Categoria: Historia religião teologia filosofia

  • Cálice litúrgico do século XVI desaparece em Santa Maria – Observador

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    Cálice de prata em banho de ouro deve “valer à volta de 5/6 mil euros” e foi dado como desaparecido durante os preparativos para a festa anual em Vila do Porto, nos Açores, disse o padre da paróquia.

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  • A Mitra, o armazém onde o Estado Novo escondeu 20 mil mal-amados portugueses

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    Ficava na Marvila, junto ao Poço do Bispo, e era o destino de milhares de pedintes, prostitutas, dementes e deficientes motores no tempo do Estado Novo. O que hoje não passa de um termo usado como insulto, com a mesma intenção de quem chama pobre, “penetra”, marginal ou “guna”, “Mitra” era antigamente o espaço dos mal-amados dos armazéns de uma antiga fábrica de cortiça. A origem do espaço remonta a 1566, quando a Quinta da Mitra foi aforada perpetuamente ao Morgado do Esporão. No início do século XVII, parte da propriedade regressou à Mitra, passando a ser usada como quinta

    Source: A Mitra, o armazém onde o Estado Novo escondeu 20 mil mal-amados portugueses

  • O PERFECIONISMO CRIADOR DE ANGÚSTIA E INSATISFAÇÃO + EUROPA NA ENCRUZILHADA ENERGÉTICA

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    O PERFECIONISMO CRIADOR DE ANGÚSTIA E INSATISFAÇÃO

     

    Um Exame de Consciência para Elites-Governantes e Povo

     

    A sociedade ocidental, doente do progresso, trocou a alma pela máquina, a virtude pelo algoritmo, e a transcendência pelo like. O resultado à vista é uma epidemia de vazios e cada vez mais doenças na sociedade ocidental de maneira a poder-se falar de um sistema que adoece o corpo e a mente dos cidadãos…

    A tradição clássica e cristã entendia a perfeição como uma harmonia entre corpo e alma, uma busca ética que elevava o indivíduo e a comunidade. O ser humano era visto como um microcosmo, a ponte entre o finito e o infinito, não como peça substituível num sistema mecanicista e tecnocrático.

    Hoje, o perfeccionismo não é virtude, é exigência de funcionalidade. O psicólogo Thomas Curran revela que as tendências perfeccionistas aumentaram 60% desde 1990, não por aspiração interior, mas por pressão social. A sociedade não quer seres humanos completos, quer operários optimizados.

    Abandonamos os sábios para fabricar técnicos. Renunciamos à felicidade em troca do gozo, o breve prazer do atrito entre engrenagens…

    A Alemanha, símbolo da eficiência europeia, enfrenta uma crise de saúde mental: os custos com terapia psicológica disparam, enquanto outros tratamentos médicos são negligenciados. O Ocidente trata sintomas, não causas, porque não ousa questionar o estilo de vida que os produz.

    Factos brutais: 1 em cada 4 europeus sofre de perturbações mentais (OMS) e a depressão será a principal causa de incapacidade até 2030.

    Os jovens são os mais afetados: 40% da Geração Z relata ansiedade crónica como constata a American Psychological Association…

    O neoliberalismo e o socialismo materialista uniram-se para esvaziar o transcendente. Como resultado surgiu uma cultura do egoísmo consagrado: tínhamos antes a devoção a valores superiores (Deus, virtude, comunidade); temos agora a auto-obsessão de cada um se torna na melhor versão de si mesmo, ao serviço do sistema….

    O saber e o poder concentram-se nas mãos de poucos: bancos, tecnocratas, gigantes digitais. Esta elite não quer cidadãos, quer consumidores obedientes.

    A religião era um freio ético ao poder. Agora o poder encontra-se sem quem o controle e o mercado é quem mais ordena e dita a moral…

    Se queremos sobreviver como civilização, precisamos de: rejeitar o perfeccionismo tóxico (que exige perfeição, mas nega a profundidade); de restaurar o diálogo entre corpo e alma (a ciência sem espiritualidade é mutilada e mutila sem dor pelas populações); de desafiar a tirania do mercado sobre a consciência pois o humano não é um recurso…

    A alta finança encontra-se em luta contra a baixa finança e contra as empresas locais que sistematicamente destroem. As cúpulas ideológicas e económicas querem ditar sozinhas a vontade das pessoas e o futuro dos povos. Disto não se fala porque são os factores que se encontram por trás dos diferentes regimes como a história nos tem ensinado!…

    A Europa está em falência cultural porque trocaram Deus pelo PIB, a alma por algoritmos, e a comunidade por solidão digital. Se não reagirmos, seremos escravos de um sistema que nos odeia…

    António da Cunha Duarte Justo

    Texto completo em Pegadas do Tempo: https://antonio-justo.eu/?p=10189

     

    EUROPA NA ENCRUZILHADA ENERGÉTICA

     

    A verdadeira Luta não é entre Ocidente e Oriente, mas entre Oligarcas e Povos

     

