Categoria: ChronicAçores

  • AS OBRAS DE SANTA ENGRÁCIA NA LOMBINHA DA MAIA chrys c

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    contém imagens não incluídas abaixo

     

    CRÓNICA 444 AS OBRAS DE SANTA ENGRÁCIA NA LOMBINHA DA MAIA

     

    Mais lentas que as obras de Santa Engrácia, mais demoradas que a adjudicação da estação espacial de Santa Maria, mais indefinidas que o novo aeroporto de Lisboa, com um raso de execução que pretende rivalizar com a Sagrada Família de Barcelona, estas são as obras da malfadada estrada Lombinha da Maia – Maia na costa norte da ilha de São Miguel.

    Nas eleições de 2020 eu tinha esperanças e escrevi neste jornal “Eu fiquei tranquilo pois a malfadada estrada entre a Maia e a Lombinha da Maia (cuja passagem de viaturas foi já encerrada com pompa e circunstância) irá entrar em obras à medida que a data de eleições se aproxima. Também gosto muito dos anos em que há eleições regionais pois as estradas e caminhos agrícolas passam a merecer a atenção das entidades que se apressam a mandar fabricar alcatrão e betão para as repararem, pavimentarem ou remendarem. Até acredito que será desta vez que vão reparar a estrada entre a Lombinha e a Maia em S Miguel (caminho municipal 519) quase intransitável desde as derrocadas de dezembro de 2015…”

    Já em 2022 escrevi aqui

    Perdi a conta às vezes que já escrevi sobre este assunto nos jornais mas parece que a estrada costeira entre a Lombinha da Maia e a Maia (caminho municipal 519) em obras há dois anos vai candidatar-se ao Prémio Santa Engrácia, quando a conclusão das suas obras ocorrer. Depois de dezembro 2015 várias derrocadas ocorreram, felizmente sem vítimas a lamentar, apesar do enorme trânsito que tinha, em especial autocarros escolares. De promessa em promessa os anos passaram. Os transportes privados, os públicos, incluindo os transportes escolares, fazem desvios morosos por Calços da Maia, Gorreana e São Brás em estradas que não foram feitas para tal movimento e depois de anos de a estrada ter estado cortada à circulação entre a Lombinha e a Maia, mantém-se o silêncio sobre o andar das obras ou a razão da sua paragem. Eu fiquei tranquilo em julho 2020 pois a malfadada estrada entre a Maia e a Lombinha da Maia (cuja passagem de viaturas foi encerrada com pompa e circunstância) iria entrar em obras à medida que a data de eleições se aproxima. Mas já vieram e foram umas tantas eleições e de conclusão da obra nada. Murmura-se que o projeto foi mal pensado e não resultava…

    Hoje num blogue local vi algumas imagens das obras incompletas e coloquei algumas questões a mim mesmo.

    1. A via não foi alargada e mantêm-se a precária largura que nalguns locais mal permite duas viaturas e muito menos os autocarros (escolares ou não) que já eram um perigo para quem ali circulava, pois cimentar as arribas sem alargar a via parece um grave erro
    2. Se a empresa adjudicatária da obra não tinha capacidade ou tecnologia para cumprir o caderno de encargos
    3. Se o projeto foi mal elaborado ou se foi para despachar depressa e mal, sem se estudar convenientemente a zona.
    4. Se não conceberam que seria talvez mais fácil, seguro e económico, expropriar algumas parcelas de terra e abrir nova via de raiz pelo cimo do monte sobranceiro à Maia
    5. Se quando as obras falharam o objetivo se fez algo mais do que inscrever nova verba no orçamento anual da Câmara.

    Há anos que, com enormes prejuízos, não podemos usar a via mais curta entre as duas localidades mas ao ver as imagens das obras paradas há muito tempo temo que não viva o suficiente para tornar a utilizar essa via…

     

     

    Chrys Chrystello, drchryschrystello@journalist.com

    Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

    [Australian Journalists’ Association – MEEA]

    Diário dos Açores (desde 2018)

    Diário de Trás-os-Montes (desde 2005)

    Tribuna das Ilhas (desde 2019)

    Jornal LusoPress Québec, Canadá (desde 2020)

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  • Crónica 445 acabem com a guerra 25.2.2022

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    Crónica 445 acabem com a guerra 25.2.2022

    No fim da vida assisto incrédulo a mais uma guerra em solo europeu. A humanidade nunca aprende nada e repete a história. Um Putin louco ou meramente czarista quer expandir a Rússia para a sua antiga grandeza, a NATO beligerante a cercar a Rússia com ameaças. E os povos sem serem ouvidos sobre a sua morte e destruição dos seus países.

    Concordaram os países ocidentais em sanções, mas como o dinheiro fala mais alto, os italianos querem sanções com exceção para produtos de luxo, os belgas com exceções para os diamantes e por aí adiante consoante os interesses financeiros de cada um. Nem sei se Portugal pediu exceção para o Vinho do Porto, sanções que apenas vão dificultar mais a vida do cidadão russo e nunca dos oligarcas que alimentam a sede de poder de Putin. A única solução era congelar todos os bens, expropriar as propriedades de todos os oligarcas russos (sejam propriedades ou clubes de futebol), retirar-lhes as múltiplas nacionalidades, pois só assim, podem afetar Putin e a clique que o apoia. O resto são ameaças vãs.

    E nada me admiraria se soubesse que houve um pacto secreto da Rússia com a China como vingança contra o imperialismo dos EUA que fez guerras e invasões sem conta, como esta, e estivessem apenas a redefinir a divisão do mundo numa espécie de novo Tratado de Tordesilhas.

    E nós, indefesos peões nesta e noutras guerras vamos pagar com a vida, a fome e a miséria tal como os ucranianos e russos que estão a morrer às mãos dos exércitos de loucos e czaristas. Disso não restem dúvidas, e aqui nos Açores onde tudo se importa vamos sentir os efeitos secundários de mais esta guerra. Já é tarde para começarmos a produzir, seja o que for.

    E a nós pacifistas, amantes da paz, sem exércitos nem armas, que nos resta? Usar as palavras e esperar que os loucos se inibam de alastrar o conflito armado e que não carreguem no botão mágico que pode acabar com tudo o que conhecemos e reiniciar do zero a vida na Terra.

     

     

    Chrys Chrystello, drchryschrystello@journalist.com

    Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

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  • DA NOITE DA MAIORIA ÀS NOITES DOS AÇORES E DO ALASCA

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    1. DA NOITE DA MAIORIA ÀS NOITES DOS AÇORES E DO ALASCA

     

    Mais uma eleição legislativa em Portugal em que finalmente houve vencedores claros e muitos vencidos, pela segunda vez o PS com maioria absoluta para distribuir as prebendas (como bem entender) do PPR, e se for inteligente, esvaziar os 7% de salvadores da pátria com cheiro a mofo salazarento e os liberais que desde 1832 sempre perderam todas as batalhas. A nível regional a “caranguejola” bem pode estremecer com estes resultados e se tiverem inteligência limpam os secretários e diretores regionais impostos pela coligação e que tão mal têm feito à governação. O CDS só sobrevive nas “ilhas adjacentes” com uma representação desproporcionada à vontade popular e o PSD regional tem de tomar decisões dolorosas para completar a legislatura.

     

    Como ninguém na campanha se preocupou com os dois maiores problemas destas ilhas é melhor eu lembrar a quem nos governa que as medidas avulsas para combater a perda demográfica são meros paliativos que não combatem nem resolvem esse cancro. Como sempre escrevi, os açorianos votam com os pés, emigrando e numa terra de salários de miséria e de empresários sem tarelo, o trabalho mal remunerado e sem perspetivas futuras só pode levar a maior desertificação humana das ilhas mais pequenas incrementando a macrocefalia económica de São Miguel. O outro problema que ninguém debateu é mais preocupante que a sangria demográfica: 33507 pessoas (14.2%) da população açoriana não têm escolaridade. Uns adicionais 53 mil (22,4% dos 236440 habitantes) apenas têm o ensino básico. Como também venho escrevendo desde 2005 não há massa crítica nas ilhas nem material humano pensante capaz de promover o desenvolvimento económico e tirar-nos desta letargia de desenvolvimento, tradicionalmente assente em monoculturas (agora passamos da vacaria para o turismo). Investir na educação e formação contínua é essencial e já tarda depois de milhões esbanjados em empresas públicas e parapúblicas altamente deficitárias. Quem souber resolver o problema que ouse fazê-lo antes que sejamos absolutamente redundantes.

