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Maia inaugura Trilho da “Ribeira do Calhau” com recriação histórica
Natércia Pacheco with Freguesia Maia
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Natércia Pacheco with Freguesia Maia
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Muito antes da chegada dos portugueses — os homens do oceano ocidental, como eram conhecidos pelos chineses — Macau era apenas um pequeno porto que servia de abrigo dos pescadores na época dos tufões e também local de esconderijo de piratas do mar da China e japoneses. O nome porque era conhecida e ainda hoje se conhece “Ou Mun”, significa “porta da baía”.
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Em 1973, a caminho de Dili, Timor Português, rumei por Banguecoque de ar irrespirável com mais de 40 ºC e 95% de humidade Na pista ruminavam búfalos de água que era preciso afugentar à chegada de cada avião. Nesse tempo, a capital do antigo reino do Sião era uma pacata urbe que não sofria da massificação turística nem de grandes confrontos armados. Sobre ela escrevera
NO REINO DO SIÃO
é já dia
os arrozais me espreitam
verde o país
castanho é banguecoque
em plena pista búfalos pachorrentos
a banhos de lama
camponeses debruçados
nos pântanos colhem o arroz
pequenas árvores dividem o asfalto
chove lá fora
sob 42º C de sol
lufadas de calor húmido nos penetram
densa respiração no ar por condicionar
lentas formalidades num inglês arrevesado
a vida possui aqui uma lenta ritmia
todo o tempo nos espera
nas autoestradas camionetas com jovens
patrulhas militares
todos os veículos se cruzam dos lados todos
coloridos templos incrustados de pedrarias
ouro maciço de budas
descalços com cintos sagrados
nos embasbacámos
este o país do mistério
igrejas e fortes portugueses
memórias de tratados reais siameses e lusitanos
o mercado flutuante é uma cidade imensa
longos canais pútridos nesta veneza oriental
sente-se o aroma do dólar nas ruas
por entre golpes de estado adiados
a cem quilómetros se combate
é o apelo do futuro
os thais são simpáticos e ardilosos
milhares de anos de sabedoria a explorarem europeus
os preços função da nacionalidade
no faustoso erawan hotel
o luxo grandiloquente oriental
a sofisticada comodidade do ocidente
uma volta rápida pela cidade dos mil-e-um-templos
para lá das faces mudas
se encerra
o mistério
o convite
voltarei
um dia.
Ao lado ficava a Birmânia (Myanmar) por onde os Portugueses andaram, embora poucos o saibam hoje e mais a sul era a cidade mais desejada, Malaca.
Fernão Mendes Pinto voltou para Malaca, onde estava o seu capitão, e ao seu serviço começou uma nova aventura. Tantos caminhos fez, tantas guerras viu e tantos países visitou, que é impossível contá-los. Fora enviado a Martavão no golfo de Bengala onde foi aprisionado e feito escravo com os companheiros por um general do rei da Birmânia. Subindo o Ganges e o Bramaputra acompanharam o general até à capital do Calaminhão (Tibete?), observando as suas extraordinárias práticas religiosas. Sucedem-se batalhas, cercos, marchas de exércitos em que os soldados se contam às centenas de milhar. Há revoltas, traições, suplícios no país devastado pela Guerra. Um dia, na confusão da batalha, os Portugueses escapam-se. Descendo numa jangada os rios que correm para o golfo de Bengala…para Goa. (Excertos do prefácio de António José Saraiva à “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto, ed. Sá da Costa, 1961)
Fernão Mendes Pinto regressou a Portugal, pobre como um Job e apelidado de mentiroso. Voltara do Japão e de Goa em 1557. Fixara-se numa quinta no Pragal, perto de Almada e requerera uma tença como prémio dos seus serviços no Oriente. Esta foi-lhe concedida vinte e seis anos mais tarde, em carta de Janeiro de 1583, mas em 8 de Julho seguinte falecia. Quando estava apoquentado pela nostalgia do Oriente, no fim da vida, sentava-se na margem do Tejo. Esperava as caravelas com a Cruz de Cristo, de velas desfraldadas ao vento, para que as tripulações lhe transmitissem coisas do Oriente. Foi acusado de “intrujão” pela retrógrada mentalidade portuguesa da época e acossado pela censura demolidora da Santa Inquisição, mas reportou a realidade do Oriente como nenhum português até hoje na sua Obra em dois volumes “A Peregrinação”.
Os portugueses chegados ao Sudeste Asiático, não fugiram à regra da época. São humildes, ordeiros, fiéis aos Reis que servem, como soldados mercenários, fossem estes do Sião ou do Pegú (Birmânia). Lutaram homens lusos, irmãos de sangue, em campos adversos, embrenhados na poeira provocada pelas patas, as bestas de guerra, dos elefantes…Os gemidos desses portugueses, feridos na peleja, encontraram o apoio moral e espiritual do irmão, inimigo, no campo de batalha em Lampang. Passados 450 anos, da coragem dos soldados portugueses o feito, ainda se encontra na memória dos locais. A seiscentos quilómetros de Banguecoque, os canhões portugueses, estão expostos em um jardim público na cidade de Lampang, num fortim, no templo Budista, “Prakaew Dao Tao”. No museu do templo, estão duas armas ligeiras da grande peleja… O templo foi murado e no cimo foram montadas as tradicionais ameias portuguesas que foram trazidas para a Banguecoque moderna; imortalizadas no Grand Palace, na Montanha Dourada, e em outros sítios. Portugal transforma o mundo depois de 1500 como elo de ligação entre o Ocidente e o Oriente. As armas, as especiarias, a cruz e o amor são fatores importantes para a fixação do homem luso no Oriente. Assimilou-se a outras etnias com facilidade. Não abandonou os filhos que as mulheres lhe deram, casara sob os preceitos da Igreja Católica. Formara comunidades luso-descendentes, que ainda estão vivas, em Malaca e Singapura. Adaptara-se ao meio que o acolheu, amado pela magia da submissa mulher oriental. (Excertos Monumentos de Portugal na Tailândia, José Gomes Martins http://portugalnatailandia.blogspot.com/2010/06/soldadosarmasa-cruz-e-o-amor.html)
Da colonização britânica e da holandesa nasceram Estados mas da portuguesa nasceram comunidades de afeto. Praticamos o monopólio, destruindo a concorrência mas contando com fidelidades regionais que extravasavam o interesse diplomático, comercial e político da coroa. A língua portuguesa era língua franca, “portugueses” eram todos os que professassem a fé católica, amigos e aliados todos os que aceitassem um quinhão nessa comunidade. As “lusotopias” não eram da Coroa mas das comunidades que se formavam, cresciam e prosperavam, na unidade religiosa das igrejas e na entreajuda das misericórdias. Resistiram aos ventos e tempestades da história. Teimosamente, mantiveram a língua, os costumes, a memória da linhagem. Na Birmânia, no Sião, na Malásia, na Indonésia há populações que orgulhosamente afivelam o nome de Portugal. Os outros passaram. Ficámos lá, sem apoios e sem estímulo do Portugal distante, abúlico e “europeu”, que regrediu para a visão tardo-medieval dos contactos internacionais: a Bruxelas, a costa da Guiné e pouco mais. A “Ásia Portuguesa” está para além das Portas do Cerco, do bazar de Díli e dos limites de Goa. Pede-se que os decisores de Lisboa abram os olhos e tirem partido da imensa vantagem que foi, é e será se o quisermos, a grandeza em terras da Ásia. © Miguel Castelo Branco http://www.alamedadigital.com.pt/n1/portugueses_oriente.php
Em 1511, Malaca era um centro económico transbordante de riqueza.
