Categoria: ChronicAçores

  • parolice açoriana em 3 atos 13.8.19

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    parolice açoriana em 3 atos 13.8.2019

    1. Há esta parolice açoriana de dar nomes estrangeiros (quase todos em inglês) a projetos, festas, etc., hoje vi um novo “CREACTIVITY?” na Lagoa. No Google não surge resultado algum paracreACTivity)… e como bilingue que sou entendi a ideia “criativa” mas poupem-me, escrevam na língua oficial e deixem-se de parolices saloias de novos-ricos falidos… escrever em inglês não é sinónimo de sofisticação ou classe mas parolice… Atlantis Cup, Azores Today, Azores Burning Summer, Festival Folk Azores, Azores Triangle Adventure, SpotAzores, Walk & Talk Azores, Epic Trail Azores, Eco-Beach Resort, Azores GeoPark, Azores Greenmark, Azores Trail Run, Lava Homes, Hotel Neat, Pink House Azores, Azores Cow House, Lagoa Azores SUP Day,Lagoa promove Birdwatching, e tantos mais que poderia buscar… Muitos destes nomes se fossem apresentados na sua versão bilingue eu até compreendia…como chamariz turístico, oh yeah! You know?

     

    1. Há mais exemplos da dita parolice açoriana, mas no campo das festas anuais e seus contratados para abrilhantarem musicalmente os eventos. Não consegui contabilizar os muitos milhares de euros que voam em cada verão para pagar a “artistas continentais” dos quais alguns de qualidade dúbia e outros sobrevalorizados. Com algumas honrosas exceções, quase todos esses artistas atuam em animação de festas paroquiais ou municipais, e sem terem a qualidade dos artistas locais (sejam eles cantantes, bandas, filarmónicas). Claro que os que vêm de fora cobram cachês de mais de dez mil euros cada e os da terra – quando não atuam graciosamente – cobram tuta e meia. Assim tem sido há muitos anos. Recordo que aqui na Lomba da Maia no ano de 2013 contrataram o Quim Barreiros por 17 mil euros em vésperas de eleições para a Junta de Freguesia, a terrinha decuplicou a população por umas horas e os resultados das eleições foram os opostos ao pretendido.

     

    Depois quando vierem as chuvas, desabamentos, inundações, ou outras obras necessárias quer as Juntas como as Câmara Municipais todos se vão queixar da falta de verbas para obras. Ainda há não muito tempo houve um artista na capital do norte da ilha de S Miguel que parece ter cobrado 150 (mil) mais 55 mil euros da receita. Ao subirem ao palco já o dinheiro tilinta na conta deles enquanto que os locais ficam tempos infindos à espera de serem pagos. Assim se fazem festas e festarolas com o erário público, dilapidando recursos numa manifestação de panem et circensis, tal como em Roma no século I da nossa era.

     

    1. Outro exemplo da parolice acontece com o turismo, que tem levado o governo regional a abrir novos e maiores parques de estacionamento para os senhores turistas, muitas vezes prejudicando o equilíbrio ecológico e defenestrando paisagens para apaziguar a necessidade de todo o bicho careta turista estacionar. Em tempos, eu e outras pessoas sugerimos para os locais mais emblemáticos da ilha de S Miguel onde se verificava tal necessidade, que fossem criadas carreiras de minibus, preferencialmente ecológicos ou mesmo elétricos, em vez de criar parques enormes de estacionamento. Por exemplo na Lagoa do Fogo, correriam nas horas de maior afluxo de meia em meia hora, parando (por exemplo em pontos fixos) na Lagoa, Ponta Delgada e Ribeira Grande. Podia ser cobrada uma quantia (simbólica ou não) e o trânsito fluiria melhor (os carros dos turistas estacionariam em locais designados naquelas três cidades). O mesmo se deveria fazer na Vista do Rei para evitar a imagem de há dias, com carros estacionados dos dois lados da rodovia e mal se passando no espaço remanescente. Aqui, o minibus turístico podia partir de Ponta Delgada, subir à Vista do rei, descer às Sete idades com paragens nas lagoas e regressar pela Covoada, aliviando os constrangimentos de trânsito.

    NÃO PODEMOS PERMITIR QUE O TURISMO PREDADOR TENHA ESPAÇO NOS AÇORES!!! Por último um exemplo de parolice arquitetural era a tentativa de construir um aborto de hotel (580 camas) ao qual o Governo dos Açores atribuiu a classificação PIR – Projeto de Interesse Regional com financiamento comunitário de 85% do seu valor a fundo perdido. E o Autarca de Vila Franca do Campo, Ricardo Rodrigues (forte defensor da incineradora) nada fez para evitar este projeto através da alteração do PDM. Felizmente o governo regional cancelou a autorização do “aborto arquitetónico” em Água d’Alto (580 camas), junto à imaculada Praia do Degredo. Já em 2017 surgira outro projeto idêntico de 4 estrelas e 83 quartos (6 milhões de euros) para a cândida paisagem protegida da vinha da ilha do Pico, mas esse parece estar esquecido por enquanto.

    E como amo os Açores não falarei de mais parolices hoje…Para o Diário dos Açores (desde 2018). Chrys Chrystello, Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713 / AU 3804 [Australian Journalists’ Association] MEEA/AJA]

     

  • DO YIN, DO YANG E DO CONFUCIONISMO, , crónica 96-98, 26 abril – 16 maio 2011

    DO YIN, DO YANG E DO CONFUCIONISMO, , crónica 96-98, 26 abril – 16 maio 2011

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    DO YIN, DO YANG E DO CONFUCIONISMO, , crónica 96-98, 26 abril – 16 maio 2011
    DO YIN, DO YANG E DO CONFUCIONISMO, , crónica 96-98, 26 abril – 16 maio 2011

     

    Mero aprendiz de feiticeiro, jovem desenfreado na segunda aventura de liberdade, sem as peias constrangedoras da sociedade patriarcal em que cresci, estava disposto a gozar ao máximo o que a vida me pudesse proporcionar. O hedonismo era, sem sombra de dúvida, a Filosofia que me guiava. Demasiadas restrições, proibições, tradições invioláveis e outros tabus haviam regido a vida de infante a adolescente. Liberto das peias castradoras da sociedade ocidental e da família arreigada a tradições seculares, ia, enfim, crescer numa errância própria da era das descobertas.