    E porque cito o Alasca no título? Por ver várias séries (The last Alaskans, The last frontiier da KIlcher Family Homestead, e outras) em que as pessoas vivem em condições extremas por opção, livre escolha, desígnio ou tradição, em que têm de trabalhar arduamente para garantir o seu sustento animal (caça e pesca) e económico (venda de peles ou gado), vivendo sem a maioria dos confortos a que nos habituamos (eletricidade, casas de banho, água, distantes centenas de quilómetros da cidade ou vila mais próxima, dezenas de quilómetros sem vivalma), e tendo acesso exclusivo em avioneta nalgumas épocas do ano, rios traiçoeiros no verão ou gelados no inverno, cheios de ursos pardos ou pretos, alcateias de lobos e outros predadores em que o homem só está no topo da cadeia alimentar se tiver armas e pontaria afinada. Mas o ponto que queria ressalvar para o nosso caso é que muitos deles são licenciados, e quase todos têm, pelo menos a escolaridade, com uma cultura geral que me surpreende, além de que estão bem equipados para sobreviver a invernos nucleares e outros cenários apocalíticos. Nós aqui nestas nove ilhas, mal deflagre uma nova guerra ou uma grande crise, ficaremos isolados e famintos, sem importarmos tudo o que necessitamos e sem produzirmos a maior parte dos víveres essenciais. Outra coisa que não me surpreendeu e me fez inveja nesses habitantes do Alasca, em locais remotos sem vivalma, cumprem as quotas de pesca (seja halibute ou salmão) e de caça (alce, caribu, etc.) e não matam as fêmeas com crias para manter o equilíbrio ecológico. Ninguém os vigia, não há PSP, GNR, ASAE ou quejandos, mas não excedem as quotas por seu livre arbítrio. Exemplos que gostaria de ver aqui, e lá voltamos ao mesmo, eles são educados e instruídos e nós continuamos analfabetos e impreparados. Basta analisar o registo cultural, cientifico e linguístico deles e compará-lo com o das nossas nove ilhas e é nesses momentos que gostaria que fossemos do Alasca.

    Chrys Chrystello, drchryschrystello@journalist.com

    Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

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  • A GALIZA NA OBRA POÉTICA DE CHRYS CHRYSTELLO – CONCHA ROUSIA,

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    A GALIZA NA OBRA POÉTICA DE CHRYS CHRYSTELLO – CONCHA ROUSIA, ACADEMIA GALEGA DA LÍNGUA PORTUGUESA in atas do 19º colóquio da lusofonia março 2013: CONCHA ROUSIA, AGLP, GALIZA

    CONCHA Rodríguez PÉREZ,

     

    Partindo da análise da obra ‘Crónica do Quotidiano Inútil’ tratarei de entender a dimensão que a Galiza, tanto como ser vivo, terra que sofre, quanto como conceito lírico, tem na obra do poeta Chrys Chrystello. A primeira parte estará baseada na análise dos poemas incluídos na obra mencionada, que conformam o capítulo IV (Planeta Galiza) e que são os seguintes:

    – Partir (à Concha Rousia e a uma Galiza Lusófona)

    – Lendas da minha Galiza

    – Concha é nome de guerra

    – Elegia à AGLP

    – Geneviève, e

    – Galiza como Hiroshima mon amour.

    Para complementar a minha análise considerarei também informações obtidas diretamente de conversas mantidas com o poeta Chrys Chrystello.

     

    INTRODUÇÃO

    Três são os eixos essências que confluem nesta análise, como se fosse uma trindade, três dimensões, a poética, representada pela poesia de Chrys Chrystello, a humana, representada pelo poeta Chrys Chrystello, e a social, representada pela Galiza. Começarei descrevendo, mais do que definindo estes três conceitos. Mas como se define a poesia? Como o poeta? E como a Galiza? Tentarei aproximar com as minhas palavras, como se fossem fotografias conceituais, como se as palavras pintassem, uma ideia sobre quem é o poeta Chrys Chrystello, o que é a poesia e ainda o que é a Galiza.

     

    O POETA

    Basear-me-ei nas informações que tenho sobre Chrys Chrystello, juntamente com o conhecimento pessoal que tenho do poeta. Antes de mais devo afirmar que o Chrys não apenas acredita em multiculturalismo, é um exemplo vivo de multiculturalismo, nascido numa família mista com alemão, galego, português, brasileiro, judeu…

    O seu multiculturalismo genético cultural vem tanto por parte materna como por parte paterna. Não tenho certeza em que momento da sua história o Chrys se fez consciente desse seu multiculturalismo. Essa será uma pergunta que guardo para fazer ao poeta no próximo encontro; pois fiquei curiosa por saber se o seu multiculturalismo teve algum efeito nas suas escolhas de forma consciente ou se esse multiculturalismo atuou desde as profundas raízes do inconsciente, e só foi depois que o poeta descobriu essa trança de tantos fios e tanta riqueza de ancestrais. Fica esta questão para ser respondida e incorporada a informação derivada para uma ampliação que irei fazer deste trabalho em posterior ocasião.

    Chrys foi levado em 1973 pelo Exército Português a prestar serviço em Timor; permaneceu lá por dois anos, em 1975 deixou Timor para ir-se para a Austrália e não demorou em perceber que queria ser australiano. Atrevo-me a dizer que o Chrys encontrou na Austrália a pátria capaz de acolher todas as suas pátrias, as descobertas e as por descobrir, as territoriais e as ideológicas e as poéticas. Pergunto-me se por aquela época o Chrys já tinha descoberto que a Galiza era mais uma de suas pátrias; embora consciente ou não desse facto, a Galiza ia nele como ser vivo, e com ele se movia pelo mundo, pois aonde o Chrys vai, a Galiza vai; isso é algo que desde já posso afirmar. Naquela altura o Chrys já era um estudioso das línguas e da política; sendo também já um autor publicado. Saliento aqui de sua obra poética o primeiro volume da Crónica do Quotidiano Inútil (1972). Publicou também um ensaio político sobre Timor. Mas a sua trajetória passou por muitos e diversos campos. Foi escolhido para um posto executivo como economista na CEM (Companhia de Eletricidade de Macau). Depois escolheu Sydney (e mais tarde Melbourne) para continuar sua vida como cidadão australiano até 1996.

    No 1967 entra no mundo do rádio jornalismo, onde lhe esperavam grandes aventuras, e também na televisão e na imprensa.

    Entre os anos 1976 e 1996 escreveu sobre o drama que se vivia em Timor Leste quando o mundo se negava a vê-lo. Sempre atento à voz que outros desde o poder escolhem não ouvir, mesmo quando essa voz era um grito, o Chrys não apenas ouvia, ele prestava a sua voz.

    Podemos dizer que o escritor Chrys Chrystello desde sempre se interessou pelas línguas; e desde os anos setenta teve que enfrentar os mais de 30 dialetos no Timor-Leste.

    Na Austrália aprendeu sobre as marcas de uma tribo aborígene que falava um crioulo do português. Foi membro fundador do AUSIT (the Australian Institute for Translators and Interpreters) e membro do painel da NAATI (National Accreditation Authority) desde o ano 1984, Chrys lecionou estudos de linguística e multiculturalismo. Tem ampla experiência na tradução e interpretação especialista em multitude de áreas desde artísticas até jurídicas ou médicas. Participou em conferências em muitos países nos diversos continentes. Autor de numerosas obras sobre os mais diversos temas, sempre com marcado multiculturalismo, tanto prático como teórico.