    A recente decisão da União Europeia de importar petróleo e gás obtidos através de fracturação hidráulica dos Estados Unidos, que corresponde a uma prática amplamente criticada pelos seus impactos ambientais, coloca em evidência uma contradição gritante. Se, por um lado, Bruxelas proclama a urgência da transição ecológica, por outro, cede à pressão económica e geopolítica, comprando energia que descredibiliza os seus próprios princípios. Será este um erro tático para evitar uma guerra alfandegária com os EUA? Ou um sinal de que a política energética europeia está refém de ideologias e incoerências? …

     

    O caso da Alemanha é paradigmático: ao abandonar a energia nuclear e, em seguida, o carvão, sem ter fontes renováveis suficientemente consolidadas, deixou-se refém do gás e do petróleo estrangeiros…

     

    A dependência energética europeia não só enfraquece a sua autonomia estratégica como mina a credibilidade do discurso ecológico… A transição energética, tal como está a ser conduzida, é mais ideológica do que pragmática…

    A narrativa apocalíptica sobre as alterações climáticas, amplificada diariamente pelos media, transformou-se numa ferramenta de doutrinação quase diária. Em vez de um debate racional sobre custos, prazos e viabilidade técnica, assistimos a uma polarização que coloca os Verdes como “profetas do fim dos tempos”, enquanto qualquer visão crítica é taxada de negacionismo…

     

    Se continuarmos neste caminho, o continente arrisca-se a tornar-se um museu industrial, enquanto China, EUA e outros players globais prosperam sem as mesmas amarras ideológicas…

     

    O acordo tarifário com os EUA pode ser um ponto de viragem, não por ser justo, mas por obrigar a Europa a encarar uma verdade incómoda: não podemos ditar as regras do jogo global sozinhos e infelizmente todo o mundo tem ajudado os EUA a ditá-las… A sua abordagem não só fragiliza a economia alemã que tradicionalmente tem sido o motor da EU, como coloca também em risco a coesão do bloco. Se a Alemanha cair, não haverá quem ampare a derrocada…

     

    Todo o bloqueio económico não passa de uma guerra dos mais fortes contra os mais fracos em favor dos mais fortes. A verdadeira luta não é entre Ocidente e Oriente, mas entre oligarcas e povos. Se queremos sobreviver nesta era de blocos (passagem do bloco hegemónico dos EUA para uma multiplicidade de blocos), a Europa deve abandonar o belicismo económico e o ambientalismo radical, abraçando uma via pragmática que equilibre ecologia (sobriedade), bem-estar, soberania e humanidade…

    Ou a Europa reconhece que a transição energética exige tempo, investimento real e cooperação global, sem demonizar indústrias e cidadãos, ou acabará como um continente enfraquecido, dividido entre o sonho verde e a dura realidade do poder alheio.

    A prosperidade requer indústria, e a indústria precisa de energia. O caminho de promoção da indústria de armamento, que a UE e a Alemanha estão a seguir para tapar o buraco provocado pela emigração de outras indústrias, poderá preencher, por algum tempo, a lacuna pretendida, mas não é séria nem sustentável e põe em risco o futuro.

    O filósofo espanhol Ortega y Gasset tinha toda a razão ao escrever que, “a vida é uma série de choques com o futuro; não é uma soma do que fomos, mas do que desejamos ser”…

    António da Cunha Duarte Justo

    Texto completo em Pegadas do Tempo: https://antonio-justo.eu/?p=10186

     

    CAVADOR DE SI MESMO

     

    O homem passa a vida a cavar a sua campa,

    cova forrada de conceitos, teias de aranha

    e ali deposita, em ânsia cega e vã,

    a própria alma, antes que o corpo desça à terra.

     

    Ah, quantas vezes, perdido em carreiros da mente,

    se esquece da luz, do vento, da folha que dança,

    e trilha veredas estreitas, labirinto de espinhos,

    sem ver que a vida, em surdina, lhe beija a face!

     

    Cego ao sol que desfia ouro nos trigais,

    surdo ao rio que canta histórias às margens,

    enterra-se em palavras vazias, números frios,

    enquanto o mundo, em flor, lhe escapa das mãos.

     

    Oh, cavador, ergue os olhos do chão!

    Não te contentes com a sombra que fabricas.

    Antes que a morte te cubra com seu manto,

    rasga a prisão das ideias mortas,

    e deixa que a alma respire

    o ar puro do sonho que não tem muros.

     

    Não vês que Deus, quando sonhou o mundo,

    não o fez por dever ou cálculo,

    mas por puro arrebatamento

    e em teu peito, esse mesmo sonho ainda pulsa,

    ainda te chama, ainda te espera

    para além de todos os mapas da razão.

