronave Fokker F27 Friendship da companhia aérea australiana Trans Australia Airlines (TAA), que operou na rota de Baucau para Darwin.
Entre 1974 e 1975, a TAT realizou serviços domésticos programados de Díli para Ataúro, Baucau, Maliana, Oecusse e Suai. Os serviços que eram realizados de Baucau até Darwin pela Trans Australia Airlines para a TAT passaram a funcionar três vezes por semana, e a TAT passou a servir também a cidade de Kupang em Timor Ocidental, na Indonésia, desde a capital timorense Díli, usando o avião bimotor Douglas DC-3 da empresa aérea indonésia Merpati Nusantara Airlines com um voo fretado por semana.
Em 1967, a TAT aumentou a sua frota com dois aviões de Havilland Doves. Em 1969, a frota foi aumentada com três aeronaves Austers, mas em 1971 foram retiradas da frota.
Após o encerramento das atividades da TAT e na sequência da invasão indonésia de Timor-Leste em 1975, a frota consistia em dois aviões Doves e uma aeronave Britten-Norman BN-2 Islander.
A 26 de janeiro de 1960, o avião de Havilland Heron, de prefixo aeronáutico CR-TAI, caiu a noroeste da ilha Bathurst, no mar de Timor, aproximadamente uma hora após a descolagem de Darwin até Baucau, onde dois tripulantes e sete passageiros foram mortos.
O avião de Havilland Dove CR-TAG “Manatuto”, batizado com o nome da cidade timorense de Manatuto, encontra-se em exposição no Museu da Aviação de Darwin.
Nestes dias tive a oportunidade de visitar o único sobrevivente conhecido da frota da Transportes Aéreos de Timor (TAT). Trata-se de um De Havilland DH 104 Dove, que está a descansar à sombra de um B-52, no museu aéreo de Darwin, no norte da Austrália. Este avião foi oferecido à Austrália pelo governo português.
(Texto da Wikipedia)
Transportes Aéreos de Timor (TAT) foi uma empresa aérea colonial do Timor Português, sediada em Díli, que operou entre 1954 e 1975.
A companhia aérea colonial foi fundada em julho de 1939. Com sede em Díli, as suas bases de operações funcionavam em Díli e Baucau. A companhia servia os destinos da colónia e da Austrália e Indonésia.
Em 1967, a TAT realizou voos entre Baucau e Oecusse, e entre Baucau e Darwin, na Austrália, com dois aviões de HavillandDoves.
Em 1969, a TAT realizou voos para seis destinos timorenses, e um voo fretado semanal com a aeronave FokkerF27Friendship da companhia aérea australiana TransAustraliaAirlines (TAA), que operou na rota de Baucau para Darwin.
Entre 1974 e 1975, a TAT realizou serviços domésticos programados de Díli para Ataúro, Baucau, Maliana, Oecusse e Suai. Os serviços que eram realizados de Baucau até Darwin pela TransAustraliaAirlines para a TAT passaram a funcionar três vezes por semana, e a TAT passou a servir também a cidade de Kupang em Timor Ocidental, na Indonésia, desde a capital timorense Díli, usando o avião bimotor Douglas DC-3 da empresa aérea indonésia MerpatiNusantaraAirlines com um voo fretado por semana.
Em 1967, a TAT aumentou a sua frota com dois aviões de HavillandDoves. Em 1969, a frota foi aumentada com três aeronaves Austers, mas em 1971 foram retiradas da frota.
Após o encerramento das atividades da TAT e na sequência da invasão indonésia de Timor-Leste em 1975, a frota consistia em dois aviões Doves e uma aeronave Britten-NormanBN-2Islander.
A 26 de janeiro de 1960, o avião de HavillandHeron, de prefixo aeronáutico CR-TAI, caiu a noroeste da ilha Bathurst, no mar de Timor, aproximadamente uma hora após a descolagem de Darwin até Baucau, onde dois tripulantes e sete passageiros foram mortos.
O avião de HavillandDoveCR-TAG “Manatuto”, batizado com o nome da cidade timorense de Manatuto, encontra-se em exposição no Museu da Aviação de Darwin.