    A defesa do multiculturalismo é uma das grandes teimas deste autor, e é também uma das suas grandes riquezas.

     

    Com os Colóquios da Lusofonia, de que é Presidente, e se podia poeticamente mesmo dizer que é pai, tem levado as vozes que necessitam ser ouvidas aos lugares mais diversos desde onde se podem ouvir. Entre estas vozes sempre levou a voz da Galiza, conseguindo para ela o que em terra própria lhe era negado. Foi nos Colóquios da Lusofonia que se concebeu e se deu a conhecer o projeto da criação da Academia Galega da Língua Portuguesa; podemos dizer que, portanto, que ele é pai putativo desta novel academia.

    Poucos poetas como ele poderão dizer que tem escrito poemas a praticamente todos os cantos da Lusofonia com a intensidade de quem está a escrever sobre a sua própria terra. Dentro dessas terras às que este poeta canta, acha-se naturalmente, a Galiza.

    Na sua obra “Crónica do Quotidiano Inútil” com a que comemora 40 anos de vida literária, há um capítulo dedicado inteiramente à Galiza.

     

    Nesse capítulo intitulado ‘Planeta Galiza’ inclui os poemas que se integram neste estudo. (Chrys, página web)

     

    A POESIA

    Há pessoas que se dedicam a escrever a história para que fiquem documentados os fatos, os momentos, os acontecimentos que na vida veem, ou que sabem têm tido lugar. A poesia é diferente, a poesia é uma representação, uma fotografia feita com palavras do momento vivido, ou do que se tem alguma forma de conhecimento, de experiência, alguma forma de acesso. A poesia é como um momento congelado no tempo, integrada por componentes intelectuais e componentes emocionais para contar um acontecimento. De fato a epopeia é definida como o conjunto de acontecimentos históricos narrados em verso e que podem não representar os acontecimentos com fidelidade.

     

    Os acontecimentos que se narram na epopeia são de fatos com relevante conceito moral, que transcorreram durante guerras, ou que fazem referência a outros fenómenos históricos ou mesmo míticos. Em todo o caso, desde o meu ponto de vista a verdade poética não se acha na história, mesmo quando trata de ser fiel aos acontecimentos e sim se acha na manifestação artística, se acha em tudo que fica expressado entre as linhas e não necessariamente recolhido nos conceitos que as palavras tratam de representar. O poder da poesia é portanto, o poder da máquina do tempo, faz viajar os fatos, como se os congelasse. Tomando como base uma definição oferecida pela Wikipédia podemos dizer que a poesia é uma das sete artes tradicionais, pela qual a linguagem humana é utilizada com fins estéticos, ou seja que ela retrata algo em que tudo pode acontecer da imaginação do autor e da imaginação do leitor. (Wikipédia 2)

     

    MAS O QUE É A POESIA PARA CHRYS CHRYSTELLO?

    Perguntado ele responde: “A poesia é uma fuga para a utopia, contra a injustiça e desigualdade, a voz que os jornais não permitem, um recurso para os momentos felizes, uma fuga quando o mundo exterior me oprime.” Tentarei ver como esta definição teórica se confirma na sua poesia. Mas antes vamos apresentar a poesia.

     

    Poemas no capítulo ‘Planeta Galiza’ (Chrystello, 2012)
    PARTIR (à Concha Rousia e a uma Galiza Lusófona)

     

    Partir!

    cortar amarras

    como se ficar fosse já um naufrágio

    ficar

    como quem parte nunca

    partir

    como quem fica nas asas do tempo

    ficar

    como se viver fosse uma morte adiada

    partir!

    cortar amarras

    cortas grilhetas

    vencer ameias

    velas ao vento

    olhar o mundo

    descobrir liberdades

    esta a mensagem

    levar o desespero ao limiar

    até erguer a voz

    sem medos

    até rasgar as pedras

    e o ventre úbere

    semear desencanto

    sorrir à grande utopia

    nascer

    – de novo –

    dar o salto

    transpor a fronteira

    entre o ter e o ser

    imaginar

    como só os loucos sabem

    e então chegaste

    com primaveras nos dedos

    e liberdade por nome

    loucas promessas insinuavas

    despontaste

    como quem acorda horizontes perdidos

    demos as mãos

    sabor de início do mundo

    pendão das palavras por dizer

    esta a revolução

    minha bandeira por desfraldar.

     

    LENDAS DA MINHA GALIZA

     

    Galiza és tão especial

    quando sorris

    por que não sorris sempre?

     

    Galiza és tão bela

    quando escarneces

    com gargalhadas cristalinas

    por que não ris sempre?

     

    Galiza és tão enamorada

    quando falas e cicias

    por que não tagarelas sempre?

     

    no monte das Ánimas

    na era dos Templários

    os cervos eram livres

    e os servos escravos

     

    do poço no meu eido

    transbordam palavras

    dele sorvo inspiração

    amores e mouras encantadas

    lá aprendi a história de Ith

    filho de Breogán

    indo à torre de Hércules

    seduzir Eirin a Verde

    este conto queda silente

    na memória dos velhos

    já não o aprendem os nenos

     

    li em livros vetustos

    o sumiço das Cassitérides

    eram cativos os Ártabros

    nas forjas de estanho

    não encontrei os mapas

    no meu poço seco e definhado

    nem um fio de água

    sem pardais nas árvores

    nem flores no jardim

    senti o coração trespassado

    as lágrimas minguaram

    jamais haveria fadas ou sereias

    cronópios e polinópios

     

    fui penar ao cimo do monte

    atopei umas meigas

    a dançar com o Dianho

    também vi o Chupacabras

    estandarte de Castela

     

    sem medo de travessuras de Trasgos

    nem Marimanta ou Dama de Castro

    sem temor da Santa Companha

    nem do Nubeiro vagueando

    entre tempestades e tormentas

    juntei ferraduras, alho e sal

    colares de conchas e tesouras abertas

    esconjurei meigas castelhanas

    que me salve o burro farinheiro

    ou o banho santo em Lanzada

     

    visitei Santo Andrés de Teixido

    duas vezes de morto

    que não visitei uma de vivo

    desci a Ribadavia

    ali nasce o Minho

    que ora passa caladinho

    para não despertar os meninos

     

    sigo caminhando

    busco a moura fiandeira

    um dia virá o eco

    e brotará água de meu poço

    escreverei os versos e serão mágicos

    afincado no chão

    erguerei a tua flâmula

    no poste mais alto e cantarei

    Galiza livre sempre.

     

    CONCHA É NOME DE GUERRA

     

    para ti não há música nem dança

    apenas as artes marciais

    guerrilheira de montes e vales

    urdidora de emboscadas

     

    sob a copa das amplas árvores

    brandes teu gládio de palavras suaves

    não usas as falas do inimigo

    vingas a dor de seres galega

     

    a montanha tu a herdaste sozinha

    prenhada de mar na ilha dos nossos

    o povo desaparecido da Rousia aldeia

    esse recanto insuspeito ao virar da raia

    esse recanto insuspeito ao virar da raia

    onde fui a férias em 2005 sem te saber

    eu que nasci galego do sul

    sendo galego de Celanova

     

    apartado de meus irmãos e irmãs

    vivi séculos de história ao desbarato

    distavam mares que nunca navegávamos

    montes que nunca escalámos

    estrelas que jamais enxergámos

     

    até um dia em que surgiste

    vestias azul e branco orlada a ouro

    estandarte do nosso reino

    ciciavas liberdades por atingir

    sonhos por realizar

    brandias a tua utopia

    numa mesma lusofonia.

