Como é mergulhar com jamantas? É “coisa do divino e das melhores experiências que levamos desta terra dos vivos”, ouvimos dizer ainda antes de vivermos esta experiência única, desejada por tantos mas que poucos conseguem realizar. Se dúvidas existirem, imagine-se a esvoaçar no profundo azul açoriano com 50 jamantas ao mesmo tempo. O que pode parecer um sonho líquido de uma imaginação vasta é uma concretização real para todos os mergulhadores que tenham a certificação Open Water. Mas comecemos pelo início, onde nasce a promessa do postal idílico. A cada ano, são muitos o que aterram em Santa Maria para, a partir da marina da Vila do Porto, iniciarem uma das experiências mais fascinantes que provavelmente vão viver na vida. Santa Maria é a ilha mais meridional do arquipélago açoriano, a que mais horas de Sol oferece por ano. A bênção deve-se à proximidade da ribeira do Golfo e ao seu perfil, que por ser mais baixo, toma-a na única ilha do arquipélago com menos humidade e por isso, com um clima mais parecido com o mediterrânico. A também apelidada de ilha amarela foi a primeira ilha açoriana a formar-se, há mais de oito milhões de anos, como também a primeira a ser descoberta e povoada nos Açores. Com pouco menos de seis mil habitantes, e apenas a oitenta quilómetros de São Miguel, é da sua capital, a Vila do Porto, que nos meses mais quentes do ano partem barcos à descoberta do famoso salão de baile da ilha.
O facto de estar entre dois continentes faz das águas de Santa Maria um ponto crucial para muitas espécies que todos os anos incorrem em migrações atlânticas e na Baixa do Ambrósio. jamantas esvoaçantes encontram condições perfeitas para acasalarem, alimentarem-se e crescerem e deslumbrarem os mergulhadores que visitam esta ilha.
A presença destes mágicos animais em todo o arquipélago teve o seu primeiro registo no século XVIII, mas só em 2013, através da recolha de fotos de cidadãos cientistas, foi possível confirmar, pela primeira vez, que ocorrem três espécies diferentes de Mobulídeos nos Açores: a Jamanta Chilena (Mobula Tarapacana), a Manta Oceânica (Mobula Birostris) e a Jamanta Gigante (Mobula Mobular), sendo estas duas avistadas em menor quantidade.
“Dançar com Mobulas”. É assim que a Wahoo Diving, a empresa de mergulho com sede em Vila do Porto, conquista quem a escolhe para experienciar este mergulho. A experiência de “dançar com jamantas” arrebata, sem dúvida, qualquer mergulhador apaixonado pela vida oceânica. Mas o facto de se diferenciar na eficiência de uma reserva online é também atractivo para todos os mergulhadores de garrafa. Simplesmente porque escolher uma empresa a quem confiamos a segurança da experiência pode originar algumas borboletas na barriga. Diria que o entusiasmo parecido com o de uma criança em espera numa manhã de Natal mistura-se à sensação de receio, porque não é uma actividade, por norma, experienciada nos meses de Inverno. Sem treino e sem viagens a caminho de dois anos de covid 19, o impacto da primeira impressão é por isso fulcral sempre que se contacta uma empresa de mergulho, já que é sempre um desafio confiar no operador que desconhecemos. A Wahoo Diving é orquestrada por Steffen Errath, nascido há 38 anos, em Friburgo, na Brisgóvia alemã. O experiente mergulhador alemão escolheu Santa Maria como sua morada permanente de Março a Novembro, e é aí que todos os anos guia, com grande paixão e responsabilidade, os amantes dos mergulhos com jamantas. No seu português em constante construção sublinha logo que é “o primeiro centro de mergulho que se estabeleceu em Santa Maria”: “A nossa experiência de mergulho posiciona-se bem longe de um turismo de massas”, garante. Facto que pude comprovar quando, a caminho da Baixa do Ambrósio, comparei a quantidade de mergulhadores dos diferentes barcos. O Ambrósio tem regras específicas e a cada empresa é dada um “slot” de tempo diário de uma hora e meia, onde pode ir apenas um barco de cada vez e com o máximo de dez pessoas. A Wahoo Diving leva apenas oito mergulhadores de cada vez, para dar a garantia de que todos conseguem ver bem as jamantas. O que pode acontecer porque se não for um mergulhador experiente não pode abandonar o cabo que assegura a descida. E não, não se queira imaginar pendurado no cabo do mergulho, com muitos mergulhadores por baixo, que lhe tirarão toda a visibilidade com as bolhas de respiração. Steffen começou a mergulhar aos 14 anos em lagos alemães e, com larga experiência nos vários oceanos do mundo, comprou a empresa pioneira ao antigo fundador e no final de 2014 investiu, comprando mais um barco (há outros mergulhos a descobrir além do da Baixa do Ambrósio) e, formando uma equipa, tem hoje ao serviço dez guias experientes para scuba dive e free dive, usando os termos em inglês, a língua utilizada na experiência da Wahoo. A morada é magistral e, nas palavras de Steffen, “a pouco mais de meia hora de barco do porto de Santa Maria está agregado num dos dois únicos lugares do mundo [o outro é o Princesa Alice mais perto das ilhas do Faial e Pico] um grupo de jamantas chilenas, que se concentram ali todos os anos, entre Junho e Outubro.” É por ser tão perto da costa que a Baixa do Ambrósio é considerada tão especial, o que já não acontece no