    Era a aprendizagem sem noções premeditadas, nem destinos certos, mas ainda, irremediavelmente, coartado pelos princípios e noções basilares recebidas de meus pais no tocante à inviolabilidade e perenidade da família. Comecei a descobrir que a vida não era como o yin e yang, entre o branco e o negro, era matizada por uma infinidade de tons cinzentos.

    Também a minha vida era composta por duas forças complementares e sendo de signo Balança ou Libra, havia um equilíbrio dinâmico, que, tal como no princípio da dualidade de yin e yang, surgia o movimento e mutação, a que não me queria opor. Se uma era ativa, diurna, luminosa, quente, a outra era passiva, noturna, escura, fria.

     

    Era um ocidental em busca de equilíbrio e de identidade, tal como os macaenses, em ambiente estranho e hostil. Muitas forças contraditórias me impeliam e sustinham. De Kung-Fu-Tzu (Confúcio) partilhava preocupações com a política e a pedagogia. O valor do estudo, disciplina, ordem, consciência política e trabalho são lemas que o confucionismo impôs à civilização chinesa da antiguidade e que se mantêm. Não são uma religião, nem um credo mas determinações rituais de caráter social, que permitem a liberdade de crença em qualquer sistema metafísico ou religioso que não vá contra as regras de respeito mútuo e etiqueta pessoal. Curiosamente, este paralelismo entre os valores confucionistas e os meus, deixaram aberta uma via de compreensão. À época faltavam-me muitos anos para entender, na globalidade, o verdadeiro significado do dito confucionista “Mesmo nas situações mais pobres uma pessoa que vive corretamente será feliz. Coisas mal adquiridas nunca trarão felicidade” que se tornaria no meu arquétipo após os quarenta e cinco anos.

     

    A vida em Macau (1976-1983) tinha, para mim, o enorme chamamento materialista de privilegiado de que beneficiava. Por outro lado, as inovações tecnológicas que chegavam (antes da Europa e EUA) eram demasiado atraentes para as recusar. Os meus jovens anos não eram conducentes a uma prática de reflexão, mas centravam-se num hedonismo de ação e gratificação instantânea de sentidos e sentimentos. Queria ser feliz, não sabia como e pensava que o dinheiro ajudava. Ia ensaiar o velho sistema de tentar errar e confiar na proverbial sorte para o atingir.

     

    Ainda não chegara – nessa era – ao ponto em que me consideraria um nativo do ocidente com uma visão oriental do mundo, como citei ao Prof. Lei Heong Iok, presidente do Politécnico (abril 2011), ao explicar como interpretava o interesse da China pela lusofonia. Conseguia transmutar a minha mente para um ponto de vista oriental, olvidando a lógica do pensamento ocidental, delimitando razões e ações, imbuído de um pensamento confucionista. Sem o imediatismo ocidental que busca a satisfação apressada. É difícil de explicar, mas segui basicamente o método de esquecer as premissas em que cresci e colocar-me na mente do outro, imaginar o quando, como e porquê das suas atitudes, tentar antecipá-las e usar as mesmas, se possível em proveito próprio, como forma de me precaver contra inopinadas surpresas. Nem sempre era fácil ou possível, e nem sempre levava aos resultados esperados, mas iria permitir-me, mais tarde, atingir o equilíbrio cultural entre as noções originais da minha educação e as aprendizagens orientais que cultivara nas décadas de vivência na Australásia e no Império do Meio. Isso adviria naturalmente.

     

    Nem sequer me apercebi de como me tornara tão diferente dos familiares e amigos em Portugal. Estes, dificilmente entenderiam a minha mudança de nome, identidade, nacionalidade e jamais interpretariam corretamente a mudança de paradigmas pelos quais me passei a reger. A verdade é que a mudança, inicial e erroneamente localizada em Timor, se deu em Macau no confronto entre as noções e princípios da educação judaico-cristã e os mundos desconhecidos de que Marco Polo falava e ora eu conhecia. Depois de ali viver seis anos, mais o que aprendera com expatriados chineses, macaenses e de Hong Kong na Austrália, e 14 anos casado com uma macaense, tudo despertara em mim uma forma nova de encarar a vida, o presente e o futuro, para adotar uma visão mais oriental da vida.

    A religião chinesa não é uma religião como o judaísmo ou o islamismo. É constituída por muitas religiões e filosofias, como o confucionismo e o taoismo. Confúcio não pretendia fundar uma religião. Pretendia propiciar instrução moral e ensinar as pessoas a viver bem, de acordo com os valores de dever, cortesia, sabedoria e generosidade. Uma das ideias mais importantes era a de que os filhos deviam honrar e respeitar os pais, em vida e após a morte. Por isso, Confúcio [551-479 a.C.) encorajava a prática do culto aos antepassados, que fazia parte da religião. Sábios posteriores [Mêncio (372-289 a.C.) e Zhu Xi (1130-1200)] transformaram as ideias de Confúcio num sistema religioso. No taoismo, o Tao é mais do que um caminho, a fonte de tudo neste mundo. Ao seguir o caminho, os taoistas aspiram à união com o Tao, e, com as forças da natureza. Isso implica livrar-se de preocupações e apego ao mundo material para concentrar-se no caminho, alcançando equilíbrio e harmonia na vida e conquistando a paz que vem da compreensão. Diz-se dos que atingem o objetivo que serão imortais após a morte física.

    Considere-se como terceira religião (que não o é, propriamente dito) o budismo, que penetrou na China perto do início da era cristã, atingindo o apogeu na dinastia T’ang (618-907). Ao oferecer aos chineses uma análise da natureza transitória e sofredora da vida, o budismo oferece um caminho de libertação, introduzindo a possibilidade de que os ancestrais estejam a ser atormentados no inferno. Rituais para adquirir e transferir méritos aos mortos tornaram-se importantes, seja pela execução correta de funerais, ou outros rituais.