     

    ELEGIA À AGLP

     

    viver numa ilha é prisão

    sair dela é impossível

    nem a velocidade da chita

    nem a força do elefante

    nem o mergulho do cachalote

     

    viver numa ilha é prisão

    inúteis os passaportes

    ou vistos consulares

    não basta saber nadar

     

    viver na Galiza é prisão

    sair é possível

    não expulsa carcereiros

    não abate as grades

    não liberta do cativeiro

     

    viver nesta ilha é prisão

    há sempre uma Concha dos Bosques

    ou um Ângelo Merlim

    um Joám Pequeno Evans Pim

    um frei Tuck Montero Santalha

    e seu bando de lusofalantes

    manejando o arco como António Gil

    a invencível besta da Lusofonia

     

    GENEVIEVE

     

    genevieve era nome de mulher

    em restaurante japonês

    no meio de chinatown

     

    sorrisos largos e astutos

    mansos como o rio minho

    olhos profundos amendoados

    como o canon do sil

    prometia ribeiras sacras

    seios amplos acolhedores

    como as rias baixas

     

    genoveva da galiza

    amazona em sidney

    um pai na argentina

    uma mãe em paris

    com saudades de arousa

    servia sushi com saké

    minhas loucas bebedeiras em galego.

     

    GALIZA COMO HIROSHIMA MON AMOUR

     

    acordaste

    e ouviste o teu hino

    estandarte desfraldado

    ao vento ao intrépido som

    das armas de breogán

    amor da terra verde,

    da viçosa terra nossa,

    à nobre Lusitânia

    estendes os braços amigos,

    despertas do teu sono

    agarras nos irmãos

    caminhas pelas estradas

    ergues bem alto a voz

    dizes a quem te ouve quem és

    orgulhosa, vetusta e altiva

    indomada criatura

    nenhum poder te subjugará

    indomada criatura

    nenhum poder te subjugará

    nenhum exército te conquistará

    nenhuma lei te aniquilará

     

    és a Galiza mon amour. (Chrys, 2012)

     

    A Galiza

    Todo país, toda terra, toda pátria é indefinível, ou dito de outra forma, toda a terra poderia ser definida de muitas formas, tal qual se fossem acontecimentos lendários; portanto eu vou colocar aqui uma carta em que a Galiza, através das minhas palavras, se apresenta ao Brasil. Esta é a imagem da Galiza que levo em mim, e acho é uma dialoga imagem perfeitamente com a Galiza que vive e viaja na alma deste poeta.

     

    Carta da Galiza ao Brasil

    Meu benquerido irmão:

     

    Antes de mais permite-me que me apresente, há tantas cousas erradas que te tem contado de mim, e eu quero, necessito mesmo, que tu me conheças como eu sou. O meu nome é Galiza, ocupo o noroeste da península Ibérica, sou geograficamente, culturalmente e linguisticamente irmã de Portugal, que fica ao meu Sul, do outro lado do rio Minho; uma pequenina parte de mim permaneceu sempre independente de qualquer estado até meados do século XIX, mas hoje sou um território totalmente dominado polo Estado Espanhol… Eu sou uma velha pátria que esqueceu já a sua idade; mas o que nunca vou esquecer, mesmo que ao mundo lhe custe perceber, é que em mim nasceu e se criou a nossa língua; esta que tu e eu falamos e que por vicissitudes da história se conhece internacionalmente apenas como ‘português’, mas que nós aqui também chamamos ‘galego’. Mas deixa-me continuar a te contar…

     

    Permite-me que te fale um bocadinho da minha longa história. Eu sou a velha terra chamada ‘Calaica’ Terra onde, como já te disse, nasceu e se criou esta nossa formosa língua; um dia eu fui grande… Naqueles tempos foram os meus filhos os que emigrados povoaram a Bretanha, o Centro dos Alpes, e as ilhas Britânicas, consolidando durante milénios a laborada cultura Atlântica. Vai ser muito difícil para mim em poucas palavras resumir-te tantos azares, tantas batalhas, tantas façanhas e também tanta dor e tanto sangue derramado.

     

    Muitos foram os povos que quiseram governar-me, pola cobiça do Ouro, pola riqueza mineira que guardava a minha entranha; chegaram legados de Roma ávidos de conquista e saque, para abrir seu domínio, atravessando do Douro as margens, mas antes tiveram que ceifar 50.000 almas indomáveis, que a peito nu combatiam, porque cobrir o peito era para eles ação de cobardes. Do Latim trazido com as suas outras falas, misturou-se através dos séculos nossa céltica linguagem, para que abrolhasse na Idade Media a língua que agora, meu irmão em espírito, embeleces arrolando-a, com o amor e a exuberância das florestas incontornáveis. Essa língua nascida para amar e ser cantada criou uma das maiores culturas da Europa Medieval, polo caminho de Sant’Iago difundida e admirada. Mas tarde, nas lutas dos reinos Ibéricos polo controlo da Hispânia, fui vencida e humilhada polos reis Católicos de Castela e seus ferozes aliados, para pronto, sem dar-me fôlego, à escuridão ser condenada. Atrás ficara o 1º Reino da Europa a liberar-se do Império romano, no século V, polo embate dos aguerridos suevos. Atrás ficaram as lutas entre Afonso Henriques, 1 º rei português, meu filho do Porto Calem, e seu primo Afonso VII, imperador de toda a Gallaecia.

     

    Minhas glórias foram vendidas pola arrogância e a astúcia dos homens, pola traição dos insensatos; meu nome da história foi apagado. Mas o espírito só adormeceu, e centos de anos mais tarde, as vozes de Rosalía, Pondal, Curros Enriquez e muitos outros, alguns mártires em Carral, ergueram de novo esta chama que agora te entrego irmão na confiança, sabendo que farás bom uso dela, e elevarás no continente americano, como na África e Oceânia, onde outros irmãos nos aclamam, a voz lírica deste novo mundo, lusofonia chamado, para que nunca mais a vida nascida das minhas entranhas seja por outros desprezada.

     

    Eis a minha história, irmão Brasil, ainda hoje continuam meus filhos, contra a ignorância lutando, pola dignidade deste recanto que foi berço da cultura que hoje tu com orgulho ao mundo amostras sem arrogância. Continuarão ainda cá tempos difíceis que pronto iremos superando com ajuda dos nossos irmãos que conhecem a nossa palavra, porque a palavra hoje é carne e mora vestida de raças, para os povos unir na nobreza da que foi criada.

     

    Como vês, querido irmão, a minha luta tem sido longa e sem tréguas, tenho de admitir que vou velha e por vezes me sinto cansada… acho alívio em saber que tu herdaste a minha fala e que em ti nunca se apagará a minha chama; não é que eu recuse a luta, mas tenho que ser realista… O destino da nossa língua, língua em que eternamente viajará a minha alma, aqui na pátria mãe, ainda é incerto.

     

    Há algum tempo um grupo de intelectuais e artistas, professores, escritores, e defensores da nossa cultura, criaram a Academia Galega da Língua Portuguesa (AGLP). A ajuda da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Brasileira de Letras foi notável e imprescindível. A AGLP, a que sinto como a minha filha mais nova, tentará abrir os caminhos que rompam o cerco que nos sitia e nos abafa; do seu êxito depende em grande medida o meu futuro, é por isso que te peço a acolhas com agarimo e a ajudes no que puderes em nome da nossa eterna irmandade.

     

    A nossa língua atravessa uma das suas piores etapas de todos os tempos na terra berço, a terra mãe que com tanto amor a viu nascer, e a seus filhos e filhas de todo o mundo envia hoje a sua voz… Voz que vai na procura de ajuda que tanto necessito, ajuda que restaure a minha dignidade, peço não continuar a ser ignorada. Por isso te falo, querido irmão, por isso te falo…

     

    Recebe de mim a palavra que mais estimes, meu amado irmão Brasil

    Assinado: A Galiza (Rousia, Blog República da Rousia)

     

    MAS O QUE É A GALIZA PARA CHRYS CHRYSTELLO?