Feliz 2019? Sim, será para alguns, para a maioria dos povos assim não acontecerá. É o costume. No caso específico de Timor-Leste sabe-se que largas centenas de milhares continuarão na pobreza que lhes reservará na maior parte dos 365 dias do ano extremidades e radicalizações da pobreza. A felicidade em 2019 é uma miragem inalcansável para a maioria dos povos do mundo. Timor-Leste incluído. Resta a luta por uma vida que os políticos nos prometem mas não cumprem. Vida digna, inclusiva para todos, justa… A esperança é a última a morrer, diz o adágio. Será? Oxalá.
Feliz 2019? Sim, será para alguns, para a maioria dos povos assim não acontecerá. É o costume. No caso específico de Timor-Leste sabe-se que largas centenas de milhares continuarão na pobreza que lhes reservará na maior parte dos 365 dias do ano extremidades e radicalizações da pobreza. A felicidade em 2019 é uma miragem inalcansável para a maioria dos povos do mundo. Timor-Leste incluído. Resta a luta por uma vida que os políticos nos prometem mas não cumprem. Vida digna, inclusiva para todos, justa… A esperança é a última a morrer, diz o adágio. Será? Oxalá.
«sábado, março 08, 2008
Sirana – O início do cinema timorense
As cenas iniciais mostram-nos o interior de uma casa de palapa, um típico lar timorense com uma fotografia do Papa João Paulo II pendurada na parede, um oratório onde rezam os habitantes com uma vela acesa, frinchas nas paredes, cozinha e quarto-de-banho exteriores, também feitos de materiais como palapa ou chapas. Um senhora de lipa e cabaia reza as orações matinais e faz a lida da casa. Ficamos então a saber quem mais mora na casa, Sirana, a protagonista, filha da senhora, e a irmã mais velha daquela e o cunhado. Este está desempregado, é vadio e bêbado, e bate na mulher. As discussões entre o casal são constantes.
Vemos depois Sirana sair cedo a pé com a mãe para irem vender legumes da sua horta no mercado. Aí aparece uma antiga conhecida da mãe, acompanhada por uma jovem colega de Sirana, ambas bem vestidas e com visual moderno. As senhoras conversam um pouco e a que compra os vegetais diz que trabalha num kantor [escritório] e refere as muitas colegas de ambas de antigamente, que são agora deputadas no Parlamento e funcionárias de Ministérios. A cena apresenta, sem tal mencionar explicitamente, o contraste chocante entre a vida de uma que continua pobre e a forma como a outra subiu na vida e se move no mundo dos políticos, dos malais, das ONGs… As duas raparigas andam ambas a ensaiar para uma peça de teatro e combinam encontrar-se lá no CJPAV mais tarde. Sirana interpreta o papel principal, o de Rosa Muki Bonaparte.
Já em casa, aparece a visitá-las uma prima, moça moderníssima, toda gira, transportada de carro. Explica que trabalha com os malais, ganha muito dinheiro, e, inquirida, responde que para arranjar um emprego assim “tem que se saber inglês e português, saber vestir-se bem, ser bonita, e mais outras coisas… que tu [Sirana] ainda não sabes”. Veio contar-lhes que na semana seguinte será o seu “troka prenda”, noivado, e que o namorado é estrangeiro, mas muito boa pessoa, e que no próximo ano irão ambos à terra dele.
Noutra cena, as amigas de Sirana vêm chamá-la para ir com elas à praia. São exuberantes, elegantes e belas, vestem roupas justas com ombros nus e umbigos à mostra… Sirana vai com roupas que a prima lhe havia oferecido. Na praia ela está triste e acaba por desabafar com dois colegas, um rapaz e uma cachopa, contando os problemas em casa entre a irmã e o cunhado, e também que não lhe estão a correr bem os ensaios porque não sabe o suficiente sobre Rosa Muki Bonaparte. Os colegas falam-lhe do papel desta como pioneira dos direitos da mulher em Timor, no âmbito da OPMT, e que foi assassinada pelos militares indonésios no porto de Díli logo no primeiro dia da invasão, e aconselham-na a procurar nos livros e perguntar às senhoras mais velhas. Ela confessa que há mais uma coisa a preocupá-la, um amigo, Nonó, gosta dela, mas ela sente-se reticente em retribuir porque ele é rico e ela não. Eles asseguram que o Nonó é um tipo impecável que não dá importância a essas coisas.
