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  • HENRIQUE DE SENNA FERNANDES

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    O “Rastro Literário” deixado pelo “Guardião da Memória de Macau”.
    As obras de Henrique de Senna Fernandes dão ênfase à voz do personagem macaense, demarcam a sua identidade e espelham os “contrastes sócio-histórico-culturais que determinaram os rumos do povo de Macau”.
    Bruno Tateishi é o autor de uma tese em que dá como provado o contributo do espólio literário de Senna Fernandes que ainda hoje ajuda a delinear os “principais contornos da identidade étnica macaense”
    Analisar a forma como o romance de Henrique de Senna Fernandes “orquestra a diversidade social de linguagens representadas artisticamente, recuperando memórias para forjar uma identidade macaense”, foi o objectivo a que se propôs Bruno Tateishi, autor de uma tese de doutoramento em Linguística Aplicada e Estudos da Linguagem pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
    “Assim, só poderemos fazer uma leitura precisa dos romances se os deslocarmos no tempo, visto que no seu tempo de publicação o projecto étnico macaense já havia se enfraquecido e a comunidade macaense já encontrara outros meios de sustentar a sua identidade”, sublinha Bruno Tateishi, no documento consultado pela TRIBUNA DE MACAU.
    Henrique de Senna Fernandes é descrito pelo doutorando como um “guardião da memória de Macau”.
    Nascido em 1923, no seio de uma das “mais ilustres e tradicionais famílias macaenses”, o filho de Edmundo José e Maria Luíza ingressou no curso de Direito da Universidade de Coimbra onde terminou os estudos em 1952.
    Regressou a Macau para exercer advocacia e teve escritório próprio.
    Destacou-se também à docência, sendo professor e director da Escola Comercial Pedro Nolasco.
    Viria a falecer aos 86 anos, em Outubro de 2010, em Macau.
    Senna Fernandes testemunhou “momentos de vital importância para a história de Macau”, como o impacto da Guerra do Pacífico na sociedade local e o período de transição, que culminaria na transferência de administração para a China.
    “Desse modo, acompanhou as mutações pelas quais passou o projecto étnico macaense, que aos poucos começava a se distanciar do ‘capital da portugalidade’”, observa o autor.
    Assim, “tendo observado as metamorfoses identitárias sofridas pela sua comunidade, Senna Fernandes empenhou-se numa produção literária que retratasse o macaense”.
    Aliás, acrescenta, foi produtor de obra que “promovia o macaense de personagem secundário ao protagonista da acção discursiva”.
    “Neste sentido, o autor macaense, actuando como uma espécie de guardião da memória de Macau oferece um rastro literário cheio de cumplicidades e demarcações para a preservação e identificação da cultura macaense”, refere, citando Mónica Simas.
    Do vasto espólio literário que deixou constam os romances “Amor e dedinhos de pé” (1986), “A trança feiticeira” (1993), “Os Dores” (2012) – este deixado incompleto -, e as colectâneas “Nam Van” (1978) e Mong-Há (1998) através dos quais “procura realizar uma intervenção que traga visibilidade ao macaense, nos seus processos de interculturalidade, tomando-o nuclearmente presente nos processos de significação que a literatura encerra”, acrescenta.
    Colocando o foco nas duas primeiras obras, rapidamente se percebe que foram publicadas num espaço de tempo em que a administração de Macau estava prestes a ser assumida pela China.
    Os dois livros retratam períodos anteriores à época em que foram escritos pelo que “só poderemos fazer uma leitura precisa dos romances se os deslocarmos no tempo, visto que no seu tempo de publicação o projecto étnico macaense já se tinha enfraquecido e a comunidade macaense já tinha encontrado outros meios de sustentar a sua identidade”, observa o autor da tese.
    Ademais, a “localização do macaense como protagonista da acção narrativa foi um dos factores decisivos” para ter seleccionado a “prosa literária de Henrique de Senna Fernandes para o estudo desta tese, podendo delinear, por meio dos discursos que emanam das obras, os principais contornos da identidade étnica macaense”.
    Além disso, “podemos vislumbrar, através da sua escrita, todas as particularidades da sociedade que circunda os personagens”, muito embora esta exploração exaustiva da imagem do macaense não seja evidente no primeiro conto de Senna Fernandes, “A-chan, a tancareira” – vencedor do prémio Fialho de Almeida, dos Jogos Florais da Queima das Fitas de 1950, da UC.
    “O conto retrata […] os encontros e desencontros que se desenrolavam numa Macau imersa num complexo fluxo de culturas que surgia por meio dos movimentos de diáspora ocasionados em decorrência da eclosão da Guerra do Pacífico”, analisa Bruno Tateishi.
    A história de “Amor e dedinhos de pé”
    Falar da escrita de Henrique de Senna Fernandes, é também recordar a história de Chico Frontaria e Vitorina Vidal, em “Amor e dedinhos de pé” – que foi também adaptado para filme.
    Como explica o doutorando, apesar de ter sido escrita na década de 80, a obra está “ambientada na primeira metade do século XX, em 1905” e representa um “período da história de Macau em que a administração portuguesa ainda mantinha controlo sobre o território e a geração declinante empenhava-se na manutenção de uma capital de ‘portugalidade’, que lhe garantia um forte laço com o governo luso e, consequentemente, maiores oportunidades de ascensão social”.
    A obra narra a história das duas personagens principais cujas trajectórias coincidem, a todo o momento, com a vida social existente em Macau.
    “O romance está estruturado em quatro partes, contando com dois pequenos textos escritos pelo autor, situados respectivamente antes e depois da narrativa”, refere.
    Mas, realça Bruno Tateishi, o primeiro ponto a ser considerado nesta análise é o prefácio de Senna Fernandes: “Para ser mais conforme com o ambiente, eu devia, em certos diálogos, redigi-los em patuá, isto é, no dialecto local, hoje em vias de total desaparecimento. Não o fiz, porque escrevendo sobretudo para o leitor lusófono em geral, não familiarizado com o dialecto, a sua leitura tornar-se-ia difícil e exaustiva para a compreensão, além de dispersar e fatigar o interesse sobre a trama”.
    Em todo o caso, “é bem certo que o patuá – uma maravilha linguística – é mais doce e sugestivo ouvido do que lido, dada a impossibilidade de traduzir, em linguagem escrita, todas as nuances e inflexões de sotaque, em pronúncia e entonação, de tão surpreendentes efeitos. […] No entanto, aqui e ali, cedi à atracção, repetindo frases em patuá e noutras introduzi construção gramatical do português falado pelo macaense”, acrescentou o escritor.
    Para Bruno Tateishi, ao ter sido seguido esta opção linguística, Senna Fernandes “deixa implícita a existência de outras línguas, como o chinês, e outras variedades linguísticas, como o português de Macau, e outros dialectos, como o patuá.
    O patuá, dessa forma, pode ser visto de forma mínima, em algumas situações informais”, aponta.
    “A nosso ver, este procedimento de apagamento acaba remetendo, ainda que essa não seja a intenção do autor, ao pensamento característico do macaense da época. Nesta perspectiva, o domínio da Língua Portuguesa era factor imprescindível para sustentar o projecto étnico macaense”, vinca.
    Aliás, sendo um lugar que “se encontrava sob administração portuguesa, possuir o domínio da Língua Portuguesa atribuía status social e profissional”, acrescenta o autor.
    No documento, é ainda analisado o romance “A trança feiticeira” que “aborda justamente a complicada relação de chineses e macaenses em Macau durante o período da administração portuguesa, por meio da união do personagem macaense, Adozindo, e a personagem chinesa, A-Leng”.
    De um modo geral, vinca, “Henrique de Senna Fernandes orienta o seu romance, bem como as vozes sociais orquestradas por ele, para forjar uma identidade macaense que ainda possuía como sustentáculo um projecto étnico calcado no ‘capital da portugalidade’”.
    “As memórias de Senna Fernandes acabam por se coadunar com o retrato histórico da sociedade de Macau na composição dos romances, recuperando as suas vivências como macaense que presenciou eventos importantes que se reflectiram na história do território […], bem como no percurso da identidade étnica macaense”, acrescenta.
    Assim, “poderemos tomar os romances de Henrique de Senna Fernandes como um importante registo de traços culturais que permitiram estabelecer um diálogo entre Macau e outras localidades da chamada ‘rede lusófona’”.
    “Por meio da leitura e análise dos romances pudemos reafirmar a hipótese sustentada ao longo da nossa tese, asseverando que Henrique de Senna Fernandes faz jus ao seu título de ‘guardião da memória de Macau’, retratando, através da sua escrita, os contrastes sócio-histórico-culturais que determinaram os rumos do povo de Macau e, particularmente, dando ‘voz’ ao personagem macaense e demarcando a sua identidade”, remata.
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  • crónica de joão severino