     

    António da Cunha Duarte Justo

     

    Pegadas do Tempo: https://antonio-justo.eu/?p=10195

  • TÃO FELIZES QUE NÓS ÉRAMOS clara ferreira alves

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    TÃO FELIZES QUE NÓS ÉRAMOS
    “Anda por aí gente com saudades da velha portugalidade. Saudades do nacionalismo, da fronteira, da ditadura, da guerra, da PIDE, de Caxias e do Tarrafal, das cheias do Tejo e do Douro, da tuberculose infantil, das mulheres mortas no parto, dos soldados com madrinhas de guerra, da guerra com padrinhos políticos, dos caramelos espanhóis, do telefone e da televisão como privilégio, do serviço militar obrigatório, do queres fiado toma, dos denunciantes e informadores e, claro, dessa relíquia estimada que é um aparelho de segurança.
    Eu não ponho flores neste cemitério.
    Nesse Portugal toda a gente era pobre com exceção de uma ínfima parte da população, os ricos. No meio havia meia dúzia de burgueses esclarecidos, exilados ou educados no estrangeiro, alguns com apelidos que os protegiam, e havia uma classe indistinta constituída por remediados. Uma pequena burguesia sem poder aquisitivo nem filiação ideológica a rasar o que hoje chamamos linha de pobreza. Neste filme a preto e branco, pintado de cinzento para dar cor, podia observar-se o mundo português continental a partir de uma rua. O resto do mundo não existia, estávamos orgulhosamente sós. Numa rua de cidade havia uma mercearia e uma taberna. Às vezes, uma carvoaria ou uma capelista. A mercearia vendia açúcar e farinha fiados. E o bacalhau. Os clientes pagavam os géneros a prestações e quando recebiam o ordenado. Bifes, peixe fino e fruta eram um luxo.
    A fruta vinha da província, onde camponeses de pouca terra praticavam uma agricultura de subsistência e matavam um porco uma vez por ano. Batatas, peras, maçãs, figos na estação, uvas na vindima, ameixas e de vez em quando uns preciosos pêssegos.
    As frutas tropicais só existiam nas mercearias de luxo da Baixa. O ananás vinha dos Açores no Natal e era partido em fatias fininhas, para render e encharcado em açúcar e vinho do Porto para render mais. Como não havia educação alimentar e a maioria do povo era analfabeta ou semianalfabeta, comia-se açúcar por tudo e por nada e, nas aldeias, para sossegar as crianças que choravam, dava-se uma chucha embebida em açúcar e vinho. A criança crescia com uma bola de trapos por brinquedo, e com dentes cariados e meia anã por falta de proteínas e de vitaminas. Tinha grande probabilidade de morrer na infância, de uma doença sem vacina ou de um acidente por ignorância e falta de vigilância, como beber lixívia. As mães contavam os filhos vivos e os mortos era normal. Tive dez e morreram-me cinco. A altura média do homem lusitano andava pelo metro e sessenta nos dias bons. Havia raquitismo e poliomielite e o povo morria cedo e sem assistência médica. Na aldeia, um João Semana fazia o favor de ver os doentes pobres sem cobrar, por bom coração.
    Amortalhado a negro, o povo era bruto e brutal.
    Os homens embebedavam-se com facilidade e batiam nas mulheres, as mulheres não tinham direitos e vingavam-se com crimes que apareciam nos jornais com o título ‘Mulher Mata Marido com Veneno de Ratos’. A violação era comum, dentro e fora do casamento, o patrão tinha direito de pernada, e no campo, tão idealizado, pais e tios ou irmãos mais velhos violavam as filhas, sobrinhas e irmãs. Era assim como um direito constitucional. Havia filhos bastardos com pais anónimos e mães abandonadas que se convertiam em putas. As filhas excedentárias eram mandadas servir nas cidades. Os filhos estudiosos eram mandados para o seminário. Este sistema de escravatura implicava o apartheid. Os criados nunca dirigiam a palavra aos senhores e viviam pelas traseiras.
    O trabalho infantil era quase obrigatório porque não havia escolaridade obrigatória. As mulheres não frequentavam a universidade e eram entregues pelos pais aos novos proprietários, os maridos. Não podiam ter passaporte nem sair do país sem autorização do homem. A grande viagem do mancebo era para África, nos paquetes da guerra colonial. Aí combatiam por um império desconhecido. A grande viagem da família remediada ao estrangeiro era a Badajoz, a comprar caramelos e castanholas.
    A fronteira demorava horas a ser cruzada, era preciso desdobrar um milhão de autorizações, era-se maltratado pelos guardas e o suborno era prática comum.
    De vez em quando, um grande carro passava, de um potentado veloz que não parecia sujeitar se à burocracia do regime que instituíra uma teoria da exceção para os seus acólitos. O suborno e a cunha dominavam o mercado laborai, onde não vigorava a concorrência e onde o corporativismo e o capitalismo rentista imperavam. Salazar dispensava favores a quem o servia. Não havia liberdade de expressão e o lápis da censura aplicava-se a riscar escritores, jornalistas, artistas e afins. Os devaneios políticos eram punidos com perseguição e prisão. Havia presos políticos, exilados e clandestinos. O serviço militar era obrigatório para todos os rapazes e se saíssem de Portugal depois dos quinze anos aqui teriam de voltar para apanhar o barco da soldadesca. A fé era a única coisa que o povo tinha e se lhe tirassem a religião tinha nada. Deus era a esperança numa vida melhor. Depois da morte, evidentemente. “
    Clara Ferreira Alves.
  • “Erro histórico”. A Batalha de Aljubarrota não foi em Aljubarrota – ZAP Notícias