Noutro ensaio, um senhor lá no CJPAV (uma das mais importantes instituições culturais de Díli) pergunta à nossa jovem heroína porque não pede ela à mãe informação sobre a personagem que tem que interpretar e sobre esses tempos. Ele tinha afinal estado no mato com a mãe de Sirana. Esta conta depois à filha sobre os primórdios da luta das mulheres pela sua dignidade, oprimidas que estavam pela sociedade e pela cultura tradicional, e sobre as actividades da OPMT na montanha nos primeiros anos da guerra.
Entretanto o namoro com o tal Nonó parece estar encaminhado. Sirana chega a casa e depara com a irmã que fora novamente espancada.
Temos depois uma cena com a prima, numa esplanada com o namorado. Este é “português”, apesar de o actor falar com um forte sotaque anglo-saxónico:
“- Amor, quando é que me levas para Portugal?
– Fazer o quê?
– Aprezentaha’ubaó-nia família [apresentar-me à tua família], ofcourse!
– Querida, ó tenkekomprendeha’u tropa ne’e. Ha’ulabelelori ó baPortugál agora. [tens que compreender que sou militar aqui. Não posso levar-te para Portugal agora]
– Mas amorzinho, ó promete atuaprezentaha’ubaó-nia família! [tu prometeste apresentar-me à tua família] Sabes perfeitamente que eu estou grávida!
– Eu sei amor. Ne’ela’ósha’umak sala. Itruamakhakarak!… [isso não é culpa minha. Ambos quisemos… ]
– Mas amor…
– Não, não! Itala promete buat ida bamalu. [nós não prometemos nada um ao outro]
– Ó labele halo ha’unune’e [não podes fazer-me isso], por favor! “
E o “português” pede desculpa e põe-se a andar. Fica a moça abandonada a chorar. Depois vai a casa das primas contar-lhes lavada em lágrimas.
Este é um drama relativamente comum em Timor, o das namoradas grávidas deixadas entregues à sua sorte por namorados malais que terminam o tempo de serviço e voltam para os seus países. Mas achei curioso que – ainda por cima sendo o actor falante de inglês – tivessem optado por dar ao personagem a nacionalidade portuguesa. É certo que um soldado australiano me contou (não sei se estava a dizer a verdade ou não) que eles estão proibidos de namorar com as timorenses e que por isso, enquanto dura a comissão, têm alguns dias de licença de xis em xis semanas para irem a Báli, mas também é verdade que ele me disse isso num bar e que fiquei com a impressão que ele namorava com uma das empregadas que lá trabalhava…
A história no filme continua a desenrolar-se com a estreia da peça, que retrata a violência da invasão indonésia. As cenas da peça alternam com outros acontecimentos: o cunhado que aparece bêbado mais uma vez e que a sogra expulsa de casa, o reaparecimento deste num estado deplorável andando aos tombos até à porta que ninguém lhe abre. A peça termina com aplausos entusiásticos do público e com a subida ao palco de Mari Alkatiri (na época Primeiro Ministro) para dar beijinhos e cumprimentos aos actores e actrizes.
O filme foi feito em Díli há uns quatro ou cinco anos, e parece-me que é a obra pioneira do cinema timorense. Lembro-me de ter visto pelo menos uma produção antiga com actores da diáspora, “Flores Amargas”, ambientado no meio dos refugiados do Vale do Jamor, em Portugal, mas produto nacional mesmo, este – que eu saiba – é o primeiro. Apesar de algumas dificuldades ao nível técnico, como por exemplo a captação do som que não está muito boa, parece-me um trabalho muito bem conseguido a vários níveis. O primeiro é a sua radicação consciente na realidade local, falado em tétum, não se tratando apenas de olhares de malai sobre Timor mas sim de ambientes e histórias que fazem parte do quotidiano genuíno dos timorenses. Outro aspecto que me agradou foi, que apesar da aparente simplicidade do argumento, há a possibilidade de mais do que um nível de leitura. Resta dizer que Ivete de Oliveira foi a realizadora, e que o filme resulta do trabalho conjunto de várias instituições: FundasaunKulturalLe-Ziaval, SaheInstitute for Liberation, SanggarMamura e CatholicInstitute for InternationalRelations, com apoio da Caritas Australia e Caritas NewZealand. Da banda sonora fazem parte pelo menos Os Novos 5 do Oriente e o Nelson Turquel, que também aparecem no filme.