    A religião popular é extensamente praticada e, embora diversificada, constitui uma quarta via. Os chineses em geral não sentem que devam aceitar determinada religião ou filosofia e rejeitar as demais. Escolhem a mais proveitosa, no lar, na vida pública ou nos ritos de passagem. Mesmo a ideia de transcendente não se aplica aos chineses. O pensamento chinês é imanente – tudo está, em potência, esperando ser desperto. A transcendência só existe no budismo, que acredita na libertação completa da matéria. Sei-o agora com experiência e retrospeção. Inferi que a razão por que Macau não dispusera de um capítulo, devotadamente dedicado, nos anteriores volumes da ChrónicAçores, se devia ao facto de haver pontas por unir, e que a conjugação dos fios da meada só se tornara possível ao regressar após trinta anos de ausência. Macau fora um capítulo em aberto, a história por contar, uma estória em busca de desenlace. Por vezes, só o tempo permite analisar, de forma fria e sem emoções, a relevância de factos passados. Sou definitivamente um nativo do ocidente com uma visão oriental do mundo.

    Mero aprendiz de feiticeiro, jovem desenfreado na segunda aventura de liberdade, sem as peias constrangedoras da sociedade patriarcal em que cresci, estava disposto a gozar ao máximo o que a vida me pudesse proporcionar. O hedonismo era, sem sombra de dúvida, a Filosofia que me guiava. Demasiadas restrições, proibições, tradições invioláveis e outros tabus haviam regido a vida de infante a adolescente. Liberto das peias castradoras da sociedade ocidental e da família arreigada a tradições seculares, ia, enfim, crescer numa errância própria da era das descobertas.

    Era a aprendizagem sem noções premeditadas, nem destinos certos, mas ainda, irremediavelmente, coartado pelos princípios e noções basilares recebidas de meus pais no tocante à inviolabilidade e perenidade da família. Comecei a descobrir que a vida não era como o yin e yang, entre o branco e o negro, era matizada por uma infinidade de tons cinzentos.

    Também a minha vida era composta por duas forças complementares e sendo de signo Balança ou Libra, havia um equilíbrio dinâmico, que, tal como no princípio da dualidade de yin e yang, surgia o movimento e mutação, a que não me queria opor. Se uma era ativa, diurna, luminosa, quente, a outra era passiva, noturna, escura, fria.

     

    Era um ocidental em busca de equilíbrio e de identidade, tal como os macaenses, em ambiente estranho e hostil. Muitas forças contraditórias me impeliam e sustinham. De Kung-Fu-Tzu (Confúcio) partilhava preocupações com a política e a pedagogia. O valor do estudo, disciplina, ordem, consciência política e trabalho são lemas que o confucionismo impôs à civilização chinesa da antiguidade e que se mantêm. Não são uma religião, nem um credo mas determinações rituais de caráter social, que permitem a liberdade de crença em qualquer sistema metafísico ou religioso que não vá contra as regras de respeito mútuo e etiqueta pessoal. Curiosamente, este paralelismo entre os valores confucionistas e os meus, deixaram aberta uma via de compreensão. À época faltavam-me muitos anos para entender, na globalidade, o verdadeiro significado do dito confucionista “Mesmo nas situações mais pobres uma pessoa que vive corretamente será feliz. Coisas mal adquiridas nunca trarão felicidade” que se tornaria no meu arquétipo após os quarenta e cinco anos.

     

    A vida em Macau (1976-1983) tinha, para mim, o enorme chamamento materialista de privilegiado de que beneficiava. Por outro lado, as inovações tecnológicas que chegavam (antes da Europa e EUA) eram demasiado atraentes para as recusar. Os meus jovens anos não eram conducentes a uma prática de reflexão, mas centravam-se num hedonismo de ação e gratificação instantânea de sentidos e sentimentos. Queria ser feliz, não sabia como e pensava que o dinheiro ajudava. Ia ensaiar o velho sistema de tentar errar e confiar na proverbial sorte para o atingir.

     

    Ainda não chegara – nessa era – ao ponto em que me consideraria um nativo do ocidente com uma visão oriental do mundo, como citei ao Prof. Lei Heong Iok, presidente do Politécnico (abril 2011), ao explicar como interpretava o interesse da China pela lusofonia. Conseguia transmutar a minha mente para um ponto de vista oriental, olvidando a lógica do pensamento ocidental, delimitando razões e ações, imbuído de um pensamento confucionista. Sem o imediatismo ocidental que busca a satisfação apressada. É difícil de explicar, mas segui basicamente o método de esquecer as premissas em que cresci e colocar-me na mente do outro, imaginar o quando, como e porquê das suas atitudes, tentar antecipá-las e usar as mesmas, se possível em proveito próprio, como forma de me precaver contra inopinadas surpresas. Nem sempre era fácil ou possível, e nem sempre levava aos resultados esperados, mas iria permitir-me, mais tarde, atingir o equilíbrio cultural entre as noções originais da minha educação e as aprendizagens orientais que cultivara nas décadas de vivência na Australásia e no Império do Meio. Isso adviria naturalmente.

     

    Nem sequer me apercebi de como me tornara tão diferente dos familiares e amigos em Portugal. Estes, dificilmente entenderiam a minha mudança de nome, identidade, nacionalidade e jamais interpretariam corretamente a mudança de paradigmas pelos quais me passei a reger. A verdade é que a mudança, inicial e erroneamente localizada em Timor, se deu em Macau no confronto entre as noções e princípios da educação judaico-cristã e os mundos desconhecidos de que Marco Polo falava e ora eu conhecia. Depois de ali viver seis anos, mais o que aprendera com expatriados chineses, macaenses e de Hong Kong na Austrália, e 14 anos casado com uma macaense, tudo despertara em mim uma forma nova de encarar a vida, o presente e o futuro, para adotar uma visão mais oriental da vida.