O Sultão foi mandado para o exílio depois de Albuquerque a conquistar facilmente pois sonha já com a fundação do vasto império português na Ásia e conquista Ormuz, no estreito que liga o Indico ao Golfo Pérsico (1507) e Goa (1510). O Mar Vermelho está na posse da navegação portuguesa com o controlo marítimo em direção ao Mediterrâneo. As embarcações do Império Otomano transportando mercadoria de Malaca pelo Golfo Pérsico e Mar Vermelho, já não assustam Albuquerque. Pretende ir mais além: o senhorio absoluto do comércio da Costa do Coramandel na Baía de Bengala, Reino do Pegú, Malaca, Samatra e Sião. No pensamento do grande português, estavam outras terras no sul dos mares da China estendendo-se até ao Japão.
Albuquerque não é só um guerreiro indomável, é um diplomata, negociador inteligente que prefere tratar dos assuntos pacificamente que servir-se das armas. Não pretende conquistar países, deseja apoderar-se dos grandes pontos estratégicos de comércio onde todos vivam na melhor das harmonias. Falta, para concretizar o seu objetivo a administração do empório de Malaca.
À península malaia chegam têxteis da Índia, sedas e cerâmicas da China, cravo das Molucas, noz-moscada de Banda, papel de arroz de Samatra, cânfora do Brunei, madeira de Sândalo de Timor, pau-santo, benjoim, chifres de Rinoceronte, marfim, pérolas, carpetes, adagas, batiques de Java. Os mercadores árabes do Cairo, Meca, Adén, Ormuz e da África Oriental, chegavam carregados de armas, tapeçarias, talheres de cobre, ópio, água de rosas e incenso. Juncos chineses aportavam com seda em bruto para manufaturar vestidos brocados, drogas aromáticas, coralina e marfim. Do reino do Sião aportam, todos os anos, 30 barcos com carregamentos de laca, madeira de teca, pedras preciosas, roupas, pimenta e metais que permutam por escravos ou por mercadorias. Da Birmânia vinha arroz, produtos agrícolas, rubis, estanho e prata. De Palembanque (Samatra) escravos, ervas medicinais e produtos alimentares conservados. A presença portuguesa foi particularmente forte na região (séc. XVI e XVII). Muitas palavras birmanesas são de origem portuguesa: Lelain (Leilão); Tauliya (Toalha); Natatu (Natal); Balon (Bola, Balão); Waranta (Varanda). In Carlos Fontes http://lusotopia.no.sapo.pt/indexOP.html
Um interessante guia para a Birmânia é o Further India de Hugh Clifford (ed. White Lotus Co. Bangkok 1990).
Publicado pela primeira vez em 1904, o autor, acérrimo defensor do sistema colonial britânico, descreve de um modo isento para a época, a epopeia do desbravamento destes territórios pelos ocidentais, desde os árabes aos primeiros portugueses como Albuquerque e outros (the Filibusters). Fala dos exploradores, desconhecidos para os portugueses, António de Faria, António de Miranda, Duarte Fernandes, Ruy de Araújo, Francisco Serrano, António de Abreu, Pedro Afonso de Loroso, o conhecido Fernão Mendes Pinto, dos franceses Mouhot e Garnier a quem se atribui erradamente a descoberta dos templos de Angkor Vat, dos holandeses e dos ingleses.
O termo flibusteiros aplicado aos portugueses deve-se a serem, de todos os que exploraram o sueste asiático, os únicos que construíram fortes, impuseram a religião e comercializaram pela força.
Até à sua chegada, eram os árabes os únicos cuja influência se alastrava até ao oriente e nunca se imiscuíam na política local. O posterior sucesso dos holandeses e ingleses deveu-se ao facto de só quererem o comércio, nunca as terras nem as almas das gentes. A colonização veio depois. Essa perspetiva é nova, para os que nasceram e cresceram no mundo paroquial da epopeia quinhentista da História de Portugal de Adolfo Simões Mueller. Muitos sentem-se afrontados ao lerem opiniões sobre Vasco da Gama diferentes das que o ensino da Ditadura inculcou nos jovens portugueses.
Como acontece com a Birmânia, também a religião predominante no Sião (Tailândia) e o alfabeto servem de prova da forte influência cultural indiana durante o primeiro milénio, embora os primeiros relatos históricos só comecem no séc. X. A religião é a mesma, os alfabetos são distintos, mas de inspiração comum.
No ano de 849 foi criado um reino Thai cuja capital era Pagan (hoje Bagan). O seu santuário fica na China (Iunão), de onde se deslocam para Sul (séc. X e XII) desalojando o reino khmer para sudeste e atual Camboja. Um príncipe funda a capital em Ayuthia (1350) e ganha a supremacia no Sião. Foi um reino com elevado grau de sofisticação, como os portugueses descobriram quando se tornaram vizinhos ao conquistarem Malaca quando o Sião esteve envolvido em luta épica com os birmaneses.