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    QUE FALEM OS SOLÊNCIOS
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    AS TAILANDESAS DE MALLONE
    A vida nocturna de Mallone era um rodopio imparável. Como se fosse de dia. O movimento rodoviário era estonteante e os táxis não paravam um minuto. As casas de massagens com tailandesas necessitavam de um licenciamento especial para “importar” as meninas…
    – Licenciar as meninas, amigo Frosque?
    – Não tenhas dúvidas Mariano! Normalmente existia um intermediário amigo do secretário do governador que levava para assinar a vinda de 30, 50 ou 100 meninas.
    – E depois?
    – Depois os proprietários das casas de massagem pagavam um dinheirão para que o intermediário agradecesse o licenciamento.
    – Mas, isso era uma fortuna que estava em causa.
    – Certo! Conforme o número de meninas que eram necessárias, assim era o prémio para a assinatura de licenciar.
    – Isso era um maná!
    – E sempre foi assim em Mallone.
    – E as massagens eram boas?
    – Boas eram as meninas, que tinham um número sobre a bata que vestiam e que os clientes escolhiam através de um largo vidro que servia de montra do “material”. As massagens eram de vária ordem. Haviam massagens normais em que alguns clientes tratavam das mazelas na coluna vertebral. Outras massagens serviam apenas para excitar o cliente e conforme o que pagavam eram contemplados com sexo oral ou vaginal.
    – O que me dizes é prostituição…
    – Sim era o que mais existia em Mallone. Prostituição das mais variadas formas. Não te esqueças que havia um pouco de todo o género com as mulheres locais, na maioria chinesas, depois começaram a chegar russas, moldavas, portuguesas, indonésias… tudo ao gosto do freguês. Em Mallone até tivemos os primeiros travestis que chegaram da Tailândia e que deixaram os “senhores importantes, incluindo um director de jornal, que não largavam os travestis”.
    – E não se topava logo que eram homens?
    – Nem pensar, eram lindos que se apresentavam mais femininos que muitas mulheres. Quando chegaram passaram a frequentar a discoteca mais frequentada e era ver os para-quedistas a dançar com eles, aliás, os travestis não eram tratados como homens ou mulheres, mas sim como “raparigos”…
    – Ah…ah…ah… é pá, só tu é que me fazes rir… isso deve ter sido um gozo diabólico.
    – Foi uma fase que perdurou no tempo e um dia até numa piscina de hotel, o gerente deparou-se com um director de Serviços do governo a banhar-se com um “raparigo” e a beijarem-se na boca.
    – É pá, que pena de não ter vivido em Mallone onde o que tu me contas devia ter sido um mundo único.
    – O pior não era isso.- Então?- Era o abuso que os secretários do governador, directores de Serviços e os que administravam empresas abusavam das suas secretárias ou outras mulheres que chegavam a Mallone para as mais diversas funções, nomeadamente, enfermeiras, advogadas e até arquitectas…
    – Bem, realmente uma vez li num jornal que Mallone era um antro de tudo isso e mais alguma coisa.
    – Por acaso esse tipo que escreveu tudo o que leste devia estar caladinho, porque recordo-me de ele ter escrito o pior de Mallone e que nunca lá poria os pés. Mais tarde, esse mesmo pilantre foi a Mallone, com todas as mordomias pagas e disse que Mallone era uma maravilha…
    Pode ser uma imagem de 1 pessoa
    Antonio Lobo

    Percebi tudo e vi o que se estava a passar . Mas o Sr não refere os oficiais da polícia e militares que com tanta rata perdiam a cabeça.Um amigo chinês amigo dos Portugueses que um dia me disse em português o que os chineses antigos diziam dos militares em jeito delegar soletrando “ português de Portugal “ …ode bem e paga mal”
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  • Paulo Pantoja Silva

    Não há outra igual, Mallone.
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  • macau a casablanca da ásia