    A religião chinesa não é uma religião como o judaísmo ou o islamismo. É constituída por muitas religiões e filosofias, como o confucionismo e o taoismo. Confúcio não pretendia fundar uma religião. Pretendia propiciar instrução moral e ensinar as pessoas a viver bem, de acordo com os valores de dever, cortesia, sabedoria e generosidade. Uma das ideias mais importantes era a de que os filhos deviam honrar e respeitar os pais, em vida e após a morte. Por isso, Confúcio [551-479 a.C.) encorajava a prática do culto aos antepassados, que fazia parte da religião. Sábios posteriores [Mêncio (372-289 a.C.) e Zhu Xi (1130-1200)] transformaram as ideias de Confúcio num sistema religioso. No taoismo, o Tao é mais do que um caminho, a fonte de tudo neste mundo. Ao seguir o caminho, os taoistas aspiram à união com o Tao, e, com as forças da natureza. Isso implica livrar-se de preocupações e apego ao mundo material para concentrar-se no caminho, alcançando equilíbrio e harmonia na vida e conquistando a paz que vem da compreensão. Diz-se dos que atingem o objetivo que serão imortais após a morte física.

    Considere-se como terceira religião (que não o é, propriamente dito) o budismo, que penetrou na China perto do início da era cristã, atingindo o apogeu na dinastia T’ang (618-907). Ao oferecer aos chineses uma análise da natureza transitória e sofredora da vida, o budismo oferece um caminho de libertação, introduzindo a possibilidade de que os ancestrais estejam a ser atormentados no inferno. Rituais para adquirir e transferir méritos aos mortos tornaram-se importantes, seja pela execução correta de funerais, ou outros rituais.

    A religião popular é extensamente praticada e, embora diversificada, constitui uma quarta via. Os chineses em geral não sentem que devam aceitar determinada religião ou filosofia e rejeitar as demais. Escolhem a mais proveitosa, no lar, na vida pública ou nos ritos de passagem. Mesmo a ideia de transcendente não se aplica aos chineses. O pensamento chinês é imanente – tudo está, em potência, esperando ser desperto. A transcendência só existe no budismo, que acredita na libertação completa da matéria. Sei-o agora com experiência e retrospeção. Inferi que a razão por que Macau não dispusera de um capítulo, devotadamente dedicado, nos anteriores volumes da ChrónicAçores, se devia ao facto de haver pontas por unir, e que a conjugação dos fios da meada só se tornara possível ao regressar após trinta anos de ausência. Macau fora um capítulo em aberto, a história por contar, uma estória em busca de desenlace. Por vezes, só o tempo permite analisar, de forma fria e sem emoções, a relevância de factos passados. Sou definitivamente um nativo do ocidente com uma visão oriental do mundo.

    DO YIN, DO YANG E DO CONFUCIONISMO, , crónica 96-98, 26 abril – 16 maio 2011
    DO YIN, DO YANG E DO CONFUCIONISMO, , crónica 96-98, 26 abril – 16 maio 2011

     

    Mero aprendiz de feiticeiro, jovem desenfreado na segunda aventura de liberdade, sem as peias constrangedoras da sociedade patriarcal em que cresci, estava disposto a gozar ao máximo o que a vida me pudesse proporcionar. O hedonismo era, sem sombra de dúvida, a Filosofia que me guiava. Demasiadas restrições, proibições, tradições invioláveis e outros tabus haviam regido a vida de infante a adolescente. Liberto das peias castradoras da sociedade ocidental e da família arreigada a tradições seculares, ia, enfim, crescer numa errância própria da era das descobertas.

    Era a aprendizagem sem noções premeditadas, nem destinos certos, mas ainda, irremediavelmente, coartado pelos princípios e noções basilares recebidas de meus pais no tocante à inviolabilidade e perenidade da família. Comecei a descobrir que a vida não era como o yin e yang, entre o branco e o negro, era matizada por uma infinidade de tons cinzentos.

    Também a minha vida era composta por duas forças complementares e sendo de signo Balança ou Libra, havia um equilíbrio dinâmico, que, tal como no princípio da dualidade de yin e yang, surgia o movimento e mutação, a que não me queria opor. Se uma era ativa, diurna, luminosa, quente, a outra era passiva, noturna, escura, fria.

     

    Era um ocidental em busca de equilíbrio e de identidade, tal como os macaenses, em ambiente estranho e hostil. Muitas forças contraditórias me impeliam e sustinham. De Kung-Fu-Tzu (Confúcio) partilhava preocupações com a política e a pedagogia. O valor do estudo, disciplina, ordem, consciência política e trabalho são lemas que o confucionismo impôs à civilização chinesa da antiguidade e que se mantêm. Não são uma religião, nem um credo mas determinações rituais de caráter social, que permitem a liberdade de crença em qualquer sistema metafísico ou religioso que não vá contra as regras de respeito mútuo e etiqueta pessoal. Curiosamente, este paralelismo entre os valores confucionistas e os meus, deixaram aberta uma via de compreensão. À época faltavam-me muitos anos para entender, na globalidade, o verdadeiro significado do dito confucionista “Mesmo nas situações mais pobres uma pessoa que vive corretamente será feliz. Coisas mal adquiridas nunca trarão felicidade” que se tornaria no meu arquétipo após os quarenta e cinco anos.

     

    A vida em Macau (1976-1983) tinha, para mim, o enorme chamamento materialista de privilegiado de que beneficiava. Por outro lado, as inovações tecnológicas que chegavam (antes da Europa e EUA) eram demasiado atraentes para as recusar. Os meus jovens anos não eram conducentes a uma prática de reflexão, mas centravam-se num hedonismo de ação e gratificação instantânea de sentidos e sentimentos. Queria ser feliz, não sabia como e pensava que o dinheiro ajudava. Ia ensaiar o velho sistema de tentar errar e confiar na proverbial sorte para o atingir.

