os judeus de Cabo Verde

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Vera Duarte Pina and Joaquim Feliciano da Costa shared a post.
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Sfarad.es

La judería sefardí de Cabo Verde lucha por no caer en el olvido

A HISTÓRIA DA ALHEIRA-MANUELA BARROS FERREIRA·

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Fonte: (4) Facebook

As alheiras
Rodeadas pelo verde dos grelos, as alheiras reluzem, douradas e brilhantes. O difícil para quem cozinha é torná-las estaladiças sem que elas estalem mesmo, numa bolha de recheio cada vez maior. Como evitar que a bolha desponte e alastre é segredo e mistério. É que a alheira, por detrás de um nome pretensamente transparente – dado que o alho não é o seu principal ingrediente – guarda uma história secreta. Resolvido que está de uma vez por todas o problema de se saber o que apareceu primeiro, se foi o ovo ou foi a galinha, resta saber com toda a certeza quem inventou a alheira, se foram os cristãos ou se foram os judeus. A criação dessa especialidade pela comunidade judaica nos tempos da Inquisição pode ser um mito. É que a alheira faz-se precisamente para aproveitar ao máximo a cabeça e outras carnes gelatinosas do porco, que cozem até se separarem facilmente dos ossos, e depois se cortam miudinho e se misturam com pão finamente fatiado e embebido do caldo da cozedura, com vários temperos, entre os quais bastante alho. Fica ainda melhor se forem acrescentadas outras carnes, aos fiapos. As aves de caça e de capoeira dão-lhe mais substância, refinam o sabor e ajudam a dilatar a quantidade de um enchido que é sempre escasso para a procura que tem. Por ser possível variar a proporção das diferentes carnes é muito provável que, entre os cristãos novos, alguém se tenha lembrado de que as alheiras podiam ser usadas como escudo protector no tempo da Inquisição. Sendo-lhes a carne de porco interdita, faziam alheiras sem ela e apresentavam, tal como os cristãos velhos, capitosas travessas de alheiras reluzindo por entre o verde dos grelos. No entanto, o próprio nome desta especialidade parece-me revelar que surgiu num contexto opressivo. O nome de “alheira” desvia a atenção do seu conteúdo em carnes para o de um tempero que não é definitório (ao contrário da farinheira, por exemplo, que tira o nome do seu principal ingrediente). A denominação “alheira” pode ser interpretada como “noa”, isto é, um nome que substitui algo tabu. O que parece confirmar que este enchido, mesmo se não foi inteiramente inventado, foi muito bem adaptado à intolerância instaurada pela Inquisição. Seja como for… bem hajam as alheiras se, além de serem tão boas, de terem tantas variedades e de tanto nos alimentarem, ainda salvaram a vida aos antepassados de alguns de nós.

história dos judeus em Cabo Verde (texto inglês)

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“Cape Verde’s Jewish history stays alive”:

Cape Verde Jewish Heritage Project, inc.

Preservation of memory is critical to the Jewish psyche, and in Cape Verde
there is an uplifting story of remembrance that defies the all-too-common
narrative of anti-Semitism and persecution. Hebrew and Portuguese
inscriptions grace typical Sephardic Jewish tombstones in four small
cemeteries on three islands in Cape Verde. Many reflect the date of death
according to the Hebrew calendar and place of birth such as Tangiers or
Mogador (now Essaouira), in Morocco. The cemeteries have fallen into
disrepair, and since 2008, when I founded the Cape Verde Jewish Heritage
Project (CVJHP), I have worked with a remarkable assortment of people –
Jews and Christians, and even one Muslim monarch – to restore and preserve
them.

I first learned about Cape Verde’s Jewish roots through a scholarship
program I managed for Portuguese-speaking Africa in the late 1980s. Many
of my students bore Jewish surnames, such as Levy, Benchimol, Anahory and
Wahnon, which piqued my curiosity. As a Jew fascinated by Sephardic
history and culture, who also loves Cape Verde and its people, I was moved
by the poignant remnants of this small but influential Jewish community –
remnants that bespeak an important but under-documented chapter in
African/Jewish history.