Do contacto ficou a norma, que perdurou por mais de 300 anos, da corte siamesa empregar o português como idioma diplomático, para desconcerto do embaixador norte-americano que ali apresentou credenciais no séc. XIX. Sob o tema da presença portuguesa na Ásia. Jorge Morbey (ex-Presidente do Instituto Cultural de Macau) escreveu (Jan.º 2006) ao então Presidente Jorge Sampaio, longa missiva da qual se extraem excertos:
Como referiu o descendente de portugueses, Arcebispo Emérito de Mandalay (Birmânia) U Than Aung, onde a maioria do clero católico é de origem portuguesa com origem em Pegú (1600), quem nunca recebeu a mais ténue manifestação de solidariedade nada tem a esperar. Que poderão as Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente esperar de Portugal? A sua incapacidade nesta matéria tem sido uma evidência secular, filha da ignorância e do preconceito. A pequena Cristandade Crioula Lusófona de Korlai [Chaúl], na Índia, somente em 1982 seria revelada ao Mundo pelo etnólogo romeno Laurentiu Theban. A Cristandade Crioula Lusófona da Birmânia já não usa a língua crioula e perdeu os nomes e apelidos cristãos, apesar de permanecer fiel à religião católica. As Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente mantidas na ignorância dos conflitos entre Portugal e a Santa Sé lutaram anos sem fim contra as novas autoridades eclesiásticas por as considerarem estrangeiras. Clamaram sempre pelo envio de clero, de Portugal, Goa ou Macau. Em vão. A transferência de domínios entre países europeus, de Portugal católico para a Holanda protestante, constituiu o pano de fundo em que emergiram as Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente. Com a substituição da dominação portuguesa, permanecendo nas terras que as viram nascer, deportadas para outras paragens, ou forçadas à emigração, essas comunidades mestiças talharam a sua identidade própria que perdurou até aos nossos dias, assente em dois pilares principais: a religião católica e a língua crioula. A religião fora trazida de Portugal ou de Goa. Convertidos ou nascidos nela, com ela haveriam de morrer, geração após geração. A sua língua, o crioulo, era a língua portuguesa que lhe garantira o estatuto de língua franca no litoral da Ásia e da Oceânia, desde o séc. XVI até à sua substituição pelo inglês, no séc. XIX. Holandeses, ingleses, dinamarqueses e franceses não podiam prescindir de um “língoa” [intérprete] a bordo para poderem comerciar nos portos do Oriente, na língua que as Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente falavam e, muitas, ainda falam. Tratados, entre países europeus e poderes locais, foram firmados nessa língua, por ser a única a que os europeus podiam recorrer para comunicar no Oriente. Hoje, Cristão” [Kristang] e “Português” [Portugis] são sinónimos. A profanação e a destruição de igrejas e mosteiros, a expulsão dos padres, a proibição do culto católico, as deportações maciças, a redução de muitos à condição de escravos, compeliram os membros dessas cristandades à clandestinidade e à emigração: Macau, Índia, Insulíndia, Sião e Indochina. Tais irmandades permaneceram até aos nossos dias e conservam determinadas prerrogativas que limitam a autoridade dos párocos. Perdida a confiança que a Santa Sé depositara desde o séc. XV no Rei de Portugal, na sequência do corte de relações diplomáticas do Governo liberal em 1833 e a extinção das ordens religiosas por decreto de 31 de Maio de 1834, o Padroado Português do Oriente sofreu um golpe mortal, na Índia, no Ceilão, no Sudeste Asiático, na China e na Oceânia. Os missionários do Padroado não seriam substituídos. O clero secular de Goa acorreu em socorro das Cristandades Crioulas Lusófonas do Oriente que iam ficando sem religiosos. A língua crioula falava-se nas Cristandades Crioulas da Tailândia (Ayuthia/Ayutthaya) e, Banguecoque até aos anos 50 do séc. XX, onde permanecem vocábulos correntes no relacionamento familiar e nas práticas católicas. Na Indonésia, além de Java, nas Flores [Larantuka e Sikka], ilhas de Ternate, Tidore e Bali. Em Timor [Lifau e Bidau]. No Bangladesh – Chittagong e Daca – até aos anos 20 do séc. XX era muito viva a presença da língua crioula nas Cristandades locais. © Jorge Morbey http://combustoes.blogspot.com/2006/01/os-crioulos-portugueses-no-oriente.html
O homem português na Ásia nunca esqueceu a pátria. Tomemos o exemplo de Venceslau Morais, Escondia as suas misérias no exílio nipónico e tendo escrito e enviado dezenas de cartas e postais ilustrados à irmã Francisca Paúl, para Nelas (Beira Alta), nunca lhe referiu a intenção de regressar a Portugal. A memória do Cônsul de Portugal em Kobe, no longínquo Sol Nascente, ficou nos anais das relações culturais entre Portugal e o Japão. http://www.portugal-linha.pt/legado/voriente/psiao3. José Gomes Martins
Por tudo o que atrás ficou dito recorde-se o grande universalista português. No último canto de “Os Lusíadas”, Vasco da Gama, o almirante herói, é recebido pela deusa Tétis na Ilha dos Amores. Lá, naquele espaço encantado, ela lhe descortinou a Máquina do Mundo, a visão do Cosmo e dos continentes da terra recém-descoberta pelos lusos, cena que coloca o poeta português como quem por primeiro, no campo das letras europeias, percebeu os efeitos irreversíveis da globalização que então dava os seus primeiros passos.
“Vês aqui a grande máquina do Mundo,
Etérea elemental, que fabricada
Assim foi do Saber, alto e profundo,
Quem é sem princípio e mete limitada.
Quem cerca em derredor este rotundo
Globo e superfície tão limada,
É Deus: mas o que é Deus, ninguém o entende,
Que a tanto o engenho humano não se estende”
(Canto X, 80)
É então que a deusa, abrindo os braços para enfatizar a amplidão, a magnitude do reino augusto, aponta ao Gama as mais diversas regiões do mundo.