«sábado, março 08, 2008
Sirana – O início do cinema timorense
As cenas iniciais mostram-nos o interior de uma casa de palapa, um típico lar timorense com uma fotografia do Papa João Paulo II pendurada na parede, um oratório onde rezam os habitantes com uma vela acesa, frinchas nas paredes, cozinha e quarto-de-banho exteriores, também feitos de materiais como palapa ou chapas. Um senhora de lipa e cabaia reza as orações matinais e faz a lida da casa. Ficamos então a saber quem mais mora na casa, Sirana, a protagonista, filha da senhora, e a irmã mais velha daquela e o cunhado. Este está desempregado, é vadio e bêbado, e bate na mulher. As discussões entre o casal são constantes.
Vemos depois Sirana sair cedo a pé com a mãe para irem vender legumes da sua horta no mercado. Aí aparece uma antiga conhecida da mãe, acompanhada por uma jovem colega de Sirana, ambas bem vestidas e com visual moderno. As senhoras conversam um pouco e a que compra os vegetais diz que trabalha num kantor [escritório] e refere as muitas colegas de ambas de antigamente, que são agora deputadas no Parlamento e funcionárias de Ministérios. A cena apresenta, sem tal mencionar explicitamente, o contraste chocante entre a vida de uma que continua pobre e a forma como a outra subiu na vida e se move no mundo dos políticos, dos malais, das ONGs… As duas raparigas andam ambas a ensaiar para uma peça de teatro e combinam encontrar-se lá no CJPAV mais tarde. Sirana interpreta o papel principal, o de Rosa Muki Bonaparte.
Já em casa, aparece a visitá-las uma prima, moça moderníssima, toda gira, transportada de carro. Explica que trabalha com os malais, ganha muito dinheiro, e, inquirida, responde que para arranjar um emprego assim “tem que se saber inglês e português, saber vestir-se bem, ser bonita, e mais outras coisas… que tu [Sirana] ainda não sabes”. Veio contar-lhes que na semana seguinte será o seu “troka prenda”, noivado, e que o namorado é estrangeiro, mas muito boa pessoa, e que no próximo ano irão ambos à terra dele.
Noutra cena, as amigas de Sirana vêm chamá-la para ir com elas à praia. São exuberantes, elegantes e belas, vestem roupas justas com ombros nus e umbigos à mostra… Sirana vai com roupas que a prima lhe havia oferecido. Na praia ela está triste e acaba por desabafar com dois colegas, um rapaz e uma cachopa, contando os problemas em casa entre a irmã e o cunhado, e também que não lhe estão a correr bem os ensaios porque não sabe o suficiente sobre Rosa Muki Bonaparte. Os colegas falam-lhe do papel desta como pioneira dos direitos da mulher em Timor, no âmbito da OPMT, e que foi assassinada pelos militares indonésios no porto de Díli logo no primeiro dia da invasão, e aconselham-na a procurar nos livros e perguntar às senhoras mais velhas. Ela confessa que há mais uma coisa a preocupá-la, um amigo, Nonó, gosta dela, mas ela sente-se reticente em retribuir porque ele é rico e ela não. Eles asseguram que o Nonó é um tipo impecável que não dá importância a essas coisas.
Noutro ensaio, um senhor lá no CJPAV (uma das mais importantes instituições culturais de Díli) pergunta à nossa jovem heroína porque não pede ela à mãe informação sobre a personagem que tem que interpretar e sobre esses tempos. Ele tinha afinal estado no mato com a mãe de Sirana. Esta conta depois à filha sobre os primórdios da luta das mulheres pela sua dignidade, oprimidas que estavam pela sociedade e pela cultura tradicional, e sobre as actividades da OPMT na montanha nos primeiros anos da guerra.