An archipelago of ten small islands about 300 miles off the coast of
Senegal, Cape Verde is predominantly Catholic as a result of Portuguese
colonial rule. However, in the 19th century, the islands had a prominent
community of Jews, largely from Muslim Morocco. Sephardic Jews from
Morocco and Gibraltar set sail for Cape Verde in the mid 1800’s (after the
abolition of the Inquisition), in search of economic opportunity. During
their heyday in the mid to late 19th century, the Jews played pivotal
roles in the economy and administration of the islands. And to this day,
many descendants continue to distinguish themselves at the highest levels
in government, culture and commerce. For example, Carlos Alberto Wahnon de
Carvalho Veiga, voted in as Cape Verde’s first democratically elected
Prime Minister in 1991, was of Jewish descent.

Because the Jews were few in number and mostly male, many married local
Catholic women. As a result of this assimilation, Cape Verde today has
virtually no practicing Jews, even though many descendants express deep
pride in their Jewish ancestry. Prominent Cape Verdean businessman Daniel
Brigham, grandson of patriarch Abrao Brigham, once told me, “I am not a
religious man, but I try to follow the Ten Commandments. I am proud of my
Jewish rib.”

Many descendants of the Jewish families are collaborating on various
aspects of CVJHP’s mission. For example, Lisbon-based architect Rafael
Benoliel designed the blueprint to restore the Jewish cemetery of Boa
Vista and the Project logo. Several descendants serve on CVJHP’s board of
directors. And recognizing the symbolism of Moroccan Jewish patrimony on
Cape Verdean soil, King Mohammed VI of Morocco is a major benefactor of
the Project. In a world where tensions between Jews and Muslims tend to
overshadow our many points of convergence – theological, historical and
cultural – this gesture by a Muslim monarch, to recover Jewish heritage in
Catholic Cape Verde is inspiring.

Dozens of descendants and dignitaries recently attended the re-dedication
ceremony in May for the Jewish burial plot in Praia, the capital– the
first of four cemetery restorations that CVJHP is financing. The chief
rabbi of Lisbon, who officiated at the ceremony, blessed the deceased and
affirmed that in the Jewish tradition, creating and preserving burial
grounds is actually more important than building a house of worship. The
outpouring of pride from the descendants at the ceremony was gratifying –
as if the project reawakened in many a sense of pride and identity with
the Jewish people.

The encounter between the Sephardic Jews and the predominantly Catholic
Cape Verdean population in the 19th and early 20th centuries teaches us
lessons of tolerance and mutual respect. Unlike in many European
countries, the local people welcomed the Jews. By preserving their burial
grounds and documenting their contributions, we re-affirm Sephardic
history and celebrate Cape Verde’s rich cauldron of cultures. A local
resident who was following local television coverage of the Praia
rededication ceremony put it this way to me: “by preserving Jewish
heritage in Cape Verde, you are preserving Cape Verde’s history.”

presença judaica na língua portuguesa

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in diálogos lusófonos

PRESENÇA JUDAICA NA LÍNGUA PORTUGUESA EXPRESSÕES E DIZERES POPULARES EM PORTUGUÊS DE ORIGEM CRISTÃ-NOVA OU MARRANA

septiembre 2nd, 2011 |

Jane Bichmacher de Glasman (UERJ)

O objetivo do presente trabalho é apresentar alguns exemplos de influência judaica na língua portuguesa, a partir de uma ampla pesquisa sócio-linguística que venho desenvolvendo há anos. A opção por judaica (e não hebraica) deve-se a uma perspectiva filológica e histórica mais abrangente, englobando dialetos e idiomas judaicos, como o ladino (judeu-espanhol) e o iídiche (alemão), entre os mais conhecidos, além de vocábulos judaicos e expressões hebraicas que passaram a integrar o vernáculo a partir de subterfúgios e/ ou corruptelas, cuja origem remonta à bagagem cultural de colonizadores judeus, cristãos-novos e marranos.

Há uma significativa probabilidade estatística de brasileiros descendentes de ibéricos, principalmente portugueses, terem alguma ancestralidade judaica. A base histórica para tal é a imigração maciça de judeus expulsos da Espanha, em 1492, para Portugal, devido à contigüidade geográfica e às promessas (não cumpridas) do Rei D. Manuel I, que traziam esperança de sua sobrevivência judaica como tal. Mesmo com a expulsão de Portugal em 1497, os judeus (além dos cristãos-novos e dos cripto-judeus ou marranos) chegaram a constituir 20 a 25% da população local.

