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  • presença judaica na língua portuguesa

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    in diálogos lusófonos

    PRESENÇA JUDAICA NA LÍNGUA PORTUGUESA EXPRESSÕES E DIZERES POPULARES EM PORTUGUÊS DE ORIGEM CRISTÃ-NOVA OU MARRANA

    septiembre 2nd, 2011 |

    Jane Bichmacher de Glasman (UERJ)

    O objetivo do presente trabalho é apresentar alguns exemplos de influência judaica na língua portuguesa, a partir de uma ampla pesquisa sócio-linguística que venho desenvolvendo há anos. A opção por judaica (e não hebraica) deve-se a uma perspectiva filológica e histórica mais abrangente, englobando dialetos e idiomas judaicos, como o ladino (judeu-espanhol) e o iídiche (alemão), entre os mais conhecidos, além de vocábulos judaicos e expressões hebraicas que passaram a integrar o vernáculo a partir de subterfúgios e/ ou corruptelas, cuja origem remonta à bagagem cultural de colonizadores judeus, cristãos-novos e marranos.

    Há uma significativa probabilidade estatística de brasileiros descendentes de ibéricos, principalmente portugueses, terem alguma ancestralidade judaica. A base histórica para tal é a imigração maciça de judeus expulsos da Espanha, em 1492, para Portugal, devido à contigüidade geográfica e às promessas (não cumpridas) do Rei D. Manuel I, que traziam esperança de sua sobrevivência judaica como tal. Mesmo com a expulsão de Portugal em 1497, os judeus (além dos cristãos-novos e dos cripto-judeus ou marranos) chegaram a constituir 20 a 25% da população local.

    Sefaradim (de Sefarad, Espanha, da Península Ibérica) procuraram refúgio em países próximos no Mediterrâneo, norte da África, Holanda e nas recém-descobertas terras de além-mar nas Américas, procurando escapar da Inquisição. Até hoje é controversa a origem judaica ou criptojudaica de descobridores e colonizadores do Brasil, para onde imigraram incontáveis cristãos-novos, alternando durante séculos uma vida como judeus assumidos e marranos, praticando o judaísmo secretamente (fora os que permaneceram efetivamente católicos), de acordo com os ventos políticos, sob o domínio holandês ou a atuação da Inquisição, variando de um clima de maior tolerância e liberdade à total intolerância e repressão.

    Comparando apenas sob o ponto de vista cronológico, nem sempre lembramos que, enquanto o Holocausto na Segunda Guerra Mundial foi tão devastador, especialmente nos quatro anos de extermínio maciço de judeus, a Inquisição durou séculos, pelo menos três dos cinco da história “oficial” do Brasil, isto é, após o descobrimento. Tantos séculos de medo, denúncias, processos e mortes, geraram, por um lado, um ambiente psicológico de terror para os judeus e cristãos novos no Brasil; por outro, um anti-semitismo evidente ou subliminar que permaneceu arraigado na população, inclusive como autodefesa e proteção.

    Uma característica do comportamento de cristãos-novos “suspeitos” foi procurar ser “mais católicos do que os católicos”, buscando sobreviver à intolerância e determinando práticas sócio-culturais e linguísticas.

    A citada alternância entre vidas assumidamente judaicas e marranas, praticando judaísmo em segredo, com costumes variados, unificados pela “camuflagem” de seu teor judaico, gerou comportamentos e aspectos culturais (abrangendo rituais, superstições, ditados populares, etc.) que se arraigaram à cultura nacional. A maioria da população desconhece que muitos costumes e dizeres que fazem parte da cultura brasileira têm sua origem em práticas criptojudaicas. Apresentarei alguns exemplos bem como suas origens e explicações, a partir da origem judaica “marrana”.

    “Gente da nação” é uma das denominações para designar marranos, judeus, cristãos-novos e cripto-judeus, embora existam diferenças entre termos e personagens.

    Cristãos-novos foi denominação dada aos judeus que se converteram em massa na Península Ibérica nos séculos XIII e XIV; é preconceituosa devido à distinção feita entre os mesmos e os “cristãos-velhos”, concretizado nas leis espanholas discriminatórias de “Limpieza de Sangre” do século XV.

    Criptojudeus eram os cristãos-novos que mantiveram secretamente seu judaísmo. Gente da nação era a expressão mais utilizada pela Inquisição e Marranos, como ficaram mais conhecidos. Embora todos fossem descendentes de judeus, só poucos voltaram a sê-lo, e em países e épocas que o permitiram.

    O próprio termo “marrano” possui uma etimologia diversificada e antitética. Unterman (1992: 166), conceitua de forma tradicional, como “nome em espanhol para judeus convertidos ao cristianismo que se mantiveram secretamente ligados ao judaísmo. A palavra tem conotação pejorativa” geralmente aplicada a todos os cripto-judeus, particularmente aos de origem ibérica. Em 1391 houve uma maciça conversão forçada de judeus espanhóis, mas a maioria dos convertidos conservou sua fé. Já Cordeiro (1994), com base nas pesquisas de Maeso (1977), afirma que a tradução por “porco” em espanhol tornou-se secundária diante das várias interpretações existentes na histografia do marranismo.

    Para o historiador Cecil Roth (1967), marrano, velho termo espanhol que data do início da Idade Média que significa porco, aplicado aos recém-convertidos (a princípio ironicamente devido à aversão judaica à carne de porco), tornou-se um termo geral de repúdio que no século XVI se estendeu e passou a todas as línguas da Europa ocidental.

    A designação expressa a profundidade do ódio que o espanhol comum sentia pelos conversos com quem conviviam. Seu uso constante e cotidiano carregado de preconceito turvou o significado original do vocábulo. Em “Santa Inquisição: terror e linguagem”, Lipiner (1977) apresenta as definições: “Marranos: As derivações mais remotas e mais aceitáveis sugerem a origem hebraica ou aramaica do termo.Mumar: converso, apóstata. Da raiz hebraica mumar, acrescida do sufixo castelhano ano derivou a forma composta mumrrano, abreviado: Marrano. Tratar-se-ia, pois de um vocábulo hebraico acomodado às línguas ibéricas. Marit-áyin: aparência, ou seja, cristão apenas na aparência. Mar-anús: homem batizado à força. Mumar-anus: convertido à força. Contração dos dois termos hebraicos, mediante a eliminação da primeira sílaba”. Anus, em hebraico, significa forçado, violentado.

    Antes de exemplificar a contribuição linguística marrana, convém ressaltar que a vinda dos portugueses para o Brasil trouxe consigo todos os empréstimos culturais e linguísticos que já haviam sido incorporados ao cotidiano ibérico, desde uma época anterior à Inquisição, além de novos hábitos e características; muitas palavras e expressões de origem hebraica foram incorporadas ao léxico da língua portuguesa mesmo antes de os portugueses chegarem ao Brasil. Elas encontram-se tão arraigadas em nosso idioma que muitas vezes têm sua origem confundida como sendo árabe ou grega. Exemplo: a “azeite”, comumente atribuída uma origem árabe por se assemelhar a um grande número de palavras começadas por “al-” (como alface, alfarrábio, etc.), identificadas como sendo de origem árabe por esta partícula corresponder ao artigo nesta língua. O artigo definido hebraico é a partícula “a-” e “azeite” significa, literalmente, em hebraico “a azeitona” (ha-zait).

    Apesar da presença judaica por tantos séculos, em Portugal como no Brasil, as perseguições resultaram também em exclusões vocabulares. A maior parte dos hebraísmos chegou ao português por influência da linguagem religiosa, particularmente da Igreja Católica, fazendo escala no grego e no latim eclesiásticos, quase sempre relacionados a conceitos religiosos, exemplos: aleluia, amém, bálsamo, cabala, éden, fariseu, hosana, jubileu, maná, messias, satanás, páscoa, querubim, rabino, sábado, serafim e muitos outros.

    Algumas palavras adotaram outros significados, ainda que relacionados à idéia do texto bíblico. Exemplosbabel indicando bagunça; amém passando a qualquer concordância com desejos; aleluia usada como interjeição de alívio.

    O preconceito marca palavras originárias do hebraico usadas de forma depreciativa, como: desmazelo (de mazal – negligência, desleixo), malsim (de mashlin – delator, traidor), zote (de zot / subterrâneo, inferior, parte de baixo – pateta, idiota, parvo, tolo), ou tacanho (de katan – que tem pequena estatura, acanhado; pequeno; estúpido, avarento); além de palavras relacionadas a questões financeiras, comocacife, derivada de kessef = dinheiro.

    Dezenas de nomes próprios têm origem hebraica bíblica, como: Adão, Abraão, Benjamim, Daniel, Davi, Débora, Elias, Ester, Gabriel, Hiram, Israel, Ismael, Isaque, Jacó, Jeremias, Jesus, João, Joaquim, José, Judite, Josué, Miguel, Natã, Rafael, Raquel, Marta, Maria, Rute, Salomão, Sara, Saul, Simão e tantos outros. Alguns destes, na verdade, são nomes aramaicos, oriundos da Mesopotâmia, como Abraão (Avraham), que se incorporaram ao léxico hebraico no início da formação do povo hebreu.

    Podemos citar centenas de nomes e sobrenomes de judaizantes e números de seus dossiês, desde a instalação da Inquisição no Brasil, a partir dos arquivos da Torre do Tombo, em Lisboa, e de livros como Wiznitzer (1966), Carvalho (1982), Falbel (1977), Novinsky (1983), Dines (1990), Cordeiro (1994), etc. Sobrenomes muito comuns, tanto no Brasil como em Portugal, podem ser atribuídos a uma origem sefardita, já que uma das características marcantes das conversões forçadas era a adoção de um novo nome. Muitos conversos adotaram nomes de plantas, animais, profissões, objetos, etc., e estes podem ser encontrados em famílias brasileiras, até hoje, em número tão grande que seria difícil enumerá-los. Exemplos: Alves, Carvalho, Duarte, Fernandes, Gonçalves, Lima, Silva, Silveira, Machado, Paiva, Miranda, Rocha, Santos, etc. Não devemos excluir a possibilidade da existência de outros sobrenomes portugueses de origem judaica.

     

    leia o trabalho na íntegra »» http://www.esefarad.com/?p=26210

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  • mia couto – os primeiros habitantes

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     Mia Couto‘s photo.
    "Historia de MoçambiqueOs primeiros habitantes de Moçambique eram caçadores e colectores, ancestrais de povos Khoisani. Entre o primeiro e quarto século DC, povos falantes da lingua Bantu migraram do norte através do vale do Rio Zambeze passando gradualmente para os planaltos e as áreas costeiras. Os Bantu eram agricultores e ferreiros.Os Portugueses chegaram à costa oriental de Africa no início do século 16, desalojando governantes Arabes de muitas das vilas. Eles estabeleceram feitorias ao longo da faixa costeira. Após tentativas falhadas para penetrar no interior (particularmente para controlar as minas de ouro e prata no que é hoje o Zimbabwe), eles fizeram um esforço concertado para conquistar o interior nos finais do século 19. Em 1914 os Portugueses conseguiram a “ocupação efectiva” requerida pelas autoridades Europeias em 1885 na Conferência de Berlim para justificar os direitos de império.Em contraste com as políticas das outras autoridades coloniais em Africa depois de 1945, a ditadura de Salazar em Portugal (1932-1968) estava determinada a continuar nas colónias do País. A Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) formada em 1962, dirigiu a luta pela independência. Seguido ao golpe militar em Portugal em 1974, foi estabelecido um Governo de Transição Portugueses/Frelimo, e em 1975 o País tornou-se independente tendo a Frelimo assumido o poder, e seu lider, Samora Machel, tornou-se o primeiro presidente.Inicialmente, a Frelimo seguia as políticas Marxista-Leninista, e foi violentamente combatida pela Resistência Nacional de Moçambique (Renamo), movimento formado em 1976/7 sob a direcção Rodesiana. Quando o regime minoritário da Rodésia foi retirado do poder, a Renamo passou a ser apoiada pela África do Sul, como parte da estratégia para aniquilar as políticas e economias de governos negros “estados da linha da frente” nas suas fronteiras.O cansaço da Guerra e mudanças políticas na Africa do Sul e Moçambique – incluindo a mudança da Frelimo da doutrina Marxista-Leninista – ajudou a trazer o acordo de paz, assinado em Roma entre a Frelimo e a Renamo em 1992. O fim da Guerra civil, facilitada pelos Moçambicanos e pela comunidade internacional, é considerada como um dos maiores exemplos de sucesso de resolução de conflito em África."http://www.mz.one.un.org/por/Mocambique
    “Historia de Moçambique

    Os primeiros habitantes de Moçambique eram caçadores e colectores, ancestrais de povos Khoisani. Entre o primeiro e quarto século DC, povos falantes da lingua Bantu migraram do norte através do vale do Rio Zambeze passando gradualmente para os planaltos e as áreas costeiras. Os Bantu eram agricultores e ferreiros.