Entretanto o namoro com o tal Nonó parece estar encaminhado. Sirana chega a casa e depara com a irmã que fora novamente espancada.
Temos depois uma cena com a prima, numa esplanada com o namorado. Este é “português”, apesar de o actor falar com um forte sotaque anglo-saxónico:
“- Amor, quando é que me levas para Portugal?
– Fazer o quê?
– Aprezenta ha’u ba ó-nia família [apresentar-me à tua família], of course!
– Querida, ó tenke komprende ha’u tropa ne’e. Ha’u labele lori ó ba Portugál agora. [tens que compreender que sou militar aqui. Não posso levar-te para Portugal agora]
– Mas amorzinho, ó promete atu aprezenta ha’u ba ó-nia família! [tu prometeste apresentar-me à tua família] Sabes perfeitamente que eu estou grávida!
– Eu sei amor. Ne’e la’ós ha’u mak sala. Itrua mak hakarak!… [isso não é culpa minha. Ambos quisemos… ]
– Mas amor…
– Não, não! Ita la promete buat ida ba malu. [nós não prometemos nada um ao outro]
– Ó labele halo ha’u nune’e [não podes fazer-me isso], por favor! “
E o “português” pede desculpa e põe-se a andar. Fica a moça abandonada a chorar. Depois vai a casa das primas contar-lhes lavada em lágrimas.
Este é um drama relativamente comum em Timor, o das namoradas grávidas deixadas entregues à sua sorte por namorados malais que terminam o tempo de serviço e voltam para os seus países. Mas achei curioso que – ainda por cima sendo o actor falante de inglês – tivessem optado por dar ao personagem a nacionalidade portuguesa. É certo que um soldado australiano me contou (não sei se estava a dizer a verdade ou não) que eles estão proibidos de namorar com as timorenses e que por isso, enquanto dura a comissão, têm alguns dias de licença de xis em xis semanas para irem a Báli, mas também é verdade que ele me disse isso num bar e que fiquei com a impressão que ele namorava com uma das empregadas que lá trabalhava…
A história no filme continua a desenrolar-se com a estreia da peça, que retrata a violência da invasão indonésia. As cenas da peça alternam com outros acontecimentos: o cunhado que aparece bêbado mais uma vez e que a sogra expulsa de casa, o reaparecimento deste num estado deplorável andando aos tombos até à porta que ninguém lhe abre. A peça termina com aplausos entusiásticos do público e com a subida ao palco de Mari Alkatiri (na época Primeiro Ministro) para dar beijinhos e cumprimentos aos actores e actrizes.
O filme foi feito em Díli há uns quatro ou cinco anos, e parece-me que é a obra pioneira do cinema timorense. Lembro-me de ter visto pelo menos uma produção antiga com actores da diáspora, “Flores Amargas”, ambientado no meio dos refugiados do Vale do Jamor, em Portugal, mas produto nacional mesmo, este – que eu saiba – é o primeiro. Apesar de algumas dificuldades ao nível técnico, como por exemplo a captação do som que não está muito boa, parece-me um trabalho muito bem conseguido a vários níveis. O primeiro é a sua radicação consciente na realidade local, falado em tétum, não se tratando apenas de olhares de malai sobre Timor mas sim de ambientes e histórias que fazem parte do quotidiano genuíno dos timorenses. Outro aspecto que me agradou foi, que apesar da aparente simplicidade do argumento, há a possibilidade de mais do que um nível de leitura. Resta dizer que Ivete de Oliveira foi a realizadora, e que o filme resulta do trabalho conjunto de várias instituições: Fundasaun Kultural Le-Ziaval, Sahe Institute for Liberation, Sanggar Mamura e Catholic Institute for International Relations, com apoio da Caritas Australia e Caritas New Zealand. Da banda sonora fazem parte pelo menos Os Novos 5 do Oriente e o Nelson Turquel, que também aparecem no filme.