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    7 dias, a pé, até Lisboa. 12 até ao Reino de Castela. 13 até ao Reino dos Algarves. Neste preciso planalto, localizado em São Jorge e não em Aljubarrota, aconteceu… a Batalha de Aljubarrota. Foi há 640 anos. A 14 de agosto de 1385, Portugal afirmava a sua independência, com a vitória do nosso Rei D. João I sobre o Rei Juan de Castela (João I de Castela). Após a morte d’El Rey D. Fernando (1383), Portugal viveu dois anos bastante críticos. Não havia filho varão para herdar a coroa. A única filha legítima de D. Fernando era a infanta

    Source: “Erro histórico”. A Batalha de Aljubarrota não foi em Aljubarrota – ZAP Notícias

  • ONDE ESTAMOS E PARA ONDE VAMOS “O primeiro mecanismo de minimização dos actos de agressividade é a falsa equivalência, nos dias de hoje, entre a extrema-direita e a extrema-esquerda. José Pacheco Pereira,

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    ONDE ESTAMOS E PARA ONDE VAMOS
    “O primeiro mecanismo de minimização dos actos de agressividade é a falsa equivalência, nos dias de hoje, entre a extrema-direita e a extrema-esquerda.
    José Pacheco Pereira, Público, 14/06/2025
    Já há algum tempo escrevi sobre esta matéria do incremento da agressividade, mas como dei exemplos do trânsito nas cidades, as pessoas não fizeram qualquer correlação com a política. Mas existe, e não está apenas nos cada vez mais comuns incidentes de violência da extrema-direita, o sinal dessa crescente agressividade, está no ambiente que os torna “normais” e na ideia dos que os provocam de que se ganha alguma coisa, em publicidade, recrutamento, efeito útil no que se faz. E depois, na máquina política e comunicacional que os diminui ao não falar neles sem os “equilibrar” com o “outro lado”, quando não há “outro lado”.
    É interessante ver como a maioria dos comentadores do farol da direita radical, a Rádio Observador, ao ter que se pronunciar sobre a agressão física ao actor ou às ameaças diversas desde ao Imã da Mesquita de Lisboa, às senhoras que distribuíam alimentos aos sem-abrigo, desenvolvam todo um discurso a dizer, como Ventura aliás, que só se fala deste tipo de agressões e se escondem as outras. Não sei bem quais são as “outras”, mas o que é certo é que este discurso funciona como uma minimização do que se está a passar.
    A razão por que estes actos de agressividade, centrados não num protesto verbal, mas na ameaça física – o que faz toda a diferença –,​ estão a ser minimizados é política, em primeiro lugar, mas também é a incompreensão do pano de fundo que lhes está por trás, que encontra um canal imediato nas organizações assentes no culto da violência, mas que vai muito para além. Vai para o quotidiano principalmente urbano, onde o “viver” é cada vez mais agressivo. Na escola, em casa, no clubismo futebolístico, na rua, no pouco que muitos lêem, ou seja, nas redes sociais.
    O primeiro mecanismo de minimização é a falsa equivalência, nos dias de hoje, entre a extrema-direita e a extrema-esquerda. Duvido que qualquer relatório do tipo do RASI seja capaz de apontar qualquer mínimo paralelismo. Os dois partidos mais relevantes que podiam no passado ser aí incluídos, só por manipulação podem hoje estar no lado do paralelo da extrema-esquerda. Quer o PCP, quer o Bloco de há muito que abandonaram na prática a ideia de uma revolução violenta, não estão organizados para isso e mesmo na retórica política deixaram cair a visão leninista da revolução. Admito que para esta direita à procura de equivalências se olhe com medo para os novos movimentos contra o racismo, como o SOS Racismo, ou sobre a habitação, como o Vida Justa. Mas é um “medo” instrumental, à Trump, porque as manifestações desses movimentos, com excepção de alguns vidros partidos, são pacíficas. A chave que permite a comparação é a violência física, e não é a criminalidade entre a imigração, na sua maioria de gente que fala português, tementes a Deus, cujas igrejas evangélicas frequentam, ou nos portuguesinhos valentes que, à falta de touros para mostrarem os seus dotes de forcado, batem nas mulheres, e que nada tem a ver com a extrema-esquerda, que votam no Bolsonaro e no Chega, que serve de comparação.
    Onde é que se encontra o falso paralelo que alimenta o discurso dos dois lados? O que mais se aproxima é a Climáximo, que pratica actos de vandalismo e acções que são ilegais. O mais longe que vão é atirar tinta e que se saiba nunca participaram em qualquer coisa de parecido com matar pessoas porque têm outra cor, ou agredi-las, como aconteceu com o actor da Barraca. Numa escaramuça como as que aconteceram recentemente na Baixa de Lisboa há dois lados, mas não se compara o músculo de uns com os outros, nem vendo o que se passa há qualquer paralelo na provocação, na iniciativa, na violência. Se é por aqui que se vai, é o mesmo que comparar uma planta carnívora com um nenúfar.
    O rasto da violência crescente está na sociedade que estamos a criar com uma mistura de manipulação cultural, económica e social, e por fim política. É uma sociedade que, desde a adolescência à cada vez mais tardia idade adulta, vive numa ecologia de antagonismos, de pseudo-identidades alimentadas nas redes sociais pela ignorância e pela radicalização. Uma sociedade destas é fortemente movida pela culpabilização do “outro”, que nos confronta com a dificuldade de ter um território próprio, de ser reconhecido pelas nossas virtudes imaginárias, que queremos ter como um dote gratuito dos céus porque pomos uns vídeos de telemóvel engraçados na net, sem esforço, sem estudo, sem mérito.
    É uma sociedade que, desde a adolescência à cada vez mais tardia idade adulta, vive numa ecologia de antagonismos, de pseudo-identidades alimentadas nas redes sociais pela ignorância e pela radicalização
    O melhor paralelo para a sociedade que estamos a construir – para ganho de alguns, poder de outros, e vitimização dos mais fracos – é o clubismo das claques, cuja linguagem, simbologia e acção difere pouco do “nós” e “eles” do populismo, do “nós é que somos bons, nós os portugueses de gema” e não esses monhés, ou pretos, ou paneleiros, ou comunas, que pervertem a raça e que precisam de quem os ponham na ordem. Diz o tipo no café: “É o que eu faço todos os dias nas redes sociais, mas como sou fraquinho de corpo e não quero estragar a roupa, conheço lá uns tipos no ginásio que fazem parte de um grupo que veste de preto e anda de mota que, com algum incentivo e pagando-se-lhes uma cerveja, vão lá ensinar o que é Portugal àqueles que se dobram no chão a rezar – a quem, Manuel, diz-me tu, que não sei bem o nome do tipo? – a Alá, sim, a Alá.”
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  • Edgar L. Wakeman pelos Açores