Sefaradim (de Sefarad, Espanha, da Península Ibérica) procuraram refúgio em países próximos no Mediterrâneo, norte da África, Holanda e nas recém-descobertas terras de além-mar nas Américas, procurando escapar da Inquisição. Até hoje é controversa a origem judaica ou criptojudaica de descobridores e colonizadores do Brasil, para onde imigraram incontáveis cristãos-novos, alternando durante séculos uma vida como judeus assumidos e marranos, praticando o judaísmo secretamente (fora os que permaneceram efetivamente católicos), de acordo com os ventos políticos, sob o domínio holandês ou a atuação da Inquisição, variando de um clima de maior tolerância e liberdade à total intolerância e repressão.

Comparando apenas sob o ponto de vista cronológico, nem sempre lembramos que, enquanto o Holocausto na Segunda Guerra Mundial foi tão devastador, especialmente nos quatro anos de extermínio maciço de judeus, a Inquisição durou séculos, pelo menos três dos cinco da história “oficial” do Brasil, isto é, após o descobrimento. Tantos séculos de medo, denúncias, processos e mortes, geraram, por um lado, um ambiente psicológico de terror para os judeus e cristãos novos no Brasil; por outro, um anti-semitismo evidente ou subliminar que permaneceu arraigado na população, inclusive como autodefesa e proteção.

Uma característica do comportamento de cristãos-novos “suspeitos” foi procurar ser “mais católicos do que os católicos”, buscando sobreviver à intolerância e determinando práticas sócio-culturais e linguísticas.

A citada alternância entre vidas assumidamente judaicas e marranas, praticando judaísmo em segredo, com costumes variados, unificados pela “camuflagem” de seu teor judaico, gerou comportamentos e aspectos culturais (abrangendo rituais, superstições, ditados populares, etc.) que se arraigaram à cultura nacional. A maioria da população desconhece que muitos costumes e dizeres que fazem parte da cultura brasileira têm sua origem em práticas criptojudaicas. Apresentarei alguns exemplos bem como suas origens e explicações, a partir da origem judaica “marrana”.

“Gente da nação” é uma das denominações para designar marranos, judeus, cristãos-novos e cripto-judeus, embora existam diferenças entre termos e personagens.

Cristãos-novos foi denominação dada aos judeus que se converteram em massa na Península Ibérica nos séculos XIII e XIV; é preconceituosa devido à distinção feita entre os mesmos e os “cristãos-velhos”, concretizado nas leis espanholas discriminatórias de “Limpieza de Sangre” do século XV.

Criptojudeus eram os cristãos-novos que mantiveram secretamente seu judaísmo. Gente da nação era a expressão mais utilizada pela Inquisição e Marranos, como ficaram mais conhecidos. Embora todos fossem descendentes de judeus, só poucos voltaram a sê-lo, e em países e épocas que o permitiram.

O próprio termo “marrano” possui uma etimologia diversificada e antitética. Unterman (1992: 166), conceitua de forma tradicional, como “nome em espanhol para judeus convertidos ao cristianismo que se mantiveram secretamente ligados ao judaísmo. A palavra tem conotação pejorativa” geralmente aplicada a todos os cripto-judeus, particularmente aos de origem ibérica. Em 1391 houve uma maciça conversão forçada de judeus espanhóis, mas a maioria dos convertidos conservou sua fé. Já Cordeiro (1994), com base nas pesquisas de Maeso (1977), afirma que a tradução por “porco” em espanhol tornou-se secundária diante das várias interpretações existentes na histografia do marranismo.

Para o historiador Cecil Roth (1967), marrano, velho termo espanhol que data do início da Idade Média que significa porco, aplicado aos recém-convertidos (a princípio ironicamente devido à aversão judaica à carne de porco), tornou-se um termo geral de repúdio que no século XVI se estendeu e passou a todas as línguas da Europa ocidental.