    Os Portugueses chegaram à costa oriental de Africa no início do século 16, desalojando governantes Arabes de muitas das vilas. Eles estabeleceram feitorias ao longo da faixa costeira. Após tentativas falhadas para penetrar no interior (particularmente para controlar as minas de ouro e prata no que é hoje o Zimbabwe), eles fizeram um esforço concertado para conquistar o interior nos finais do século 19. Em 1914 os Portugueses conseguiram a “ocupação efectiva” requerida pelas autoridades Europeias em 1885 na Conferência de Berlim para justificar os direitos de império.

    Em contraste com as políticas das outras autoridades coloniais em Africa depois de 1945, a ditadura de Salazar em Portugal (1932-1968) estava determinada a continuar nas colónias do País. A Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo) formada em 1962, dirigiu a luta pela independência. Seguido ao golpe militar em Portugal em 1974, foi estabelecido um Governo de Transição Portugueses/Frelimo, e em 1975 o País tornou-se independente tendo a Frelimo assumido o poder, e seu lider, Samora Machel, tornou-se o primeiro presidente.

    Inicialmente, a Frelimo seguia as políticas Marxista-Leninista, e foi violentamente combatida pela Resistência Nacional de Moçambique (Renamo), movimento formado em 1976/7 sob a direcção Rodesiana. Quando o regime minoritário da Rodésia foi retirado do poder, a Renamo passou a ser apoiada pela África do Sul, como parte da estratégia para aniquilar as políticas e economias de governos negros “estados da linha da frente” nas suas fronteiras.

    O cansaço da Guerra e mudanças políticas na Africa do Sul e Moçambique – incluindo a mudança da Frelimo da doutrina Marxista-Leninista – ajudou a trazer o acordo de paz, assinado em Roma entre a Frelimo e a Renamo em 1992. O fim da Guerra civil, facilitada pelos Moçambicanos e pela comunidade internacional, é considerada como um dos maiores exemplos de sucesso de resolução de conflito em África.”

    http://www.mz.one.un.org/por/Mocambique

  • crónica 124 DOM XIMENES BELO NO 19º COLÓQUIO DA LUSOFONIA

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    http://www.diariodetrasosmontes.com/cronicas/cronicas.php3?id=1361&linkCro=1

     

     



    Crónica 124 26 março 2013 dom Ximenes Belo no 19º colóquio da lusofonia

     

     

    Crónica 124 26 março 2013
    Rudyard Kipling está celebrizado pelo «If» («Se») que é exatamente o oposto daquilo que rege os colóquios «Não prometemos, fazemos». Só que, desta vez, saboreamos o acre travo das provações climatéricas que quase iam comprometendo de forma terminal o 20º colóquio marcado para 14 a 17 de março na Maia, ilha de São Miguel, Açores.
    Uma depressão cavada estacionária por cima do arquipélago trouxe chuvas torrenciais, ventos ciclónicos, desabamentos de terras, naufrágios e um total de seis mortes a estas ilhas tão fustigadas e impediu a aterragem de aviões de Lisboa e Porto a partir do dia 12…Os nossos oradores e presenciais que iriam chegar a partir daquela data começaram a ver os seus voos adiados, cancelados e mais de 1120 pessoas esperavam nos aeroportos de Lisboa e Porto um voo para a ilha do Arcanjo.
    Todos os planos foram literalmente por água abaixo, recorreu-se ao plano «B» mas novos cancelamentos e adiamentos, horas desesperantes de espera no aeroporto Papa João Paulo II na Nordela em PDL fizeram gorar novas esperanças. De volta ao computador se elaboraram planos alternativos enquanto os telemóveis se agitavam com mensagens, telefonemas e adiamentos ou cancelamentos. Os planos quase esgotavam o alfabeto disponível e decidiu-se cancelar tudo o que se estava previsto para o primeiro e segundo dias do evento. No jantar de boas vindas, em vez de 25 pessoas éramos seis ou sete. Na manhã de dia estava anunciada uma palestra na escola da Maia, sobre a paz. por Dom Ximenes Belo, Prémio Nobel da Paz 1996 e a apresentação da Antologia de Autores Açorianos Contemporâneos em dois volumes. O lançamento tinha sido anunciado em toda a ilha por todas as escolas e não podia ser alterado, mas o restante da programação desse dia incluindo a abertura formal do colóquio, lançamentos literários na livraria Solmar e um jantar oferecido ela Associação Agrícola de São Miguel tudo foi alterado.
    Cancelaram-se recitais, atuações de grupos musicais e passeio para incluir as sessões formais do colóquio no sábado dia 16. Finalmente pelas 11 e meia da manhã de dia 15 começaram a chegar oradores e presenciais…em três aviões consecutivos de Lisboa. Remarcou-se o almoço na Maia onde acabamos por ter mais de 20 pessoas e logo a seguir a este improvisou-se uma audiência na escola para a palestra de Dom Ximenes Belo. Depois recolheram todos ao hotel onde nos reunimos para jantar ainda sob intensa chuva que iria persistir com intensos e cerrados nevoeiros.
    O 19º colóquio começou assim n sábado e prolongou-se até domingo, um dos mais curtos eventos desde o seu dealbar em 2001-2002, caracterizado pela presença de personalidades ilustres que, pela primeira vez, estavam presentes como a representação do Camões agora denominado Instituto da Cooperação e Língua, e o Diretor Executivo do IILP (Instituto Internacional da Língua Portuguesa) da CPLP, entre outras personalidades.
    Tudo correu dentro do apertado horário com a precisão de um relógio suíço sem mais percalços ou incidentes, e uma boa integração dos elementos que nunca estiveram nos nossos convívios anteriormente.
    Depois das boas-vindas pelo presidente da Junta de Freguesia da Maia (esta foi a primeira vez que os colóquios se realizaram numa freguesia), este fez a apresentação da mostra de artesanato local e de fotografias da Maia, havendo igualmente a abertura da mostra de livros da editora Calendário de Letras. Depois seguiram-se dois vídeos, um ilustrando a história e as belezas e riqueza da Maia e outro da AICL; recapitulando em imagens os 18 colóquios anteriores. Seguiram-se os discursos oficiais começando com o do Presidente da AICL
    SENHOR representante do PRESIDENTE DO GOVERNO REGIONAL DOS AÇORES, Subsecretário Regional da Presidência para as Relações Externas Dr Rodrigo Oliveira
    SENHOR PRESIDENTE DA CÂMARA MUNICIPAL DA RIBEIRA GRANDE, DR RICARDO SILVA
    SENHOR PRESIDENTE DA JUNTA DE FREGUESIA DA MAIA, JAIME RITA
    DEMAIS ENTIDADES REGIONAIS,
    MONSENHOR DOM CARLOS FILIPE XIMENES BELO, nosso convidado de honra neste colóquio
    ÁLAMO OLIVEIRA, nosso escritor convidado e homenageado neste colóquio
    CAROS/AS ACADÉMICOS/AS,
    CARAS E CAROS ASSOCIADOS/AS,
    MINHAS SENHORAS E MEUS SENHORES
    A TODOS AGRADEÇO A PARTICIPAÇÃO NESTA CERIMÓNIA FORMAL DE ABERTURA DO 19º COLÓQUIO DA LUSOFONIA DA AICL.
    AGRADEÇO EM ESPECIAL O PATROCÍNIO DA JUNTA DE FREGUESIA DA MAIA SEM O QUAL NÃO SERIA POSSÍVEL TERMOS REUNIDOS AQUI ACADÉMICOS E LUSÓFILOS DE TANTOS PAÍSES E REGIÕES
    A todos dou as boas-vindas a esta costa norte da ilha de São Miguel, tantas vezes esquecida ao longo dos séculos, e mesmo mais recentemente quando fica afastada das rotas de visitantes e turistas. Estamos em pleno coração da zoina histórica da Maia, ativa freguesia do concelho da Ribeira Grande, situada entre as suas congéneres de S. Brás, a ocidente; a Lomba da Maia, a nascente; e os concelhos de Vila Franca do Campo e Povoação, a sul. A sede da freguesia, inclui os lugares da Lombinha da Maia e da Gorreana, ocupando grande parte de uma fajã vulcânica geologicamente muito jovem, com apenas dez mil anos.
    Seguindo a Enciclopédia Açoriana, a Maia terá sido fundada nos finais do séc. XV, por Inês da Maia, nativa de terras do Lidador perto do Porto. Na ilha havia então dois municípios, os de Vila Franca do Campo e de Ponta Delgada.
    O primeiro historiado, o douto Gaspar Frutuoso fala das curiosidades da freguesia, dos moinhos, do dia-a-dia e dos primeiros povoadores que tiveram intenção de a fazer vila sem o conseguirem. Em termos eclesiásticos, a paróquia cedo ganhou alguma relevância fazendo parte da ouvidoria de Vila Franca, a única em S. Miguel. Só em 1698 foram criadas as ouvidorias de S. Sebastião em Ponta Delgada e N. Sra. da Estrela na Ribeira Grande. Por razões geográficas, a paróquia do Divino Espírito Santo da Maia foi incluída na de N. Sra. da Estrela.
    Entretanto, as obrigações fiscais passaram a ser cumpridas na Ribeira Grande, mas só em 1820 a Maia ficou a fazer parte deste concelho. No entanto, em 1916 esta paróquia foi integrada como limite ocidental da ouvidoria dos Fenais da Vera Cruz (Fenais da Ajuda) aquando da criação de novas ouvidorias.
    A sua malha urbana apresenta um desenho de ruas paralelas orientadas na direção norte-sul, unidas por travessas de orientação leste-oeste, situação muito rara nos Açores. Dadas estas características, foi classificado como património regional o centro urbano ao redor da igreja paroquial, dedicada ao Espírito Santo, e construída de 1796 a 1825.
    Entre os seus edifícios notáveis, encontra-se o Solar de Lalém, do séc. XVIII e XIX, e onde foi incorporada a ermida de S. Sebastião de 1687. Ali se realizaram em 87 e 89 dois encontros de escritores açorianos, e onde João de Melo recebeu o seu primeiro prémio literário , pelo livro Entre Pássaro e Anjo.