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    Uma subida e uma aurora no Pico
    Mais um capítulo das deambulações de Edgar L. Wakeman pelos Açores, em 1889. Este relata uma viagem de São Miguel ao grupo central, ao Faial, com passagem pela Terceira e por São Jorge, e a subida, pernoita e nascer do sol na montanha do Pico. Uma boa descrição, como habitualmente, com uma bonita descrição das mulheres do Pico, que até quando idosas «possuem aquela beleza luminosa que permanece com olhos de brilho perene.»
    Cá vai a tradução do capítulo, a que chamei «Ao topo do Pico»:
    Capítulo 5
    Ao topo do Pico
    Faial, Açores, 13 de Novembro de 1889. — Após uma viagem de quatro dias desde que saímos de São Miguel numa pequena embarcação costeira mercante portuguesa, durante a qual tocámos no porto de Angra, na ilha Terceira, e em Velas, na ilha de São Jorge, desembarquei finalmente na Horta, a capital da ilha do Faial, e imediatamente fiz preparativos para atravessar até à vizinha ilha do Pico, a cujo famoso e homónimo monte desejava ascender.
    A ilha açoriana da Terceira é assim chamada por ter sido a terceira na ordem de descoberta. Tem cerca de 180 milhas quadradas e uma população de quase 60 000 almas. Há lá poucas alturas montanhosas ou promontórios oceânicos de pitoresco impressionante, nenhum oferecendo vistas de grandiosidade cénica, mas no interior das suas 70 milhas de linha costeira há muitos nobres planaltos atingindo frequentemente elevações de 3 000 e 4 000 pés acima do nível do mar. A Terceira, contudo, goza de algumas distintas superioridades, do ponto de vista açoriano. Sempre foi a mais leal à coroa portuguesa. Nada menos que três soberanos portugueses fizeram desta ilha a sua residência temporária, e foram erguidos belos monumentos em testemunho disso. A capital, e principal porto, Angra, aloja a aristocracia dos Açores: os títulos nobiliárquicos são em Angra tão comuns como os burros. Além disso, as suas ruas são mais modernas; os seus edifícios públicos mais belos; a cal e as tintas são mais brancas, mais azuis, mais rosas ou mais amarelas do que em qualquer outro lugar dos Açores; e, para coroar tudo, a cidade é a única nas ilhas que se orgulha de possuir um recinto para a festa de touros, ou tourada.
    A ilha de São Jorge é um contraste completo, em muitos aspectos, com a Terceira. A sua área é talvez de 90 milhas quadradas e tem uma população de cerca de 19 000 almas. Topograficamente considerada, é a mais interessante de todo o arquipélago açoriano, com excepção, talvez, do Pico, que apenas a supera na altura extraordinária do seu único e tremendo monte. A sua linha costeira, de cerca de 20 ou 30 milhas, enfrenta a sudoeste tanto o Faial como o Pico, e é uma das muralhas marítimas mais impressionantes que alguma vez contemplei.
    Quem quer que, através do inconstante nevoeiro do Quoddy [estreito entre o Canadá e os EUA, no extremo nordeste do Maine, que tem a ilha de Grand Manan em frente], tenha entrevisto as promontórios escarpados setentrionais da sombria ilha de Grand Manan, ao largo da nossa costa do Maine mais a nordeste, poderá ter uma excelente ideia desta imponente massa de promontórios que, durante meio dia de navegação, se confronta a partir do Mar dos Açores. São mais imponente, mais vastas e incomparavelmente mais sombrias e estranhas que as escuras alturas do norte de Manan, pois acima das ondas, quase sem interrupção, há aqui alturas, quase precipícios, não de 300 ou 400, mas de 800 a 1500 pés. Velas, a principal cidade, ou melhor, um mero povoado, qual mendigo ao sol, jaz sob estas alturas. Por trás, vulcões não há muito tempo extintos e de cujas erupções destrutivas, que outrora quase aniquilaram o vizinho povoado da Urzelina, restam ainda evidências. Velas é antiquada, desolada, indolente. A sua catedral e o seu hospital são as duas únicas construções dignas de alguma nota; os ilhéus dedicam-se preguiçosamente à agricultura, à pesca e aos salvados dos naufrágios; e os camponeses, que são extremamente pitorescos no vestir e nos modos, são tão primitivos em todos os métodos de trabalho como o eram os mouros de Espanha e de Portugal, de quem se diz que os habitantes descendem, e a quem se assemelham fortemente nas feições.