A designação expressa a profundidade do ódio que o espanhol comum sentia pelos conversos com quem conviviam. Seu uso constante e cotidiano carregado de preconceito turvou o significado original do vocábulo. Em “Santa Inquisição: terror e linguagem”, Lipiner (1977) apresenta as definições: “Marranos: As derivações mais remotas e mais aceitáveis sugerem a origem hebraica ou aramaica do termo.Mumar: converso, apóstata. Da raiz hebraica mumar, acrescida do sufixo castelhano ano derivou a forma composta mumrrano, abreviado: Marrano. Tratar-se-ia, pois de um vocábulo hebraico acomodado às línguas ibéricas. Marit-áyin: aparência, ou seja, cristão apenas na aparência. Mar-anús: homem batizado à força. Mumar-anus: convertido à força. Contração dos dois termos hebraicos, mediante a eliminação da primeira sílaba”. Anus, em hebraico, significa forçado, violentado.

Antes de exemplificar a contribuição linguística marrana, convém ressaltar que a vinda dos portugueses para o Brasil trouxe consigo todos os empréstimos culturais e linguísticos que já haviam sido incorporados ao cotidiano ibérico, desde uma época anterior à Inquisição, além de novos hábitos e características; muitas palavras e expressões de origem hebraica foram incorporadas ao léxico da língua portuguesa mesmo antes de os portugueses chegarem ao Brasil. Elas encontram-se tão arraigadas em nosso idioma que muitas vezes têm sua origem confundida como sendo árabe ou grega. Exemplo: a “azeite”, comumente atribuída uma origem árabe por se assemelhar a um grande número de palavras começadas por “al-” (como alface, alfarrábio, etc.), identificadas como sendo de origem árabe por esta partícula corresponder ao artigo nesta língua. O artigo definido hebraico é a partícula “a-” e “azeite” significa, literalmente, em hebraico “a azeitona” (ha-zait).

Apesar da presença judaica por tantos séculos, em Portugal como no Brasil, as perseguições resultaram também em exclusões vocabulares. A maior parte dos hebraísmos chegou ao português por influência da linguagem religiosa, particularmente da Igreja Católica, fazendo escala no grego e no latim eclesiásticos, quase sempre relacionados a conceitos religiosos, exemplos: aleluia, amém, bálsamo, cabala, éden, fariseu, hosana, jubileu, maná, messias, satanás, páscoa, querubim, rabino, sábado, serafim e muitos outros.

Algumas palavras adotaram outros significados, ainda que relacionados à idéia do texto bíblico. Exemplosbabel indicando bagunça; amém passando a qualquer concordância com desejos; aleluia usada como interjeição de alívio.

O preconceito marca palavras originárias do hebraico usadas de forma depreciativa, como: desmazelo (de mazal – negligência, desleixo), malsim (de mashlin – delator, traidor), zote (de zot / subterrâneo, inferior, parte de baixo – pateta, idiota, parvo, tolo), ou tacanho (de katan – que tem pequena estatura, acanhado; pequeno; estúpido, avarento); além de palavras relacionadas a questões financeiras, comocacife, derivada de kessef = dinheiro.

Dezenas de nomes próprios têm origem hebraica bíblica, como: Adão, Abraão, Benjamim, Daniel, Davi, Débora, Elias, Ester, Gabriel, Hiram, Israel, Ismael, Isaque, Jacó, Jeremias, Jesus, João, Joaquim, José, Judite, Josué, Miguel, Natã, Rafael, Raquel, Marta, Maria, Rute, Salomão, Sara, Saul, Simão e tantos outros. Alguns destes, na verdade, são nomes aramaicos, oriundos da Mesopotâmia, como Abraão (Avraham), que se incorporaram ao léxico hebraico no início da formação do povo hebreu.

Podemos citar centenas de nomes e sobrenomes de judaizantes e números de seus dossiês, desde a instalação da Inquisição no Brasil, a partir dos arquivos da Torre do Tombo, em Lisboa, e de livros como Wiznitzer (1966), Carvalho (1982), Falbel (1977), Novinsky (1983), Dines (1990), Cordeiro (1994), etc. Sobrenomes muito comuns, tanto no Brasil como em Portugal, podem ser atribuídos a uma origem sefardita, já que uma das características marcantes das conversões forçadas era a adoção de um novo nome. Muitos conversos adotaram nomes de plantas, animais, profissões, objetos, etc., e estes podem ser encontrados em famílias brasileiras, até hoje, em número tão grande que seria difícil enumerá-los. Exemplos: Alves, Carvalho, Duarte, Fernandes, Gonçalves, Lima, Silva, Silveira, Machado, Paiva, Miranda, Rocha, Santos, etc. Não devemos excluir a possibilidade da existência de outros sobrenomes portugueses de origem judaica.