Uma visão da ocupação portuguesa e descolonização de Timor-Leste, por Fernando Augusto de Figueiredo
A monografia histórica de Fernando Augusto de Figueiredo, “Timor-Leste – A presença portuguesa desde a reocupação à invasão indonésia (1945 – 1975)”, aborda o relacionamento difícil de Portugal com a Indonésia e a Austrália até 1975, num contexto internacional de contestação à presença portuguesa nas colónias. Macau é palco, em Junho de 1975, de uma cimeira entre Portugal e alguns dos partidos timorenses, onde não se inclui a Fretilin. No encontro foi delineado o calendário da descolonização, processo interrompido com a invasão pela Indonésia, em Dezembro de 1975.
Catedral de Díli em ruínas –1945. / Fotografia cedida por Maria do Patrocínio Faustino
Cláudia Aranda
“Timor-Leste – A presença portuguesa desde a reocupação à invasão indonésia (1945 – 1975)”, dá continuidade à tese de doutoramento de Fernando Augusto de Figueiredo intitulada “Timor: Presença Portuguesa (1769 – 1945)”, publicada em 2011, “explorando fontes ainda pouco ou nada conhecidas, de arquivos portugueses e estrangeiros, nomeadamente, os ‘The National Archives of Australia’ e ‘The National Archives’, no Reino Unido”, explicou o autor ao PONTO FINAL. Fernando Augusto de Figueiredo, investigador do Centro de Estudos Históricos da Universidade Nova de Lisboa e do Centro de Literaturas e Culturas Lusófonas e Europeias da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (CLEPUL), lançou a monografia histórica no passado 10 de Junho, no Auditório da Feira do Livro de Lisboa.
Moisés Silva Fernandes, co-director do Instituto Confúcio da Universidade de Lisboa, descreveu esta obra, com mais de 600 páginas, como um trabalho académico “de grande vulto, que vem alterar os debates que se fazem em torno da questão do Timor português e de Timor-Leste, o seu enquadramento na política colonial portuguesa e o seu processo de descolonização que foi interrompido pela Indonésia com a invasão de 7 de Dezembro de 1975”.
A obra permite “reviver os anos do Interregno entre as duas invasões de Timor-Leste: a invasão japonesa e a invasão indonésia”, escreve no prefácio o bispo Ximenes Belo, Nobel da Paz de 1996, que resignou à diocese de Díli em 2002, exilando-se em Portugal. No entender de Ximenes Belo, “foram trinta anos de esforços de reconstrução e de desenvolvimento. Foi pena que a distância imensa que separava aquela antiga colónia da ‘Mãe-Pátria’ e o atraso cultural dos indígenas timorenses constituíssem um ‘senão’ para uma autêntica presença portuguesa”. O Nobel da Paz culpa a “impreparação e imaturidade política dos intervenientes do processo revolucionário do pós-25 de Abril de 1974”, tanto em Timor, como em Portugal, que fizeram “estancar o processo do desenvolvimento e lançou os timorenses no caos e na guerra civil”. Mas enaltece “os laços históricos, culturais e religiosos, expressos na língua portuguesa e na religião cristã”.
A ocupação japonesa prolongou-se de 1942 a 1945, deixando “70 mil mortos e destruição de infra-estruturas e recursos agrícolas”. A década de 1960 “foi um período de progressiva consolidação da presença portuguesa no território”. Mas, a nível político e social, “havia deficiências na administração e nos serviços”, destaca Ximenes Belo. Por isso, em 1959, “um grupo de timorenses, atiçados por uma dúzia de soldados indonésios infiltrados em Oe-Cusse e, depois, autorizados a residir em Baucau e Viqueque, levou até ao excesso as suas reivindicações”, descreve Ximenes Belo. Essas reivindicações resultaram na morte de timorenses, incêndios de casas em algumas aldeias de Watolari e Watocarbau, e no desterro dos implicados da revolta de 1959, para Angola e Portugal. Em consequência disso, o Governo de Lisboa e de Díli “delinearam planos de fomento e de crescimento”, processos abordados no livro de Fernando Augusto de Figueiredo, refere Ximenes Belo.
De Timor, telefonar para a metrópole, só em 1973
Fernando Augusto de Figueiredo referiu que esta obra, de 1945 e 1975, vai desde a reocupação portuguesa, “passando por um difícil e periclitante relacionamento com a Indonésia e a Austrália”, até à invasão e ocupação indonésia, considerando sempre a situação internacional de contestação – nomeadamente dos Estados Unidos da América (EUA) e Grã-Bretanha – à presença portuguesa, com Portugal a defender a sua posição de excepção”, explica o autor.