Povoam-na “gente sem lei”, a bruta multidão, “bando espesso e negro de estorninhos”, do império do Benomotapa (Zimbabué) à Taprobana (Sri-Lanka). Todos à espera da chegada da cruz, desenhada na vela principal da nau dos argonautas lusitanos. Mostra-lhe o Mar Vermelho, o Monte Sinai, a secura dura e arenosa da Arábia, o Tigre, o Eufrates, o planalto dos cavaleiros da Pérsia, o estreito de Ormuz, o Sind, a terra dos Brâmanes onde S. Tomé tentara a conversão dos gentios, o Ganges e o Indo, a terra da Birmânia, o império do Sião, Sumatra, a ponta estreita de Singapura, o Camboja e o rio Mekong no qual Camões naufragou mas salvou os versos. Em seguida, margeando com os olhos a costa da Cochinchina (o Vietname), mostrou-lhe a China e mais longe o Japão, de onde vinha a maravilhosa seda e o ouro fino. De tudo se desprendia o aroma do cravo, da noz-moscada, do licor perfumado do benjoim, do coco do mar, do incenso, da mirra e do raro âmbar, de onde se extraem fragrâncias mil. Tétis, voltando-se para o outro lado da Terra, apontou-lhe as partes recentemente conquistadas pelos castelhanos, que lançaram o seu rude colar sobre as gentes cativas do Novo Mundo. Da Terra de Santa Cruz, do litoral do Brasil, o braço lusitano já carregava o tronco vermelho, o Ibirapitanga dos nativos, para dele extrair as tintas para os panos. Re-embarcados os portugueses, partindo da Ilha dos Amores, aos adeuses no convés, velas soltas ao vento em mar tranquilo, carregados de refrescos e iguarias deliciosas, navegaram de volta à boca do Rio Tejo.
De então em diante estavam todos convencidos de que os fados da Humanidade, desde que Vasco da Gama unira o Ocidente ao Oriente, não se prendiam a um só reino, a uma só nação ou a um só hemisfério. Somente gente surda e endurecida, fechada, teimosa, não reconheceria que, escancarado para sempre o Caminho das Índias, o mundo se globalizaria cada vez mais, tornando-se algo único, entrelaçando para sempre povos e continentes num destino em comum. Ainda hoje estou rodeado dessa gente surda e empedernida.
O mesmo se passou com os Colóquios. Isto de Lusofonias e Lusotopias tem muito que se lhe diga. Falta aos Estados a visão, o amor e a dedicação que só alguns indivíduos conseguem ter pela língua e cultura de um povo. Governos e governantes estão de candeias às avessas para a defesa desses valores, tal qual a população de S. Miguel está sempre de costas para o mar, enquanto outras não vivem sem ele, como no Pico. Falarei brevemente de dois autores que lutam contra os Fados da Humanidade mostrando a globalização da língua portuguesa através da sua visão açoriana do mundo.
Vozes críticas ou arredadas dos estereótipos não abundam nem são benquistas. As elites dominantes e os poderes caciqueiros logo se insurgem. A ingratidão, vergonha e falta de patriotismo são epítetos comummente usados para denegrir os que ousam. Citam-se páginas relevantes da heroica gesta açoriana, com destaque para as guerras liberais e desventuras de emigrantes que triunfaram. Surgem editorais e recensões violentas nos jornais locais. Os caixeiros-viajantes da cultura logo se arrogam o direito de defender a açorianidade ofendida pois nela assenta exclusivamente o seu currículo. Tais declarações de repúdio raramente extrapolam os cantos do arquipélago pois falar dos Açores ainda não é moda na grande capital do Império.
Foi isto que, por mais de uma vez, aconteceu ao meu amigo escritor Cristóvão de Aguiar. Apodaram-no de tudo e mais alguma coisa, pois convém sempre ser mais papista que o papa. Em meios pequenos é consabida a tendência para apoucar aqueles que da leis do esquecimento se desembaraçaram, como diria o vate, enquanto o imperador e seu séquito distribuem viagens e mordomias. É uma questão de tempo até começarem a zurzir nos forasteiros que ousam opinar sobre o arquipélago dos Açores. Quando se perora sobre as nove ilhas, filhas de Zeus, urge não melindrar os interesses estabelecidos. As visões críticas ou não conformadas aos cânones podem acarretar sérios riscos para a saúde mental dos seus autores. Terras pequenas, invejas grandes ou a reprodução literária do mote popular “a minha festa é maior que a tua”. Para o comum dos mortais a vida prosseguiria o seu rumo, mas os Açores são uma réplica miniatural da corte lisboeta. As elites não perdoam aos que não comungam da verdade única com força de dogma que os sustenta e valida.
Cristóvão escreve com uma pluma incómoda. Reservou-se um papel de narrador que pensa, fala e escreve sem recorrer aos lugares comuns que tamanho gáudio causam na população. Não reivindica verdades absolutas ou duradouras, limita-se a (d)escrever o que sente e vê. Criaram-lhe a fama de irascível. Quantas vezes com justas e fundadas razões? Recebi “avisos amigos” para tais perigos quando o convidei a estar na Lagoa (Março 2009) para o 4º encontro açoriano. Congratulo-me que, relutantemente, Cristóvão tenha acedido. Ao longo de meses trocamos correios eletrónicos e telefonemas criando uma amizade saudavelmente aberta e crítica durante a qual aprendi imenso com a personagem que tantos cuidados incutia aos arautos e defensores da paz podre açoriana.
Cristóvão é um permanente Passageiro Em Trânsito, título do seu mais benquisto livro, sempre na rota do inconformismo. Ele é a voz que se não cala e tem o direito a tal. Chama os bois pelo nome sem se deter nas finuras das convenções do parece bem ou mal. É crítico impiedoso dos destinos que alguns queriam que fosse eterno, o da subserviência e submissão aos senhores das ilhas, descendentes diretos dos opressores da gleba. Grandes narrativas que se assemelham a uma técnica de travelling em filmagem, com grandes planos, zooms, e paragens detalhadas nos rostos e nas mentes dos atores principais das suas crónicas e outros escritos. A câmara detém-se e escalpeliza a alma daqueles que ele filma com as suas palavras aceradas como vento mata-vacas que sopra do nordeste. Cristóvão de Aguiar, já o disse, não é um autor fácil nem facilita, exige quase tanto dos seus leitores como de si mesmo, ele é o magma de que são feitas as gentes de bem destas ilhas. Tal como as palavras sentidas, gravadas fundo num granito que não existe nas ilhas mas que encontro na Relação de Bordo I. Verdade seja que ando imerso na sua escrita tateando como um recém-nascido às escuras fora do ventre materno. Ele é um escritor que se crê maldito porque outros o fizeram assim, e porque é de si mesmo um ser acossado por tudo e por todos, mas sobretudo por si mesmo. Para ele, a escrita nunca será catarse pois ela é fruto de amores incompreendidos entre si e a sua ilha… Psicanalisando as gentes e a terra que o viram nascer adotou o Pico como nova ilha mátria em 1996. Como ele diz (Relação de Bordo II pp. 199-200) Primeiro foi a ilha, nunca mais a encontramos como a havíamos deixado…trouxemos somente a imagem dela ou então foi outra Ilha que connosco carregámos…
A escrita lávica de Cristóvão fica a boiar no nosso imaginário. Ninguém consegue escrever da forma única e inimitável como só ele sabe e sente sobre os Açores. Essa a sua forma de amar e de recompensar a terra que o viu nascer…para que desate as grilhetas que a encarceram no passado e ele se desobrigue finalmente da tarefa hercúlea de carregar a ilha como um fardo ou amor não-correspondido, que nisto de ilharias há muitas paixões não correspondidas. É um lídimo representante da mundividência açoriana na escrita contemporânea e é tarefa dos Colóquios da Lusofonia torná-lo benquisto e conhecido no mundo inteiro. Com a literatura os autores açorianos iam chegar mais longe. Libertar-se. Para isso teriam de mondar mercados novos e virgens, como a selva amazónica antes dos novos bandeirantes. Se não chegassem às novas gerações açorianas, poderiam alcançar descendentes, expatriados e os que aprendem o orgulho da nação açoriana, na sua cultura, tradição e outros valores primordiais que tão arredados das escolas andam hoje. Mas os colóquios queriam levá-los a mercados e leitores insuspeitos, até à velha Cortina de Ferro onde há apetência para escritores lusófonos.