 

leia o trabalho na íntegra »» http://www.esefarad.com/?p=26210

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judeus portugueses nas AMÉRICAS

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DE DIÁLOGOS LUSÓFONOS
Os judeus portugueses nas Américas
[Este post integra-se num “blogburst” promovido por Jonathan Edelstein, destinado a celebrar Arrival Day, o Dia da Chegada, que assinala o aniversário do desembarque dos primeiros judeus em Nova Iorque, a 7 de Setembro de 1654]

Nova Amsterdão. Gravura da autoria do cartógrafo Peter Schenk.
Atlas Hecatompolis.

Os nomes de família dos primeiros judeus americanos soam estranhamente familiares: Dias, Costa, Cardozo, Faro, Ferreira, Fonseca, Gomes, Lucena, Navarro, Nunes, Henriques, Machado, Maduro, Mendes, Mesquita, Pacheco, Peixotto, Pereira, Pinto, Penha, Seixas… Eram portugueses. Judeus portugueses do século XVII. Muitos deles “cristãos-novos”, que finalmente descartavam a capa que foram obrigados a envergar para escapar às fogueiras inquisitoriais; que ali procuravam abrigo, um refúgio da intolerância que mergulhava Portugal numa histeria de fanatismo sanguinário, que acabou por arrastar o país para um abismo do qual ainda hoje se sentem cicatrizes profundas. Os judeus portugueses chegaram a Nova Iorque a 7 de Setembro de 1654, quando a cidade era holandesa e ainda se chamava Nieuw Amsterdam. Faz hoje 351 anos.
Os primeiros vieram do Brasil, alguns depois de emigrarem primeiro de Lisboa para a Holanda. E tal como já acontecia na Holanda, estes emigrantes judeus de Nova Iorque eram conhecidos como “gente da Nação Portuguesa” (ver Hebrews of the Portuguese Nation). Mas para seguir a génese da comunidade judaica portuguesa em Nova Iorque é necessário primeiro viajar até ao Brasil colonial do século XVII, mais concretamente a Pernambuco, um território de extensão considerável capturado pelos holandeses em 1630.
Os judeus tinham desempenhado o seu papel na descoberta e colonização do Brasil. Desde 1500, quando Pedro Alvares Cabral desembarcou nas Terras de Vera Cruz acompanhado por Gaspar da Gama, um “cristão-novo”, até 1654, altura em que os portugueses expulsaram os holandeses, navegadores, pioneiros e colonos judeus ajudaram a moldar a história do Brasil. A Inquisição não tinha ainda atravessado o Atlântico e a distância emprestava uma ilusão de segurança. Muitos dos que ali chegavam eram deportados, condenados ao degredo por suspeita de judaísmo, transformando o território virtualmente numa colónia penal. Mesmo assim, o espectro inquisitorial pairava ainda na penumbra e sobre os judeus pesava o receio de poderem ser repatriados para Portugal a mando dos tribunais da Inquisição.
Num contraste extremo com o obscurantismo inquisitorial que dominava a península Ibérica, em Pernambuco a Companhia Holandesa das Índias Ocidentais – responsável pela administração dos territórios da coroa dos Países Baixos nas Américas – proclamara logo de início, de forma inquestionável, a liberdade de consciência e de culto entre as populações das suas colónias:
“A liberdade dos espanhóis, portugueses e nativos, quer sejam [católicos] romanos ou judeus, será respeitada. A ninguém será permitido que os moleste ou os sujeite a inquirições em matéria de consciência ou nas suas casas privadas; e ninguém os ouse inquietar ou perturbar ou causar-lhes dano – sob pena de punição arbitrária ou, dependendo das circunstâncias, de severa e exemplar reprovação.”
in “Leis e Regimentos das Índias Ocidentais”, citada por Arnold Wiznitzer, “The Records of the Earliest Jewish Community in New York” (1957).
Apesar de algumas tentativas por parte de clérigos para restringir estas liberdades (especialmente contra os católicos, tidos como inimigos naturais dos calvinistas), a Companhia Holandesa das índias Ocidentais reafirmaria por várias vezes os princípios de tolerância. Perseguidos pela Inquisição em Portugal, este pedaço de “Brasil Holandês” aparecia aos olhos dos judeus portugueses como um oásis de tolerância, que lhes permitia praticar a sua religião livremente, libertando-os do receio, constante e real, das torturas inquisitoriais ou da morte nas fogueiras dos “autos-de-fé”. E assim foi durante 24 anos. No Pernambuco holandês, sob a administração de João Maurício de Nassau, a comunidade de emigrantes judeus de Portugal floresceu, fundando a primeira sinagoga das Américas, a Kahal Tzur Israel (Comunidade Rochedo de Israel), em 1637.
A 26 de Janeiro de 1654 as tropas portuguesas reconquistam o Recife com um ataque de proporções épicas, comandadas pelo general luso-brasileiro Francisco Barreto de Menezes – que a partir de então ficaria conhecido como “o restaurador de Pernambuco” –, pondo fim ao domínio holandês naquela região do Brasil.