    A Ilha do Pico, com uma área de 80 milhas quadradas e entre 25 e 28 000 habitantes, é a mais interessante dos Açores em dois aspectos particulares: o seu único e tremendo pico, de que a ilha deriva o nome, é a maior elevação que os marinheiros poderão alguma vez ver nas águas do Atlântico; e as suas mulheres são as mais belas que se podem encontrar em todas as costas atlânticas. O Pico, a montanha, ergue-se quase 8 000 pés acima do nível do mar. Do mar, pode ser avistado a uma distância de 75 milhas. A sua formação é vulcânica e presentemente é apenas um vulcão adormecido, pois a cratera no seu cume despeja constantemente correntes de ar de um calor tão intenso que, ao luar, ou em certas condições atmosféricas, ao amanhecer ou ao crepúsculo, uma chama pálida é facilmente visível a partir da costa oposta, no Faial. O Pico, a ilha, é a mais meridional do grupo central dos Açores, que inclui a Graciosa, São Jorge, a Terceira, o Faial e o Pico, e tem a forma de uma maça de malabarismo, com o cabo a leste e a cabeça maciça, com o seu agudo sílex de lava de 8 000 pés de altura, no extremo oeste.
    Separa-o do Faial apenas um estreito canal através do qual os pescadores e os barqueiros da Horta e da Madalena nos atravessam, a remos, em menos de meia hora. Nas suas meia dúzia de pequenas cidades e, talvez, duas vintenas de povoados, ver-se-ão mais belas mulheres do que as que se encontrariam num ano de comum observação na Europa. Até as velhas mulheres casadas e as anciãs possuem aquela beleza luminosa que permanece com olhos de brilho perene. As meninas e as senhoritas são fisicamente encantadoras para além de qualquer descrição. A jovem do Pico tem o pé delicadamente arqueado da mulher espanhola, e as suas saias curtas revelam membros com a mesma graciosidade e formosura. Se a sua esplêndida figura tem um defeito, está na sua falta de estatura, mas em quase todos os casos a compensação encontra-se na sua proporção perfeita. A sua tez é pálida e cremosa, sem rosado nas faces. A sua boca é grande, móvel e trémula. Os seus dentes, sem falha, e um entusiasta insistiria que os seus lábios são enlouquecedores. O cabelo, não negro como na maioria dos tipos do sul, é daquele castanho-névoa que se vê por vezes nas encostas das montanhas opostas ao sol. Mas a sua coroa de glória são os olhos fundentes, lânguidos, e porém faiscantes. A beleza do seu rosto não é maior em repouso. Então, se inconsciente de ser observada, e como com as mulheres de todos os países tropicais onde a inteligência escasseia, o seu rosto tem em si um traço do animal esplêndido; e um toque discernível de desamparo e pathos. Mas ponham-se as suas feições em jogo activo com um homem no outro extremo desse esforço, os seus grandes olhos escuros, sonhadores e radiantes, ardendo e fundido semi-ocultos sob longas pestanas escuras, o suave e flexível movimento contínuo de cada parte do seu corpo esplêndido — pois todas as suas faculdades mentais e físicas jogam em responsiva harmonia com a sua língua ou os seus olhos — e ter-se-á chegado perto de algo que faz ansiar pelos poderes de um artista. Dizem por aqui que as turistas americanas e inglesas chamam a estas encantadoras raparigas do Pico «criaturas perfeitamente horríveis». Sem dúvida. As raparigas do Pico perdoam-nas, pois, de algum modo, isso faz crescer nos maridos dessas difamadoras a sua furtiva admiração.
    À distância de São Jorge ou da Terceira, a montanha, o Pico, tem a aparência de um esgio cone negro emergindo do mar, as suas mais longínquas alturas truncadas aqui e acolá por brilhantes faixas brancas. Das alturas por trás da Horta, no Faial, se uma ocasional nuvem se interpuser, é de um fascínio prodigioso a sua aparência de incalculáveis altura e tamanho. Lá de baixo, da beira-mar, na Horta, parece que um precipício de altitude incomensurável se eleva ameaçadoramente sobre nós. Quanto mais se olha, mais portentosa esta aparência se torna, pois a montanha raramente se recorta nítida contra o céu, até que se é realmente tomado por um sentimento de apreensão, não vá aquela mais de uma milha de extensão invisível de lava endurecida estar prestes a desmoronar-se através do canal e a lançar a Ilha do Faial, numa massa polvorenta, ao mar. Observando-o de um barco enquanto se contornam as incomparavelmente pitorescas margens na sua base, não se imagina melhor maneira de a descrever, especialmente ao recordar que cada átomo de costa e de montanha foi expelido das profundezas em fogos vulcânicos, do que recorrendo à velha analogia com um vasto monte de cinzas de onde continuamente a escória de maiores dimensões rolou até às margens exteriores, entrando no mar, formando incessantemente uma base cada vez mais larga, enquanto a escória de peneira mais fina continuava a acumular-se, aumentando a altura do cone perfeito acima. Não há nada mais interessante do que estudar os afloramentos marítimos da base do Pico a partir de um barco aberto. Os promontórios do noroeste são extraordinários e impressionantes. De facto, a partir dos 200 a 300 pés acima da costa, imensas camadas ou estratos de lava escura mostram arestas tão limpas e direitas como as de uma muralha acabada de construir. Cada um dos estratos é evidência de uma distinta escoada de lava do vulcão acima. Em alguns lugares, chegam direitos até à beira da água, quais enormes lagos de alvenaria. Em alguns outros, estão esmigalhados e partidos, ou misturados como que por torrentes de lava. Para além de fenómenos como estes, há sempre também ásperos rochedos de lava emergindo do mar, nos locais onde as massas fundentes fervilharam, arrefecendo.