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    Paul French, escritor: “Macau era uma ‘Casablanca da Ásia’”.
    Assume-se como “um escritor diferente da China”.
    O fascínio pelo Oriente nasceu da aprendizagem do mandarim.
    Autor de obras como “Midnight in Peking” ou “City of Devils: The Two Men Ruled the Underworld of Old Shanghai”, bestsellers do New York Times, Paul French estará hoje na Livraria Portuguesa, a partir das 18h30 (Nota: no passado dia 3 de Março), para falar da sua obra e das “estranhas histórias da velha Macau” que contribuem para que o território mantenha ainda uma aura de mistério.
    – Há muito que escreve sobre a China e vai hoje à Livraria Portuguesa falar do seu trabalho. O que podemos esperar desta conversa?
    Vou contar algumas histórias sobre Macau e os portugueses em Macau.
    Quando escrevi o livro sobre os gangsters estrangeiros em Xangai nos anos 30 [City of Devils: The Two Men Ruled the Underworld of Old Shanghai], com histórias reais, eu próprio, mesmo conhecendo muito sobre a história de Xangai, fiquei surpreendido com o facto de haver tantos portugueses envolvidos no mundo do crime da cidade.
    Geriam clubes nocturnos, investiam dinheiro no jogo.
    Outra coisa curiosa, é que eles aprenderam técnicas de jogo em Macau, levaram slot-machines para Xangai a partir de Macau.
    Essa é uma ligação interessante que existe entre Macau e Xangai que não é conhecida.
    Sempre que falamos de Macau falamos de missionários, diplomatas, mas houve muitas outras pessoas que viajaram para Macau.
    Era como um lugar de escape para quem tivesse problemas em Portugal, era um sítio onde se falava a mesma língua [português] e em que se podia escapar à polícia.
    – Como teve o primeiro contacto com estas histórias?
    Lendo jornais antigos.
    Claro que a maior parte destas histórias foram publicadas pelos jornais de Hong Kong ou de Xangai nas edições internacionais.
    Muitas destas histórias simplesmente caíram no esquecimento.
    Encontrei uma delas numa edição do South China Morning Post de 1936, que dizia que o Japão ofereceu dinheiro a Lisboa para comprar Macau.
    Não é uma história muito conhecida, mas é um pouco estranha.
    O Japão pensou que Lisboa poderia dizer sim [à venda do território].
    Nos anos 30 Macau rendia muito dinheiro a Lisboa e Portugal não estava ao mesmo nível do Reino Unido.
    O Reino Unido jamais venderia Hong Kong.
    Para o Japão seria uma forma mais fácil de conquistar território na Ásia [caso comprasse Macau].
    – Há ainda muito a descobrir sobre a história e as pessoas de Macau? Persiste um certo mistério?
    Há muitas coisas por descobrir em Macau, é um território com essa reputação.
    Se olharmos para o caos da China nos anos 20 e 30, e para Hong Kong, pouco policiado pelos britânicos na qualidade de colónia, Macau era um sítio muito fácil nesse sentido, era permitido fazerem-se muitas coisas.
    Muitos ficavam satisfeitos com isso, os chineses e as pessoas de Hong Kong, por causa dos negócios.
    Na II Guerra Mundial Macau passa a ser importante por causa da sua neutralidade e torna-se numa espécie de “Casablanca da Ásia” em termos da presença de espiões, por exemplo.
    Macau era o lugar onde os nazis, os japoneses e os chineses se misturaram durante o conflito.
    Fiz também muito trabalho sobre os judeus refugiados em Macau.
    Durante a II Guerra Mundial, Macau era um lugar fascinante e teve um papel muito importante.
    – Porque ficou tão fascinado por este mundo?
    Penso que é fascinante para muitas pessoas, mas no meu caso foi devido à língua chinesa.
    Estudei chinês no Reino Unido e em Xangai.
    Comecei a investigar mais sobre a história dos estrangeiros em Xangai, mas também em Macau e Pequim, e claro Hong Kong despertou sempre um interesse em mim por ser uma colónia britânica na Ásia, e também pela transição.
    Mas as histórias de Macau sempre me apareceram sem eu estar à procura delas.
    Sempre procurei mais por registos de Hong Kong, e de repente deparei-me com a história de um grupo de portugueses que viveu em Macau nos anos 20 e que tentou começar uma revolução em prol da independência, para criar uma espécie de “República de Macau”, separada de Lisboa.
    Era uma operação relacionada com acções de chantagem.
    Chegaram ao Governo e disseram: “Vamos começar uma revolução. Dêem-nos dinheiro”.
    E até foram bem-sucedidos, puseram notícias nos jornais e tiveram apoio de algumas pessoas.
    Havia um sentimento de rebelião no ar, sobretudo no seio dos militares e da marinha devido às condições de trabalho e de estadia, por isso surgiu a ideia de independência, mas toda a operação não passou de uma acção de chantagem.
    Esta história apareceu-me assim, do nada….
    Há também a história de um refugiado polaco que tentou nadar até Macau e as autoridades portuguesas tentaram empurrá-lo para o lado da China, enquanto ele lutava por chegar ao território português.
    Acabou depois por ser enviado para o Brasil.
    – A história de Macau está cheia destes episódios. É um território que terá sempre esta ideia de ser “fora da lei”?
    Está certa.
    Sempre houve um certo mistério e exotismo.
    Macau não é como as outras antigas colónias, nomeadamente as britânicas, como Hong Kong ou Singapura, por exemplo.
    Lisboa não tinha muito interesse em Macau, tal como não tinha com Goa ou Timor.
    Não fazia uma série de coisas, não enviava muitos soldados.
    Deixava o território andar ao seu ritmo.
    Acabei de reeditar o livro sobre os escritos de Harry Harvey [Where Strange Gods Calls, editado nos anos 20], e o estilo com que descreve a Macau da altura é sempre com ligação aos casinos, diferente de tudo o resto, com a presença do catolicismo.
    Isso aparece também em muitos outros escritores, como Ian Fleming nos livros de James Bond, nos anos 60.
    Ele descreve Macau quase no mesmo estilo.
    O que podemos retirar daqui é que Macau era, de facto, um lugar onde podíamos, de certa forma, escapar às autoridades.
    Havia jogo, prostituição, e Lisboa não estava, de facto, a prestar muita atenção.
    – Mas a China esteve sempre a prestar atenção e por vezes tirava vantagens disso.
    Houve sempre boas relações e Macau manteve-se com administração portuguesa porque havia o interesse no comércio da parte da China.
    Temos o exemplo do comércio do ópio, no qual Portugal não estava envolvido.
    Era um negócio essencialmente americano.
    Todos comercializavam matérias-primas como prata e ouro.
    Macau era, para muitos, uma base para entrar em Guangdong.
    – Acaba de lançar três novos livros incluídos na colecção “China Revisited”, que contêm histórias de viajantes comuns que vieram para Macau, Hong Kong e sul da China entre os séculos XIX e XX.
    Com a pandemia, e sem poder viajar, passei muito tempo na biblioteca de Londres que tem uma boa colecção dos escritos de antigos viajantes em todo o mundo, incluindo a China, na época vitoriana.
    Decidi prestar mais atenção a esses escritos, e cerca de 90 por cento são de viagens entre Xangai e Pequim e para a zona mais ocidental da China.
    Pensei que seria bom fazer algo com isto, sobretudo relacionado com Macau e a zona de Guangdong.
    Os relatos de missionários são, muitas vezes, aborrecidos, então o meu foco era ir além disso.
    Tenho o exemplo de Benjamim Harry, um missionário americano que viaja para Hong Kong e que é muito interessante, porque vai a Guangzhou e dá-nos grandes descrições da cidade, que claro que mudou muito, sobretudo nos anos 30.
    Foi também o primeiro ocidental a visitar e a escrever sobre a ilha de Hainão, que nessa altura era uma zona ligada à agricultura com plantações de cocos.
    Estava muito longe de ser o “Hawai da China” como hoje é conhecida a região.
    – O seu trabalho já foi reconhecido pelo jornal New York Times. Alguma vez pensou ter uma carreira internacional?
    Penso que sou um escritor da China diferente.
    A maior parte das pessoas que escrevem sobre a China são académicos ou jornalistas que vivem algum tempo no país e querem contar o que viram com mais detalhe do que aquilo que publicam nos jornais.
    Eu tento fazer algo diferente.
    Quero escrever livros que muitas pessoas possam comprar no aeroporto para ler no avião ou na praia quando vão de férias, por exemplo.
    Têm acesso à história da China, mas também a boas histórias.
    – Está também a trabalhar num livro sobre Wallis Simpson, a mulher divorciada por quem Eduardo VIII abdicou do trono britânico, nomeadamente sobre o período em que viveu na China, de 1924 a 1925. Fale-nos mais deste projecto.
    Claro que não é possível crescer no Reino Unido sem conhecer a história de Wallis Simpson.
    É uma boa história para mim porque me dá a oportunidade de escrever mais sobre os anos 20 na China e claro que será uma história interessante para as pessoas.
    Todos conhecem a história da abdicação do trono, ela sempre foi considerada a mulher mais detestada de sempre, dependendo da perspectiva.
    Mas ela é interessante porque há uma série de rumores e notícias falsas sobre o que lhe aconteceu na China.
    Wallis foi para lá com o marido da altura, um oficial da marinha americana, e passaram por Hong Kong e Xangai.
    Ele era uma pessoa horrível e batia-lhe.
    De Xangai ela vai para Pequim onde passa cerca de sete a oito meses num alojamento muito agradável.
    Depois Wallis Simpson regressa aos EUA, mas nesse ano em que esteve na China aprendeu muito sobre ela própria, percebendo que não tinha de estar casada com aquele homem, a ser agredida, e que podia ser independente e misturar-se com uma certa elite internacional e cosmopolita.
    Tornou-se então naquela mulher para a qual todos olham quando entram na sala, que se move nos círculos da realeza, e foi aí que Eduardo VIII olhou para ela.
    Mas o livro vai também contar um pouco sobre a história da China.
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  • 30 ANOS DE PATUÁ DE MACAU