    http://vambertofreitas.files.wordpress.com/2011/04/maia_foto1.jpg
    Diz Vamberto Freitas em 2011 no artigo Do Bar Jade ao Grupo Balada Abpril 9, 2011
    O movimento e o debate de ideias nos bastidores levaram ao primeiro encontro da Maia organizado por Daniel de Sá, Afonso Quental, Carlos Cordeiro e, mais tarde, Urbano Bettencourt, Silva Melo e José Bettencourt da Câmara, que dinamizariam no Solar de Lalém essa convivência que, durante alguns dias, juntava escritores e estudiosos residentes no arquipélago, no Continente e na Diáspora, inclusive Brasil. … a açorianidade tomava agora várias formas, era vivida e escrita nas mais longínquas geografias marcadas pela nossa presença histórica. … a escrita açoriana entrava numa outra fase de universalidade que naturalmente se revia nas mais variadas formas, nos mais originais e por vezes inesperados temas., para além do isolamento e subdesenvolvimento, emigração e guerra colonial. Quem não queria ser identificado como «escritor açoriano» ou ser incluído num corpo literário definido como «literatura açoriana» estava mais do que livre para seguir o seu caminho sem nunca ser hostilizado, muito menos «excluído» do grupo.
    Tentamos, em memória desses Encontros, que a comitiva ficasse alojada no mítico e ora privado Solar de Lalém mas preços exorbitantes, exigências e alterações ao acordado levaram-nos a buscar outras paragens e daí estarmos alojados no paradisíaco coração da ilha em pleno Vale das Furnas.
    No lugar da Gorreana aqui na Maia, produz-se o famoso chá do mesmo nome, sendo este laborado na única fábrica que se manteve ativa, sem interrupções, desde o terceiro quartel do século XIX e que visitaremos amanhã.
    A situação geográfica da Maia, numa zona do concelho em que há uma acentuada descontinuidade em relação ao conjunto formado pela cidade da Ribeira Grande e freguesias mais ocidentais, e o seu relevo geográfico, fizeram da Maia uma alternativa para as populações da zona na busca de bens e serviços que normalmente só são acessíveis nas sedes de concelho, daqui derivando as suas legítimas aspirações ao longo dos últimos 500 anos para ser vila mas cremos que será apenas uma mera questão temporal até que isso aconteça.
    A zona costeira da Maia dispõe de excelentes condições para a natação e mergulho, sendo os fundos marinhos circundantes dos melhores da ilha, quer no que respeita à paisagem subaquática quer no que se refere às espécies e quantidade de peixes observáveis.
    Encontra-se referida como «O Reduto do logar da Maya» na relação «Fortificações nos Açores existentes em 1710» .[1] A Capitania Geral dos Açores reportava o seu estado em 1767: «§20.° — No logar da Maya se conservam alguns vestígios de que houve alli um Forte chamado do Espirito Santo, e se deve novamente edificar, pela necessidade que tem aquelle sitio de ser defendido.»[2] Esta estrutura não chegou até aos nossos dias.
    Nos últimos dois anos tem-se assistido a uma rica panóplia de eventos destinados a celebrar os 5 séculos da Maia cuja data exata não consta dos arquivos, o que vem provar a vitalidade desta freguesia que tem sob a liderança de Jaime Rita, a visão e a coragem de se abalançar a ser a primeira freguesia a receber um Colóquio da Lusofonia o que, decerto, ficará na história e servirá de exemplo nestes dias conturbados em que por mor da crise, a cultura é das primeiras rubricas a serem penalizadas nos cortes de apoios governamentais a todos os níveis. Ao apostar neste apoio incondicional aos Colóquios, quando alguns municípios o declinaram, a Junta de Freguesia da Maia deu um exemplo de que os cidadãos não precisam só de obras de construção civil, ou da solidariedade social autárquica, nem apenas das hortas comunitárias, nem só dos festivais pagãos e religiosos como também se lhes deve dar a hipótese de poderem receber uma tão nobre audiência como esta, onde a Lusofonia está aqui representada por gente de vários países e regiões como Açores, Alemanha, Austrália, Bélgica, Brasil, EUA, Galiza, Macau, Portugal, Roménia, Timor-Leste.
    A cultura e a educação são a maior riqueza de um povo que não se contabiliza na fria natureza dos números da economia e finanças. Um povo culto está ao lado dos governantes na busca de soluções para as crises, um povo orgulhoso da sua língua não se deixa silenciar para pagar as dívidas da banca mundial. É esse povo que visamos conquistar nos Colóquios da Lusofonia.
    Todos sabemos que a história sempre se fez de guerras e de casamentos entre as tribos, hoje faz-se pela globalização económica que desconhece as fronteiras marcadas em tempos imemoriais pelos homens e é aí que a língua comum assume um papel vital de moeda de troca entre os povos. Mesmo muitos daqueles que sempre se insurgiram contra a Lusofonia surgem agora como vocais e aparentes paladinos da mesma, como instrumento de captação de um mercado de mais de 240 milhões de almas. Se a guerra dos afetos entre povos irmãos parecia exclusiva da coutada dos poetas, eis que agora – timidamente – desponta o interesse económico nessa cruzada da língua comum, como motor capaz de inverter políticas centralistas e nacionalistas de séculos. Nisso reside a grande arma que devemos utilizar, neste longo caminho de sobreviver através da língua e cultura comuns, em vez de ficarmos marginalizados em variantes e dialetos, redutores da enorme identidade global que é a Lusofonia sem distinção de nações, credos ou etnias.
    Advogamos sempre que um povo que lê não se deixa esmagar pela fria ditadura dos impostos, não se deixa dominar e toma decisões conscientes, necessidades bem prementes nestes dias de globalização neoliberal desenfreada, guiada pelo paradigma único do lucro a qualquer custo. Sem desmerecer os méritos do sistema capitalista, apostamos mais na Humanidade feita de homens e mulheres com princípios sãos. Sustentamos a igualdade, a justiça e o mérito irmanados por um poderoso elo comum: a língua de todos nós – seja ela de origem ou adquirida -, mas a língua em que comunicamos, trabalhamos e vivemos. Esse laço comum não distingue nem discrimina. Podemos fazer a diferença, congregados em torno dessa ideia abstrata e utópica de irmanação pela Língua numa escrita unificada. Podemos criar pontes entre povos e culturas no seio da grande nação lusofalante, independentemente da nacionalidade, naturalidade ou ponto de residência.
    Esta a verdadeira Lusofonia que propugnamos. Não somos donos da língua apenas meros amantes e utilizadores da mesma, e nela queremos congregar não só os países de língua oficial portuguesa como todas as comunidades onde existam lusofalantes independentemente da sua matriz de origem.
    Não queremos um Quinto Império para reviver falsas glórias de outrora, pretendemos apenas dar voz a todos os que se expressam e trabalham nessa mesma língua, queremos partilhar a enorme riqueza da língua comum, com enorme valor no PIB, como elo motriz que a catapulte da sua eterna semiobscuridade para a ribalta dos fóruns mundiais onde já é a quinta mais falada ou no seio da internet onde surge como terceiro idioma mais usado.
    Dito isto, somos – como organizadores deste 19º colóquio, a AICL – associação internacional dos colóquios da lusofonia, um exemplo da sociedade civil atuante em torno de um projeto de Lusofonia sem distinção de credos, nacionalidades ou identidades culturais. Depois de termos ido ao Brasil, Macau e Galiza queremos voltar ao Brasil, ir aos EUA e Canadá, a Cabo Verde, Roménia, Timor-Leste e a outros países.
    A nossa ação, desde 2006, na divulgação da açorianidade literária é o exemplo vivo de como concretizar utopias com esse esforço coletivo que é o contagioso espírito de grupo que nos irmana e nos tem permitido avançar com ambiciosos projetos desde que em 2001 iniciámos os colóquios, para patentear que era possível ser-se organizacionalmente INDEPENDENTE e descentralizar estes eventos sem subsidiodependências. Estabeleceram-se nestes anos várias parcerias e 21 protocolos com universidades, politécnicos e outras entidades que possibilitam embarcar em projetos mais ambiciosos com a necessária validação científica. Nos Açores, agregamos académicos, estudiosos e escritores em torno da identidade açoriana, escrita e tradições, na perspetiva de enriquecimento da Lusofonia, sempre com as suas diversidades culturais que, com a nossa podem coabitar.
    Pretendemos divulgar a identidade açoriana não só nas comunidades lusofalantes mas em países como a Roménia, Polónia, Bulgária, Rússia, Eslovénia, Itália, França, onde lentamente estão a ser feitas traduções de obras e de excertos de autores açorianos. Por isso, em todos os colóquios mantivemos sempre uma sessão dedicada à tradução, importante forma de divulgação da língua e cultura. Veja-se o exemplo de Saramago que vendeu mais de um milhão de livros nos EUA onde é difícil a penetração de obras de autores estrangeiros. A este propósito, um dos mais ousados projetos destes colóquios a Antologia Bilingue para as comunidades da diáspora, lançada em 2011, tem esta tarde o lançamento da sua versão monolingue, trata-se da Antologia de Autores Açorianos Contemporâneos em 2 volumes e edição da Calendário de Letras.
    Em linha desde janeiro 2012 disponibilizamos gratuitamente no nosso portal, www.lusofonias.net, os CADERNOS DE ESTUDOS AÇORIANOS que trimestralmente publicámos, estando já disponíveis dezena e meia de cadernos, suplementos e vídeo-homenagens a autores açorianos. Serviram de suporte ao curso de Açorianidades e Insularidades da Universidade do Minho e que ambicionámos levar, um dia, numa plataforma em linha para todo o mundo, além de servir de iniciação para os que querem ler excertos de obras de reconhecidos autores açorianos cujas obras dificilmente se encontram no mercado livreiro. Há marcas indeléveis de insularidade que acompanham os autores açorianos nas suas peregrinações, um elo comum que abarca os autores compilados nos Cadernos Açorianos, entre tantos que escrevem tendo por pano de fundo os Açores como espaço cultural de forte marca identitária.
    Gostava de chamar a vossa atenção para os dois últimos cadernos açorianos, um dedicado a Victor Rui Dores e o outro ao dramaturgo Norberto Ávila que hoje se junta a nós pela primeira vez, acompanhando o escritor homenageado ÁLAMO OLIVEIRA. Em outubro 2012, levamos os Colóquios a Ourense na Galiza, parcela esquecida da Lusofonia que foi o berço da língua de todos nós, e ora tenta reunir-se com as demais comunidades lusofalantes. Ali lançámos o MANIFESTO AICL 2012, a língua como motor económico, um contributo para a política da língua no Brasil e Portugal. Vivemos hoje uma encruzilhada semelhante à da Geração de 1870 e das Conferências do Casino.
    Embora maioritariamente preocupados com os aspetos mais vastos da linguística, literatura e história, somos um grupo heterogéneo unido pela Língua comum a todos nós e que configura o mundo, sem esquecer como Wittgenstein disse que o limite da nacionalidade é o limite do alcance linguístico.
    Resta apenas que mais e mais gente se junte à AICL – Colóquios da Lusofonia – para irmos mais longe e levar o nosso MANIFESTO a todos, incluindo os países de expressão oficial portuguesa e que sirva de ponto de partida para o futuro que ambicionamos e sonhamos. Com a ajuda e dedicação de todos muito mais podemos conseguir como motor pensante da sociedade civil para que juntos possamos fortalecer o que nos une e que é património imaterial de tantos.
    Fala-se hoje mais Português em Angola e Moçambique do que no tempo da presença portuguesa apesar da forte competição das línguas nativas. Em Goa existem mais de 15 mil falantes e há um recrudescimento do interesse pela língua portuguesa com novos livros publicados mais de 50 anos após a extinção da presença lusófona. Em Macau a língua portuguesa é mais falada e estudada hoje do que quando os portugueses lá estavam. Lembro a importância da língua portuguesa em contextos hostis como no caso de Timor-Leste onde sob a ocupação neocolonial indonésia, as novas gerações impedidas de falar Português começaram a usar esta língua como língua de resistência. Como segunda língua oficial há dez anos o número de falantes nem a 5% chegava e hoje já há mais de 25%.
    Vários idiomas da Tailândia, Malásia, Índia e Indonésia têm centenas de palavras portuguesas bem como a língua japonesa: álcool, veludo, jaqueta, bolo, bola, botão, frasco, irmão, jarro, capa, capitão, candeia, castela (bolo de pão-de-ló), copo, vidro, tempero, tabaco, sabão, sábado, choro, tasca, biombo etc. Há ainda um idioma próprio Papiá Kristang (língua cristã) ou português de Malaca falado na Malásia, Singapura, Tailândia, Ceilão e Indonésia constituído por palavras portuguesas com formas gramaticais diferentes. Existe ainda o Patuá de Macau mas em vias de extinção.
    Por último gostava de lembrar a honra que temos neste biénio 2013-2014 de homenagear Álamo Oliveira, um autor que como tantos outros não tem a projeção que merece pela sua vasta e rica obra. Nos Colóquios tentamos seguir as indicações que recebemos e uma das questões colocadas aquando da antologia bilingue foi a de termos deixado de fora as mulheres na escrita açoriana (excetuando Maria de Fátima Borges). Sempre abertos a sugestões e críticas adotou-se para este 19º colóquio o tema 1, AS MULHERES NAS LETRAS AÇORIANAS. Curiosamente, apesar da extensíssima divulgação que este 19º colóquio teve, a maioria das mulheres escritoras açorianas contemporâneas ignorou esta oportunidade. Mesmo assim, posso anunciar aqui em primeira mão que iremos prosseguir como estava programado com uma nova Antologia no feminino, sob o tema Açores 9 ilhas 9 escritoras.
    A língua não é só um meio de comunicação nem uma arma económica, ela expressa o sentimento dos povos, permite a preservação das lendas e narrativas, recria as baladas dos bardos, favorece a leitura dos clássicos, aproxima povos e perpetua o ADN nacional. Vamos continuar a criar intercâmbios entre os Açores e o resto do mundo para incrementarmos relações culturais entre as regiões e comunidades onde se fala a mesma língua.
    Dou agora a palavra ao convidado de honra Dom Ximenes Belo, seguido do nosso escritor homenageado Álamo Oliveira, a representante da Presidente do Camões Dra. Ana Isabel Soares, o presidente da edilidade Dr Ricardo Silva a que se seguirá o representante do Presidente do Governo Regional, senhor Subsecretário Regional da Presidência para as Relações Externas Dr Rodrigo Oliveira.
    Seguiu-se depois a primeira sessão dedicada inteiramente à homenagem a Álamo Oliveira, começando por um vídeo http://www.lusofonias.net/doc_download/1529-5-alamo-oliveira.html produzido pela AICL com apoio técnico do nosso associado Instituto Politécnico da Guarda, a surpresa de um trio de professores da escola da Maia a interpretarem O rimance de Dona Baleia em versão musicada por eles. Depois, era a grande surpresa, dois poemas de Álamo «ganga azul» e «eu fui ao pico e piquei-me» traduzidos em várias línguas e apresentados ao vivo ou em gravação nessas línguas. Um projeto que irá ser colocado no portal em breve quando estiverem concluídas as traduções noutras línguas.
    Seguiu-se uma magistral apresentação da colega Rosário Girão e Manuel J Silva da universidade do Minho sob o título «o poeta do banco verde», a tradutora norte-americana Katharine Baker apresentou «traduzir os poemas Berkeley e são Francisco» de Álamo Oliveira e Chrys Chrystello fez uma recensão genérica das obras do autor terminando com a excecional obra «A Traceira de Jasus»