A ilha para Natália Correia é Mãe-Ilha, para Cristóvão de Aguiar, Marilha, para Daniel de Sá, Ilha-Mãe, para Vasco Pereira da Costa, Ilha Menina, para mim nem mãe, nem madrasta, nem Marília nem menina, mas Ilha-Filha, que nunca enteada. Para amar sem tocar, ver engrandecer nas dores da adolescência que são sempre partos difíceis. Toda a vida fui ilhéu, perdi sotaques Ma não malbaratei as minhas ilhas-filhas. Trago-as a reboque, colar multifacetado de vivências dos mundos e culturas distantes. Primeiro em Portugal, ilhota perdida da Europa durante o Estado Novo, seguidamente em mais um capítulo naufragado da História Trágico-marítima nas ilhas de Timor e de Bali, seguido da então (pen)ínsula de Macau (fechada da China pelas Portas do Cerco), da imensa ilha-continente denominada Austrália, e nesta ilhoa esquecida de Bragança no nordeste transmontano, antes de arribar à Atlântida Açores.
Cumes de montanhas submersas que assomam, a intervalos, aqui no meio do Grande Mar Oceano onde se mantêm gentes orgulhosas e ciosas das suas tradições e costumes, em torno da família nuclear dizimada pelo chamado progresso. Os políticos ocupados na sua sobrevivência sempre se olvidaram da presença mágica destas ilhas de reduzidas proporções e populações. Como se fosse uma espécie de triângulo das Bermudas, onde tudo o que é relevante desaparece dos telejornais. Já era assim durante o Estado Novo e pouco mudou quanto à visibilidade real destas ínsulas, apenas evocadas pelas catástrofes naturais e pelo anticiclone do bom ou mau tempo.
Falemos da literatura. Acolhemos nos Colóquios, como premissa, o conceito de açorianidade formulado por José Martins Garcia que, «por envolver domínios muito mais vastos que o da simples literatura», admite a existência de uma literatura açoriana «enquanto superstrutura emanada dum habitat, duma vivência e duma mundividência»[1].
No 4º Encontro Açoriano da Lusofonia, Cristóvão de Aguiar rejeitou o rótulo de literatura açoriana, por considerar que faz parte da produção literária lusófona. «O título (literatura açoriana) é equívoco, porque pode parecer que é uma literatura separada da literatura portuguesa», afirmou à agência Lusa o escritor. Machado Pires sugeriu em tempos “literatura de significação açoriana”. Outros preferem o termo “matriz açoriana”. Há vários tipos de autores, os açorianos nascidos e vividos no arquipélago (ausentes ou não), os emigrados, os descendentes, os insularizados ou ilhanizados e os estrangeiros que escrevem sobre os Açores. Falta destrinçar se os podemos incluir a todos nessa designação açórica. Lentamente, todos encontraram o seu espaço, não havendo míngua de quantidade, mas, frequentemente sem projeção fora das ilhas, com exceções contemporâneas como as de João de Melo, Cristóvão de Aguiar, Daniel de Sá, Vasco Pereira da Costa e Dias de Melo, para citar alguns.
Quedemo-nos, doravante, na perspicaz apreciação que faz Cristóvão de Aguiar da obra, intitulada Nas Escadas do Império de Vasco Pereira da Costa, autor que hoje é aqui homenageado:
“Não é por acaso que Vasco Pereira da Costa, poeta de mérito, mas ainda no silêncio da gaveta, se apresenta no mundo das letras sobraçando uma coletânea de contos. Numa terra onde quase todos sacrificam às (as) musas e se tornou quase regra a estreia com um livrinho de poemas, a atitude (ou opção) do autor de Nas Escadas do Império não deixa de ser de certo modo corajosa como corajosos são os contos que este livro integra. Não fora o receio de escorregar na casca do lugar-comum, e eu diria que esta mancheia de contos vivos, arrancados com mãos hábeis e um sentido linguístico apuradíssimo ao ventre úbere, mas ainda mal conhecido, da sua terra de origem, vem agitar as águas paradas, onde se situa o panorama nebuloso e um tanto equívoco da literatura de expressão açoriana. O conto que abre esta coletânea, Faia da Terra, é bem a prova do telurismo, no sentido torguiano do termo, de que o jovem escritor (Angra do Heroísmo, Junho de 1948) está imbuído, sem cair no pitoresco regionalista, tão do agrado de muitos escritores açorianos. Não resta a mínima dúvida de que o Gibicas, A Fuga e outras peças de antologia que aqui figuram vêm contribuir para o enriquecimento do conto português de especificidade e caraterística açoriana. Contudo, Vasco Pereira da Costa corre o risco (e ele mais do que ninguém disso está consciente) de vir a ser queimado nas labaredas inquisitoriais de certos meios ideológico-literários açorianos que têm tentado, oportunisticamente, mas sem raízes verdadeiras, edificar […] uma literatura açoriana em oposição à Literatura Portuguesa. Nas Escadas do Império, quer queiram ou não os arautos da mediocracia, vem dizer-nos exatamente o contrário.”