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    A FALAR DE FESTAS EM MACAU vai mais uma em preparação.
    A nova peça em Patuá vai estar em cena nos dias 26, 27 e 28 de Maio (sexta, sábado e domingo) no Grande Auditório do Centro Cultural, em que serão assinalados os 30 anos de existência do Grupo Doci Papiaçám di Macau.
    Sâm assi-ia! ☺️
    (da página do Facebook de Miguel de Senna Fernandes).
    _______
    Dóci Papiaçám di Macau já ensaia sátira “Oh, que arraial!”
    Uma crítica divertida, em jeito de revista, vai dar corpo a mais uma peça teatral do grupo Dóci Papiaçám di Macau, a ser exibido ao público em finais de Maio, encerrando a 33ª edição do Festival de Artes de Macau com uma versão ampliada e inédita de três espectáculos.
    “Oh, Que Arraial!” é o nome do espectáculo, que, segundo Miguel de Senna Fernandes, constitui uma sátira sobre o regresso do território a uma “vida normal”, depois de terem terminado as restrições da pandemia.
    “O autêntico carnaval que tem pautado a atribuição de subsídios às associações, por exemplo, merece uma sátira como esta”, diz o director do grupo.
    Está levantado o véu sobre o tema do próximo espectáculo do Grupo de Teatro Dóci Papiaçám di Macau, que este ano encerrará o Festival de Artes de Macau, em finais de Maio, naquela que será a 33ª edição do evento.
    A peça teatral apresenta o nome em português de “Oh, Que Arraial!” e em patuá “Chau-Chau La-Lau Di Carnaval”, numa alusão ao momento do território no regresso à normalidade, com a chegada de muitos turistas, ultrapassada que está a fase negra da pandemia, que praticamente fez parar a economia local.
    Esta realidade será abordada durante as cerca de duas horas de duração do espectáculo, que já está a ser preparado há duas semanas e que terá lugar no Grande Auditório do Centro Cultural de Macau.
    A sinopse, numa versão mais curta do texto original, todo ele escrito por Miguel de Senna Fernandes, refere que “Macau na era pós pandemia volta a abrir as portas para os turistas”.
    E acrescenta: “Num novo programa cultural de revitalização dos bairros, o nosso bairro é seleccionado como experiência piloto, onde terá lugar um arraial, a culminar com um espectáculo de variedades”.
    No texto, escrito pelo criador da peça de teatro, lê-se ainda que “a notícia é recebida com muito agrado e todos se prontificam para aderir à festa, oferecendo-se para actuações diversas.
    Todavia, para atrair o maior número de pessoas, e para espanto do bairro, é contratado um artista de fora para abrilhantar a festa”.
    Miguel de Senna Fernandes vai mais longe ao considerar que tudo o que se está a passar em Macau é um autêntico carnaval, ou arraial, “no bom sentido”.
    “Por um lado é a chegada dos turistas, por outro o crescimento da economia” e, a nível interno, “uma espécie de carnaval, com a dificuldade das associações em obter subsídios e a depararem-se com os critérios agora adoptados pelo Governo, que só apoia carnavais para atrair turistas”.
    “E porque não fazer uma peça aludindo a este momento de Macau?” – pensou o director dos Dóci Papiaçám di Macau, para quem “o carnaval ou o arraial, é tudo festivo e que, diga-se, não está errado e não deixa de ser hilariante”.
    “Vai ser engraçado e penso que o público vai gostar, porque há margem para muita piada”, assegurou Miguel de Senna Fernandes ao Jornal TRIBUNA DE MACAU.
    Trata-se de uma peça tipo “revista”, onde serão inseridos momentos com música, “por isso, é mesmo um teatro revisteiro”.
    “Não é um musical tradicional, não temos condições para isso, mas é uma forma de entretenimento”, explicou.
    Recorde-se que, na edição do ano passado do Festival de Artes, o grupo Dóci Papiaçám di Macau apresentou a peça “Lorcha di Amor” (Cruzeiro do Amor).
    Os dois espectáculos protagonizados em 2022 voltaram a conquistar o público local, sendo que, entre a assistência, destacaram-se personalidades como o director do Gabinete de Ligação do Governo Central, o Comissário do Ministério dos Negócios Estrangeiros da China na RAEM, a Secretária para os Assuntos Sociais e Cultura, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas e a presidente do Instituto Cultural.
    Peça será exibida durante três dias
    A introdução de trechos musicais tem sido adoptada já há quatro ou cinco anos, algo que “tem sido bem recebido pelo público”.
    Desta vez, os espectadores terão igualmente a possibilidade de assistir a alguns vídeos, adiantou ainda o líder do núcleo de divulgação do patuá.
    O espectáculo vai ser exibido durante três dias, no fim-de-semana de 26, 27 e 28 de Maio, o que nunca havia acontecido desde que o grupo iniciou a produção de peças de teatro, há 30 anos.
    Além disso, desta feita acontecerá não no meio do Festival de Artes de Macau, mas no dia de encerramento, “a nosso pedido, porque assim temos mais tempo para preparar”, revelou Miguel de Senna Fernandes.
    Os ensaios de “Oh, Que Arraial!” estão na fase de acerto das primeiras cenas, que, para o autor do guião, “são fundamentais”.
    O advogado e escritor, que foi o responsável por todos os textos das peças de teatro do grupo desde o arranque em 1993, volta a escrever diálogos para todos os participantes que estarão em palco, cerca de 16.
    A partir de 1993, só se registaram duas interrupções nos espectáculos levados à cena, uma em 1998 e outra em 2020, neste último caso devido à pandemia, quando “já tínhamos uma história a meio”, relembra Miguel de Senna Fernandes.
    O grupo Dóci Papiaçám di Macau completa assim 30 anos de existência e de produção de espectáculos, e a nova peça será por isso a grande aposta em termos de comemorações do aniversário.
    Miguel de Senna Fernandes recorda a primeira actuação do grupo: “Estreámos a 30 de Outubro de 1993 e nessa altura foi apenas um mero apontamento, integrado na inauguração do Teatro D. Pedro V, porque o grande cartaz era a presença do cantor português Fernando Tordo”.
    A assistir àquele espectáculo esteve o então Presidente português, Mário Soares, além de outras individualidades, entre as quais o Governador Rocha Vieira.
    A peça intitulada “Olâ Pisidente” em patuá (“Ver o Presidente”, em português), foi apresentada precisamente em honra do Chefe de Estado de Portugal.
    No que diz respeito a outros eventos que acontecerão neste ano de aniversário do grupo, está agendada uma festa, “com um jantar comemorativo, onde haverá certamente um palco e muita gente que quererá participar, mas ainda não sabemos em que termos”, adiantou o líder dos Dóci Papiaçám di Macau.
    Miguel de Senna Fernandes confessou ainda que será um ano complicado a nível pessoal: “Tenho igualmente as celebrações do centenário do meu pai e não vai ser fácil gerir tudo isto, mas faço com todo o gosto”.
    Jornal Tribuna de Macau, 9 de Março de 2023.
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  • LEMBRAR O ARQUITETO MANUEL VICENTE, UM AMIGO