    O almoço, oferecido pela Junta de Freguesia, foi de Sopas do Divino e carne do mesmo, servidas no salão da Fábrica de Chá da Gorreana devido ao mau tempo, com apoio de alunos da escola profissional das Capelas. Depois passou-se aos trabalhos da parte de tarde com uma sessão de poemas escolhidos e ditos pelo autor Álamo Oliveira. Nessa sessão Rolf Kemmler da UTAD, continuou a sua saga de estudos de trabalhos feitos por estrangeiros sobre os Açores no fim do séc. XIX e início do séc. XX. Vilca Merízio do Estado de Santa Catarina, falou de dois autores desconhecidos dos seus tempos na Universidade dos Açores e Rolf apresentou outro trabalho sobre Luiz Mascarenhas Gaivão e a sua obra, antes da Concha Rousia da Academia Galega da Língua Portuguesa debater a influência da Galiza na poesia de Chrys Chrystello.
    A dupla Augusto Rodrigues (Universidade de Brasília) e Simona Vermeire da Roménia (Universidade do Minho) acabou por ser notícia como os únicos que não conseguiram voo tempo de chegarem aos Açores para o 19º colóquio, deixando apenas Luís Gaivão no último painel do dia a debater a literatura angolana contemporânea na obra de Manuel Rui, acompanhado de Perpétua Santos Silva na Racionalidade e afetos na relação com a língua portuguesa em Macau.
    Entretanto na RTP Açores no mais divulgado programa Atlântida havia um especial dedicado ao colóquio com reportagens sobre Álamo Oliveira e painéis onde intervieram Norberto Ávila, Helena Chrystello, Ana Isabel Soares (do Camões e ainda Laura Areias que todos disseram ter corrido muito bem. http://www.rtp.pt/programa/tv/p29930/e6
    Apressadamente, digiram-se todos para Ponta Delgada onde, na Livraria Solmar (Avenida) ao bater das 19.00 se fariam as apresentações literárias deste colóquio. Chrys começou por falar de Timor e do fardo que transportou ao longo de 24 anos em que foi uma das poucas vozes no jornalismo mundial dedicado ao problema da independência de Timor-Leste, servindo isto de prelúdio para a apresentação da sua trilogia da História de Timor em CD, composta pelo livro 1 Timor-Leste o dossiê secreto (1973-1975), livro 2 Historiografia de um repórter (1982-1993) e livro 3 Guerras tribais, a história repete-se (1984-2006). Depois Concha apresentou o livro dos 40 anos de vida literária CRÓNICA DO QUOTIDIANO INÚTIL uma compilação das Obras Completas do autor incluindo a reimpressão do primeiro volume publicado em 1972, o volume dois (1967-1975), volumes 3 e 4 (1970-1982) e o novo volume 5 após um hiato de 20 anos que reúne poesia escrita entre 2010 e 2012.
    A seguir, Helena Chrystello em nome dela e da outra coautora Rosário Girão falou desse extraordinário projeto dos Colóquios a Antologia de Autores Açorianos Contemporâneos (17 autores em dois volumes) que embora anterior no tempo, sucede à Antologia bilingue de 15 autores lançada em 2011 e que faz parte do Plano Regional de Leitura e vai ser submetida para consideração para o Plano Nacional de Leitura.
    Por último Concha Rousia apresentou a sua mais recente obra Nântia e a cabrita d’oiro, um romance infantojuvenil efabulado na própria história da Galiza.
    Seguiram depois os conferencistas para o jantar que lhes era graciosamente oferecido pela AASM Associação Agrícola de São Miguel, em Santana na Ribeira Grande, onde se degustou o excelente bife da ilha acompanhado só de produtos açorianos, do pão ao queijo, ao vinho, ao ananás…
    Tivemos o privilégio de tornar a ter no nosso seio o excelente tocador de Viola da Terra, Rafael Carvalho que já estivera no nosso Colóquio na Lagoa em 2008. Foram momentos bem expressivos que antecederam o jantar e – apesar de ter outros compromissos – e de esta sessão ter sido adiada 24 horas, o jovem Rafael não quis deixar de se associar e estar presente.
    Tal como na sessão de abertura em que falara da paz, Dom Ximenes Belo mostrou-se jovial, bem-disposto e falador contrastando com anteriores ocasiões enque foi sempre muito formal e mais sisudo. Dir-se-ia que estava à vontade e se sentiu bem enquanto os colóquios cumpriam a sua parte e o isolavam da comunicação social como ele expressamente solicitara. Autorizara apenas fotos nos locais por onde passou e nas intervenções formais quer nos colóquios quer nas suas perambulações pastorais pela Igreja a Maia e outros locais de culto onde foi prestar homenagem à memória de açorianos célebres como o túmulo de Dom Jaime Goulart.
    A sessão correu tão bem que a Assembleia-Geral da AICL foi adiada 24 horas…entretanto a chuva e o nevoeiro não davam tréguas e permaneceram connosco até à data em que escrevo salvo raras exceções muito curtas…
    Este colóquio estava assim resumido a dois dias bem intensos. Era para se ter realizado em três dias bem preenchidos e tivemos de o comprimir em dois, mas felizmente os dois dias decorreram sem atrasos em relação aos horários previstos, nem nos almoços (dois dos quais realizados no Sagitário da Maia com mais de vinte e tal pessoas e sem demoras).
    Domingo começaria com a poesia interventiva da Galiza pela voz da autora Concha Rousia antes da sessão 5 em que iriam intervir ANDRÉ CRIM VALENTE da UERJ, CRIATIVIDADE LEXICAL NA MÍDIA E NA LITERATURA: NEOLOGISMOS INUSITADOS, seguido de EDLEISE MENDES da Universidade da Bahía DESAFIOS E PERSPETIVAS CONTEMPORÂNEAS PARA O ENSINO DE PORTUGUÊS LE/L2 COMO LÍNGUA DE CULTURA(S), Luciano Pereira da ESE/Instituto Politécnico de Setúbal A VALORIZAÇÃO DO TRABALHO NO CONTEXTO DO ENSINO DA LÍNGUA E CULTURA PORTUGUESA num virulento ataque ao mundo contemporâneo desumanizado e Ana Isabel Soares do Camões TRADUÇÃO PARA LÍNGUA PORTUGUESA DA EPOPEIA FINLANDESA KALEVALA. Depois de um aceso debate seguiu-se o Recital de Ana Paula Andrade do Conservatório de Ponta Delgada acompanhada por Henrique Constância ao violoncelo e a estreia da já famosa soprano Helena Ferreira que a todos encantaram. Houve a apresentação pública de inéditos do Padre Áureo da Costa Nunes de Castro, nativo do Pico e radicado durante décadas em Macau, algumas peças do cancioneiro Açoriano e por último a surpresa de duas estreias musicadas por Ana Paula Andrade do poema «A Religiosa» de Álamo Oliveira e de «Maria nobody» de Chrys Chrystello em trabalhos de qualidade excecional que podem ser ouvidos em http://www.lusofonias.net/cat_view/132-imagens-aicl/130-coloquios-acores/243-19o-coloquio-maia2013.html?view=docman Antes do almoço ainda deu para uma excelente sessão dos metres, a sessão das Academias em que intervieram Evanildo Bechara ABL, Brasil, ACORDO ORTOGRÁFICO; João Malaca Casteleiro ACL, Lisboa, ACHEGAS AO ACORDO ORTOGRÁFICO: SERÃO POSSÍVEIS ALTERAÇÕES NA DUPLA GRAFIA PARA UMA UNIFICAÇÃO MAIS COMPLETA DA ORTOGRAFIA?; Concha Rousia AGLP, GALIZA E O AO 1990; e outra estreia neste colóquio Gilvan Muller De Oliveira, Diretor do IILP (Instituto Internacional da Língua Portuguesa em Cabo Verde) da CPLP, DO ACORDO ORTOGRÁFICO À GEOPOLÍTICA INTERNACIONAL DA LÍNGUA PORTUGUESA NO SÉC. XXI. Mais outro curto e intenso debate.
    De tarde era a vez do tema de honra «a mulher nas letras açorianas» com intervenções de Helena Anacleto-Matias, ISCAP, Porto, SOBREVOANDO A ILHA-MÁTRIA DE NATÁLIA CORREIA, UMA PANORÂMICA; Laura Areias, CLEPUL, U. LISBOA, OS ANSEIOS DAS INSULANAS; e Álamo Oliveira, escritor, Terceira, Açores, recordar ADELAIDE FREITAS. Faltou a escritora local Ângela de Almeida para faltar de Natália Correia.
    A última sessão de palestras era ocupada com o tema Açorianos em Macau e Timor com Raul Leal Gaião, Lisboa, AÇORIANOS EM MACAU, D JAIME GOULART – DO PICO A MACAU, DE MACAU A TIMOR e, Dom Carlos Ximenes Belo, Timor-Leste, BISPOS AÇORIANOS EM MACAU E MISSIONÁRIOS AÇORIANOS EM TIMOR. Houve tempo para interessante debate embora a comunicação social se tenha queixada por não poder intervir no mesmo. Entregaram-se os Certificados coma fotografia de família dos presentes, apresentaram-se conclusões e projetos novos
    É NOSSO COSTUME AGRADECER DEPOIS DE CADA COLÓQUIO desta vez, porém, os agradecimentos têm um sabor especial pois ninguém desistiu de estar presente apesar dos contratempos de voo e ajudaram todos com a sua presença a fazer deste colóquio um evento memorável apesar de ter sido dos mais curtos da sua já longa história…
    Aos patronos das 3 Academias agradeço a vossa continuada presença desde 2007 que constitui um incentivo triplicado (Bem Hajam MALACA CASTELEIRO, EVANILDO BECHARA E CONCHA ROUSIA)
    Uma palavra de apreço muito especial a Dom Ximenes Belo pela sua alegria, jovialidade e excelente entrosamento no seio desta nossa família lusófona. Tentámos dar-lhe o máximo de espaço ao longo destes dias sem o constranger apesar das 1001 solicitações e esperamos que volte um dia mais tarde. As crianças na escola adoraram a sua presença e todos nos sentimos mais ricos com a sua bonomia e esperança em dias melhores. Foi assim que Timor ficou independente por haver gente que acreditou.
    Um agradecimento muito sentido ao Jaime Rita, ao Filipe Braga, Alina, Marina e Daniela e aos incansáveis e sempre solícitos condutores da Junta de Freguesia da Maia e Casa do Povo pela sua dedicação enorme que nos permitiu resolver problemas com os quais nem nós conseguíamos imaginar e que foram causados pelos cancelamentos e adiamentos sucessivos de voos. Agradecemos que divulguem pelos que aqui são nomeados.
    Aos nossos outros convidados «especiais» – apesar de sermos todos iguais – a nossa gratidão por se terem integrado tão bem e tão depressa nesta nossa «família lusófona» com especial apreço pelos esforços efetuados pelo ÁLAMO OLIVEIRA e pelos PROFESSORES ANDRÉ CRIM VALENTE, GILVAN OLIVEIRA E ANA ISABEL SOARES que muito vieram enriquecer o conteúdo das comunicações.
    Foi graças a todos vós que creio termos conseguido atingir os nossos objetivos saindo deste encontro com tantos novos projetos que iremos construir nos próximos 2 a 3 anos.
    Um último agradecimento público à sempre incansável e flexível Dona Beatriz do Rego do nosso Hotel na Vista do Vale (hoje cheio de sol) e ao Sr. Augusto do restaurante Sagitário que conseguiram a curto prazo satisfazer todas as nossas necessidades e que nos deleitaram com uma boa culinária para encher os estômagos já que a mente a enchemos nós. Obrigado ao Jorge Rita da Associação Agrícola de São Miguel, pela oferta de 37 bifes que perdurarão na nossa memória; bem como ao Eng.º Mota da Fábrica de Chá da Gorreana por nos receber assim como ao Zé Carlos Frias da Livraria Solmar pois ambos nos fizeram sentir em casa.
    A todos os que não puderam, não quiseram ou não tiveram a oportunidade de estar presentes, apenas vos posso dizer NÃO SABEM O QUE PERDERAM!
    Obrigado a todos pela vossa amizade e incentivos, bem hajam e até ao 20º colóquio no Rio de Janeiro como cremos que será oficialmente anunciado em breves semanas.