Com efeito, não podia deixar de ser mais justo o juízo de valor supracitado.
Por vezes, é a loucura insular que faz a sua aparição em cena, na figura do poeta Vicente, “um Côrte-Real impotente, tacanho e degenerescente” (1978: 71), o qual, volvido esse tempo em “que escrevia coisas tão lindas, de tanto sentimento”, tem o despautério de acumular guarda-chuvas na falsa e de publicar no jornal da Ilha desairosos alinhavos poéticos: “Prometeu / Prometeu / Não cumpriu / A promessa / Homessa!//” (“A Fuga”, 1978: 74).
“Ah, meus senhores, mas isto aqui não é a Itália. É a mui nobre leal e sempre constante cidade de Angra do Heroísmo, ao tempo em que o Autor nela carregava a sua adolescência de amores, temores e rancores. Como podem observar, uma cidade espartilhada entre mar e mar, com dois castelos a estrangulá-la; com suas casas, nobres por fora e burguesíssimas por dentro; praças com estátuas e engraxadores; lojas sonolentas, comerciantes lentos e clientes ensonados; automobilistas imprevidentes nos seus vinte à hora, que quase atropelam a distração dos peões; um governador civil e três governadores militares; cinquenta e sete prostitutas; dezanove bombeiros voluntários que voluntariamente vão de borla ao cinema; vinte e cinco meninas que namoram à janela e, estatísticas de ontem, catorze desfloradas nos saguões; um bispo, dois monsenhores, sete cónegos na sua Catedral; três parvos oficiais, que fornecem o riso oficial e obrigatório nos dias úteis e inúteis; um Presidente para a sua Câmara, com o seu secretário e um contínuo – que, por ser funcionário público, não está incluído no número dos três parvos oficiais que o quadro comporta. Esta cidade tem trinta e quatro velhas de lenço e três senhoras idosas de chapéu; quarenta e sete bêbados e oito senhores que andam às vezes alegrinhos; cento e vinte e nove rapazes, cento e trinta e duas raparigas, vinte e dois meninos e trinta e uma meninas; o número de naiões – invertidos encartados e Sócios de Mérito da Corporação das Criadas de Servir – é de setenta e sete, mas nunca foi feito o recenseamento dos homens com pitafe; quarenta e três professores do Liceu, dos quais vinte são professores do Seminário Maior, onde há quinhentos e setenta e oito seminaristas menores, dos quais oitenta e nove vírgula seis por cento oriundos da cristianíssima ilha de São Miguel o Arcanjo e do Senhor Santo Cristo dos Milagres e ainda de outros Senhores, que se passeiam no Jardim Duque da Terceira, todas as quintas, entre as duas horas e sete minutos e as quatro horas e quarenta e oito da tarde, em bandos de estorninhos; quinze chauferes, um cauteleiro, sessenta e nove caloteiros identificados com o indicador da mão direita, noventa e seis donas-de-casa e igual número de maridos operacionais; quarenta e sete viúvas praticantes, vinte e seis viúvas protestantes e oito viúvas de fresco ainda indecisas; sessenta e oito cavalheiros são simultaneamente irmãos devotos da Confraria de Nossa Senhora do Monte Carmelo, da Irmandade do Senhor dos Passos e da Ordem Terceira de São Francisco; quatro agiotas dissimulados, que vestem de preto e usam chapéu, e que se sentam, para o negócio, na terceira banqueta do Pátio da Alfândega; cinquenta agentes da Polícia de Segurança Pública, dos quais três são da Secreta e, por isso, para não serem conhecidos, trajam à paisana: o Cebola, o Tombado e o Zarolho; dois vendedores de milho torrado, pevides e caramelos sugardady; duzentas e nove beatas de novena, quarenta e oito de terço e mantilha, vinte devotas de enfeitar capelas, dezassete de sacristia, catorze irmãs de padre e meia dúzia de sobrinhas; um batalhão de soldados do Castelo, que aparecem à boquinha da noite triste, arrastando as botas tristes pelo empedrado tristonho; três namoradas de aspirantes, que fazem todas as recrutas; uma média de um vírgula oito por mil de americanos da United States Air Force Azores Pochugal por dia, facilmente reconhecíveis pelo tamanho dos pés e por uma garrafa de Matiós Rossé dançando na mão direita; quarenta e três indivíduos usam gravata verde porque são adeptos do Lusitânia e trinta e nove põem gravata vermelha porque são sócios do Angrense, havendo que mencionar ainda dois laços – um poeta e um boticário. A cidade tem dezoito tabernas, seis cafés e duas pastelarias.
Vamos agora mudar o cenário…”
A mãe disse não mais
não mais eu não mais tu filha
não mais nomes na pedra do cais
não mais o cortinado da ilha
não mais Rosa sejas Rose agora
não mais névoas roxos ais
não mais a sorte caipora
não mais a ilha não mais
Porém Rose o não mais não quis
e quis ver a ilha do não mais
o cortinado roxo infeliz
os nomes na pedra dos cais
Pegou em si e foi-se embora.
Não mais Rose. Rosa outra vez agora. (My Californian Friends, 1999: 25).
Não estaremos perante a mais pura açorianidade na literatura?
chrys chrystello lomba da maia, açores, agosto 2010
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[1] http://lusofonia.com.sapo.pt/acores/acorianidade_pavao_1988.htm#_ftn11#_ftn11
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OntheoccasionoftheWorldOceansDaywepublishourolderdocumentaryfilmAzoresunderwaterwithexcellentmusicbyVarhanOrchestrovič.