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    Manuel Vicente, considerado por muitos como o “arquitecto de Macau”, morreu há 10 anos.
    A 9 de Março de 2013, vítima de doença prolongada, morreu o “arquitecto de Macau”.
    Manuel Vicente despedia-se da vida aos 78 anos, deixando para trás um legado com visão para frente.
    Autor de obras icónicas de Macau como o edifício do World TradeCenter, a sede da Teledifusão de Macau, o fecho da Baía da Praia Grande ou o complexo de habitação social do Fai Chi Kei, entre muitas outras, Manuel Vicente foi também o co-projectista da remodelação da Casa dos Bicos que hoje alberga a Fundação José Saramago.
    A sua passagem por Macau não deixou ninguém indiferente, não só pela obra feita, mas também pelo testemunho dado às diversas gerações de arquitectos e residentes que o conheceram, uns mais profundamente que outros, mas todos assumem que o legado foi profícuo.
    Ao PONTO FINAL, cinco arquitectos locais falaram sobre o mestre.
    Francisco Vizeu Pinheiro considera Manuel Vicente “muito importante”.
    “As suas obras são monumentais, mas com um carácter muito prático.
    Ele gostava de usar formas geométricas com especial enfoque nos triângulos”, começou por dizer o arquitecto português radicado em Macau há diversos anos.
    Para o também professor na Universidade de São José (USJ), a obra de Manuel Vicente “tem uma força plástica muito grande, com um certo dinamismo”.
    “Podemos ver isso nos seus edifícios mais icónicos em Macau, como o World Trade Center ou a sede da TDM.
    Infelizmente, já não podemos ver, mas o complexo de habitação social do Fai Chi Kei também era exemplo disso.
    Aliás, a demolição dessa obra foi um erro.
    É exactamente a mesma coisa do que demolir as habitações chinesas do Porto Interior, em diversos pátios, com mais de 100 anos.
    Foi uma pena”, lamentou.
    Vizeu Pinheiro deixa um repto às autoridades ou a quem o possa fazer.
    “Seria interessante o Governo ou alguém tornar público e divulgar os planos dessas obras.
    O Fai Chi Kei, as Torres da Barra, entre outros, porque a sua obra não é ‘fast-food’.
    Eram projectos pensados, com princípios e com muitos estudos”.
    O professor lembrou ainda que Vicente “era um homem de diálogo, mesmo sendo, por vezes, controverso”.
    “É bastante conhecido em Macau e em Portugal, onde também deixou obra.
    Confesso que algumas das suas obras deveriam ser registadas como património.
    Não era, de todo, o tipo de arquitecto típico, se assim posso dizer”, rematou.
    MARCAS INDELÉVEIS NO URBANISMO DE MACAU
    Francisco Ricarte fala em “marcas indeléveis na configuração da imagem e forma urbana da cidade”.
    O arquitecto-fotógrafo destaca “o plano do fecho da Praia Grande, bem assim como em inúmeros edifícios habitacionais, de serviços e industriais, alguns, infelizmente, já demolidos”.
    A obra de Manuel Vicente, aponta Ricarte, “deixou um legado relevante no panorama da arquitectura contemporânea portuguesa da segunda metade do século XX, quer em Portugal, quer sobretudo em Macau, cidade onde desenvolveu a sua actividade profissional em dois períodos distintos – anos de 1960 e anos 1980 a 2000”.
    Ao mesmo tempo, acrescenta o arquitecto, Manuel Vicente “foi um pedagogo incansável, mobilizando colaboradores, alguns ainda com prática profissional na RAEM, que desenvolveram, em parceria, os seus projectos segundo linguagens sempre inovadoras, questionando a essência do programa, a sua forma edificada e contexto urbano em causa”.
    “Procurou sempre criar soluções de grande valor urbano – os lagos Nam Van e Sai Van enquanto parte integrante da cidade de Macau são um excelente exemplo – bem como desenvolver projectos arquitectónicos de grande personalidade, sabendo, contudo, lidar com o ‘vulgar’, o ‘híbrido’, ou o ‘vernacular’, segundo as características da sociedade, da economia e da dinâmica urbana de Macau”, enfatizou.
    TAL COMO A GASTRONOMIA MACAENSE
    Manuel Vicente era um profundo conhecedor de Macau e da cultura de Macau.
    Disso André Ritchie não tem quaisquer dúvidas.
    “Conseguiu criar uma linguagem muito própria, não seguindo tendências existentes na altura”, começou por dizer ao nosso jornal.
    E fez uma analogia bastante interessante, consideramos nós.
    “Comparo a obra dele com a gastronomia macaense.
    Ele pegou nos materiais existentes em Macau, pegou na mão-de-obra e tecnologia locais e criou um prato muito próprio, tal como se faz com a comida macaense.
    Soube viver com as limitações”.
    André Ritchie ressalta que há elementos na obra de Manuel Vicente “que são muito típicos daquilo que se vê em Macau, nomeadamente no que diz respeito às cores, texturas e materiais” e deixa outra curiosidade da sua leitura.
    “Tenho para mim que ele tinha um gosto peculiar pelo clandestino e, por exemplo, pelas estruturas ilegais.
    Quando olho para os seus edifícios vejo elementos clandestinos e ele brinca muito com isso”.
    O macaense referiu ainda que, “sem sombra de dúvidas”, “a linguagem de Manuel Vicente na arquitectura era muito genuína e muito de Macau”, e lamenta hoje em dia não se fazer um pouco daquilo que foi o seu legado.
    “Sem querer estar a ferir susceptibilidades e a tecer considerações negativas sobre o trabalho dos arquitectos, parece que tudo é feito por catálogo”, concluiu.
    TÃO FUNCIONAL QUANTO PLÁSTICO
    “Lembrar Manuel Vicente é lembrar a tradição de pensamento arquitectónico fundado em escrutínios críticos que tanto são funcionais como são plásticos”, referiu Mário Duque ao nosso jornal, notando ainda que “lembrar Manuel Vicente é lembrar moldes que conferem sentido ao espaço físico”.
    O arquitecto sugere assim que dessa escola “resultou que nenhuma obra é igual a outra obra, como nenhuma é estranha de outra, porque tudo é consequência do que antecedeu”.