    Perguntado o poeta responde:

    “A Galiza é uma referência matricial inculcada pelo pai e avó paterna como a origem ancestral no ano de 942. Cellanova foi o ponto de partida onde um homem e uma mulher se juntaram para criar os Barbosa dos quais descendo, assim como dos Meira também galegos.”

    Como podemos ver o Chrys, poeta voador, é muito consciente de suas raízes, o que lhe permite voar com a força e sem medos, pois só quem sabe que sua raiz é de profundidade eterna se atreve a voar tão longe, tão alto, tão generoso em sua trajetória, tanto quanto possível

     

    COMO FOI QUE DESCOBRISTE QUE A GALIZA ERA UM SER VIVO QUE TAMBÉM NECESSITAVA SE ALIMENTAR DE TI?

    “A Galiza precisa da voz dos que a amam e sofrem com a opressão de estarem sob jugo estrangeiro há 500 anos ++++” Breve conciso e contundente Chrys.

     

    ACHAS QUE É POSSÍVEL UMA GALIZA FORA DA LUSOFONIA?

    A Galiza só existe se for lusófona, se fosse castelhanizada não seria Galiza…

     

    E COMO FICARIA A LUSOFONIA SE A GALIZA SE PERDER DE SUA LÍNGUA DEFINITIVAMENTE?

    A Lusofonia ficaria órfã da sua mãe, que lhe deu origem e razão de ser e nisto de bater na mãe já bastou o Dom Afonso Henriques primeiro rei de Portugal…

     

    COMO VÊS O FUTURO DA GALIZA, DA LUSOFONIA E DO MUNDO?

    Promissor desde que as novas gerações entendam o peso da Lusofonia e a arma que a língua pode ser contra a dominação e o jugo estrangeiro opressor.

     

    COMO ACHAS A POESIA PODE AJUDAR?

    A poesia é uma arma carregada de sonhos e o sonho comanda a vida como disse António Gedeão.

     

    POR FAVOR CONTA TUDO QUE TE FALTE POR CONTAR RELATIVAMENTE À IMPORTÂNCIA DA GALIZA NA TUA VIDA, TANTO PESSOAL COMO POÉTICA…

    Na juventude/adolescência a Galiza era uma extensão do país para norte e não um acréscimo do país ao lado que era a Espanha… …são galegos os do Minho a Trás-os-Montes com um sotaque diferente, mas a mesma alma…

     

    ANÁLISE DOS POEMAS

    Os textos formam um conjunto que definem o planeta que o poeta chama ‘Planeta Galiza’ e dão conta da realidade atual da Galiza, dão também as pinceladas suficientes para termos uma breve história contada de forma épica. A Galiza está em grande dívida com o poeta, pois ele a reconhece ilha, tal qual ela é, mas já a sonha planeta, livre como ela flui nos seus versos, linda e indomesticável; uma pessoa sente desejos de se ficar a viver neste planeta. Vamos agora olhar mais de perto e detalhadamente os poemas.

    Os poemas do Chrys são a vivificação do seu mundo conceitual, eles são mostras vivas do que ele acha a poesia é, e que eu resumi baseando-me nas palavras dele como: ‘uma fuga para a utopia quando o mundo exterior me oprime.’ (Comunicação pessoal)

    O poema ‘Partir’, primeiro desta série, primeiro do planeta Galiza, parece a Galiza mesma falando de sua urgência por mudar a situação que vive. Neste poema a Galiza parte, corta amarras, porque ficar é já um naufrágio, é um naufrágio desde há demasiado tempo, demasiados séculos. A Galiza parte para ficar nas asas do tempo, para viver, se eternizar… E como se viver como realmente vive fosse adiar só um bocado a morte; a poesia do Chrys corta grilhetas, vence ameias, iça velas ao vento…. Vai sorrir à grande utopia: nascer! A Galiza indo, partindo do lugar onde se abafa: a Galiza nasce! Renasce! – de novo – Eu não sei se o poeta foi consciente disto tudo que ele colocou neste poema, e talvez se poderia adaptar a outras realidades, a outras terras, certamente poderia, mas este poema cai como uma luva para o espírito da Galiza.

     

    O poema ‘Lendas da minha Galiza’ é um canto de amor, épico, no que o poeta salienta aqueles aspetos da Galiza que ele quer ver crescer, como se os semeasse, para ver a Galiza florir, eis a utopia! Quer o poeta que a Galiza seja feliz, se expresse, se conte tal e qual ela é, tal e qual ela foi sonhada desde o começo dos tempos, o poeta clama por uma Galiza que conserve toda a sua história, seu celtismo tão negado pelos historiadores com outros interesses do que a realidade histórica da Galiza. Dá vida a Ith, filho de Breogán, e reclama um povo para vir herdar esta riqueza secular, por não ver isto acontecendo o poeta canta:

     

    senti o coração trespassado

    as lágrimas minguaram

    jamais haveria fadas ou sereias

    cronópios e polinópios

     

    Mas nem toda a dor deste mundo detém o poema ai, nem a Santa Companha detém o poeta que anuncia seu propósito de visitar o Santo André de Teixido, o que, de novo, o rende galego, pois só os galegos têm que fazer esse caminho peregrino quer de mortos, quer de vivos:

     

    visitei Santo Andrés de Teixido

    duas vezes de morto

    que não visitei uma de vivo

     

    Desce pelo Minho, desde o nascimento, permitindo que o curso vivo da água flua em seu poema, vai na procura da moura, vai na procura do eco que outorgue a seus versos o poder de libertar esta terra que tanto ama.

    escreverei os versos e serão mágicos

    afincado no chão

    erguerei a tua flâmula

    no poste mais alto e cantarei

    Galiza livre sempre.

     

    O poema ‘Concha é nome de guerra’, o que eu pessoalmente agradeço muito, muito mais do que me caberia dizer aqui, mostra como é dura a escolha de resistir, com seus versos ele tece uma capa para a galega que resiste sem renunciar a nada do que é, sem perder nada da sua essência Nesse poema também se reinvindica a si mesmo quando diz:

     

    eu que nasci galego do sul

    sendo galego de Celanova,

    apartado de meus irmãos e irmãs,

    vivi séculos de história ao desbarato

     

    E coloca o rumo face a lusofonia, uma utopia para a que vale a pena escrever e lutar com a palavra.

     

    No seu poema ‘Elegia à AGLP’, no que verso após verso faz sentir ao leitor como é viver numa ilha, numa ilha que é prisão, viver como se vive agora na Galiza é prisão, e sair mesmo que parece difícil é possível com a tripulação da AGLP a que o poeta coloca dentro da sua elegia. De novo a utopia se faz possível, o poema começa com um reconhecimento da realidade, dura, difícil, situação de isolamento, mas que ele no poema já semeia com força a profecia, o desejo de a ver avançando.

     

    O último poema deste capítulo intitula-se ‘Galiza como Hiroshima mon amour’, com a força de um hino os versos vão narrando as bondades, as belezas, as grandezas da Galiza que devem ser preservadas, defendidas, amadas, protegidas e encaminhadas à nobre Lusitânia com a força de quem desperta de um longo sono para ir com os irmãos, erguendo a voz. A voz do poema vai crescendo para no final, nesse último verso poeta, poesia e Galiza se deixem sentir como uma só voz.

     

    indomada criatura

    nenhum poder te subjugará

    nenhum exército te conquistará

    nenhuma lei te aniquilará

     

    és a Galiza mon amour.

     

    Referências Bibliográficas

    Chrystello, C. (2012) Crónica do Quotidiano Inútil. Vila Nova de Gaia. Calendário Editora.