A obra aborda a administração portuguesa, “que vai evoluindo até uma autonomia restrita, integracionista, mas continuando a respeitar alguma especificidade das estruturas tradicionais indígenas”, diz Fernando Augusto de Figueiredo. A economia, que era assente, sobretudo, numa agricultura de subsistência, tendo no café o principal e quase único produto de exportação; uma indústria rudimentar e um comércio muito dependente dos territórios vizinhos. “As tentativas de exploração de petróleo não vieram a concretizar-se com sucesso, ficando o assunto da delimitação da zona de exploração com a Austrália ainda em aberto”, explica o autor.
As finanças caracterizaram-se por um grande desequilíbrio entre receitas e despesas, só compensadas com o auxílio da então metrópole e com empréstimos de outras províncias ultramarinas. Os transportes e comunicações eram muito deficientes, dependentes das companhias marítimas estrangeiras e dos transportes aéreos australianos. “Telefonar para a metrópole só se tornou possível em 1973”, destaca Fernando Augusto de Figueiredo.
No ensino, a presença portuguesa terminou com baixas taxas de alfabetismo. Na apresentação da obra em Lisboa, Moisés Silva Fernandes destacou o acordo relativo aos Açores, que foi “a moeda de troca que António de Oliveira Salazar usou perante os EUA e a Grã-Bretanha para impedir que a Austrália tomasse o Timor português, como era sua vontade. Como o autor afirma ‘[d]e facto, a ‘libertação’ de Timor apresentava-se ao ‘Estado Novo’ como um desígnio nacional, dentro da concepção imperial que o regime defendia e propalava”.
Macau de fora dos processos de descolonização
A integração colonial portuguesa passou a estar, a partir de 1960, sob os olhares da Organização das Nações Unidas (ONU). “Efectivamente, o governo português estava a desrespeitar o que a ONU propunha, que era o processo de descolonização e independência. Neste contexto, lembra Moisés Silva Fernandes, “o processo de reunificação de Macau à China Continental era um dado adquirido, após a Grande Revolução Cultural Proletária, entre 1966 e 1968, que deixou completamente humilhados o governador e a administração portuguesa”. Em 1971 a República Popular da China acedeu à ONU e no ano a seguir “fez com que a Assembleia-Geral retirasse Hong Kong e Macau da lista de territórios a descolonizar”.
Os “acontecimentos de 1959” em Timor são de nível interno e não recebem internacionalmente qualquer visibilidade, porque os dois regimes, o português e o indonésio, criaram de facto um “muro de silêncio”. Os timorenses vão ficar, contudo, com a memória destes trágicos incidentes. No início da década de 1970, começam a organizar-se vários movimentos de proto-independência, quase todos de origem católica, e são estes que vão marcar os partidos políticos após o 25 de Abril de 1974.
A PIDE/DGS surgiu após os “acontecimentos de 1959”, para manter sob vigilância os poucos que regressaram de Angola e Moçambique para o Timor português, e que foram absolvidos dos “acontecimentos de 1959”. A PIDE, refere Fernando Augusto de Figueiredo, estava atenta, também, às deslocações desde Díli de jovens chineses que iam continuar os seus estudos, entrando alguns “na China Popular” por Macau ou Hong Kong, recebendo educação em “escolas comunistas especializadas”, com a intenção de virem depois a ser “doutrinadores dos seus compatriotas”. Como precaução, não era autorizado o regresso aos estudantes que tivessem ido para a China continental comunista, mesmo com a família a residir em Timor. Com o desencadear da Revolução Cultural na China, a PIDE aperta a vigilância.
Mais tarde, Macau vai ser o palco de negociações entre Portugal e os partidos políticos de Timor. Em Macau, estiveram presentes a UDT, a APODETI, o KOTA e o PT. Não compareceu a FRETILIN, que desejava ser reconhecida como único representante do povo timorense e manifestando o seu interesse em negociar directamente com Portugal, mas em Timor ou Camberra, não em Macau.