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PENSAMENTO DE ERNESTO MELO ANTUNES
documentos relevantes | Lugar | Data |
Declaração de Ponta Delgada | Ponta Delgada – Açores | 21 /01/1969 |
Arquivo Ernesto Melo Antunes
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Este é um novo programa sobre a história dos Açores que dediquei ao Trilho Liberal nos Açores que aqui trouxe D. Pedro IV, primeiro Imperador do Brasil. http://www.youtube.com/watch?v=Y7CmkuoIILI&feature=player_embedded
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Numa aldeia chamada Castelo Branco viveu um professor dedicado, que escrevia ensaios rigorosos sobre a origem da linguagem nos seres humanos, a sua evolução geográfica e temporal nas diferentes ramificações regionais. Estudava há mais de 15 anos, vários manuscritos sobre a ligação entre a linguagem do planalto mirandês e a do antigo leonês do outro lado do rio Douro, quando numa tarde de Verão, por entre alguns manuscritos amarelados viu um minúsculo grilo branco passear-se entre as iluminuras. Aproximou a vista do recanto da folha onde o insecto se movia com pertinácia e ficou muito tempo a contemplar os seus movimentos graciosos e a sua armadura de quitina. Pegou numa lupa e ficou atento à cadência das antenas e dos apêndices quase até ao fascínio, depois nas patas e peças bucais da mesma cor e graciosidade. Quando a luz do dia desceu a partir da janela, levantou os olhos para fora da sala e acendeu o candeeiro, quando olhou de novo para a secretária, o pequeno grilo tinha desaparecido por entre os outros papéis espalhados na mesa de trabalho.
A recordação de ternura por cada movimento do grilo, que caminhava indiferente e cândido aos registos ou à literatura entre os pesados volumes da história da língua, fê-lo regressar ao início das coisas, à persistência da memória, ao compasso assimétrico entre manter uma família e um espaço suficiente para uma descendência imaginária e a escolha solitária das ciências exactas e da escrita, numa reverência à história antiga.
A sua casa era um jazigo do tamanho de um solar com 365 portas e janelas, mandado construir pelo avô, para harmonizar o trabalho do campo com a vida dos filhos e as estações do ano, que agora estava vazia de gente e forrada de livros para o isolar da passagem do tempo. Conhecia a grafia e a fonética de todos os alfabetos usados na Europa ocidental, para além do Árabe clássico e mesmo alguns dialectos africanos das colónias portuguesas. As suas viagens antes do isolamento não foram apenas uma perda irremediável de tempo ou de energia e trouxe consigo o peso de muitas vidas que tentava reproduzir contra os seus olhos cansados e as mãos trementes.
Já o sol tinha descido abaixo do nível da janela quando começou a desenhar o grilo branco de memória e a seguir pegou ao acaso numa das folhas dos manuscritos, dobrou-a várias vezes até obter a figura aproximada de um grilo preenchido com letras de imprensa. Depois passou à sala onde mantinha a colecção de artrópodes em pequenas caixas de vidro e retirou com cuidado a pilha de livros que ocupava o vão da pequena janela, que o avô só usava nos anos bissextos e ficou de livros nos braços a olhar os campos de trigo e as papoilas complementares na mancha verde do ocaso. Pousou os livros e abriu a janela com esforço e sentiu o vento fresco de Abril na face cansada e deixou a folha de papel em forma de grilo no parapeito, para que fosse levada pela aragem da tarde. Quando voltou às borboletas, escaravelhos, coleópteros, aracnídeos e grilos pretos fixos com alfinetes, perdeu o sentido de utilidade nos dias passados a seleccionar, catalogar e conservar os animais para o arquivo encerrado naquela sala sem vida.
Quando desceu as escadas a custo encontrou o caseiro à entrada com o chapéu torcido nas mãos e o rosto contraído, com o susto de ver a janela abrir-se num ano regular e o receio do patrão estar contrafeito com alguma coisa.
Depois dessa tarde, o Homem, deixou de subir aos andares de cima, escolheu um dos quartos mais soalheiros no rés-do-chão, reabriu o salão de jantar e dedicou-se a ver passar o tempo no alpendre das traseiras e a apreciar o a azáfama da mulher e dos filhos do caseiro na horta ou das carroças dos aldeões no lado da estrada.
Muitos anos depois da sua morte, um estudioso das bibliotecas e arquivos perdidos que vivia em França, farejou o rasto desse homem através de uma conversa ocasional escutada num bar de emigrantes portugueses, que descreviam essa casa com 365 portas e janelas, entulhada de livros e bugigangas até ao tecto. Esse professor e coleccionador exótico de livros antigos estava dado como perdido para os estudiosos na matéria, assim como toda a sua colecção, porque as referência apontavam para um território difuso entre Castela-Leão, Trás-os-Montes e as Beiras.
Com o orçamento de um projecto de estudo para reencontrar a colecção, o estudioso decidiu embarcar no Sud-Express até ao local assinalado no mapa com o nome da terra escutado aos emigrantes, Castelo Branco. Quando chegou a Salamanca, depois de três dias de viagem nas liteiras entabulou conversa com um Engenheiro Civil português que regressava de um mês de férias em Paris e vinha maravilhado com a paisagem humana parisiense. Contou-lhe, ainda surpreendido, a entrevista com uma empregada de uma perfumaria com quem tinha passeado no Sena e o tinha demovido de ir à Ópera ver as Valquírias de Wagner, por ser uma peça muito longa e pesada, para um português acabado de chegar à cidade incandescente.
Quando se aproximavam do entroncamento de Fuentes de San Esteban, o Engenheiro anunciou que ira sair e apanhar a ligação para Trás-os-Montes e o francês despediu-se dele com alguma pena por não poder prolongar a conversa, contou-lhe o motivo da viagem e o entusiasmo em estar tão próximo de encontrar a biblioteca de 365 portas e janelas. Nessa altura os olhos do Engenheiro brilharam e com uma pancada forte nas costas, disse-lhe que saísse já ali porque a casa ficava numa aldeia perto da fronteira e não na cidade da Beira Baixa.
O francês ficou atrapalhado mas confiou na palavra e nas informações adicionais que o Engenheiro avançava sobre a casa cheia de livros e abandonada há vários anos, enquanto arrumava as malas e a roupa de viagem sob a excitação do outro. Era uma tarde fria de Junho que os esperava, quando ajudados pelos carregadores, entraram na carruagem de 1ª classe do comboio a vapor que seguiria até à linha do Douro.
Depois de la Fregeneda, na zona dos precipícios, túneis extensos e pontes metálicas sobre o rio Águeda ao fundo, o francês começou a fartar-se das explicações matemáticas sobre a engenharia ferroviária e a recear pela segurança com as oscilações da pesada máquina a vapor sobre as passagens estreitas nas veredas. Depois da Barca d’Alva o comboio seguiu mais a direito e rente ao rio e aquele susto inicial deu lugar a um certo apaziguamento pela presença sideral da paisagem. Trocaram para uma automotora de via estreita na estação do Pocinho e deixaram o Douro para trás numa subida lenta e íngreme até ao planalto. Nessa altura o francês já tinha aceite o convite para pernoitar na casa do engenheiro em Carviçais e seguir no carro dele até Castelo Branco no dia seguinte.