     

    Ainda não chegara – nessa era – ao ponto em que me consideraria um nativo do ocidente com uma visão oriental do mundo, como citei ao Prof. Lei Heong Iok, presidente do Politécnico (abril 2011), ao explicar como interpretava o interesse da China pela lusofonia. Conseguia transmutar a minha mente para um ponto de vista oriental, olvidando a lógica do pensamento ocidental, delimitando razões e ações, imbuído de um pensamento confucionista. Sem o imediatismo ocidental que busca a satisfação apressada. É difícil de explicar, mas segui basicamente o método de esquecer as premissas em que cresci e colocar-me na mente do outro, imaginar o quando, como e porquê das suas atitudes, tentar antecipá-las e usar as mesmas, se possível em proveito próprio, como forma de me precaver contra inopinadas surpresas. Nem sempre era fácil ou possível, e nem sempre levava aos resultados esperados, mas iria permitir-me, mais tarde, atingir o equilíbrio cultural entre as noções originais da minha educação e as aprendizagens orientais que cultivara nas décadas de vivência na Australásia e no Império do Meio. Isso adviria naturalmente.

     

    Nem sequer me apercebi de como me tornara tão diferente dos familiares e amigos em Portugal. Estes, dificilmente entenderiam a minha mudança de nome, identidade, nacionalidade e jamais interpretariam corretamente a mudança de paradigmas pelos quais me passei a reger. A verdade é que a mudança, inicial e erroneamente localizada em Timor, se deu em Macau no confronto entre as noções e princípios da educação judaico-cristã e os mundos desconhecidos de que Marco Polo falava e ora eu conhecia. Depois de ali viver seis anos, mais o que aprendera com expatriados chineses, macaenses e de Hong Kong na Austrália, e 14 anos casado com uma macaense, tudo despertara em mim uma forma nova de encarar a vida, o presente e o futuro, para adotar uma visão mais oriental da vida.

    A religião chinesa não é uma religião como o judaísmo ou o islamismo. É constituída por muitas religiões e filosofias, como o confucionismo e o taoismo. Confúcio não pretendia fundar uma religião. Pretendia propiciar instrução moral e ensinar as pessoas a viver bem, de acordo com os valores de dever, cortesia, sabedoria e generosidade. Uma das ideias mais importantes era a de que os filhos deviam honrar e respeitar os pais, em vida e após a morte. Por isso, Confúcio [551-479 a.C.) encorajava a prática do culto aos antepassados, que fazia parte da religião. Sábios posteriores [Mêncio (372-289 a.C.) e Zhu Xi (1130-1200)] transformaram as ideias de Confúcio num sistema religioso. No taoismo, o Tao é mais do que um caminho, a fonte de tudo neste mundo. Ao seguir o caminho, os taoistas aspiram à união com o Tao, e, com as forças da natureza. Isso implica livrar-se de preocupações e apego ao mundo material para concentrar-se no caminho, alcançando equilíbrio e harmonia na vida e conquistando a paz que vem da compreensão. Diz-se dos que atingem o objetivo que serão imortais após a morte física.

    Considere-se como terceira religião (que não o é, propriamente dito) o budismo, que penetrou na China perto do início da era cristã, atingindo o apogeu na dinastia T’ang (618-907). Ao oferecer aos chineses uma análise da natureza transitória e sofredora da vida, o budismo oferece um caminho de libertação, introduzindo a possibilidade de que os ancestrais estejam a ser atormentados no inferno. Rituais para adquirir e transferir méritos aos mortos tornaram-se importantes, seja pela execução correta de funerais, ou outros rituais.

    A religião popular é extensamente praticada e, embora diversificada, constitui uma quarta via. Os chineses em geral não sentem que devam aceitar determinada religião ou filosofia e rejeitar as demais. Escolhem a mais proveitosa, no lar, na vida pública ou nos ritos de passagem. Mesmo a ideia de transcendente não se aplica aos chineses. O pensamento chinês é imanente – tudo está, em potência, esperando ser desperto. A transcendência só existe no budismo, que acredita na libertação completa da matéria. Sei-o agora com experiência e retrospeção. Inferi que a razão por que Macau não dispusera de um capítulo, devotadamente dedicado, nos anteriores volumes da ChrónicAçores, se devia ao facto de haver pontas por unir, e que a conjugação dos fios da meada só se tornara possível ao regressar após trinta anos de ausência. Macau fora um capítulo em aberto, a história por contar, uma estória em busca de desenlace. Por vezes, só o tempo permite analisar, de forma fria e sem emoções, a relevância de factos passados. Sou definitivamente um nativo do ocidente com uma visão oriental do mundo.

    DO YIN, DO YANG E DO CONFUCIONISMO, , crónica 96-98, 26 abril – 16 maio 2011

     

    Mero aprendiz de feiticeiro, jovem desenfreado na segunda aventura de liberdade, sem as peias constrangedoras da sociedade patriarcal em que cresci, estava disposto a gozar ao máximo o que a vida me pudesse proporcionar. O hedonismo era, sem sombra de dúvida, a Filosofia que me guiava. Demasiadas restrições, proibições, tradições invioláveis e outros tabus haviam regido a vida de infante a adolescente. Liberto das peias castradoras da sociedade ocidental e da família arreigada a tradições seculares, ia, enfim, crescer numa errância própria da era das descobertas.

    Era a aprendizagem sem noções premeditadas, nem destinos certos, mas ainda, irremediavelmente, coartado pelos princípios e noções basilares recebidas de meus pais no tocante à inviolabilidade e perenidade da família. Comecei a descobrir que a vida não era como o yin e yang, entre o branco e o negro, era matizada por uma infinidade de tons cinzentos.

    Também a minha vida era composta por duas forças complementares e sendo de signo Balança ou Libra, havia um equilíbrio dinâmico, que, tal como no princípio da dualidade de yin e yang, surgia o movimento e mutação, a que não me queria opor. Se uma era ativa, diurna, luminosa, quente, a outra era passiva, noturna, escura, fria.

     

    Era um ocidental em busca de equilíbrio e de identidade, tal como os macaenses, em ambiente estranho e hostil. Muitas forças contraditórias me impeliam e sustinham. De Kung-Fu-Tzu (Confúcio) partilhava preocupações com a política e a pedagogia. O valor do estudo, disciplina, ordem, consciência política e trabalho são lemas que o confucionismo impôs à civilização chinesa da antiguidade e que se mantêm. Não são uma religião, nem um credo mas determinações rituais de caráter social, que permitem a liberdade de crença em qualquer sistema metafísico ou religioso que não vá contra as regras de respeito mútuo e etiqueta pessoal. Curiosamente, este paralelismo entre os valores confucionistas e os meus, deixaram aberta uma via de compreensão. À época faltavam-me muitos anos para entender, na globalidade, o verdadeiro significado do dito confucionista “Mesmo nas situações mais pobres uma pessoa que vive corretamente será feliz. Coisas mal adquiridas nunca trarão felicidade” que se tornaria no meu arquétipo após os quarenta e cinco anos.

