Vou fazer de minhas palavras, as palavras de um Brasileiro no medium, pois nem daqui a 100 anos eu conseguiria explicar melhor. Assim como, também não corro o risco de ser suspeito por ter nacionalidade Portuguesa.
A tese lançada por José Bonifácio para justificar a Independência não se sustenta sob nenhuma hipótese, trata-se de uma fraude documental e diplomática usada para legitimar um golpe de Estado, desferido contra a Coroa Portuguesa.
A designação “colónia” para o Brasil, com o sentido de inferioridade jurídica e administrativa, invocada por José Bonifácio para fazer frente às Cortes de Lisboa jamais existiu na documentação portuguesa.
Ao contrário, o Brasil, desde 1500, é consignado nos documentos oficiais como “Estado”, “Província” ou “Reino” de Portugal. Dentro da documentação portuguesa a palavra “colónia”, quando aparece, denomina um ato de “lavrar a terra” relativo à uma ação de “povoamento”, portanto, refere-se à “agricultura”. A palavra “colónia” na história portuguesa tem origem tardia anglo-saxã e com sentido de “lavrar a terra”. Aparece pela primeira vez descrita no verbete do Dicionário de Rafael Bluteau (1789).
Tito Lívio Ferreira tem uma biografia vasta e fecunda: historiador, professor de História da Idade Média e de História de Portugal da Faculdade de Filosofia de São Bento da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, um dos fundadores da Academia Paulista de História, titular da Academia Paulista de Letras, diretor do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, membro da Sociedade de Geografia de Lisboa, professor do Instituto de Coimbra, fundador da Ordem Nacional dos Bandeirantes, colaborou regularmente durante trinta anos, em vários jornais paulistas, entre os quais A Gazeta e O Estado de São Paulo, um dos fundadores do Centro do Professorado Paulista, professor nos três níveis escolares, um dos pioneiros da história da educação luso-brasileira cujos trabalhos pedagógicos lançaram raízes na formulação da educação nacional.
Apesar de toda esta trajetória intelectual, sua obra sofreu um anátema, foi silenciada pela norma dominante da academia brasileira. A razão é explicável: sua tese o Brasil Não Foi Colónia de Portugal, está na contramão da historiografia nacional movida por colunas ideológicas, sustentáculos das ignorâncias e das omissões, plantadas por um projeto de poder que adoece o corpo físico e anímico da Nação desde 1822.
Dialogando com o anátema, a ostracização e a marginalização de autores como Tito Lívio Ferreira temos a adulteração de obras e o extermínio de fontes e acervos documentais, compondo um dramático quadro de mnemofobia nacional.
À guisa de exemplo, dia 2 de Setembro de 2018 a maior parte do acervo do Museu Nacional, de cerca de 20 milhões de ítens, foi totalmente destruída. Documentos, iconografias, esculturas, fósseis, múmias, registros históricos e obras de arte viraram cinzas. Pedaços de documentos queimados foram parar em vários bairros da cidade. Neste dia, há quase 200 anos atrás, a Imperatriz Leopoldina assinava o decreto da Independência, formalizando o golpe de Estado que entregaria o Brasil para as mãos e o comando da Maçonaria.
Este crime não é um caso isolado, ao contrário. O desapreço e o descaso com a história, a cultura, o patrimônio e a educação nacional não é fruto de mera incúria, ineficiência ou das mazelas burocráticas, antes, trata-se de um deliberado projeto de Estado que visa apagar a memória da Coroa Portuguesa, encetado governo após governo que cultua uma política mnemofóbica, axiofóbica e noofóbica. Darcy Ribeiro alertava que “a crise da educação no Brasil não é uma crise, é projeto”.
Tal incúria criminosa, no trato com o patrimônio nacional acaba por ocasionar uma formidável perda de documentação impondo obstáculos às vezes intransponíveis aos pesquisadores e estudantes, com claros prejuízos à Nação que amputada da sua memória fica impedida de medir a si mesmo.
