Jacarta, 04 set 2023 (Lusa) – O Governo timorense tem estado “ocupadíssimo” nos seus primeiros 60 dias, mas sem fazer nada de concreto para servir a população, disse hoje à Lusa o primeiro-ministro, explicando que estão a ser preparadas todas as bases necessárias.
“Agora estamos ocupadíssimos, mas sem fazer nada. Quando digo sem fazer nada, é nada de concreto para a população e para o país”, vincou Xanana Gusmão, numa entrevista à Lusa, na Indonésia onde representa Timor-Leste na 43ª. Cimeira da Associação de Nações do Sudeste Asiático (ASEAN).
O líder do Governo referiu que os primeiros dois meses de trabalho têm sido dedicados à aprovação das novas orgânicas dos ministérios e de um conjunto de leis que considera ser necessário rever, ainda que “sem meter o dedo nas questões práticas”.
Além do Orçamento Geral do Estado (OGE) retificativo para 2023, já promulgado, o executivo está a preparar mexidas em vários diplomas, incluindo a lei de enquadramento orçamental, a lei tributária e os diplomas sobre a Região Administrativa Especial de Oecusse-Ambeno (RAEOA) e sobre a ilha de Ataúro.
Xanana Gusmão sublinha que há que identificar e corrigir o que diz terem sido “erros enormes” cometidos nos últimos cinco anos, motivo pelo qual cada ministério está a preparar relatórios detalhados “sobre tudo o que foi feito”, antes de um conjunto de auditorias já anunciadas.
“Trata-se de limpar a casa. Não se trata aqui de querer meter seja quem for na prisão, mas sim de deixar lições para as gerações futuras não cometerem esses mesmos erros”, sublinhou.
No momento em que tomou posse, em 01 de julho, Xanana Gusmão disse que exigiria o máximo aos membros do seu Governo, explicando que quem não cumprir será exonerado, numa avaliação que, explica, ainda é demasiado cedo para fazer.
“Ainda é cedo para dizer que sabem ou não fazer. Estamos a ver o que há para fazer, como fazer. Temos que repor a ordem, perguntar à Comissão da Função Pública o que fez, à inspeção-geral do trabalho o que fez”, disse, citando esses exemplos.
“Temos milhares de funcionários casuais sem trabalho ou o que fazer e os diretores foram todos mudados. Há que olhar para tudo isso”, afirmou.
Na calha estão outras mudanças, algumas já para breve, como é o caso das novas lideranças da petrolífera estatal, a TIMOR GAP, e no comando do regulador do setor, com Xanana Gusmão otimista de soluções, na primeira metade de 2024, para o projeto dos poços do Greater Sunrise, no Mar de Timor, disse.
O assunto tem sido debatido pelo próprio Xanana Gusmão com a chefe da diplomacia australiana, Penny Wong, e deverá marcar a conversa que o líder timorense tem prevista esta semana, em Jacarta, com o seu homólogo australiano, Anthony Albanese, à margem da cimeira da ASEAN.
“Estou otimista num acordo no início de 2024. Estou confiante com este novo Governo australiano”, disse.
Entre outros diplomas em preparação estão novas leis da amnistia e do indulto e, sob proposta do Presidente da República, José Ramos-Horta, a “ideia interessante” de uma lei da reconciliação, que permita “fechar o capítulo” no que toca aos timorenses ainda na Indonésia, especialmente do outro lado da ilha de Timor.
“É uma lei para olharmos para os timorenses que estão na Indonesia, sobretudo no outro lado da ilha. Chamamos-lhe de muitas coisas, integracionistas, milícias. Em 1999, 2000 e 2001 tentei tudo para os chamar”, afirmou Xanana Gusmão.
“Se com a Indonésia que matou tanta gente, abraçámos a Indonésia, os generais e tudo isso, e dissemos que o que aconteceu, aconteceu, e que agora temos que olhar para o futuro, com os nossos próprios há que fechar este capítulo. Para permitir que possam ir e vir, visitar as suas famílias”, afirmou.
Entre as medidas já implementadas, em vigor desde o fim de semana, está uma troca no comando do Serviço Nacional de Inteligência, com a nomeação como novo diretor-geral do ex-ministro do Interior e ex-procurador-geral da República Longuinhos Monteiro.
Questionado sobre o porquê da alteração, Xanana Gusmão disse que o SNI é um exemplo do que considera ser a “disfunção” de várias estruturas do Estado, com a nomeação pelo anterior Governo de pessoas “sem experiência” e sem capacidade.
“O SNI precisa de uma volta. Antes cumpria o papel de serviço nacional de inteligência, a olhar para questões maiores, que afetam o país […] Deixou de ter aquele espírito de visão de todo o país, de olhar para potenciais grandes ameaças que podem vir de fora”, afirmou.
Questionado sobre se o SNI foi usado para fins políticos, Xanana Gusmão considera que o maior problema foi, “como ocorreu noutras estruturas do Estado”, terem sido colocados na liderança “pessoas dos partidos” do anterior Governo, “que não sabiam nada”.
“Se soubessem alguma coisa, tudo bem, mas não sabem nada. Esse é o grande problema de disfunção de todo o Governo. Tirar pessoas de cargos só porque eram do CNRT, colocando pessoas sem conhecimentos, experiência, sem memória institucional. De forma que temos que corrigir isso tudo”, afirmou.
Longuinhos Monteiro substituiu o anterior diretor-geral, Domingos da Câmara “Amico”, nomeado para o cargo em 2021 pelo anterior primeiro-ministro, Taur Matan Ruak, e cujo mandato deveria ter terminado em 2025.
Militar ativo nas forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL), o coronel “Amico” foi exonerado na semana passada e, hoje, aos jornalistas, considerou a decisão “normal”, uma competência que cabe ao chefe do Governo.
Citado pelo portal Hatutan, o ex-responsável do SNI disse rejeitar algumas das referências na carta de exoneração sobre a sua alegada parcialidade política na organização, enfatizando que nunca militou nem milita em qualquer força política.