    “E nada é definitivo porque tudo é para ser de novo escrutinado e interpretado”, acrescentou.
    Para Mário Duque, no trabalho de Manuel Vicente, “nenhuma realização é gratuita ou ocasional” porque, na verdade, “tudo tem necessariamente estória, ou interpretação, em qualquer momento, escala ou implicação do desenho”.
    E da mesma tradição, considera Duque, “faz parte a importância do lugar onde tudo começa, dele tirando partido e a ele regressando depois de reinventado”.
    “O melhor exemplo disso é o Plano do Fecho da Baía da Praia Grande que, mesmo depois de abandonado, não é possível deixar de existir.
    Aí nada prosseguiu antes de ser certo ser aquele o desenho urbano a seguir, e nisso foi muito ao contrário dos planos de aterros que sucederam”, apontou o arquitecto, acrescentando que “faz parte dos refúgios felizes da arquitectura, de onde fazem consequentemente parte melhores e piores realizações”.
    A OMNIPRESENÇA DO ARQUITECTO
    João Palla Martins considera Manuel Vicente “omnipresente” no seu quotidiano em Macau.
    “Não só nas conversas de amigos e outros ex-colaboradores de Manuel Vicente, como nos lugares que habitamos ou percorremos.
    É claro que o seu modo de fazer arquitectura nos moldou e as suas histórias, fruto do seu forte carisma, se tornaram inesquecíveis”, referiu ao PONTO FINAL o arquitecto, também ele fotógrafo.
    Mas o que fica é a cidade e os seus edifícios, sublinhou Palla Martins.
    “Macau seria com certeza diferente se não fossemos confrontados com um arco de compasso que prolonga A Baía e nos oferece a distância espelhada da cidade, um gesto de consagração da doce e bucólica Praia Grande, mas simultaneamente um acto de fazer cidade a partir de compromissos (viários, sociais, políticos e técnicos)”, afirmou
    O arquitecto constata que “talvez A Baía seja o projecto mais visível”, contudo o seu papel na habitação social em Macau “foi enorme”.
    “Esteve, com a arquitecta Natália Gomes, na origem dos programas de desenvolvimento de habitação social em Macau ou realojamento, como se chamava.
    Depois da experiência do SAAL em Lisboa e das visitas de estudo ao que se fazia em Hong Kong pelo Housing Authority, chegaram a uma solução pioneira desenhada à medida social de Macau.
    Foi um percurso de longos anos de experiência com inúmeros blocos de habitação social, a culminar no premiado Bairro do Fai Chi Kei ou talvez a criação de uma comunidade”, notou João Palla Martins,
    que revelou ao nosso jornal que colaborou na segunda fase do Fai Chi Kei, “que desenvolvia novas preocupações espaciais e formais, continha um centro de dia, escola primária entre outros, mas infelizmente não foi construído”.
    CULTURA É UMA COISA, ERUDIÇÃO É OUTRA
    Numa entrevista ao Público, Manuel Vicente afirmou que não confundia cultura com erudição.
    “Há a informação, há a erudição, mas a cultura tem a ver com aquilo que a gente sabe, sem saber que sabe.
    E é isso que se transmite.
    Acho que a cultura portuguesa é mais reconhecida pela comida do que pela língua.
    Se for a Macau ou à Índia, nas mercearias encontra sempre azeite ou bacalhau.
    Esta é a memória que a gente deixou que se transmitisse.
    Esta história da comida é mais essencial do que a herança da língua e isto é que é cultura.
    É uma experiência mais total”.
    Nascido em 1934 em Lisboa, Manuel Vicente foi o autor, com José Santa-Rita, do projecto de recuperação da Casa dos Bicos, que acolhe actualmente a Fundação José Saramago.
    Estudou arquitectura na Escola de Belas Artes de Lisboa, curso que concluiu em 1962, e era mestre em arquitetura pela Universidade da Pensilvânia, onde conheceu Louis Khan, um dos grandes nomes da arquitectura mundial, nascido na Estónia, mas radicado nos Estados Unidos da América.
    O arquitecto teve ainda cunho profundo no projecto do pavilhão da Realidade Virtual da Expo-98 e deixou uma obra ímpar em Macau, incluindo o Fecho da Baía da Praia Grande, o edifício do WorldTrade Center, a sede da TDM-Teledifusão de Macau,o Posto de Bombeiros do Bairro da Areia Preta, o conjunto habitacional do Fai Chi Kei – já demolido – ou as Torres de Barra, entre muitos outros projectos.
    Viveu em Macau em dois períodos.
    No primeiro, nos anos de 1960, esteve à frente do Gabinete de Urbanização.
    Manuel Vicente também foi professor, tendo formado um conjunto de gerações de arquitectos, com que tinha uma enorme capacidade de diálogo e ligação.
    Antes havia ensinado na Escola Superior de Belas Artes de Lisboa.
    Ao longo da sua carreira trabalhou com nomes conhecidos da arquitectura portuguesa como Manuel Graça Dias, Nuno Teotónio Pereira, Conceição Silva, Chorão Ramalho ou Fernando Távora, entre outros.
    Nos últimos anos de vida leccionava na Universidade Autónoma de Lisboa (UAL).
    Participou em diversas exposições de onde se destacam as no Centro Pompidou, nos anos de 1980, e na Bienal de Veneza.
    Em 1987 recebeu o Prémio AICA/MC (Associação Internacional de Críticos de Arte/Ministério da Cultura), que todos os anos distingue um nome consagrado na área das Artes Visuais e outro na área da Arquitectura.
    Em 1994, recebeu o Prémio da Associação de Arquitectos de Macau.
    Quatro anos depois, em 1998, foi agraciado com o grau de Grande Oficial da Ordem de Mérito pelo então Presidente da República de Portugal, Jorge Sampaio.
    Em 2005 recebeu pela segunda vez a Medalha de Ouro da Arcásia, o Conselho Regional dos Arquitectos da Ásia, na categoria de melhor espaço público.
    Manuel Vicente foi membro da comissão instaladora da Associação de Arquitectos Portugueses (1975-1977) e vice-presidente da Ordem dos Arquitectos (2002-2007).
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  • PESSANHA MORREU HÁ 97 ANOS