    Chrystello, C. (Página web) http://oz2.com.sapo.pt

    Rousia, C. (Blog Républica da Rousia) http://republicadarousia.blogspot.com.es

    Wikipédia http://pt.wikipedia.org/wiki/Poesia

  • DO IBERISMO AO 1º DE DEZEMBRO

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    DO IBERISMO AO 1º DE DEZEMBRO
    2.7.1. IBERISTAS

     

    Gostava de ter algumas réstias do meu sempiterno otimismo, mas a reserva desoladamente está no nível mínimo desde há duas décadas. Quando, ano após ano, a chuva cai dentro de casa e alaga o chão ou os móveis como se não houvesse teto, temos de assumir que estas casas são de péssima qualidade e estes “mestres” de construção não passam de biscateiros incapazes de fazerem uma obra como deve ser. Mas se vou a um restaurante o resultado é similar com um serviço deficiente a preços de luxo. Se vou a um mecânico automóvel idem aspas. Ou na saúde, na justiça, na ignorância santa dos novos professores e seus alunos, na incompetência dos que governam e mandam. É esta a tradição e não é de hoje, vem de há muitos anos como constatei ao traduzir este parágrafo:

    Enquanto a Terceira e as ilhas próximas resistiam ao assalto dos espanhóis à Coroa portuguesa, S. Miguel franqueou-lhes a entrada. Isto deveu-se ao facto de o Corregedor Ciprião de Figueiredo estar sedeado em Angra. Fiel apoiante do Prior de Crato, terá proferido a frase “antes morrer livres que em paz sujeitos”. … A capitania de S. Miguel estava na mão da influente família Gonçalves da Câmara. Além disso, residia em S. Miguel o Bispo dos Açores, D. Pedro de Castilho, fiel a Filipe II. Viria a ser Vice-Rei de Portugal em paga da fidelidade à causa castelhana. Mais tarde, o Capitão do Donatário de S. Miguel recebeu o título de Conde de Vila Franca. Abundam ainda agora os que esquecem o terror do domínio castelhano e pressurosos querem entregar o país ao vizinho ibérico. Miguel Urbano Rodrigues escrevia em 2006 (“Alentejo Popular” (Beja) 02-11-06):

    Os iberistas, ao esboçarem uma Espanha pletórica de energias, de progresso e criatividade, simulam esquecer a mais alta taxa de desemprego da União Europeia. Não aludem ao racismo e à xenofobia que fazem hoje da pátria de Cervantes um dos países europeus onde os imigrantes, sobretudo os magrebinos, equatorianos e colombianos, são mais discriminados. Preferem discorrer sobre a localização da capital, a estrutura institucional do Estado, Federação ou simples transformação de Portugal em mais uma Região Autónoma, e, o papel do Rei. Fala-se do bacalhau, do fado, do flamenco, de marialvas e senhoritos, dos dois idiomas, … longe de serem «muito parecidos», portugueses e espanhóis distanciaram-se progressivamente, exibindo atitudes quase antagónicas. Trabalham e comem a horas diferentes, transformam o culto do aperitivo num instrumento de convívio.

    Outra omissão é a falta de referências à colonização económica de Portugal pela Espanha. O processo em curso é avassalador. Há três décadas a Espanha não existia como parceiro comercial. Hoje ocupa o primeiro lugar nas importações portuguesas. A banca espanhola conquistou parcela importante do mercado português. O mesmo ocorre com a hotelaria e as grandes transnacionais como El Corte Inglês e Zara. As imobiliárias espanholas invadem as cidades. O processo de colonização pacífica assume facetas particularmente alarmantes no Alentejo onde capitalistas espanhóis compraram as melhores terras no Alqueva. Adquiriram milhares de hectares para criação de porcos, instalação de lagares e plantação de oliveiras e vinhas. A invasão é festejada pelo Governo e pela grande burguesia. Agradecem.

    Saúdam os espanhóis como agentes do progresso. Com a espontaneidade da nobreza de 1383 a saudar D João De Castela e a nobreza de 1580 a alinhar com Filipe II. Essa forma de dominação económica encobre uma modalidade de intervenção imperial. Hoje, ninguém se surpreenderia se Portugal passasse a dependência espanhola, como se de um banco se tratasse. Como se falássemos em abrir um escritório no litoral já que o interior está desertificado de gentes e de economias de mercado viáveis. Por outro lado, despontam iniciativas de união ibérica, nem sempre dissimuladas, que causam engulhos.

    Por ser um estudioso que condensou o que penso, sigamos Carlos Fontes,

    O iberismo é típico do séc. XIX. As pequenas nações condenadas a serem absorvidas pelas grandes (teoria darwinista). É uma manifestação patológica de indivíduos que sofreram influência espanhola ou se assumiram como agentes de interesses espanhóis. Quando a situação é melhor no outro lado da fronteira, a integração surge como a solução para resolver a crise, sem trabalho.

    Alguns assassinatos de iberistas ficaram célebres, como defesa de valores fundamentais – dignidade, identidade cultural e liberdade -, mas também respeito por si próprios. Um povo que não se respeita a si próprio, nunca será respeitado por outros. Ora, o iberista sempre manifestou um profundo desprezo pela dignidade e liberdade do português, agindo de modo a destruir a comunidade que o viu nascer… As mortes de dois iberistas assumiram uma enorme carga simbólica na história

    A morte do Conde de Andeiro, fidalgo galego, foi o símbolo de liberdade de um povo que recusa as ingerências externas e os jogos palacianos. Este traidor castelhano participou em conspirações ao serviço de Portugal e de Inglaterra. Em Lisboa, ascendeu a uma elevada posição na corte, tendo recebido de D. Fernando o título de Conde de Ourém, e na crise de 1383-85, esteve ao serviço de Castela.

    Foi assassinado, em 1383, por D. João, mestre de Avis e futuro rei. A sua nefasta ação traduziu-se numa violenta guerra civil que só terminou quando os portugueses exterminaram os aliados de Castela.

    Já a morte de Miguel de Vasconcelos exprime simbolicamente a afirmação da identidade cultural de um povo, cuja forte individualidade saiu reforçada após uma opressão de 60 anos. Ficou tristemente célebre pelo ódio que nutria pelos seus concidadãos.

    Em 1634 tentaram-no matar. Se o tivessem feito, muitas vidas teriam sido provavelmente poupadas. Na manhã de 1 de dezembro de 1640, quando os portugueses restauraram a independência foi o primeiro a ser morto… depois, o povo português travou, durante 28 anos, uma sangrenta guerra na Europa e na América do Sul pela defesa da sua liberdade e dignidade.

    Ora bem, como ninguém estuda História, episódios como este perdem a força e não são transmitidos de geração para geração, perdendo-se a memória coletiva do povo. Continuemos com as palavras de Carlos Fontes. Nas últimas décadas, órgãos de comunicação social, usando da liberdade de expressão, têm procurado abrir fraturas na sociedade. O objetivo é:

    1. Mostrar através de “sondagens” encomendadas ou “discussões” públicas que na sociedade portuguesa existe um grupo cujo objetivo é a dissolução do Estado português;
    2. Dar “voz” à hipotética minoria iberista portuguesa. Ao mesmo tempo, a imprensa espanhola mostra a aceitação à integração.
    3. Os supostos iberistas não constituem uma corrente de opinião nem um movimento organizado. Oliveira Martins (1845-1894) é o melhor exemplo dos esbirros iberistas. É difícil de determinar a causa do profundo ódio que manifestava. Foi um típico vira-casaca: anarquista, socialista, republicano, monárquico, liberal, antiliberal. Defendeu a liberdade, mas também a ditadura. Atacou os ditadores, mas apoiou João Franco, sendo apontado como um dos introdutores das ideias socialistas e como um protofascista. Muitas das ideias foram aplicadas por ditadores (Sidónio Pais ou Oliveira Salazar). Antero de Quental (1869) era um confesso iberista, dois anos depois já nem fala no assunto, e mais tarde abomina a ideia. Algo idêntico ocorreu com Teófilo Braga.

    Durante as eleições legislativas de setembro de 2009 – a TVI -, canal de televisão controlado por espanhóis interferiu diretamente na campanha eleitoral, e…afastou a “jornalista” (Manuela Moura Guedes) que desde 2008 promovia uma campanha de propaganda contra o governo socialista…e a comunicação social espanhola procurava lançar nova campanha em defesa das teses iberistas, apoiada na “sondagem” realizada pela Universidade de Salamanca, com a colaboração de alienados no ISCTE (Lisboa).