    Noutros locais, nos extensos trechos onde a costa sofreu a plena força do embate do Atlântico, estes escarpados estratos foram ao longo de centenas de pés de altura desgastados em arcos, esculpidos em pilares e moldados em contrafortes, até surgirem, como se uma fractura de terremoto os tivesse dividido e lançado uma parte deles para as profundezas, as mais curiosas e caprichosas representações de ruínas de vastos e outrora ocultos templos. E nem sequer são mais curiosas do que a vista, a partir do barco, das encostas do Pico, subindo desta base grandiosamente pitoresca quase até às nuvens. Aos nossos olhos, é como se toda a superfície da montanha estivesse coberta por uma rede de arrendados, nas suas cores próprias de lava; como se a superfície de um chapéu de burro preto tivesse sido finamente entrelaçada com delicados fios de renda Guipure [um tipo de renda, semelhante à de bilros]. Neste estranho entrelaçado existiram outrora as famosas vinhas do Pico. Não há um único átomo de substância que mereça o nome de solo vegetal desde a base até ao cume do Pico; porém, há anos, nestes miríades pequenos compartimentos murados que se elevam acima uns dos outros tal como as cadeiras num teatro, as videiras medravam tão viçosas e verdes entre pedras negras e escória que nenhuma vinha na Toscana produzia mais finas uvas ou proporcionava mais bonitas cenas. Chegaram a ser enviados 25 000 barris de vinho por ano para o Faial, para exportação. Mas a praga chegou, as videiras foram totalmente destruídas e assim, embora hoje se reviva um pouco o seu cultivo, durante um quarto de século os pequenos compartimentos secos de lava adicionaram escuridão e tristeza à esterilidade dos flancos da montanha.
    A pequena vila da Madalena, desembarcadouro da ilha, é um encantador e antigo ninho de preguiça e sonolência. Mas esta gente ilhoa é bela, radiante de boa disposição, e o simples facto de um estrangeiro vir ao Pico torna cada alma com quem ele contacta num esplêndido companheiro e amigo. Ou seja, pode-se organizar, por uma ninharia, guias e mantimentos para a subida da montanha. Estes guias usarão sandálias e terão muitos problemas com os pés. A maioria dos estrangeiros traz sapatos fortes, de sola grossa. Mas aprendi algo sobre o escalar de montanhas que todos os turistas deveriam saber.
    Esteja sempre equipado com um par de botas de fabrico honesto, cujos canos cheguem quase aos joelhos. Use-as por baixo das calças de caminhada. E tenha sempre as solas grossas bem cardadas com pregos de ferro. Talvez não consiga cabriolar como as pastoras de palco. Mas conseguirá avançar penosa e discretamente, bem como alcançar o destino que escolheu, enquanto os seus demasiado refinados companheiros e os seus pitorescos guias ficam para trás, coxeando de dor, ou demorando-se nas nuvens mais abaixo, enquanto removem pedaços de glaciares enfiados sob os seus calcanhares ou cinzas vulcânicas afiadas como facas de entre os seus ensanguentados dedos dos pés. Era este o estado dos meus guias mesmo antes de completarmos cinco horas de escalada, e fomos obrigados a parar ao meio-dia, a uma altitude não superior a 5 000 pés.
    Aqui nos demorámos três horas, sem um único vislumbre da paisagem. Uma nuvem leve como névoa parecia envolver toda a montanha. Mas seguimos em frente, após muita insistência com os meus guias, tendo-lhes revelado a minha determinação de alcançar o cume e de ali pernoitar. Cada passo era agora inseguro; não perigoso, mas sobre escória semelhante a púmice e sobre áspera cinza vulcânica, um solo que se quebrava alarmantemente sob os nossos pés. Caindo frequentemente neste solo, ou tropeçando ainda mais frequentemente na atrofiada queiró, chegámos finalmente ao cume. Nada se via além de uma faixa de cinzas à nossa direita e à nossa esquerda, e, como a névoa ainda nos envolvia, via-se também aquilo que parecia ser a superfície plana de uma imensurável vastidão