    CONCLUSÕES

    CONCLUSÕES
    1. TENTAR INCLUIR A ANTOLOGIA DE AUTORES AÇORIANOS CONTEMPORÂNEOS EM DOIS VOLUMES NO PLANO NACIONAL DE LEITURA
    2. PROJETO DE ANTOLOGIA NO FEMININO 9 ILHAS 9 ESCRITORAS NOS PRÓXIMOS DOIS ANOS
    3. PROJETO DE MUSICAR (VERSÃO MÚSICA CLÁSSICA) POEMAS DE AUTORES AÇORIANOS
    4. PROJETO DE MUSICAR (VERSÃO POP E ROCK) POEMAS DE AUTORES AÇORIANOS E DOS COLÓQUIOS
    5. PROJETO DA JUNTA DE FREGUESIA CRIAR UM CANCIONEIRO DA MAIA
    6. PUBLICAÇÃO DE UMA COMPILAÇÃO DE TEXTOS DRAMÁTICOS A INCLUIR NO PLANO CURRICULAR DO ENSINO E MAIS TARDE NO PLANO REGIONAL DE LEITURA

     

    mail: Chrys Chrystello

    Crónica anteriores:

    Crónica 121 Lusofonias: Do Canadá à Galiza, 26/10/2012
    Crónica 117 portugueses 30 junho 2012
    17 colóquio da lusofonia lagoa abril 2012
    SANTA MARIA ILHA-MÃE – AICL REPUDIA EXCLUSÃO DA AGLP
    CRÓNICA 100 Maia(Açores) 5 séculos e um livro
    A Ásia recebeu os Colóquios da Lusofonia numa ponte entre os Açores e Macau
    CRÓNICA 91 DUAS MORTES, UM SÓ PAÍS
    RESCALDO DO 14º COLÓQUIO DA LUSOFONIA
    Evocação da mátria Bragança
    CRÓNICA 81 um transmontano no Brasil
    CRÓNICA 79 (des)igualdades e discriminações
    DA HOMENAGEM A PAULO QUINTELA E MIGUEL TORGA A CRISTÓVÃO DE AGUIAR
    Homenagem contra o Esquecimento sob o signo do novo acordo ortográfico em Bragança
    O clímax dos Encontros de Lusofonia
    Museu da Lusofonia em Bragança
    7º colóquio da lusofonia de 2 a 5 de outubro 2008
    Lusofonia nos Açores em Maio 2008
    Bragança capital da lusofonia por 4 dias
    para que servem os acordos ortográficos, se a línga portuguesa (europeia) desaparecer? venha saber o que se vai debater no 6º colóquio anual da lusofonia
    dois académicos de renome em Bragança no 6º colóquio da lusofonia
    Porque sou um australiano transmontano
    aind ao 5º colóquio da lusofonia ou de como descobri que sou bragançano
    Crónica 2
    Manifesto para uma lusofonia universal

     

     

  • as mulheres de Gugunhana

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    Moçambique

    AS MULHERES DE GUNGUNHANA, POR MARIA DA CONCEIÇÃO VILHENA

    1. No último quartel do século XIX, nas terras do sul de Moçambique, entre os rios Incomáti e Zambeze, Gungunhana impunha-se como o maior potentado africano. Era o senhor do reino de Gaza, tinha mais de uma centena de vassalos e possuía uma enorme riqueza, constituída por ouro, marfim e rebanhos de gado. O seu prestígio político e social vinha-lhe ainda do facto de possuir entre 200 a 300 esposas: 40 viviam junto da corte e as restantes habitavam nas aldeias circunvizinhas. A aquisição de novas esposas fazia-se a um ritmo quase bimestral; e cada casamento era sempre causa de maior engrandecimento, por permitir novas alianças e atrair grande número de presentes. Era uma grande honra ter o régulo de Gaza como genro e protetor. Seria demasiado longo falarmos da vida que levavam estas mulheres em geral; por isso nos limitaremos às sete que acompanharam o marido no exílio.

    2. No dia 28 de Dezembro de 1895, após algumas tentativas de negociações e a derrota de Coolela, seguida do incêndio do Manjacaze, a capital de Gaza, Gungunhana foi feito prisioneiro em Chaimite, por Mousinho de Albuquerque. O oficial português deu então ordem ao régulo para que escolhesse sete de entre as suas mulheres, que o acompanhariam no seu incerto destino. Foram [seis] delas: Namatuco, Patihina, Muzamussi, Machacha, Xesipe e Dabondi. Feitas as suas poucas bagagens, lá seguiram os prisioneiros a pé durante algumas horas, até chegarem a Zimacaze, na foz do Chengane. Aí embarcaram na canhoneira Capelo, que os estava esperando e os transporta até Chai-Chai. A propósito deste embarque, queremos lembrar que, na cultura angune, havia um tabu proibitivo de entrar na água e comer peixe. Os prisioneiros devem, pois, ter sido invadidos pelo horror de viajar de barco, o que irá repetir-se, por várias vezes, até ao fim da deportação. Com os onze prisioneiros do Manjacaze (Gungunhana, o filho Godide, o tio Molungo, o cozinheiro Gó e as sete mulheres), embarcam também o régulo da Zixaxa e três mulheres deste, cuja sorte iria ser igual à dos outros. Em Chai-Chai, na foz do Limpopo, passam então para o navio Neves Ferreira, que os transporta até Lourenço Marques, onde chegam no dia 4 de Janeiro [de 1896]. Aí desembarcam e são mantidos na cadeia homens e mulheres, até serem levados para bordo do “África”, após o seu reconhecimento oficial, feito em público. Neste navio África fariam uma viagem de 60 dias, até Lisboa. As condições a bordo deviam ser péssimas, pois Gungunhana e seus companheiros, num total de 15 pessoas, ocupavam apenas dois compartimentos pequenos, escuros e mal arejados. Por razões de segurança, aí ficavam fechados à chave, sempre que o barco fazia escala em qualquer porto. E foi o enjoo, a asfixia, a imobilidade, a juntar à angústia da dúvida sobre o futuro que os esperava. Os jornalistas falam mesmo da tentativa de suicídio por parte de uma das mulheres…