    A razão por que escolhi este tema é a data que ora se celebra, o dia da Restauração da Independência de 1 de dezembro de 1640. Para que os mais jovens nunca o esqueçam e deixem de a tratar como um dia sem aulas. Infelizmente, é para a maioria, um dia como qualquer outro nos Açores, sem que o povo se dê conta do seu significado:

    “…arrebatados do generoso impulso, saíram todos das carroças e avançaram ao paço. Neste tempo andava D. Miguel de Almeida, venerável e brioso, com a espada na mão gritando: — Liberdade, portugueses! Viva El-Rei D. João, o Quarto!”

    A ideia de nacionalidade esteve por trás da restauração da independência plena após 60 anos de monarquia dualista. Cinco séculos de governo próprio haviam forjado a nação, rejeitando a união com o país vizinho. A independência fora sempre um desafio a Castela. Entre os dois estados houve sucessivas e acerbas guerras, as únicas que Portugal travou na Europa. Para os Portugueses, os Habsburgo eram usurpadores, os Espanhóis inimigos e os partidários, traidores. Avançara depressa a castelhanização do País de 1580 a 1640. Autores e artistas gravitavam na corte espanhola, fixavam residência, aceitavam padrões espanhóis e escreviam em castelhano, enriquecendo o teatro, a música ou a arte pictórica espanholas. A perda da individualidade cultural era sentida por portugueses, a favor da língua pátria e da sua expressão em prosa e poesia. Contudo, os intelectuais sabiam perfeitamente que os esforços seriam vãos sem a recuperação da independência política. Muitas razões que justificavam a união das coroas ficaram ultrapassadas. O Império Português atravessava uma crise com a entrada em jogo de holandeses e ingleses. Perdera o monopólio comercial (Ásia, África e Brasil) e a Coroa, a nobreza, o clero e a burguesia haviam sofrido severos cortes de receitas.

    Os Espanhóis reagiam contra a presença portuguesa nos seus territórios, mediante vários processos, entre os quais a Inquisição. Isso suscitou grande animosidade nacionalista em Portugal aprofundando o fosso entre os dois países. Margarida, duquesa de Mântua, neta de Filipe II, exerceu o governo de Portugal de 1634 a 1640, como vice-rei e capitão-general. Economicamente, a situação piorara desde 1620 e estava longe de brilhante. Os produtores sofriam com a queda dos preços do trigo, azeite e carvão. A crise afetava as classes baixas, cuja pobreza aumentou. O agravamento dos impostos tornava a situação pior. Para explicar os tempos difíceis, a solução apresentava-se fácil e óbvia: a Espanha, causa de todos os males.

    A conspiração independentista era heterogénea [nobres, funcionários da Casa de Bragança e do clero]. Em novembro conseguiram o apoio do duque de Bragança. Na manhã do 1º de dezembro, um grupo de nobres atacou a sede do governo (Paço da Ribeira) prendeu a duquesa de Mântua, matou e feriu membros da guarnição militar e funcionários, como o Secretário de Estado, Miguel de Vasconcelos. Já dizia Camões: “Também dos Portugueses alguns traidores houve, algumas vezes…” Lusíadas, C. IV, 33. Seguidamente, os revoltosos percorreram a cidade, aclamando o novo estado, secundados pelo entusiasmo popular, a mudança do regime foi recebida e obedecida sem dúvida. Só Ceuta permaneceu fiel à causa de Filipe IV.

    1. João IV entrou em Lisboa a 6 de dezembro. Proclamar a separação fora fácil, difícil seria mantê-la. Tal como em 1580, em 1640 os portugueses estavam desunidos. As classes inferiores mantinham a fé nacionalista em D. João IV, mas o clero e a nobreza, com laços em Espanha, hesitavam. O novo monarca estava numa posição pouco invejável. Do ponto de vista teórico, tornava-se necessário justificar a secessão não como usurpador, mas a reaver o que por direito legítimo lhe pertencia.

    Abundante bibliografia (em Portugal e fora dele) procurou demonstrar os direitos reais do duque de Bragança. Se o trono jamais estivera vago de direito, em 1580 ou 1640, não havia razões para eleição em cortes, o que retirava ao povo a importância que teria, fosse o trono declarado vago.

    in Oliveira Marques, “A Restauração e suas Consequências”, in História de Portugal, vol. II, Do Renascimento às Revoluções Liberais, Lisboa, ed. Presença, 1998, pp. 176-201). Todo o reinado (1640-56) foi orientado por prioridades. Primeiro, a reorganização militar, reparação de fortalezas, linhas defensivas fronteiriças, fortalecimento das guarnições e obtenção de material e reforços. Paralelamente, a intensa atividade diplomática nas cortes da Europa, para obter apoio militar e financeiro, negociar tratados de paz ou de tréguas, conseguir o reconhecimento da Restauração, e a reconquista do império ultramarino. A nível interno, a estabilidade dependeu, do aniquilamento da dissensão a favor de Espanha. A guerra da Restauração mobilizou todos os esforços e absorveu enormes somas. Pior, impediu o governo de conceder ajuda às atacadas possessões ultramarinas. Mas, se o Império, na Ásia, foi sacrificado, salvou a Metrópole da ocupação pelos espanhóis. Portugal não dispunha de exército moderno, as forças terrestres escassas, as coudelarias extintas e os melhores generais lutavam pela Espanha, e a guerra se limitou a operações fronteiriças de pouca envergadura.

    Do lado espanhol, a Guerra dos Trinta Anos (até 1659) e a questão da Catalunha (até 1652) atrasavam ofensivas de vulto. A guerra, que se prolongou por 28 anos, teve altos e baixos até se assinar o Tratado de Lisboa, em 1668, entre Afonso VI de Portugal e Carlos II de Espanha, em que este reconhece a independência do nosso País. Hoje, gente com passaporte português celebra o 1º de dezembro como desastre ou deplorável evento. Esquecem que se tratou da reconquista da liberdade do povo e da nação subjugada pela dinastia dos Filipes de Castela. Mais vale um povo pobre e livre do que rico na gaiola dourada com as cores do reino de Espanha. Assim o dizem os galegos que se aproximam das origens portuguesas preservando a língua e cultura comuns: a memória dos homens é curta.

    São interessantes os “pequenos detalhes” que determinam a História e que legalizaram de pleno direito a sucessão de Filipe II ao trono de Portugal em 1580 por morte sem descendência do herdeiro varão cardeal D. Henrique (68 anos) 9º filho do rei D. Manuel I. A candidatura de Filipe era fortíssima e indiscutível pelo casamento da filha terceira de D. Manuel I, com Carlos V, pais de Filipe I (II de Espanha). Paradoxalmente, antes da candidatura de Filipe, a situação poderia ter sido invertida, unificando as coroas ibéricas “para o lado português”. Em 1499, foi proclamado herdeiro das coroas de Portugal e de Espanha, Miguel da Paz, primeiro filho de D. Manuel I com Isabel, filha dos Reis Católicos. Azar dos portugueses ou conspiração castelhana, morreu com 2 anos de idade.

    Os portugueses serão sempre saudosistas, dos espanhóis, de Salazar e do sonho chamado 25 de abril.

    — Quem diria que Portugal estaria melhor como província espanhola do que independente?

    (Os galegos dizem que não).

    • Quem garante que não seria Portugal uma célula independentista, tipo ETA, (aliada ou não à Galiza)?
    • E se fosse ao contrário? Se o Reino de Espanha fosse hoje uma província de Portugal?

    Que aconteceria aos Bourbon?

    Só tinham utilidade nos EUA. Lá emborcam todos os Bourbon que encontram.

    Infelizmente, aqui ao lado, entronizam-nos e chamam-lhes Reis.