Princesa Alice. “A regra de ouro é não perturbar os animais” acrescenta Steffen, deixando bem claro nas indicações que antecedem o mergulho que, se tocarmos nas jamantas, não só regressamos ao barco imediatamente como não mergulhamos mais com a Wahoo Diving. Regras firmes, bem aclamadas por quem ama e respeita as maravilhas dos oceanos – por duas vezes vi Steffen a desviar-se da sua rota para apanhar plástico flutuante – e que fazem desta empresa, também por isso, uma das mais pontuadas e recomendadas virtualmente. Partir para um mergulho é sempre entusiasmante porque nunca é garantida a quantidade de animais que poderão ser avistados. Num mau dia podemos ver apenas uma, duas jamantas, ou raramente nenhuma, mas um verdadeiro jackpot será avistar 50 todas juntas. Por isso, a recomendação é que, quando agendar a sua viagem de mergulho, faça pelo menos seis mergulhos em três dias diferentes (são sempre dois ou três por dia) e guarde mais uns dias, não vá o clima açoriano reservar alguma surpresa e os barcos não conseguirem sair do porto. Acordamos na Vigia da Areia, numa das moradas mais deslumbrantes da ilha, na Baía de São Lourenço, e o encontro acontece a vinte minutos de carro, na marina de Vila do Porto. Cada mergulhador monta o seu equipamento (sempre com vistoria da equipa da Wahoo) e partimos para uma viagem de 35 minutos ao longo da costa. Todos equipados e prontos a pôr o bocal que nos ligará à pulsação da vida. E a realizar um dos sonhos de muitos mergulhadores (e meu), o mergulho com as jamantas. Somos seis mergulhadores de diferentes nacionalidades no barco, sendo eu a única portuguesa a bordo. Sentados no semirrígido frente a frente em números pares, vamos saindo um a um, mergulhando de costas, rodando o dorso em direção ao mar. Porque nesta prática desportiva aquática é sempre preciso mergulhar em dupla, o meu buddy de segurança é o Steffen. Os deuses dão tudo quando os mergulhos são feitos sem corrente, o que permite aos guias e mergulhadores mais experientes afastarem-se um pouco do cabo da embarcação. Usa-do não apenas para descermos, serve também como referência visual no “deep blue”, onde facilmente podemos perder o sentido de direcção. A descida é feita lentamente e a profundidade média para encontrar as jamantas costuma ser entre os 12 e os 20 metros. A visibilidade média é de 20 a 40 metros, e em dias muito bons, uns 60. Nos 14 metros de profundidade e de mãos sobrepostas uma na outra – um mergulhador experiente nunca esbraceja – esperamos com humildade a chegada dos seres esvoaçantes. No azul difuso e esfumado, aparecem timidamente, uma, depois outra, seguindo-se várias em fila indiana. Esvoaçam ordenadas e em grupo e rapidamente concluímos, pela magia com que se aproximam, que são ainda mais curiosas do que nós. Nenhum dicionário terá adjectivos suficientes para descrever a experiência sublime quando as vemos pela primeira vez. Muitos mergulhadores têm lágrimas de emoção quando regressam ao barco. Esta será sempre uma experiência quase impossível de partilhar por palavras, porque a dança vive-se também em uníssono interior. É uma experiência terrena, mas toca-se de perto algo etéreo e mágico, que não é daqui. Sem dar conta dos minutos, passa-mos a fazer parte de uma dança esvoaçante, onde as jamantas passam por cima e por baixo dos corpos extasiados, a escassa distância. O cuidado é rigoroso, para nos afastarmos e não tocarmos nestes seres magistrais, que colocam em grande humildade todos os que as vêm pela primeira vez. A deslumbrante agregação previsível nos montes submarinos (montanhas que se elevam do fundo do oceano, sem atingir a superfície) faz da Baixa do Ambrósio uma morada aquática única. Não apenas para as condições excepcionais de observação destes animais, mas também para complementar o estudo da espécie. Estudo esse que todos os anos cresce com a contribuição de fotografias e vídeos de quem lá mergulha – e numa amena temperatura que pode rondar os 24ºC. A jamanta chilena é a que aparece em maior quantidade e distingue-se pela cor dourada, variando entre o verde azeitona e o amarelo torrado. Podendo atingir até 3,4 metros de comprimento de ponta a ponta das asas, pode pesar cerca de 400 kg. É a única que tem o padrão ventral e uma cauda fina e comprida. Encontrando-se entre os mergulhadores mais profundos do oceano, as jamantas podem atingir cerca de 2000 metros de profundidade e superam temperaturas de 40ºC graças ao sistema de irrigação no cérebro, que lhes permite mantê-lo activo quando estão a maior profundidade. O tempo que passam mais perto da superfície serve para recuperar a temperatura, actividade que todos os apaixonados por jamantas agradecem. Embaixadoras do Ambrósio de Santa Maria, a ecologia das jamantas permanece um mistério. E se hoje são ponto de atracção para fazer fervilhar o turismo de uma ilha inteira, custa a acreditar que eram temidas pelos humanos há cerca de cem anos. Confundidas com manchas no mar e com olhos laterais, as carismáticas e inofensivas jamantas são, infelizmente, ainda pescadas pelas guelras e fazem parte de muita sopa. Também por isso as populações diminuíram 80 a 90% em alguns locais do mundo. Em Portugal, felizmente, são um íman turístico e atraem pessoas de todo o planeta.