Fólio do manuscrito de “Regras Benéficas e Restrições” para o governo da Sinagoga Shearith Israel, escrito em português e inglês, lavrado em Nova Iorque, em 1728. (clique na imagem para ampliar)
Os termos da rendição, assinados em Taborda, perto do Recife, são generosos para com os derrotados, dando aos holandeses um prazo de três meses (que seria prorrogado por mais três) para se retirarem do território recém conquistado, período durante o qual, segundo os mesmos termos, “não serão molestados ou vexados e serão tratados com respeito e cortesia.” Surpreendentemente, o general Barreto de Menezes mostra uma tolerância muito pouco habitual ao permitir igualmente (ajudando até) a saída dos judeus portugueses, apesar destes terem passado a ficar sob a alçada da Inquisição, o que lhe teria à partida vedado qualquer possibilidade de clemência. A lei exigia a deportação imediata dos judeus para Portugal.
A 20 de Fevereiro de 1654 os funcionários do tesouro real efectuaram um inventário de todas as casas no Recife e Maurícia anotando os seguintes nomes como “judeus proprietários de casas e lojas”: Jacob Valverde, Moisés Netto, Moisés Zacutto, Jacob Fundão, Moisés Navarro, David Atias, Benjamin de Pina, Abraão de Azevedo, João de Lafaia; Gil Correa, Gabriel Castanha, Gaspar Francisco da Costa, Fernão Martins, Duarte Saraiva e David Brandão. Outras aparecem mencionadas no inventário como “casa de judeus”, mas o nome dos seus proprietários não consta do documento.
Devido à escassez de embarcações holandesas que possibilitassem uma evacuação total, o general Barreto de Menezes ofereceu navios portugueses para transportar os judeus e assim os ajudar a escapar à Inquisição. Este gesto não seria esquecido, e os anais da história judaica portuguesa registam ainda hoje o nome de Francisco Barreto de Menezes, católico e “cristão-velho”, como um homem de nobre carácter – um hassid umot ha’olam (gentio justo e íntegro do mundo.)
Ao todo, 16 navios portugueses foram colocados à disposição dos seus compatriotas judeus pelo general Barreto de Menezes e a esmagadora maioria das cerca de 150 famílias judias do Brasil Holandês partiu em direcção à Holanda. Alguns optaram por ficar nas colónias holandeses nas Caraíbas onde, ainda hoje, a predominância de nomes de família portugueses (e a linguagem litúrgica) entre os judeus sefarditas do Suriname e de Curaçao prova essa ligação ancestral (ver também bloGUSblog: A estrela oculta do sertão, sobre os descendentes dos judeus portugueses que ainda restam no sertão brasileiro.)