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    Camilo Pessanha morreu há 97 anos.
    Passam hoje 97 anos desde a morte do maior nome do simbolismo em língua portuguesa, uma corrente literária que influenciou grandes nomes da literatura portuguesa como Fernando Pessoa, Mário de Sá-Carneiro, Sophia de Mello Breyner Andresen ou Eugénio de Andrade, e que também revelou autores como Eugénio de Castro e António Nobre.
    Camilo Pessanha está completamente ligado a Macau, mas, ainda assim, não estão agendadas quaisquer homenagens ao poeta conimbricense por mais um aniversário do seu falecimento.
    “A título pessoal, como sempre, mas desta vez sem alunos, lá estarei amanhã [hoje] a cumprir o meu minuto de silêncio junto da campa do poeta no Cemitério de São Miguel Arcanjo”, começou por dizer ao PONTO FINAL Alexandra Domingues, docente da Escola Portuguesa de Macau (EPM).
    “É mais um ano e, infelizmente, não há nada de novo.
    Camilo Pessanha, para meu lamento, está esquecido.
    Se os alunos do 12.º ano têm acesso ao poeta é porque o professor acha que deve ser assim, caso contrário, os programas não aludem à sua obra”, lamentou a professora da EPM.
    Mas se o autor de “Clepsidra” não é caso único. Alexandra Domingues refere que nomes como Antero de Quental, Sophia de Mello Breyner Andresen ou Cesário Verde também, amiúde, caem no esquecimento de quem faz e promove os programas curriculares nas escolas.
    “Vão e vêm.
    Uns regressam e outros ficam eternamente esquecidos.
    Outros são falados no ensino básico, mas depois, quando se calhar deveriam ser falados, são esquecidos no ensino secundário.
    Repare que já nem se dá os “Esteiros” do Soeiro Pereira Gomes, ou a “Aparição” do Vergílio Ferreira.
    Qualquer dia Vergílio Ferreira fica esquecido para sempre e chegou a ser obrigatório para exames.
    “O Delfim”, do José Cardoso Pires, ou “A Sibila”, da Agustina Bessa-Luís.
    Enfim, não quero mais enumerar.
    Há livros muito importantes para a literatura portuguesa que estão simplesmente esquecidos”, referiu.
    A verdade, considera a docente de Português, é que tanto em relação a estes nomes e outros, “não se pode colocar simplesmente uma esponja”.
    “Não se pode apagar Camilo Pessanha.
    A sua escrita, que mesmo sendo difícil é muito importante, influenciou outros”, notou,
    ressalvando que os anos lectivos “têm limites” e é preciso “fazer-se uma selecção” do que pode ou não ir a exame nacional.
    “No 12.º ano temos, e bem, muito Fernando Pessoa, e depois temos, e bem, José Saramago.
    Há muito pouco tempo para falar de outros autores, mas eu faço questão de se falar sempre de Pessanha”, vincou.
    Para Alexandra Domingues, faz todo o sentido continuar a falar-se de poesia, porque a poesia é “o outro lado” da vida quotidiana.
    “É muito importante nos dias de ódio que se vivem hoje.
    O sentido da literatura, mas acima de tudo, o sentido da poesia.
    Não podemos perder a ligação com os poetas portugueses, porque ler poesia é importante.
    Devemos questionar isso: porquê ler poesia?
    Porquê ler Pessanha?
    E tenho muita pena que não se fale de Pessanha como se deveria falar”, lamentou a docente da EPM,
    lembrando a açoriana Natália Correia que, depois do 25 de Abril de 1974, e depois de silenciada pelo regime do Estado Novo, considerou que agora a poesia está na rua.
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  • o patuá em risco de morte