     

    A vida em Macau (1976-1983) tinha, para mim, o enorme chamamento materialista de privilegiado de que beneficiava. Por outro lado, as inovações tecnológicas que chegavam (antes da Europa e EUA) eram demasiado atraentes para as recusar. Os meus jovens anos não eram conducentes a uma prática de reflexão, mas centravam-se num hedonismo de ação e gratificação instantânea de sentidos e sentimentos. Queria ser feliz, não sabia como e pensava que o dinheiro ajudava. Ia ensaiar o velho sistema de tentar errar e confiar na proverbial sorte para o atingir.

     

    Ainda não chegara – nessa era – ao ponto em que me consideraria um nativo do ocidente com uma visão oriental do mundo, como citei ao Prof. Lei Heong Iok, presidente do Politécnico (abril 2011), ao explicar como interpretava o interesse da China pela lusofonia. Conseguia transmutar a minha mente para um ponto de vista oriental, olvidando a lógica do pensamento ocidental, delimitando razões e ações, imbuído de um pensamento confucionista. Sem o imediatismo ocidental que busca a satisfação apressada. É difícil de explicar, mas segui basicamente o método de esquecer as premissas em que cresci e colocar-me na mente do outro, imaginar o quando, como e porquê das suas atitudes, tentar antecipá-las e usar as mesmas, se possível em proveito próprio, como forma de me precaver contra inopinadas surpresas. Nem sempre era fácil ou possível, e nem sempre levava aos resultados esperados, mas iria permitir-me, mais tarde, atingir o equilíbrio cultural entre as noções originais da minha educação e as aprendizagens orientais que cultivara nas décadas de vivência na Australásia e no Império do Meio. Isso adviria naturalmente.

     

    Nem sequer me apercebi de como me tornara tão diferente dos familiares e amigos em Portugal. Estes, dificilmente entenderiam a minha mudança de nome, identidade, nacionalidade e jamais interpretariam corretamente a mudança de paradigmas pelos quais me passei a reger. A verdade é que a mudança, inicial e erroneamente localizada em Timor, se deu em Macau no confronto entre as noções e princípios da educação judaico-cristã e os mundos desconhecidos de que Marco Polo falava e ora eu conhecia. Depois de ali viver seis anos, mais o que aprendera com expatriados chineses, macaenses e de Hong Kong na Austrália, e 14 anos casado com uma macaense, tudo despertara em mim uma forma nova de encarar a vida, o presente e o futuro, para adotar uma visão mais oriental da vida.

    A religião chinesa não é uma religião como o judaísmo ou o islamismo. É constituída por muitas religiões e filosofias, como o confucionismo e o taoismo. Confúcio não pretendia fundar uma religião. Pretendia propiciar instrução moral e ensinar as pessoas a viver bem, de acordo com os valores de dever, cortesia, sabedoria e generosidade. Uma das ideias mais importantes era a de que os filhos deviam honrar e respeitar os pais, em vida e após a morte. Por isso, Confúcio [551-479 a.C.) encorajava a prática do culto aos antepassados, que fazia parte da religião. Sábios posteriores [Mêncio (372-289 a.C.) e Zhu Xi (1130-1200)] transformaram as ideias de Confúcio num sistema religioso. No taoismo, o Tao é mais do que um caminho, a fonte de tudo neste mundo. Ao seguir o caminho, os taoistas aspiram à união com o Tao, e, com as forças da natureza. Isso implica livrar-se de preocupações e apego ao mundo material para concentrar-se no caminho, alcançando equilíbrio e harmonia na vida e conquistando a paz que vem da compreensão. Diz-se dos que atingem o objetivo que serão imortais após a morte física.

    Considere-se como terceira religião (que não o é, propriamente dito) o budismo, que penetrou na China perto do início da era cristã, atingindo o apogeu na dinastia T’ang (618-907). Ao oferecer aos chineses uma análise da natureza transitória e sofredora da vida, o budismo oferece um caminho de libertação, introduzindo a possibilidade de que os ancestrais estejam a ser atormentados no inferno. Rituais para adquirir e transferir méritos aos mortos tornaram-se importantes, seja pela execução correta de funerais, ou outros rituais.

    A religião popular é extensamente praticada e, embora diversificada, constitui uma quarta via. Os chineses em geral não sentem que devam aceitar determinada religião ou filosofia e rejeitar as demais. Escolhem a mais proveitosa, no lar, na vida pública ou nos ritos de passagem. Mesmo a ideia de transcendente não se aplica aos chineses. O pensamento chinês é imanente – tudo está, em potência, esperando ser desperto. A transcendência só existe no budismo, que acredita na libertação completa da matéria. Sei-o agora com experiência e retrospeção. Inferi que a razão por que Macau não dispusera de um capítulo, devotadamente dedicado, nos anteriores volumes da ChrónicAçores, se devia ao facto de haver pontas por unir, e que a conjugação dos fios da meada só se tornara possível ao regressar após trinta anos de ausência. Macau fora um capítulo em aberto, a história por contar, uma estória em busca de desenlace. Por vezes, só o tempo permite analisar, de forma fria e sem emoções, a relevância de factos passados. Sou definitivamente um nativo do ocidente com uma visão oriental do mundo.