Corsários, piratas e a intolerância religiosa ibérica tornariam ainda mais complicada a já difícil viagem de alguns deste judeus. Em Amsterdão, o rabino português Saul Levi Morteira – professor de Baruch Spinoza e mais tarde seu “excomungador” – deu conta dos percalços sofridos por uma destas embarcações no livro Providência de Deus com Israel, um manuscrito não publicado do qual apenas restam seis cópias:
“O navio foi capturado pelos espanhóis, que queriam entregar os pobres judeus à Inquisição. Ainda assim, antes de poderem cumprir os seus ímpios desígnios, o Senhor fez aparecer um navio francês que libertou os judeus dos espanhóis, levando-os depois para África, posto o que chegaram salvos e em paz à Holanda.”
Um outro navio, atacado por piratas ao largo do cabo de Santo António, em Cuba, seria também resgatado por um barco francês – o Sainte Cetherine, comandado pelo capitão Jacques de la Motthe. A 7 de Setembro de 1654, com 23 judeus portugueses a bordo, o Sainte Cetherine aporta a Nieuw Amsterdam, na ilha holandesa de Manhattan, a cidade que mais tarde passaria a ser conhecida como Nova Iorque. Era o primeiro grupo de judeus a chegar a América do Norte. Faz hoje precisamente 351 anos.
Destas vinte e três pessoas – homens, mulheres e crianças – sabe-se hoje muito pouco. São seis famílias, encabeçadas por quatro homens e duas viúvas. Só os seus nomes são mencionados nos registos oficiais. Mesmo assim é fácil adivinhar-lhes a proveniência: Abraão Israel Dias, Moisés Lumbroso, David Israel Faro, Asher Levy, Enrica Nunes e Judite Mercado.
A princípio, reticente, o governador holandês Peter Stuyvesant opôs-se à permanência dos judeus, escrevendo aos seus superiores argumentando que “se deixamos vir os judeus não tardam a vir os papistas.” O desespero de Stuyvesant aumentaria ainda mais quando os judeus apresentaram uma petição à Companhia Holandesa das Índias Ocidentais para poder fazer na Nova Amsterdão o que faziam em Pernambuco – viver livremente. A resposta da companhia foi favorável :
“Após muita deliberação, resolvemos dar provimento à petição apresentada por certos mercadores [judeus] da Nação Portuguesa, julgando-a favorável, para que eles possam viajar e comerciar com e na Nova Holanda e viver dentro dos seus limites.”
Em 1664, Nieuw Amsterdam passa para a coroa britânica e muda de nome. Dai para a frente será New York. Por volta de 1695, apesar de algumas restrições, os judeus tinham a sua primeira sinagoga improvisada, e a 8 de Abril de 1730 era dedicada a primeira sinagoga de raiz da comunidade que, logo à chegada, em 1654, escolhera o nome de Shearith Israel (Remanescente de Israel). Até ao final do século XIX tiveram duas línguas “sagradas”, ditadas pelos genes, pela fé e pelo apelo da memória. Faziam-se as orações em hebraico. Em português escreviam-se os documentos.