Dirá Gustavo CAPANEMA (in: Discurso na Assembléia Constituinte de 1946. Anais da Comissão de Constituição, Rio de Janeiro, 1948, v.I, p.318): “Um dos grandes defeitos da nossa cultura consiste na falta ou insuficiência de documentação”
Franklin de OLIVEIRA (in: Morte da memória nacional. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1967) denúncia o deplorável estado em que se encontra a maior parte dos arquivos públicos e privados, onde apodrecem ou desaparecem.
Carlos Drummond de ANDRADE (in: Papel velho. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, 3 de Agosto de 1958, 1 caderno, p. 6) critica ao sentimento nacional da inutilidade do papel velho e do desamor à documentação, chamado de “arquivo morto”.
Américo Jacobina LACOMBE (in: Rui Barbosa e a Queima dos Arquivos) denuncia a queima dos arquivos da escravidão ordenados por despacho de Rui Barbosa, quando Ministro da Fazenda, em 14 de Dezembro de 1890 mandando queimar os livros de matricula geral dos escravos para evitar indenizações.
Recentemente, o senador Magno MALTA propôs o PLS 146/2007 autorizando a destruição de documentos históricos depois de digitalizados.
A denúncia de Ernesto SOARES é atualíssima até os dias de hoje: As dificuldades injustificadas que se opõem à consulta de documentos arquivados em determinadas repartições, que de públicas só possuem o nome, a incúria de quem tinha o dever de elucidar o público, tornando conhecidos tantos elementos preciosos que vão dormindo aconchegados no pó das estantes, são a causa de tantas incertezas e da grande ignorância que paira sobre os nossos arquivos de ontem.
A verdade é que há um descompasso entre o Brasil e sua oligarquia dirigente, incapaz de exercer um papel lúcido, de importância transcendental com visão de Estadista.
A segurança de um povo não depende apenas de suas riquezas ou de suas tradições; nesse particular, cabe às elites dirigentes papel de importância transcendental. Elite, segundo Ar-bousse Bastide, é forçosamente uma minoria, um grupo de personalidades fortemente marcadas, bem distintas umas das outras, e cujo traço comum é uma consciência lúcida das necessidades sociais do meio em que vivem e da maneira pela qual é preciso satisfazer a essas necessidades. Os grandes problemas de um povo são, portanto, identificados, equacionados e resolvidos pelas suas elites. O acerto dessas soluções é função da qualidade dessa elite. Compreende-se assim que a preparação dessas minorias esteja Intimamente ligada ao desenvolvimento cultural dos diversos núcleos e das facilidades que o sistema de educação, flexível e diferenciado, possa oferecer a todos os recursos indispensáveis de acesso à Universidade, onde a elite se identifica, toma corpo e unidade espiritual. Porque a preparação das elites é função da Universidade, que continuará, sem dúvida, seja qual fôr a forma de que possa se revestir, a ser apanágio de poucos, dos mais capazes intelectualmente.
Em todas as épocas, desde o Império e pela República de nossos dias, vêm os educadores clamando pela formação das elites dirigentes para o Brasil […]. A verdade, porém, é que sem a formação das elite dirigentes o Brasil continuará a ser o país de là-bas, sujeito às idas e vindas de um destino incerto. E’ de desejar que, pelo desenvolvimento das universidades, se formem novas elites, fortemente imbuídas de que o Brasil só poderá progredir com o esforço continuado de seus próprios filhos.
Assim, na impossibilidade de transmitir lucidez à elite, de deter a incúria e de evitar a perseguição podemos fazer o impossível –já que o possível toda a gente faz- tomando para nós a fórmula do bibliófilo brasileiro José Mindlin: Eu procuro, nos muitos contatos que tenho com a mocidade, inocular o vírus do amor aos livros, porque uma vez inoculado está resolvido — a pessoa não se livra mais.
História é documento, tradição e amor ao próximo.