Na Cimeira de Macau, a 26 de Junho de 1975, ficou delineado o calendário de descolonização e o estatuto especial para o período de transição, proporcionando-se à população escolher apenas entre a independência e a integração na Indonésia, uma vez que a soberania portuguesa deveria terminar em Outubro de 1978. Em 7 de Dezembro de 1975, com o aval dos Estados Unidos da América, a Indonésia desencadeou a fase militar da Operasi Komodo (Crocodilo Gigante), em curso desde Outubro de 1974, e invadiu Timor por terra, mar e ar, bombardeando a cidade de Díli e tomando-a com tropas pára-quedistas, “iniciando assim uma ocupação violenta, que encontrou uma resposta com que não contavam”, refere o autor.
«É sempre perigoso querer medir inteligências, à maneira daquela corrente da psicologia estadunidense obcecada com QIs. Lembro-me de quando andava na faculdade ter sido cobaia de colegas meus, estudantes de psicologia, que andavam a participar nos esforços dos professores deles para adaptar os testes de QI para a realidade portuguesa. O problema é que os testes desse género medem competências específicas, e um lavrador lá da minha terra pode ter um péssimo resultado neles mas ter por outro lado capacidades e conhecimentos, ligados ao seu labor de amanhar a terra para nela semear a vida, que os doutos psicólogos nem sabem que existem.
Um texto recente do jornalista/escritor Pedro Rosa Mendes que deu muito que falar mencionava a existência de uma geração de timorenses que “chegou à idade adulta e ao mercado de trabalho sem muitas vezes conhecer conceitos como a lei da gravidade, o fuso horário ou as formas geométricas”. Sorri quando li isto no artigo, recordando os seis anos em que dei aulas na universidade em Timor e as muitas vezes em que expliquei nas aulas conceitos básicos, incluindo exercícios como “Se a estátua do Cristo-Rei fica a oito quilómetros daqui, isso significa uma distância de quantos metros?” ou “Se a altura da Maria é cento e cinquenta centímetros, quantos metros mede a Maria?” (os alunos que fizeram a escola primária no tempo colonial português – mesmo os que revelavam muitas dificuldades nas matérias leccionadas nas diversas cadeiras do curso – não tinham normalmente qualquer dificuldade em responder a isto, bem ao contrário de muitos jovens).
Escrevi neste blogue em diversas ocasiões textos sobre a necessidade de preparar programas e currículos pensados a partir da realidade local, e não num qualquer gabinete distante por pessoas que sonham com um público-alvo que não existe. Mas não é disso que quero falar agora. O tema de que me ocupo aqui é a existência de algumas competências que os timorenses têm na sua esmagadora maioria e que deixam atónitos os malais que por cá andam. Uma delas é um refinadíssimo sentido de orientação.
Todo o timorense sabe sempre para que lado está o mar e qual é a direcção para as montanhas. Daí que o seu sistema de coordenadas geográficas de uso quotidiano seja diferente do nosso. Enquanto o meu limitado cérebro só consegue computar direcções como ir em frente e virar à esquerda ou à direita, os timorenses dão habitualmente indicações como “sa’e” e “tun” (“subir” e “descer”). Isto é complicado de processar quando vou de motorizada com a minha mulher, seguindo as instruções dela para irmos a casa de alguma amiga, e todos os caminhos possíveis no cruzamento são completamente planos!…
Uma outra capacidade que os timorenses em geral têm extremamente desenvolvida é a memória para genealogias complexas, e para os rostos associados a elas. Vindo do ocidente onde, cada vez mais, família significa a família nuclear com poucas caras, fico com um nó no cérebro de cada vez que tento compreender todos os laços de parentesco da família alargada que algum familiar ou amigo me tenta pacientemente explicar.
Uma das primeiras coisas que duas pessoas fazem aqui quando se encontram pela primeira vez é começar a explicar áreas geográficas de origem ou de ramificação das respectivas famílias, posicionando-se assim na complicada teia de parentescos e alianças que ocupa um papel central na forma como os timorenses se vêem no mundo.
Tudo coisas demasiado complexas para malais, que têm memória de passarinho.