    3. Na manhã do dia 13 de Março de 1896, desembarcam em Lisboa e são conduzidos em caleches descobertas, do Arsenal até ao forte de Monsanto. Lisboa em festa, a abarrotar de multidões ruidosas. O público, apinhado pelas ruas, empoleirado em postes, debruçado das janelas, aos magotes, como enxames, ri, grita, vaia eufórico. Dentro das carruagens, os prisioneiros olham temerosos e embaraçados; eles com ar estupefacto, perplexo; elas apontando, curiosas e divertidas. Nunca tinham visto casas tão altas, com varandas, ruas calcetadas, praças com fontes e estátuas. E tanta gente alegre, a observa-las, durante todo o percurso. As mulheres africanas parecem bem dispostas. Do Terreiro do Paço seguiu o cortejo pela Rua do Ouro, Avenida da Liberdade, São Sebastião da Pedreira, Sete Rios, Benfica, rumo a Monsanto. Por todo o lado, em todo o percurso, era aquela mole imensa de gente, às gargalhadas e a insultar. Porém o desconhecimento da língua portuguesa dava às prisioneiras a vantagem de não compreenderem o ódio e a ironia da arraia miúda e assim, na sua inocência, poderem continuar a sorrir. Era o dia 13, uma sexta-feira de céu cinzento. Se os africanos tivessem as mesmas superstições que os brancos, tanto bastaria para que os maus presságios agudizassem ainda mais a angústia que os atormentava. A tarde aproxima-se do seu fim, quando chegam ao Forte de Monsanto. São seis horas e, em Março, o sol está a esconder-se. As instalações onde são recebidas nada têm de semelhante àquelas casas que, na Baixa, as haviam deslumbrado. Passada a ponte levadiça, entram numa masmorra, onde a escuridão era quase total. As mulheres estão agora assustadas e o terror estampa-se-lhes no rosto. O quarto que lhes haviam destinado, encontrava-se seis metros abaixo da superfície. Espaço escuro, bafiento, mal cheiroso, húmido e frio. Suspiravam amedrontadas e foi necessário tranquilizá-las; mas continuaram a tremer de frio e talvez de medo. Assim as encontrou o médico encarregado de examinar o seu estado de saúde. São-lhes mostradas as camas e explicam-lhes como são utilizadas. Até então haviam dormido no chão, sobre esteiras. Convencidas finalmente de que não lhes iria acontecer mal, ao entrarem nas camas riram ruidosamente. Nesta fortaleza de Monsanto iriam ficar encerradas durante quatro meses, aproximadamente. Gente habituada a viver ao ar livre, em contacto com a natureza e em constante movimento, vê-se agora privada da largueza dos seus espaços e da quentura do seu clima; imóveis e geladas entre quatro paredes do calabouço, num entorpecimento do corpo e do espírito. Detestam a comida portuguesa e queixam-se constantemente de frio. Entretanto, aprendem a utilizar talheres e passam a usar vestuário europeu.

    4.Como passavam o tempo essas mulheres prisioneiras?
    Grande parte do seu dia era ocupado a pentearem-se, pois usavam um penteado artístico, alto, entre o cónico e o cilíndrico, que constituía um dos distintivos das mulheres grandes do Gungunhana. As mulheres pequenas, ou seja, as rainhas de segunda classe, não tinham o direito de usar esse tipo de penteado. Quanto à favorita, tinha outra ocupação, pois cabia-lhe o dever de manter sempre brilhante a coroa de cera que o marido usava e que era tecida no próprio cabelo. Além disso, dedicavam-se ao artesanato, fazendo pulseiras e colares de missangas, artisticamente trabalhados. Ao princípio, a monotonia dos dias foi quebrada pelas muitas visitas que recebiam. As esposas de ministros, ou de outras altas individualidades, conseguiam a autorização do Ministério da Guerra e iam até Monsanto, entravam nos calabouços, sorriam, levavam presentes. Por curiosidade ou para cumprir o dever de visitar os presos. Não conheciam a língua, mas comunicavam por gestos de simpatia. Ofereciam fruta e doces, objetos variados, pequenos nadas que davam prazer. Um jornalista referiu uma vez a agilidade e delicadeza com que uma dessas mulheres prisioneiras calçou umas luvas que acabava de receber. Com tanta facilidade e perfeição como se a isso estivesse habituada de longo data; e um dia em que uma senhora lhes ofereceu flores, com elas adornaram alegremente os seus penteados. As prisioneiras mostravam aos visitantes os seus trabalhos em missangas, com cores variadas e caprichosos desenhos. Estes apreciavam, elogiavam-lhes a arte, sorriam. Mas um dia acabaram-se as visitas, por o ministério as ter proibido. E então foi a solidão total. Tensão, crises de mau humor, cólera, emoções descontroladas, transgredindo assim a contenção imposta pela disciplina militar. O recluso tem de obedecer, mas os nervos começam a dar sinais de fadiga. Há gritos e ameaças, intervenção das forças da ordem. As mulheres choram, os homens são punidos. Era muito difícil, para um rei déspota e violento como Gungunhana, a renúncia calma ao prestígio de que gozara e a aceitação submissa do vencedor português. Cada vez mais angustiado e atormentado pelo receio da condenação à morte, Gungunhana atinge o limiar das suas forças. Adoece gravemente e tem de ser hospitalizado. A sua partida para o hospital impressionou de tal modo as rainhas, que estas quase deixaram de comer. Algumas delas adoeceram mesmo e o médico chegou a propor o seu internamento. No dia em que o marido regressou recuperado, foi grande a alegria das esposas, traduzida em carícias, gargalhadas e gritos de prazer que entoaram pelas celas. De repente a imprensa deixa de se interessar pelos prisioneiros africanos. O encanto da novidade tinha-se extinguido; e agora nada mais saberemos a seu respeito, a não ser que passaram os meses de Abril, Maio e Junho, na mais horrível solidão. Dias a decorrer na penumbra, incertos de futuro, exíguos de espaço, longos de monotonia, húmidos e frios. Até que, no dia 23 de Junho [de 1896] os jornais anunciam a partida do Gungunhana e dos seus três companheiros, na véspera, para os Açores. E as mulheres? Não partem, por enquanto. Apesar das visitas simpáticas que haviam recebido, a sociedade lisboeta havia-as rejeitado, escandalizada com a poligamia. Para acabar com o pecado, as autoridades haviam decidido separá-las do marido. Segundo contam os jornalistas, foi muito dolorosa a separação, nesse dia 22 de Junho, pelas 7 horas da manhã. Eles a tremer, de lágrimas nos olhos, convencidos de que iam ser mortos. Elas sem quererem separar-se deles, chorando, gritando, lamentando-se. Esquecidas pela multidão que antes rodeava o forte, abandonadas aparentemente pelas autoridades, a solidão destas mulheres tornou-se insuportável. Tiraram-lhes os seus companheiros; e ali ficam sozinhas, de 22 de Junho a 6 de Julho. Duas longas semanas de dor, de dúvida, de solidão e de medo. Caídas numa apatia total, nem forças tinham para qualquer eventual acesso de fúria. Era a segunda desagregação familiar que sofriam. A voz do sangue silenciada por razões de ordem moral e política. Desprevenidas, indefesas, arrancadas a laços e raízes, elas esperam não sabem o quê. Finalmente vem do Ministério a decisão: despachá-las para a ilha de São Tomé. Pelas 5 horas da manhã do dia 6 de Julho recebem então ordem para se vestir e partir. O sofrimento que deixam transparecer é tão grande que os próprios jornalistas se sentem comovidos e revoltados: “pobres expatriadas”que pareciam nem ter forças para se vestir. Ninguém para se despedir delas. À chegada, estavam as ruas cheias de gente, havia movimento e alegria; agora, à partida, é o desconsolador abandono total.

    5. Transportam-nas até ao Arsenal e embarcam-nas no paquete São Tomé. Já no beliche, impressionam por um silêncio desolador. Umas estendidas, de olhos fechados, como se dormissem, outras, acocoradas e lacrimosas, olhando os circunstantes com pavor; duas recusavam-se a mostrar o rosto. Debilitadas pelo entorpecimento de quatro meses, dilaceradas pelo martírio da dúvida, refugiavam-se num mutismo impregnado de horror, receio e solidão. A separação dos régulos africanos das suas esposas, e o envio destas para São Tomé, parece ter sido a resposta a uma campanha de moralização, levada a cabo por um grupo de senhoras de bem, revoltadas contra a poligamia dos negros. Era, pois, uma campanha autorizada, promovida e apoiada por pessoas de bons costumes, que consideravam a presença daquelas mulheres como um insulto à moral pública. Além disso, sendo os Açores uma terra de grande religiosidade e pureza (salvaguardada e assegurada pelas casas de prostituição…), o governo não poderia permitir uma tal promiscuidade. A separação foi, pois, uma operação de limpeza, imposta pela moral tradicional. Digamos a propósito termos a notícia de que, nos Açores, os prisioneiros africanos eram levados, regularmente, às casas de prostituição da cidade de Angra do Heroísmo. Referem alguns jornalistas que se tentou convencer Gugunhana à monogamia. Como a moral portuguesa só admitia, publicamente, uma mulher, o régulo teria de escolher uma entre as sete e repudiar seis; o que, para estas, seria uma humilhação insuportável. Gungunhana amava-as todas igualmente; e não sabia nem quis escolher uma, pois cometeria para com as outras uma afronta que ele nunca se permitiria. Por isso foi firme e enérgico, coerente com os seus princípios. Tendo-se recusado a escolher uma, a separação foi inevitável. Bem pediu o régulo, bem suplicou, mas de nada lhe serviu. Jornais houve que protestaram contra esta decisão, prevendo para Gungunhana uma lenta agonia, minado de uma saudade e tristeza que lhe encurtaria os dias; o que realmente se deu. Nada, porém, abalou as cúpulas; e as suas ordens foram integralmente cumpridas. E lá partem para São Tomé, sozinhas, vazias de sonho, sem ninguém que lhes acene com o lenço da amizade; lá seguem pela imensidão de um mar revolto, sem ninguém que lhes estenda a mão da solidariedade, sem ninguém que lhes dirija um gesto de compreensão. Um jornalista comenta: “Em São Tomé, que sorte desgraçadíssima vão ter? Não seria mais justo, e muitíssimo mais digno, enviá-las para a sua terra natal, de onde nunca deveriam ter saído?!” Era muito grave, aqui no continente, ser-se acusado de “propensões benévolas” para com o Gungunhana. Para se tomar o partido deste, era necessário não só muita coragem, como carecia de um preâmbulo filosófico, moral e religioso, com apelo à caridade. De contrário, corria-se o risco de ser acusado de traição à pátria. Ou de imoralidade. Ou de atentado aos princípios cristãos. Só depois de tomadas todas essas precauções, a Folha do Povo arrisca criticar e condenar ferozmente o comportamento do Ministério da Guerra, que acusa de iníquo e cruelmente bárbaro. Igualmente encontramos críticas violentas no Jornal do Comércio, onde um jornalista, sob o pseudónimo de Fernão Lopes, põe em realce a hipocrisia do governo, escudado no que chama “escrúpulos religiosos” tardios. Fernão Lopes termina o seu artigo relembrando a maneira correta e hospitaleira como os portugueses foram sempre recebidos por homens e mulheres da corte de Gungunhana.

    6. Passados doze dias de náusea e imobilidade, as mulheres chegam a São Tomé e são entregues ao governador da ilha. Em que vão ocupá-las? Em São Tomé havia então um mundo confuso de imigrantes, vindos dos mais variados pontos de África, das mais diversas tribos, odiando-se por vezes. Basta olharmos as listas das levas que chegavam ou partiam, para nos darmos conta dessa variedade. Em comum, tinham apenas a cor da pele; e o trágico destino da falta de trabalho. Falavam dialetos diferentes e desconheciam-se entre si. Foi para o meio desta confusão que as rainhas destronadas foram levadas. Que destino lhes foi dado? A Folha do Povo, de 13 de Novembro desse ano de 1896, e respondendo a vários jornais de Lisboa, dá-nos algumas informações. Recordemos que, juntamente com as sete mulheres de Gungunhana, se encontravam mais três, as do régulo Zixaxa, suas companheiras de infortúnio desde o início do exílio. Eram, pois, dez ao todo. Segundo o citado jornal, oito destas mulheres estavam colocadas no hospital civil e militar; e as duas restantes no palácio do Governo. Constava pouco ou quase nada fazerem; e o articulista lamenta que, dado a falta de braços em São Tomé, as não tenham empregado “em qualquer trabalho útil, mediante remuneração condigna”. Vem a propósito lembrar que se tratava das mulheres grandes do régulo, isto é, as de mais elevada categoria social na hierarquia feminina, que tinham ao seu serviço as mulheres pequenas, espécie de ecónomas encarregadas de dirigir os bandos de escravos a trabalhar na corte. Eram, portanto, rainhas que nada costumavam fazer e sem hábitos de trabalho. J. F. Marques Pereira, na obra intitulada No Tempo de Gungunhana, publicada três anos mais tarde (1899), diz que as mulheres foram para São Tomé “servir de mancebas, em amiganços baratos, e para acarretar pedras”. E António Pedro de Vasconcelos no filme Aqui d’ El-Rei, faz dizer a uma das personagens que elas foram levadas para um “bordel do exército”. Não encontramos documentos oficiais que nos permitam negar ou confirmar tais informações. Tratava-se de mulheres que só interessaram enquanto rainhas de um reino cobiçado pelos europeus. Destronado e preso o soberano, perdidas as esposas no meio da massa anónima santomense, o governo, não vendo nelas qualquer perigo, deixava-as cair no esquecimento.