  • O MEU 25 ABRIL 2021 crónica 393

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    Crónica 393 25 de abril sempre 2021

    Nesta bela casa, hoje dilapidada e desabitada à espera do camartelo municipal para nela se construir uma qualquer gaiola de cimento sem vida nem alma, nela habitaram famílias (felizes ou não)m, ali nasceram jovens, cresceram, foram à guerra colonial e voltaram ou não, para casar e arranjar emprego, terem filhos e seguirem o curso considerado normal naqueles tempos. Naquela casa houve festas, aniversários, dançaricos e outras celebrações, ouviram-se risos e choros, alegrias e tristezas, em tempos até havia criadas fardadas de preto e branco a servirem à mesa na sua escravatura de só poderem sair domingo de tarde para namorarem um qualquer magala do quartel mais próximo. Houve tempos difíceis depois da primeira grande guerra e durante a segunda grande guerra em que havia racionamento e faltavam bens essenciais que nenhum dinheiro podia comprar, mas depois veio o tempo da esperança e da reconstrução, novas tecnologias surgiram a partir de 1950. Foi nessa altura que o mundo calmo e salazarento se desmoronou com a ocupação de Goa, Damão, Diu, a que se seguiram as chacinas em África que deram início a 14 anos de guerra colonial sangrenta, estúpida, sem senso, perdida antes de ter começado, segundo a teoria de dominó de Henri Kissinger. Portugal nunca teve hipóteses nenhumas face ao xadrez dos EUA e Rússia naquela parte de África.

    Mais de uma dezena de milhar de mortos e incontáveis feridos e estropiados que ainda hoje penam com stresse pós-traumático deixou macas na velha casa com um jovem revolucionário que embandeirou em arco com o 25 de abril ameaçando as fundações da família. Velhos e irrelevantes os donos da casa foram-se consumindo com o tempo sem nunca se ajustarem aos ventos democráticos cuja voragem aniquilou os rendimentos escassos amealhados em gerações. Quando se finaram a casa se finava com eles sem ninguém interessado em manter e preservar o velho casarão que, há muito necessitava de obras custosas, para manter a sua aparência senhorial

    E que me acontecia entretanto? Nessa época qualquer jovem vivia com dois dilemas fundamentais, um: era a espada de Dâmocles da malfadada tropa (o exército colonial português que decepava vidas e esperança dos jovens ao enviá-los para a guerra colonial que ninguém queria nem entendia), a outra era o facto de não pertencermos à Europa nem ao mundo na política do “orgulhosamente sós” a que a ditadura salazarenta se agarrava. Mas havia esperança, a guerra colonial acabaria, tal como a Guerra do Vietname e a democracia haveria de chegar a Portugal como chegou à Europa após a segunda grande guerra. Não sabíamos quando… estive como aspirante a oficial miliciano, no RAL-4 em Leiria, e nos passeios longos de tertúlia com o (major) Melo Antunes nas margens do rio Lis entre março e setembro 1973 ele me dizer que se estava a preparar algo para daí a dois ou três anos (no pior cenário, cinco anos).

    Falava-se de vida, de filosofia, de aspirações e sonhos e felizmente vivi o suficiente para ver a maior parte desses sonhos concretizados. Mas jamais esquecerei o que era viver sem liberdade (especialmente de expressão e pensamento). Antes do 25 de abril em Portugal havia uma coisa chamada lápis azul, ou censura, que em 1972 me cortou 70 páginas a um livrinho de poemas adolescentes que publiquei com cerca de trinta páginas…

    O resto é já história, o 25 de abril trouxe a liberdade de pensamento e de expressão e muita água correu sob as pontes: sou confrontado por uma sociedade mais desigual do que nunca, de falsa fluência consumista.

    No que conseguíamos ler e ouvir queríamos a liberdade de um Woodstock americano, das manifs de estudantes de Paris em 68-69 e subsequentes, em vez de viver sob “brandos costumes” que me obrigaram a uma multa de 2$50 (dois escudos e cinquenta avos) por andar descalço no acesso à praia …ou a uma multa (creio que 250$00) por não ter licença de porte de “arma” (neste caso, um isqueiro). Alguns colegas eram “bufos” não só da PIDE mas ao denunciarem o meu uso de isqueiro sem licença ganhavam 50% da receita…

    Depois, veio o dia de todas as esperanças, 25 de abril (quase sem mortes e com cravos na ponta das espingardas) e eu, em Timor, esperei, tardava a chegar (teria ido de barco?) e jamais arribou.

    A Europa cresceu, o sonho da europa unida medrou e cresceu descontroladamente, até ter mais olhos que barriga e ficar desesperadamente obesa na palhaçada que hoje é. Por toda a parte, uma após outra, as ditaduras iam sendo aniquiladas e substituídas por modelos de democracia onde alegadamente o povo e a sua vontade eram representados em parlamentos. Com a queda do Muro de Berlim e a glasnost a dar lugar a uma nova Rússia todos acreditamos que sonhar era isto, quando se tornavam realidade até na América Latina e América do Sul. Já o neoliberalismo da nova ordem mundial tinha disseminado sementes com a Thatcher e o Ronald Reagan, mas não sabíamos que isso iria perverter todo o ocidente.

    Há algo que sempre afirmei e reitero, mesmo que já não sirva para grande coisa, o 25 de abril trouxe-me o bem mais precioso: a liberdade de expressão, a mim que sou um individualista nato e jamais conseguiria viver numa autocracia. Dantes, os países democráticos tinham eleições os outros não (nem mesmo as mascaradas eleições do partido único em Portugal o ocultavam).

    Hoje assistimos a um novo e preocupante paradigma, a semi-democracia onde existe a aparência de uma verdadeira democracia com eleições e tudo o mais, mas onde a realidade não está representada, com resultados viciados, roubo descarado de votos e tanta manipulação que o resultado é a via autocrática travestidas de democracia oca. O que temos assistido nas últimas décadas é um ataque à democracia, e são as próprias instituições europeias quem mais tem atrofiado o funcionamento dos sistemas democráticos. E até mesmo eu, que sempre me considerei um otimista nato, tenho demasiadas dúvidas, rodeado como estou por autómatos não-pensantes, obcecados com os pequenos ecrãs dos smartphones e impérvios aos atropelos à dignidade, equidade e justiça que acontecem em volta. Quando essa liberdade se perder, de facto só terei de me conformar e aceitar que me implantem um ”chip” para o meu próprio bem, como nem George Orwell (1984 e o Triunfo dos Porcos) nem Aldous Huxley (Admirável Mundo Novo) conseguiram imaginar.