Foi uma noite longa, depois do jantar com os pais do Engenheiro no serão à lareira, o estudioso francês teve de satisfazer a curiosidade do pai e do filho que traduzia as inquietações do velho pelos maus exemplos que chegavam de França. A casa ficava mesmo ao lado da igreja pesada de granito e durante a noite teve dificuldade em adaptar-se ao o toque do relógio da igreja de 15 em 15 minutos. Na manhã seguinte acordou com o som das carroças e das ferraduras dos animais na calçada, levantou-se para tomar o pequeno almoço e não escondeu o espanto pela mesa com pratos cheios de batatas, feijão, carne de porco, couves, pão e vinho tinto.
Arrancaram de barriga cheia, depois de uma pequena visita obrigatória pela aldeia e no resto do caminho o Engenheiro insistia em explicar os nomes e a história das aldeias por onde passavam. Cruzaram-se com o comboio na estação de Freixo de Espada-à-Cinta e com muitas pessoas que caminhavam descalças ou montadas nos burros pela estrada nessa manhã e ficaram na memória do francês.
Viajavam devagar devido às curvas e à largura do caminho esburacado e por vezes o Engenheiro contava episódios da viagem a Paris e de como os achava muito cultos. Confessou que deixou os museus para quando estivesse reformado e queixou-se apenas dos empregados de balcão que exigiam sempre gorjeta e das prostitutas que só se despiam depois do dinheiro na mão.
Quando passaram a placa com o nome da aldeia o francês começou a olhar em todas as direcções para encontrar o solar, mas uma carroça carregada de nabos que seguia à frente do carro impedia-os de ultrapassar. Nos breves minutos de impaciência, o estudioso francês ficou para sempre a lembra-se do olhar silencioso da mulher de negro sentada na carga, de frente para eles, com a cabeça coberta e o nariz disfarçado entre as rugas da cara escura, que extinguiam a voz esganiçada do Engenheiro e o atingiam num estremecimento que subia aos olhos. Depois a carroça cortou por um caminho à direita e desapareceu por trás de casas ou palheiros onde havia roupa estendida à porta.
Quando o solar apareceu debruçado sobre a estrada os pensamentos do francês já estavam tão perturbados pelo cansaço da viagem e a ruína do país, que só reparou no casarão a contraluz pela cotovelada do Engenheiro. Estava abandonado, com uma parte do telhado caída mas uma fogueira próxima denunciava uma certa actividade.
Quando saíram do carro em direcção ao portão, o relógio da aldeia dava o sinal do meio-dia e à volta da fogueira um homem preparava o almoço e protegia a cara das labaredas amarelas, azuis e esverdeadas, naquele dia de Primavera. Havia outros que transportavam cimento e tijolos para dentro da casa e o francês pediu ao engenheiro para lhes perguntar pelo dono da casa, enquanto reparava que as portas e as janelas escuras eram como órbitas de uma casa vazia. Depois encaminhou-se até à caixa de onde os trabalhadores tiravam gravetos para atiçar as chamas e começou a tropeçar em restos de livros espalhados pelo chão, com as páginas rasgadas e dissolvidas na lama. Desesperado pelos risos alarves dos homens numa língua que não compreendia, confirmou que estavam a alimentar a fogueira com livros inteiros que se consumiam em chamas de várias cores e crepitavam em línguas mortas e discursos ininteligíveis de pânico ou libertação.
Atirou as mãos à cabeça e afastou-se da casa ao longo do muro a disparar nomes estrangeiros e frases incompletas até chegar ao início de um bosque fechado. Sem querer entrar na sombra voltou a olhar o casarão iluminado pelo sol forte do meio-dia e sentou-se na erva do terreno, com os joelhos encostados ao peito e rodeado pelo crepitar de grilos brancos que saiam das tocas e andavam de cá para lá, como se há muito não escutassem a vocalização característica da angústia num homem encurvado.
Nota do editor:foto retirada da net
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O SUL, A Fajã de Pedro Velho.
Em tempos recuados o lugar que hoje conhecemos como Sul denominava-se Fajã Pedro Velho, por ser esse o nome do dono de aquele lugar. Pedro Velho era descendente de um sobrinho de Gonçalo Velho Cabral. Mais precisamente era neto de Nuno Velho Cabral Travassos e Melo (nasc. 1451), filho de Violante Velho Cabral irmã de Gonçalo Velho. Nuno Velho veio ainda criança para Santa Maria acompanhando o seu tio materno Gonçalo Velho.
Do segundo casamento de Nuno Velho com África Anes nasceu Duarte Nunes Velho – pai de Pedro Velho que viria a dar o seu nome à fajã que hoje conhecemos como o Sul.
Pedro Velho no seu testamento feito a 10 de Julho de 1587 ordena ser enterrado na igreja matriz na capela do Bom Jesus edificada pelo seu pai e vincula a terça dos seus bens em beneficio da sua alma nomeando administrador do vinculo o seu filho padre José Pimentel Velho. Este filho foi ouvidor eclesiástico em Santa Maria.
A primitiva ermida de Nossa Senhora da Piedade na Malbusca foi por ele mandada edificar na propriedade que herdara de seu pai. Apesar desta ermida já não existir o local da antiga edificação está assinalado com uma cruz de pedra.
O Padre José Pimentel Velho fez testamento a 6 de Maio de 1594 e mais tarde a 7 de Março de 1630 doou os seus bens a Bárbara Velho, casada com Estêvão Dias de Bulhões, “doou também uma escrava Ana, e Maria sua mãe, e Cosme, escravo baço, recomendando que não os vendam e os tratem bem.”
Um neto de Bárbara Velho, Padre Bartolomeu de Bulhões por escritura de 18 de Janeiro de 1674, viria a ser o proprietário das terras doadas pelo Padre José Pimentel Velho à sua avó, que incluíam a Malbusca, Sul, Zimbral e casas sobradadas na rua Direita de Vila do Porto (actual Rua Frei Gonçalo Velho).
Bartolomeu de Bulhões mandou edificar a ermida de Nossa Senhora da Boa Morte na Fajã Pedro Velho. Em 1886 essa ermida seria construída no lugar do Panasco porque a primitiva, demasiado próxima do mar, fora destruída por um temporal.