    7. Em São Tomé, as rainhas africanas dos reinos de Gaza e da Zixaxa foram ultrapassadas e absorvidas pela história. Quinze anos de esquecimento; quinze anos de trabalho silencioso, de dor ignorada, de sofrimento mudo que levaria três delas à morte. Num silêncio de deserto, as rainhas tinham sido tornadas escravas submissas, feitas consentimento e conformismo. Enigmas de uma grandeza descaída. Mas em 1910 é implantada a república; e muita coisa vai mudar. Alguém se lembra dessas mulheres exiladas e decide que regressem ao país. Comédia eleitoralista ou desejo de reparação? Gungunhana já havia falecido em 1906. A ordem de repatriamento, em 1911, foi sem dúvida recebida com euforia; era a esperança do regresso a casa que renascia. Só que já não havia casa. Nem país. Gaza tornara-se num distrito da colónia de Moçambique. Os familiares tinham-se espalhado, cada um para seu lado, alguns presos, outros refugiados no estrangeiro. Era a desintegração progressiva dos pequenos estados indígenas e a substituição dos costumes africanos pelos europeus. Desconfiadas, assustadas, sem o elo de união que era o marido, só o medo as irmanava agora; e cada uma vai para seu lado.

    8. Eram sete, regressavam quatro. As três mais vulneráveis haviam atingido o limite que desemboca na morte: Muzamussi, Dabondi e Fussi haviam ficado sepultadas em terra santomense. Patihina volta a casa, mas o medo lavra na família e ela decide fugir para o Transval, com o filho Tulimahanche. Foram juntar-se aos milhares de emigrados de Gaza, amigos e familiares de Gungunhana, que se haviam fixado em Spelonken. Tulimahanche seria, em 1932, o chefe de um dos dois grupos de exilados angunes que aí existiam então. Namatuco, Chlézipe e Machacha traziam filhos arranjados em São Tomé, nos quinze anos de exílio; filhos que, nada tendo com Gungunhana, não corriam o risco de vir a ser presos pelos portugueses. Por isso não recearam em fixar-se na região onde tinham vivido anteriormente: Chaimite, Chibuto e Chai-Chai, respetivamente. Tinham cumprido plenamente o destino ancestral da mulher: resignar-se e sofrer, numa passividade submissa. Já no seu país, continuarão a cumprir o mesmo destino, como “criadas de servir”.

    9. E terminamos. Com este trabalho, tivemos a intenção de dar som às vozes silenciosas de mulheres que sofreram cruelmente no todo das suas vidas, o que de mais negativo pôde haver no encontro da cultura africana com a cultura europeia. Mulheres esquecidas, relegadas para a periferia da história, quando elas estavam, afinal, bem no centro dessa história. Elas eram as rainhas do império de Gaza, onde tinham exercido uma importante função política. Elas eram as esposas do então maior potentado da África austral, pelo que pagaram com quinze anos de exílio. Moralmente mutiladas, elas foram as vítimas inocentes de um evoluir da história africana, provocado por decisões e projetos da Europa, os quais levaram a alterações sócio-políticas que as afetaram no mais fundo das suas idiossincrasias. Desfeita a sua vida privada, desagregada a sua família, estas mulheres tornaram-se o símbolo de uma África desmoronada e dividida por ideologias levadas da Europa.

    *Autora de Gungunhana no Seu Reino, Gungunhana, entre outros

     

    extraido de diálogos lusófonos

  • galiza a roda do povo

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    [Bruno Carvalho] Declaram ao mundo que se submetem à lei única dos que ousam sobreviver entre as agruras das serranias e dos penedos.

     

    Para nove meses de Inverno e três de inferno, as gentes barrosãs inventaram uma forma muito própria de viver. De hábitos e tradições ancestrais, com aroma a fumeiro, a urze e a carqueija, repetem que para lá do Marão, mandam os que estão.

    «Aqui, em Pitões, jamais alguém será encontrado sem vida mais do que dois dias. Aquilo que se vê nas cidades seria impossível». Enquanto arrasta duas sacas de batatas, Ana Moura traça a fronteira entre dois mundos. «Como alguém não dê sinais de vida, botamos a porta abaixo sem pedir autorização e que venha a guarda prender o povo inteiro». Enquanto conversamos, a lareira mergulha as chouriças e as alheiras no fumo e o calor queima-lhe o rosto. Admite que o apelo da cidade é forte mas que nunca abandonaria a sua terra. «Aqui, o dinheiro que temos é pouco. Não podemos ter o que têm lá. Mas nunca faltará trabalho e, a não ser quando é um mau ano de colheita, não passaremos fome.»

    Às onze da noite, a temperatura queda-se pelos zero em Pitões das Junias, aldeia encravada no Gerês, a 1200 metros, no concelho de Montalegre. No primeiro dia do ano, recuperados da festa que teve a fogueira popular como protagonista, a população junta-se no mesmo largo para cantar as Janeiras. De tochas e versos nas mãos, caminham de porta em porta e reúnem as ofertas de quem lhes abre as casas. Chouriças, alheiras, vinho e queijo que vão encher a mesa do almoço comunitário que realizarão dias depois.

    Entre as ruas de granito, misturam-se alguns turistas e filhos da terra que emigraram noutros tempos de miséria. Mas também migrantes destes novos tempos. Ana Paiva, proveniente de Gaia, não resistiu ao apelo de Pitões das Júnias e, de visita, rumou à aldeia com amigos durante anos sucessivos. Até que decidiu ficar e com o companheiro passou a gerir uma das tabernas mais agradáveis daquelas paragens. A Terra Celta conseguiu, num só ano, atrair galegos apaixonados pelo seu país e músicos que cultivam o gosto pela gaita-de-foles.

    A Andorra galaico-portuguesa

    A meia hora de carro, depois de Montalegre, entre o escarlate das árvores ainda vestidas, ergue-se a cabeça do Larouco. A montanha que recebeu o nome do milenar deus pagão alberga nas suas faldas meia dúzia de aldeias portuguesas e galegas. As suas populações foram protagonistas, durante séculos, de uma realidade tão própria que nem a definição de fronteiras pôde separar. Ainda que a sinalética rodoviária insista em indicar os caminhos para Espanha, em mais de metade das placas aparece a spray azul a palavra Galiza.

    Contra a teimosia dos que julgam espanhóis quem vive na parte norte do Larouco, as semelhanças linguísticas entre os vizinhos de ambos lados da raia desmentem a tese espanholista de que a Galiza é e sempre foi Espanha. Ainda antes de Portugal conquistar a sua independência, fundava-se uma das experiências mais duradouras de comunhão entre os povos do Larouco. Até ao século XIX, existiu uma zona independente de qualquer Estado e que englobava três aldeias: Ruivães, Meãos e Santiago.

    Com organização própria, o Couto Misto conferia aos seus habitantes o direito de optar por uma ou outra nacionalidade, ou mesmo por nenhuma. Ficavam isentos de qualquer imposto português ou espanhol, não eram obrigados a cumprir serviço militar e não precisavam de licença para porte de arma. Para além disso, tinha o privilégio de poder dar asilo aos foragidos da justiça de ambos Estados.

    Larouco, o deus dos contrabandistas

    Avessos às imposições estatais, esta parte da fronteira foi das mais violadas do país. As mulheres e homens que desafiaram as autoridades de ambos os lados da fronteira fizeram-no para alimentar as suas famílias. Mas os barrosões e galegos também rasgaram as convenções que pretendia barrar a convivência milenar. Fizeram do contrabando uma arte e nem a sintonia entre o regime de Salazar e os fascistas espanhóis, que se levantaram em 1936, comandados por Franco, conseguiram esmagar a solidariedade galaico-portuguesa.

    Milhares de refugiados e resistentes anti-franquistas, pertencentes à parte democrata da guerra civil, procuraram abrigo na região do Barroso. Foram muitas as famílias transmontanas que deram abrigo às vítimas da barbárie fascista. Já depois de consolidada a vitória de Franco, as montanhas da zona foram visitadas por grupos guerrilheiros que se haviam recusado abandonar a luta armada.

    Se houver um deus no mundo que seja rezado por foragidos, devia chamar-se Larouco. A divindade pagã que é também o mais alto dos montes da região não foi só refúgio dos que guiavam os seus rebanhos pelas encostas. Deu também esconderijo a guerrilheiros, protegeu a identidade de emigrantes e refugiados políticos. Mas, principalmente, serviu de caminho a contrabandistas.

    Democracia avançada em tempos de crise

    Imagine-se uma terra em que é uma roda a que mais ordena. Uma roda feita de casas e casas feitas de gente. Imagine-se que, desde tempos de que não fala a memória, é neste relógio de ruas lamacentas e habitações de granito que o sentido dos ponteiros decide, a cada semana, quem faz o pão. Imagine-se mulheres e homens que planificam as actividades económicas do seu dia-a-dia sob regras que aliviam o peso do indíviduo e fortalecem a comunidade.

    Até há bem pouco tempo, era assim em boa parte das aldeias de Montalegre. Em algumas, ainda restam hábitos desse trabalho levantado pela força dos braços unidos. A quem tem dez cabeças de gado cabe-lhe o dobro de dias, vinte, nas encostas do Larouco a pastar todos os animais dos vizinhos. A regra é igual para todos e abre espaço para que cada um tenha tempo para cuidar de outras tarefas individuais ou comunitárias. Embora as terras estejam divididas e cada um tenha a sua colheita, em geral, a segada era feita em conjunto. Todos comiam. Independentemente da propriedade, o que definia o respeito por cada habitante era o trabalho. A quem não possuía animais ou terras cabia-lhe arranjar os caminhos e o património comum da aldeia como o Forno do Povo.

    Para este mundo agreste, os transmontanos descobriram, à sua escala e com as devidas diferenças, o que a tanta gente custa entender. Se todas as praças e avenidas deste país fossem Rodas do Povo jamais governariam os que nos abrem feridas. Quem nos afundou as pescas, quem nos enterrou os campos, quem nos desmantelou as fábricas, quem nos encheu as aldeias de silêncios de cemitério fê-lo porque um rico faz-se sobre as sombras divididas de muitos pobres. Talvez devamos aprender mais com os que sujam as mãos de terra e menos com os que enchem os bolsos de dinheiro. A união dos que trabalham é o que ilumina um dos maiores valores universais da humanidade: a justiça social.

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  • this is The Azores

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    This is Azores!