    Estava em Timor em 25.4.1974… Depois do 25 de abril (data da Revolução em Portugal) comecei a publicar artigos que o Comando Militar e, em especial o CEM (Chefe do Estado-Maior Arnao Metello) queriam evitar. Era chamado quase todas as manhãs e simpaticamente mandava o motorista no velho Volkswagen do Estado-Maior buscar-me a casa. Nessa rotina (prolongou-se por bastante tempo e trouxe consequências ao meu serviço militar) lá tinha de explicar porque publicara artigos censurados e considerado material proibido. Uma verdadeira caça ou o jogo do gato e do rato. Ramos Horta viu assim o 25 de abril (entrevista dada ao Expresso em 28.11.2015).

    Este ano como em todos os anteriores 47 usarei um cravo simbólico do dia em que a liberdade chegou a Portugal e por mais que me desgoste (hoje) este país injusto onde vivo ainda sou livre para o afirmar.

    Chrys Chrystello, Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

    [Australian Journalists’ Association MEEA]

    Diário dos Açores (desde 2018)

    Diário de Trás-os-Montes (desde 2005)

    Tribuna das Ilhas (desde 2019)

    Jornal LusoPress Québec, Canadá (desde 2020)

     

     

     

     

     

     

     

  • de mátrias e pátrias

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    in ChrónicAçores uma circum-navegação 2011

    Foi então. Nesse dia, pela primeira vez, a escassos metros da que fora a minha casa em Bragança, frente ao castelo e ao presépio de S. Sebastião, senti um apelo inesquecível. Foi então que me senti transmontano dos quatro costados, apesar do pouco tempo contabilizado a viver na região. Não sabia dizer porquê, mas lembrar-me-ia sempre do instante exato, já era lusco-fusco, quando senti aquela picada no coração, aquela dor profunda de mágoa e alegria, em simultâneo. Tinha acabado de encontrar as raízes. Senti os pés pesados a colarem-se ao solo. Uma experiência que se assemelha ao que se sente quando uma pessoa sabe que está apaixonada e que encontrou a alma gémea para partilhar o resto da vida.

    Como alguém disse, em tempos, a pátria não é o lugar onde nascemos, mas o lugar onde o coração habita. Ali estava bem visível. Descobrira-a sem a procurar, instantânea e espontaneamente nas origens e raízes. Bragança mátria. Que disso não restem dúvidas. Jamais senti um apelo emocional tão forte, em parte alguma. Estou mais apegado àquela terra do que imaginei. Inenarrável sentimento. Não se descreve a quem nunca o experimentou. Sentimentos não se partilham em palavras. Para os que têm pátria ou sempre pertenceram a um local, de nascimento, trabalho ou necessidade, esta noção não se explica. Para os apátridas, sem bússola geográfica a marcar o ritmo de pertença, é fácil entender o que atrás se disse. Um dia, tentarei explicar esta afeção. Não se define. É inexpressável.

    Já há muito dizia que Sidney era a base terrena. Jamais sentira – antes deste momento mágico -, um tal sentimento de pertença. Mesmo que os coevos bragançanos me não aceitem, não preciso deles para ser aceite. Podemos não ter projetos comuns ou seguir vias díspares, mas são da família e esta não se escolhe. Tal como o meu pai, que disse sempre ser de Afife (Viana do Castelo) embora nascido no Porto, sempre me afirmei australiano. De nacionalidade. Quando me perguntarem donde sou, direi TRANSMONTANO. De Bragança.

    Nem de propósito li, no jornal diário, que alguém radicado em Castelo Rodrigo, há anos, dizia sempre “Quando me perguntam donde, digo que sou donde está o coração.” De facto, em Bragança ficou a minha alma. Podia ser habitada por nazis, por espanhóis invasores, por extraterrestres ou pelos meus maiores inimigos, mas sempre a sentiria minha. Essa sensação não se apaga, nem se limpa com lixívia, que para esses sentimentos não há branqueador que chegue. Nada disto sinto em relação ao Porto natal onde vivi um terço da vida.

    Nada me diz. Turisticamente, acho a Ribeira e a Foz do Douro espantosas em dia de borrasca e atraentes no período estival. Já a medieval Sé e as velhas ruas do antigo burgo me deixam indiferente, talvez por terem sido desbaratadas e maltratadas, em vez de estimadas e recuperadas. O clima cinzento, as gentes de sotaque desagradável e palavrões vernaculares incómodos. Sonoridades agrestes e demasiado vulgares para ouvidos sensíveis. Pessoas, macambúzias, preocupadas com futilidades. Vi gente em casas da Câmara, pretensamente necessitadas, com carros novos. Iam almoçar e jantar a restaurantes e marisqueiras. Vidas sem um único livro. Mas gabavam o último modelo de telemóvel e TV de plasma.

     

    …..

    já o Takas, Luis Cardoso de Noronha diz

    MÁTRIA E PÁTRIA
    Pediu-me uma estudante de literatura se a língua portuguesa é a minha língua Mátria. A minha língua Pátria, respondi. Timor é a minha Mátria e Portugal é a minha Pátria. A ilha de Timor deu-me à luz, o leite materno, a minha língua materna, a cultura, o culto dos antepassados e quando nasci acenderam uma fogueira onde aqueceram água para me darem o primeiro banho. Comecei a conhecer a Pátria na minha infância quando entrei para a escola. Era à luz do petromax que comecei a descobrir um outro país que aprendi a chamar Pátria, também um Deus, uma língua e uma outra cultura. Sou o fruto dessa união. Falo a minha língua Mátria e escrevo na minha língua Pátria. Fiz uma tradução livre para tétum do poema ” As velhas florestas de agora” de Fernando Sylvan que a RTP 2 brevemente transmitirá. Direi na altura própria. Bom fim de semana.
  • racismo-a-rodos CRÓNICA DE CHRYS C

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    ESTA E ANTERIORES EM https://www.lusofonias.net/mais/as-ana-chronicas-acorianas.html