aos nossos pés. O ar quente subia sufocante diante de nós. A névoa húmida rodopiava melancólica atrás de nós. Mal tivemos tempo de apalpar as redondezas e de procurar uma cavidade junto à quente orla externa da cratera, de nos prepararmos apressadamente para a noite e de mastigar um pouco de comida das nossas mochilas, quando a palpável escuridão caiu sobre nós, como o bater de uma majestosa asa. Os meus guias não se atreveram a mover-se, devido aos seus temores supersticiosos. Ao fim de cinco minutos eu dormia como nunca tão profundamente dormira. Tanto quanto sei, foi uma noite tão confortável, ali, mesmo no topo da agulha do Pico, quanto antes de Vicksburg, em ’63 [cerco de Vicksburg, durante a Guerra Civil Americana, em 1863, na qual o autor participou], ou nas florestas flamejantes de morte de Chatahoochie, em ’64 [raides realizados durante o cerco de Atlanta por Sherman, durante a Guerra Civil Americana].
    Quando acordei, as estrelas, brilhando com aqueles maravilhosos fulgores e pulsações das estrelas dos céus tropicais, fitavam-me directamente nos olhos. Por um instante houve uma quietude tão profunda quanto os silêncios eternos. Esta quietude foi quebrada por dois tremendos roncos. Os meus guias estavam agora a salvo das bruxas e dos feiticeiros do Pico. Assim deitado, atingiu-me uma estranha sensação de isolamento, de solidão, de insegurança, de perigo. A sensação intensificou-se num verdadeiro pavor devido a uma singular tremura do próprio leito de lava onde repousava. Sente-se algo semelhante no topo de altos pináculos. Cheguei a perguntar-me se, ao levantar-me, não poderia, pela pura fascinação de tudo aquilo, rodopiar e mergulhar 8 000 pés dali abaixo, até ao canal do Faial. Uma multidão de devaneios fantasiosos como este tomou conta de mim até que um escurecimento das estrelas, um desvanecer e empalidecer do seu brilho, desviou os meus pensamentos. Pareceram então desaparecer, uma por uma. O negro do seu fundo matizou-se num vaporoso cinzento; depois, num lavanda perlado; finalmente, num azul-esverdeado do Nilo. Sim, era a gloriosa aurora! Levantei-me mesmo antes dos vermelhões surgirem a leste, quando ainda podia ver, acima do horizonte ocidental, as estrelas por empalidecer, tal a altura a que me encontrava. A meus pés, a vasta cratera de quase 2 000 pés de circunferência, as suas paredes em alguns pontos entre 200 e 300 pés de altura, enquanto das fendas escuras do seu chão perfeitamente plano o vapor e o fumo do vulcão adormecido rodopiavam tão pacificamente como de chaminés rurais no inverno.
    Não se consegue ter noção do tempo quando se é o único ser pensante na posse de tal altura e de tal cenário; mas, por fim, dissipou-se o medonho fascínio da cratera do Pico e voltei-me para o mais grandioso ciclorama que os meus olhos jamais contemplaram. Mar e horizonte fundiam-se excepto onde o sol, como um majestoso globo de fogo, lançava ao zénite os seus gloriosos pigmentos e estendia sobre o mar, até à orla da ilha, uma inundação de trémulo carmesim. A nordeste e a norte erguiam-se a Terceira, São Jorge e, ao longe e desvanecida num engaste de ónix avermelhado, a bela Graciosa, numa orla espumosa de pérolas reluzentes; entretanto, o verde suave das alturas suavemente delineadas do Faial, aparentando estar tão próximas que se poderia responder aos flauteios dos cabreiros nas suas colinas, não era interrompido senão onde as casas colunadas da Horta brilhavam em fantasmagórico branco através dos discos ocidentais das suas encantadoras e circulares margens. A exultação, a euforia, a glória que nutre a alma, geradas por tais alturas e por tal cenário, não são suportáveis durante muito tempo por quem não sabe voar. Despertei os meus guias. Corremos pela encosta da montanha abaixo. Uma hora passada e almoçávamos num vale elevado, numa choupana de pastor, e ao meio-dia estávamos entre os pescadores e as lavadeiras da Madalena, junto ao mar.
    Publicado pelo menos em:
    – 1889-12-14 – Daily Morning Patriot, p. 1
    – 1889-12-14 – Morning Journal and Courier, p. 1
    – 1889-12-14 – The Daily Inter Ocean, p. 16
    – 1889-12-14 – The Daily New Era, p. 3
    – 1889-12-14 – The Pittsburg Dispatch (2nd part), p. 9
    – 1889-12-15 – The Cleveland Leader and Morning Herald, p. 17
    – 1889-12-15 – The Evansville Courier, p. 1
    – 1889-12-15 – The Knoxville Journal, p. 1
    – 1889-12-15 – The Meriden Sunday Journal, p. 5
    – 1890-02-27 – Miami Union, p. 1
    [A imagem reproduz uma aguarela de 1905 de Cass Gilbert: «Mt. Pico, Azores Islands».]
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