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    • Miguel S Fernandes

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      • Luis Almeida Pinto

        Eu sei que sim, Miguel S Fernandes, e o vosso trabalho tem sido magnífico! 😍
        Espero que as pessoas de Macau, todas elas que aqui estão e coabitam nesta Cidade Linda, jamais se esqueçam que o Patuá tem que se manter como língua criola viva, expressão ancestral privilegiada de um contacto e interação de culturas, e não apenas uma matéria de estudo dos académicos, como língua morta!
        Um grande abraço
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      • Pedro Penetra Neves

        FORÇA 💪
        Por mais difícil que esteja, não desistam, para manter a língua e cultura Macaense 🙏🙌
        Um Grande, e Forte ABRAÇO Miguel 🫂
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        • 1 d
  • MACAU E COVID POR LUIS ALMEIDA PINTO

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    Todos temos o direito à opinião.
    Sobre a mais recente crise de propagação do SARS‑CoV‑2 em Macau.
    A actuação do Governo da RAEM até à altura da vacinação da população foi irrepreensível, defendendo as pessoas que aqui vivem em Macau contra a variante Delta do Covid-19, extremamente agressiva e letal, e evitando as fatalidades e o descontrolo epidémico que se viram acontecer por esse Mundo fora.
    Mas não se fique com a impressão que o apoio financeiro do Governo à população resolveu os gravíssimos problemas económicos de Macau, embora tenha sido importante tal apoio.
    Porque o encerramento de fronteiras e a criação da bolha à volta de Macau significou passar-se de um número de visitantes e turistas de 40 milhões ao ano para cerca de 7 milhões, e isso importou no encerramento irremediável de muitíssimas empresas, redução drástica da actividade económica e da população empregada, e uma deprimente desertificação e abandono da cidade Património Mundial.
    Com a vacinação da população, começada em Janeiro de 2021, há quase dois anos, começaram a se perceber as primeiras debilidades das autoridades, quando não foram capazes de vacinar uma grande parte da população mais idosa, precisamente aquela mais sujeita às consequências perniciosas na contração do vírus.
    Mas depois, as autoridades de Macau não foram também capazes de perceber que as novas variantes e sub-variantes deste coronavirus passaram a ser menos perigosas para a saúde dos infectados, a não ser para aqueles com doenças graves associadas, e desde que a população estivesse vacinada.
    Com a progressiva vacinação das pessoas que aqui vivem e trabalham, e ao invés de Macau se abrir progressivamente ao Mundo, percebeu-se que a RAEM iria seguir servilmente a política oficial da República Popular da China dos “zero casos”, o que significou a continuação do bloqueio das fronteiras,
    A não ser para os nacionais da China, mas pouco dispostos a viajar em tempos de grandes restrições e sujeitos a longos períodos de confinamento nas suas cidades de origem, e graves problemas económicos,
    E o acumular de encerramento de lojas e restaurantes em Macau, a falência de empresas e a desmoralização e progressivo cansaço das pessoas.
    Ao contrário de Macau, a nossa vizinha Hong Kong, igualmente com o estatuto de região administrativa especial da China e sujeita ao sistema político de “um país, dois sistemas”, e após o período inicial de vacinação da sua população, deixou de aplicar as restrições absurdas decorrentes da política dos “zero casos” e iniciou a recuperação económica.
    Claro que Hong Kong tem outros problemas graves que impedem actualmente o seu desenvolvimento, designadamente a aplicação severa de leis que cerceam as liberdades individuais e colectivas da sua população, mas quanto ao combate ao Covid-19 alinharam já as suas políticas com aquilo que acontece em práticamente todo o Mundo.
    Mas o servilismo e seguidismo das autoridades de Macau, quanto às políticas de combate ao vírus praticadas pela China, revelaram-se também nos acontecimentos mais recentes, que elevaram rápida e exponencialmente os números de infectados em Macau para (pelo menos) 115.000.
    Após a eclosão de violentos e generalizados protestos contra as medidas de confinamento em muitíssimas cidades da China, o Governo chinês recuou na política dos “zero casos”, fazendo com que, acto imediato, o Governo da RAEM também o fizesse, acabando com as quarentenas obrigatórias em hotéis designados, e com a profusão de testes RAT e NAT obrigatórios à população,
    Mas sem qualquer planeamento prévio, decidindo abruptamente aspectos fundamentais para a vida das pessoas numa absurda e perigosa governação à vista, por exemplo, deixando esgotar no mercado medicamentos e testes necessários à população e não assegurando antecipadamente a sua existência em stock,
    E acabando com as restrições no período do inverno, e não em período anterior de primavera ou verão, em que as doenças típicas dessa estação do ano mais fria e rigorosa, como as pneumonias, dificuldades respiratórias, a gripe e outras, potenciam em muito a gravidade das consequências de contracção do Covid-19.
    Em minha opinião, as medidas ora tomadas em Macau pecam por muito tardias, tendo existido condições para que as autoridades tivessem há muito mais tempo aberto Macau ao Mundo, e aos turistas que tanta falta fazem para a sua sustentação e desenvolvimento,
    Simultaneamente com a adopção de medidas acrescidas de protecção dos estratos sociais mais débeis e desprotegidos, os idosos, os portadores de doenças graves e os carecidos de imunidade, para que a propagação do vírus nessa faixa da população não se torne num problema sério de saúde pública.
    E, como aconteceu em todo o Mundo há já muitos meses, grande parte da população que agora contraiu o vírus não teve consequências muito graves para a sua saúde, não carecendo de hospitalização e bastando o tratamento em casa com medicamentos, pela natureza menos agreste das sub-variantes do vírus que aqui aportaram, ainda que muitíssimo mais contagiantes, e pelo facto de cerca de 90% da população se encontrar entretanto vacinada.
    Proteger e tratar as pessoas mais vulneráveis, vacinar todos os idosos, abrir Macau ao Mundo e apoiar financeiramente todos os negócios atingidos sériamente pela crise da pandemia, deverão ser as políticas do Governo da RAEM nos próximos tempos, no meu entendimento.
    Ah! E também afastar, e culpabilizar, todos aqueles agentes e funcionários incompetentes responsáveis pela desgraça que aconteceu a Macau nos últimos dois anos!
    (Luís Almeida Pinto).
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    • Pedro Lobo

      Muito bem dito!!! 👏🏻👏🏻👏🏻
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    • Luis Trabuco

      Foi isso mesmo!
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    • Pedro Coimbra

      Chapeau!!
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    • Pedro Neves

      em parte estivemos deste sempre condicionados com a politica da china, mas para mim o mais grave foi não terem aprovisionado medicamentos suficientes, desde sempre teriam que ter a logistica de um contagio em massa, é completamente indesculpavel não h…

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  • TDMPortugal sem delegado no Fórum Macau

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    Source: TDM

    https://www.tdm.com.mo/pt/news-detail/785097?isvideo=false&lang=pt&category=all

  • Cerca de 80 mil veículos particulares de Macau vão poder circular em Guangdong a partir de janeiro – Primeiro diário caboverdiano em linha – A SEMANA

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    Source: Cerca de 80 mil veículos particulares de Macau vão poder circular em Guangdong a partir de janeiro – Primeiro diário caboverdiano em linha – A SEMANA