     

     

  • A MINHA GERAÇÃO DEU-VOS TUDO

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    May be an image of one or more people
    Solane Schnoremberger

    Crónica 424 a minha geração deu-vos tudo 16.11.2021

     

    Assim foi criada a geração que deu casa, carro, roupa e cursos superiores à geração atual que reclama por falta de oportunidades.

     

    Estou deprimido” é expressão recorrente nesta geração paradoxal. Inconsciência crónica com excesso de indefinições. Da banalidade despreocupada à angústia paralisante. Esta geração não passou por privações, comparada com a nossa, de “baby boomers”, rebeldes, que, no fim dos anos 60, se revoltavam contra o status quo, na França e a guerra colonial em Portugal. Vivia melhor que a geração dos pais, em conforto e posses, mas era arrastada para projetos militares alienígenas aos quais se opunha. Queria tomar parte na construção da História e não ser arrastada como nota de rodapé. Depois chegou o 25 de abril. Os jovens dos anos 70 e 80 já nasceram com o rei na barriga. Nada era proibido e podiam almejar à sociedade sem classes em que todos tinham acesso ilimitado a todos os bens, sendo felizes para todo o sempre.

    As crises económicas não se fizeram sentir muito, exceto a crise do petróleo, 1972, a máquina da publicidade assenhoreou-se da TV, moldando os filhos. Por mais que disséssemos que a vida era de sacrifícios, não passaram por experiências dolorosas. Frequentar a universidade já não é apanágio de elites, nem mesmo as privadas. Os cursos facilitam o acesso a canudos com a fama de distinguir entre os que vencem na vida e os outros, mas na prática é muito diferente.

    Os pais enfrentam a situação desconcertante de filhos que, por um lado, se comportam irresponsavelmente sem dar importância às coisas que, teoricamente, lhes deveriam interessar e, por outro, se manifestam devastados pela incerteza do futuro ou pequenos reveses. Jovens tão pouco dados a levar a vida a sério tornam-se vítimas quando veem as coisas mal paradas.

    Estarão a exagerar? Não se tratará de estratagema de autodesculpa, para obterem compaixão e evitarem atuar? Tudo leva a crer que não. Raras vezes se trata de birras e de espavento de adolescentes tentando enternecer os adultos. Os pais fizeram o que lhes competia dando o máximo de bens materiais (que eles não tiveram), e rodearam-se desses bens. Parecia uma sociedade de abundância sem limites. A pressão dos pares a nível social, engendrada pela insaciável publicidade, levou-os a comprarem tudo e mais alguma coisa. Quando a árvore das patacas seca, ou saem de casa, dão conta de que as mais pequenas coisas têm um custo, o que os irrita profundamente porque quando chegam às grandes coisas já não há dinheiro.

    Muitos especialistas concordam, as causas da intolerância e da frustração jovens estão ligadas aos valores propugnados pelos meios de comunicação. Quando, desde a nascença, um jovem recebe da TV, mensagens subliminares, não é descabido pensar que isso os incapacitou para enfrentar a realidade. E não foi nem o pai nem a mãe, mas os meios de comunicação a manipular as mentes dos recetores consumidores. Que capacidade de enfrentar problemas terão os que nos anos mais recetivos da vida foram metralhados com promessas de felicidade virtual, êxito imediato, a vida como um show de diversões que nunca termina? O discurso mediático mercantil alimenta a imaturidade que se revela quando a realidade nua e crua se mostra e o jovem constata que nada é como lhe disseram, criando um desajustamento causador de insatisfação e ansiedade.

    Nos anos 60 e 70 geração rebelde, nos 80 e 90 “Millenials” e agora da frustração. Nem poderia ser doutra forma, mas a evidência não resolve o problema nem serve de consolo. Quando dizem que estão deprimidos estão a falar a sério, sofrendo mais do que possamos imaginar. Aumentou substancialmente, o número de consultas de adolescentes na urgência psiquiátrica. Num hospital de Barcelona as estatísticas indicam primeiro, as alterações de conduta, seguidas das crises de ansiedade, 25% do total. Se acrescentarmos 15% de tentativas de suicídio teremos de admitir que se trata dum problema grave e crescente.

    Muitos jovens não aguentam revezes pois não foram treinados para os enfrentarem, sobreprotegidos, acostumados a conseguirem tudo, falta-lhes a experiência de sentirem necessidades ou penúria, carecem de defesa face às dificuldades. Já se disse, que os pais criaram inválidos sem recursos para enfrentarem o mundo, regido pela competitividade e elevados padrões de exigência, a nível laboral e profissional, nas relações interpessoais e integração social. Os adolescentes naufragam no trajeto entre a infância almofadada que nada lhes exigiu e o futuro eriçado de obstáculos.

    A geração paterna perpetua o estereótipo. A sobreproteção e a permissividade excessivas criaram dependentes, sem autonomia para tomar decisões e confrontarem os problemas. Não será justo culpar os pais. As famílias, têm uma parcela da irresponsabilidade dos filhos que pagam com angústia, a vida mole. Os pais atuaram por carinho, mesmo se revestido de formas erradas. A maioria dos jovens deixou de buscar apoio e cumplicidade nos amigos, como quando se refugiavam dos defeitos dos pais, ineficazes a gerirem a segurança emocional necessária.

    Crianças mimadas em vez de trabalharem e ganhar mais, queixam-se, entram em depressão apática, sofrem na inação e deprimem-se mais. Tudo é um direito divino que compete aos pais satisfazer e quando não alimentam a ilusória vida fácil, sentem-se traídos pela sociedade. O que não sabem é que vão pagar as dívidas que lhes deixaram, e só então terão razão para se sentirem deprimidos. Parece a história deste país que habito.

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  • Crónica 423 sociedade de valores invertidos CHRYS C

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    Crónica 423 sociedade de valores invertidos 7.11.2021

     

    A imagem acima retrata bem a sociedade global em que vivemos de valores invertidos. Não precisa de legenda nem de explicação, o mesmo se aplica aos falsos heróis sejam eles do desporto ou de outras áreas. Ganham milhões, são bons profissionais a preço de ouro e são idolatrados, outros que sem meios nem salários milionários fazem ações meritórias nem uma nota de rodapé merecem.

    O voyeurismo é rampante, temos um primeiro-ministro, ministro ou presidente a fotografar uma família pobre a quem deu uma esmola com o dinheiro de todos nós e isso ocupa parangonas de jornais e telejornais. Outros que ajudam sem ser a caridadezinha salazarenta passam despercebidos. Cientistas, novos e velhos com grandes descobertas e invenções passam ao largo dos noticiários e qualquer “fait-divers” de uma pseudo-celebridade enche páginas de jornais e revistas cor-de-rosa.

    Há uma inversão total de valores que insidiosamente permeia a mente dos mais jovens desde muito jovens e em vez de inculcar princípios de justiça, equidade e mérito apenas incentiva à futilidade. Infelizmente é nesse mundo que vivemos há já umas décadas e não se espera que a situação mude, a programação e os algoritmos que comandam a sociedade não o permitiriam para não alterar a agenda global de massificação e formatação mental.

    Outro exemplo de inversão de valores são os milhões desperdiçados no Novo Banco e outros em vez de se indemnizarem os que ali tinham poupanças duma vida inteira e dinheiro investido. Por seu lado a justiça tem sempre dois pesos e medidas, uma para os ricos e poderosos cheia de leniência e uma draconiana para os restantes.

    A selva em que a sociedade se transformou perdeu o respeito pelos mais velhos e sua imensa experiência e sabedoria para emular a gratificação instantânea e fútil da trivialidade e superficialidade. Não me revejo nesta sociedade de valores invertidos e sei que somos poucos a vê-la e escalpelizá-la deste modo. Nos anos poucos que me restam, disponho apenas deste espaço para o denunciar e esperar pela clarividência de outros.

    Chrys Chrystello, drchryschrystello@journalist.com

    Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

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