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    Produced with CyberLink PowerDirector 9 Video of Azores Thanks to: Governo Regional dos Açores Eurosport SATA Rallye Açores Red Bull Cliff Diving Billabong A…
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    Chrys Chrystello, An Aussie in the Azores /Um Australiano nos Açores, http://oz2.com.sapo.pt
  • CULTURA E MENTIRAS MIA COUTO

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    Revista África21

    “Cultura e mentiras”, por Mia Couto

    Redação revista África21
    25/10/2012 09:23
    “Grave é fazer uso de uma cultura de falsa identidade do tipo nós africanos somos assim para credenciar a dominação histórica de um determinado grupo ou para justificar o injustificável”.

    Brasília – “Grave é fazer uso de uma cultura de falsa identidade do tipo nós africanos somos assim para credenciar a dominação histórica de um determinado grupo ou para justificar o injustificável”

    Leio hoje que um terço da população swazi vive numa condição de fome e completamente dependente da ajuda alimentar de emergência. Enquanto isso, chegam notícias que o Rei da Swazilândia gasta milhões de dólares na aquisição de um avião particular e na compra de moradias de luxo para as suas dezenas de esposas.

    A justificação usada é que a opulência e ostentação dos chefes africanos é uma questão «cultural». A cultura é, com frequência, usada como lixívia para lavar imoralidades e uma forma de colocar como «estranha e estrangeira» preocupações de mudança. O argumento é este: quem critica o Rei da Swazilândia está culturalmente alienado dos valores «africanos». Invoca-se a tradição «africana» para justificar práticas eticamente inaceitáveis na África dos nossos dias. Na realidade essa «tradição» é invocada de forma truncada, esquecendo-se duas coisas: a primeira é que a tradição também sugere outras obrigações (hoje convenientemente esquecidas) e, a segunda, é que essa tradição é, em grande parte, uma construção feita e refeita ao longo do tempo.

    Persiste uma confusão deliberada entre cultura e tradição. A cultura é um grande saco, tão grande que pode lá caber tudo. É muitas vezes um expediente que pode ser usado para sancionar o intolerável. Eu vejo, por exemplo, que se criou entre nós uma desculpa comum para justificar a falta de pontualidade. Não é só entre nós mas em todo o continente. Dizermos chegar atrasado é uma «questão cultural». Mais grave ainda: imputamos essa falta de pontualidade àquilo que uns designam de «cultura africana».

    Leia versão integral na edição impressa da revista África21 (N.º 68, outubro 2012). Para assinar a revista contacte: jbelisario.movimento@gmail.com

  • PEDRO DA SILVEIRA, GUERRA DA CAL E ROSALIA 1959

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    PEDRO DA SILVEIRA, autor açoriano
    , CASTELO DE VILA NOVA DE CERVEIRA, SETEMBRO 1959

    INSCRITO SOBRE A ÁGUA D’UM RIO

    (a Ernesto Guerra da Cal e também em memória de Rosalía de Castro e de João Verde)

    Há um cais no outro lado;
    Atrás do cais, árvores;
    Além das árvores, uma casa.
    Montes ao longe:
    Mais perto, verdes,
    Azulados os outros.

    Com uma espingarda em cada olho
    E nas mãos uma espingarda,
    Um fantasma assombra o cais.

    A água olha-o, calada.
    Calada, foge.
    Desgostosa.
    Mas feliz.

    Pedro Laureano Mendonça da Silveira (Fajã Grande, 5 de Setembro de 1922 — Lisboa, 2003), mais conhecido por Pedro da Silveira

  • FERNANDO SYLVAN POETA TIMORENSE

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    Fernando Sylvan, pseudónimo de Abílio Leopoldo...
    J M Domingues Silva15 August 15:33
    Fernando Sylvan, pseudónimo de Abílio Leopoldo Motta-Ferreira (Díli, 26 de Agosto de 1917 — Cascais,25 de Dezembro de 1993), foi um poeta, prosador e ensaísta timorense.
    (In Wikipédia)Biografia

    Nasceu em Díli, capital de Timor-Leste, contudo, passou a maior parte de sua vida em Portugal, onde morreu, na vila de Cascais. A distância geográfica entre Portugal e Timor não impediu Sylvan de continuar escrevendo sobre o seu país de origem, dissertando sobre suas lendas, tradições e folclore. Um de seus temas preferidos é a infância, período de sua vida que lhe deixou muitas saudades de Timor. Enfim, Fernando Sylvan é um dos grandes poetas da língua portuguesa e presidiu à Sociedade de Língua Portuguesa, em Portugal.

    Um de seus poemas mais conhecidos é Meninas e Meninos, publicado em 1979.
    Obra

    POESIA

    Vendaval. Porto, 1942 Oração. Porto, 1942 Os Poemas de Fernando Sylvan (capa de Neves e Sousa). Porto, 1945 7 Poemas de Timor (com vinheta de Azinhal Abelho e um desenho de João-Paulo na 1ª edição). Lisboa, 1965. 2ª edição, pirata. Lisboa, 1975. Mensagem do Terceiro Mundo (poema e traduções de Barry Lane Bianchi, Serge Farkas, Inácia Fiorillo e Marie-Louise Forsberg-Barrett para inglês, francês, italiano e sueco). Lisboa, 1972. Tempo Teimoso (capa da 1ª edição de Cipriano Dourado). Lisboa, 1974. 2ª edição, Lisboa, 1978 Meninas e Meninos, Lisboa, 1979 Cantogrito Maubere – 7 Novos Poemas de Timor-Leste (carta-prefácio de Maria Lamas, nota de Tina Sequeira, capa de Luís Rodrigues). Lisboa, 1981. Mulher ou o Livro do teu Nome (com 21 desenhos de Luís Rodrigues, prefácio de Tina Sequeira). Lisboa, 1982 A Voz Fagueira de Oan Timor (organização de Artur Marcos e Jorge Marrão, prefácio de Maria de Santa Cruz). Lisboa, 1993.

    PRESENÇA EM COLECTÂNEAS DE POESIA

    Enterrem Meu Coração no Ramelau (recolha de textos de Amável Fernandes, desenhos de José Zan Andrade e capa de António P. Domingues e Fortunato). Luanda, União dos Escritores Angolanos, 1982. Primeiro Livro de Poesia — Poemas em língua portuguesa para a infância e adolescência (selecção de Sophia de Mello Breyner Andresen, ilustrações de Júlio Resende). Lisboa, Caminho, 1991. Floriram Cravos Vermelhos — Antologia poética de expressão portuguesa em África e Ásia (por Xosé Lois García). A Corunha (Galiza), Espiral Maior, 1993.

    PROSA

    LIVROS

    O Ti Fateixa. Parede, 1951 Comunidade Pluri-Racial. Lisboa, 1962 Filosofia e Política no Destino de Portugal. Lisboa, 1963 A Universidade no Ultramar Português. Lisboa, 1963 O Racismo da Europa e a Paz no Mundo. Lisboa, 1964 Perspectiva de Nação Portuguesa. Lisboa, 1965 A Língua Portuguesa no Futuro da África. Braga, 1966 Comunismo e Conceito de Nação em África. Lisboa, 1969 Recordações de Infâncias (colaboração de Tina Sequeira). Lisboa, 1980 O Ciclo da Água (BD de Luís Rodrigues). Lisboa, 1987 Cantolenda Maubere/Hananuknanoik Maubere / The Legends of the Mauberes (traduções: para tétum, de Luís da Costa; para inglês, do Departamento de Projectos da Fundação Austronésia Borja da Costa. Ilustrações: 7 pinturas e 2 desenhos de António P. Domingues). Lisboa, 1988.

    SEPARATAS

    Da Pedagogia Portuguesa e do Desvalor dos Exames. Lisboa, 1959 Relação dos Idiomas Basco e Português. Lisboa, 1959 Arte de Amar Portugal. Lisboa, 1960 A Língua e a Filosofia na Estrutura da Comunidade. Lisboa, 1962 O Espaço Cultural Luso-Brasileiro. 2ª edição. Lisboa, 1963 Obscina Narodov Timora. Moscovo, 1964 Como Vive, Morre e Ressuscita o Povo Timor. Lisboa, 1965 Aspects of the Folk-stories in Portuguese East Africa. Atenas, 1965 Função Teleológica da Língua Portuguesa. Coimbra, 1966 A Verdadeira Dimensão do Verdadeiro Homem. Braga, 1969 A Instrução de Base no Ultramar. Lisboa, 1973 Língua Portuguesa e seu ponto de angústia hoje. Lisboa, 1978

    PARTES DE LIVROS

    O Ideal Português no Mundo. Lisboa, 1962 Perspectivas de Portugal. Lisboa, 1964

    TEATRO

    Duas Leis, peça em 3 actos, escrita em 1949 e representada em 1957 Culpados, peça em 2 actos, escrita em 1957
    Prémios

    Grã-Cruz da Ordem do Infante D. Henrique (postumamente)

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  • PRÉMIO NOBEL DA PAZ, DOM CARLOS FILIPE XIMENES BELO

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    D. Carlos Ximenes Belo Bispo residente e administrador apostólico da diocese de Díli entre 1983 e 2002. Nasceu em 1948, em Wallakama, uma aldeia perto de Vemasse, em Baucau, na ponta leste de Timor.Estudando sempre em escolas missionárias, graduou-se em 1973, no Seminários de Dare, nos arredores de Díli. Depois partiu para Lisboa, onde estudou no Colégio Salesiano Novitiate. Tendo regressado por um curto período de tempo a Timor-Leste, lecionou no Colégio Salesiano em Fatumaca. Entre 1975 e 1976, esteve em Macau, no Colégio Dom Bosco, não presenciando a chegada das tropas indonésias ao território timorense. Pouco tempo depois, partiu para Portugal, onde estudou filosofia religiosa na Universidade Católica de Coimbra. Depois, foi enviado para Roma, onde estudou na Universidade Salesiana loc

    al. De volta a Lisboa, em 1980, foi ordenado padre. No ano seguinte, voltou a Timor com a intenção de ajudar a manter viva a religião católica, bastante limitada pela presença e pelo domínio dos indonésios, maioritariamente muçulmanos.O enorme contacto com a juventude, em parte devido às necessidades de apoio à comunidade, e as crescentes pressões diretas do domínio das autoridades militares indonésias, levaram-no a resistir abertamente, recusando-se sempre a obedecer às regras do invasor. Em 1983, foi nomeado administrador apostólico da diocese de Díli. Desde então, tem travado uma luta cerrada para defender os direitos humanos e a autodeterminação do povo timorense. A 12 de novembro de 1991, após o massacre de Santa Cruz, o bispo acolheu centenas de fugitivos que procuravam refúgio das tropas indonésias. Devido ao seu apoio e às suas denúncias à comunidade internacional da violência e opressão exercidas contra o povo timorense, o bispo tornou-se o alvo de várias tentativas de assassínio.Em 1 de outubro de 1996, foi galardoado, juntamente com José Ramos-Horta, o porta-voz internacional para a causa de Timor Leste desde 1975, com o Prémio Nobel da Paz, a mais prestigiada distinção política mundial.Em 1999, a situação política em Timor Leste agravou-se após a realização de um referendo sobre a autodeterminação dos timorenses, realizado a 30 de agosto, cujo resultado foi favorável à independência do território. A casa de D. Ximenes Belo foi alvo de um dos sucessivos ataques que as milícias integracionistas fizeram no território, pelo que o bispo se viu forçado a abandonar Timor Leste.Em 2001 recebeu, juntamente com Alexandre (Xanana) Gusmão e José Ramos-Horta, o título de Doutor “Honoris Causa” pela faculdade de Letras da Universidade do Porto.Já depois da independência do território, em novembro de 2002, D. Ximenes Belo resigna ao cargo de bispo de Díli, alegando razões de saúde.