Dois rabinos da Sinagoga Portuguesa de Nova Iorque: H. Pereira Mendes (séc. XIX) e David de Sola Pool (séc. XX).

TRAJETÓRIAS JUDAICAS

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prof ª Jane Glasman * enviou:

TRAJETÓRIAS JUDAICAS
A história do povo judeu, com suas diferentes diásporas vividas – e revividas em muitas cerimônias religiosas – é bastante conhecida. Uma dentre essas distintas trajetórias me toca de forma bastante particular, por envolver o ramo paterno da minha própria família. Refiro-me aos judeus que saíram de Jerusalém após a destruição do Primeiro Templo, há aproximadamente vinte e seis séculos, radicando-se na Península Ibérica, a Sefarad dos relatos bíblicos. Juntamente com a fé no Deus único, os judeus que se fixaram no espaço que hoje abriga Portugal e Espanha levaram para a nova terra seus costumes e tradições, com destaque para a alegria de viver e um riquíssimo acervo musical, progressivamente enriquecido com o passar dos séculos. Por intermédio de muitas de suas melodias é possível acompanhar a trajetória percorrida pelas correntes migratórias judaicas a partir de Eretz, ao tempo da conquista de Jerusalém pelas tropas de Nabucodonosor, assim co mo os dois mil anos de permanência na Península Ibérica até à expulsão de 1492 na Espanha e a conversão forçada de 1497 em Portugal. E, também, a dicotomia ocorrida entre os que puderam sair e se fixar na França, Holanda e os territórios do Império Otomano onde continuaram praticando a fé ancestral e os que precisaram ocultá-la para sobreviver durante o longo período de trevas representado pela Inquisição na Espanha, Portugal e suas colônias.
Diásporas Judaicas no Velho Mundo
HAD GADIÁ
Para ilustrar de forma sonora essa longa e tortuosa trajetória selecionamos para os leitores da Rua Judaica uma melodia do cancioneiro israelita que julgamos ser do conhecimento, se não de todos, certamente de uma expressiva maioria. Refiro-me à canção Had Gadiá, entoada durante a cerimônia familiar do Pessach, em suas versões em hebraico e ladino, assim como uma popular melodia do folclore brasileiro nela inspirada. A música começa contando o triste fim de um cabritinho que custou dois levanim, moeda corrente em algum dos diferentes períodos em que essa história, contada e cantada durante o Seder de Pessach, se passa. O cabritinho, coitado, acabou sendo devorado por um gato, apesar da desproporção de tamanho entre um e outro bicho, mas isso não vem ao caso. Gato esse que foi mordido por um cachorro que, por sua vez, foi afugentado por um pedaço de pau, que acabou queimado pelo fogo. O fogo foi apagado pela água, por sinal bebida por um boi q ue acabou sacrificado por um Sochet e assim sucessivamente, até o final que, dependendo da versão, pode ser bastante feliz ou extremamente triste. Já deu para perceber que é uma canção destinada ao entretenimento das crianças na longa celebração da Páscoa Judaica.
Seder de Pessach na Idade Média
Comecemos com a versão original, em hebraico, em um clipping que mostra um afinadíssimo coral feminino de Israel interpretar de forma magistral essa tradicional melodia. Quem assistiu ao filme Free Zone, do controvertido Diretor Amos Gitai, talvez lembre da trilha musical, cantada de forma monocórdica e intencionalmente enfadonha, que contava essa mesma história, enquanto um personagem feminino se desmanchava em lágrimas. Se fosse no Brasil poderíamos dizer que ela estava chorando a morte da bezerra. No caso do filme, o mais acertado seria afirmar que ela também chorava a morte, só que de um cabrito.
O LADINO
Após 1492 os judeus que preferiram deixar seus bens para trás a ter de abandonar a religião ancestral, foram mesclando, à medida que viajavam em busca de um porto seguro, os diferentes dialetos falados na Península Ibérica ao português, francês, italiano, grego e turco, formando o ladino, a primeira forma unificada do castelhano. Nas palavras de uma das maiores autoridade brasileira em ladino, Professora Cecilia Fonseca da Silva, os sefaradis podem ser considerados “A Espanha Itinerante”. E a canção Had Gadiá, agora conhecida como El Kavretiko, continuou a ser entoada em ladino nas cerimônias do Pessach das famílias sefaradis radicadas nos países que compunham o vasto território otomano, para deleite de adultos e crianças. A graça era ir aumentando a velocidade da interpretação, em uma espécie de desafio, para ver quem conseguia chegar até o final sem se confundir com as novas estrofes que íam sendo progressivamente agregadas às iniciais. Par a interpretar El Kavretiko ninguém melhor do que o cantor, ator e parlamentar israelense Yehoram Gaon, cuja primeira língua, o ladino, foi aprendida em casa, com os pais.
A VELHA A FIAR
Se prestarmos atenção à letra do Kavretiko é possível constatar que sete estrofes inteirinhas, sem mexer uma única vírgula nem omitir nenhum dos bichos e elementos, se encaixam como uma luva na brasileiríssima A Velha a Fiar. Pura coincidência? Claro que não. Prova inconteste de que a melodia do folclore nacional descende em linha direta do Had Gadiá – Kavretiko, com alguns pequenos e perceptíveis acréscimos, plenamente justificáveis nos tempos obscuros das perseguições religiosas. Trata-se da inclusão de animais não-kasher, como a aranha, a mosca e o rato, além da própria velha, seguramente para despistar os esbirros da inquisição. É interessante escutar atentamente a versão em português que selecionamos e constatar, pelos próprios ouvidos, a presença da milenar tradição judaica na formação da cultura popular brasileira.

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