Categoria: ChronicAçores

  • . O CANTO DA SEREIA, 2.2.2021, CRÓNICA 380

    Views: 0

    . O CANTO DA SEREIA, 2.2.2021, CRÓNICA 380

    Portugal teve inversão de valores, notória na segunda metade do séc. XX e começo do séc. XXI. Idolatram-se personagens de pés de barro, principescamente pagas (ex.º jogadores de futebol).

    Remetem-se à profunda obscuridade os que com o seu pensamento e obras engrandecem as gerações. Isto na literatura (dantes autores de cordel ou faca e alguidar, hoje escrita a metro como Rodrigues dos Santos), artes plásticas, arquitetura, cinema, música (“pimba”) e os Açores não diferem do retângulo ibérico, embora exista uma desproporcional quantidade de autores, em todas as áreas, que mereciam alcandorar-se a prebendas internacionais.

    O homem-rã Kaj Peters visita a pequena sereia

    E o que fazem os governos? Concedem umas fraciúnculas como os senhores feudais atiravam migalhas das ameias dos castelos à turbamulta famélica que demandava as pontes levadiças. Tal generosidade não permite viver da arte, ou criar livremente sem constrangimentos de como vai alimentar-se a si e à família.

    Nos relatórios anuais dos orçamentos públicos são sempre nomeadas centenas de individualidades e entidades que recebem esses óbolos governamentais e na amálgama de milhentos nomes a generosidade governamental parece infinda, por entre as cliques e as claques que vendem a alma e as palavras ou as paletas em troca de apoios.

    Dizia em 2010, o falecido escritor Daniel de Sá que os Colóquios da Lusofonia (AICL) “tinham feito mais pela rica literatura açoriana do que 34 anos de benesses autonómicas”.

    Pode ser que sim, fazemos “pro bono” almejando levar a conhecer a mais gente, nos quatro cantos deste mundo redondo, a vasta produção literária, musical e artística das nove ilhas.

    Não queremos comendas nem honrarias, que teríamos de recusar, mas, gostávamos que todos dispusessem de meios para combater o custo da insularidade (com as outras ilhas, o torrão ibérico ou a diáspora).

    Não é queixume nem pedinchice. Numas áreas resultam em mais apoios. Ai se fossemos vacas! Se não se der valor à cultura e educação nunca sairemos da cauda das estatísticas nem atingiremos a autonomia por falta de massa crítica.

    Um povo culto nunca toleraria a corrupção, o nepotismo e o chico-espertismo em que o país se afunda.

  • tempos difíceis

    Views: 0

    TEMPOS DIFÍCEIS, 15.1.2021, CRÓNICA 378

    Os tuaregues, senhores do deserto, azuis índigo, nómadas do Saara são livres, sem dono nem líder.

    Disse Moussa Assarid: “O homem moderno tem o relógio mas um tuaregue tem o tempo. Tendes tudo, água em abundância e não parais de vos queixar, num frenesim de posse. No deserto não há pressa e a água falta, mas ninguém se queixa.”

    Escrevo em vésperas de eleições. Há dias li “Se as eleições mudassem alguma coisa, eram ilegais.” Talvez seja verdade, dão ao povo a aparência de liberdade.

    Os DDT (donos disto tudo) já decidiram há muito o futuro e os seus capangas andam convencidos que mandam alguma coisa, só se for nos EUA ou na Venturalândia.

    Disse Thomas Sowell “Se queres que os pobres permaneçam pobres, geração após geração, mantém baixos os níveis de escolaridade e culpa os alunos pelos maus resultados.”

    Descartes se estivesse vivo ficaria surpreso: “há pessoas que não pensam e também existem”. O xamã avisouem 2019 devia evitar as pessoas negativas, em 2020 as positivas, em 2021 todas.”

  • NÓS, OS VELHOS

    Views: 0

    NÓS OS VELHOS – 27.12.2020, Crónica 374

    NÓS, os velhos, estamos em fila para um lar que não nos mate, um país que não nos cale as dores, uma vacina que ninguém sabe se morremos da doença ou da cura, uma sociedade que se quer ver livre de nós a qualquer preço, uma família que não quer saber dos sacrifícios que fizemos para que existisse, uma academia que não se interessa e desperdiça a nossa experiência e conhecimentos. O importante é resistir à solidão, às doenças e ao medo. Neste consumismo desenfreado somos cortejados para aparelhos auditivos, elevador de escadas, fraldas descartáveis, como descartáveis da sociedade que nos consome. Como dizia a apache Edna Syn

    “um dia a gente aprende que nada é meu, teu, ou nosso, tudo é emprestado. A única certeza, é que um dia, a vida vem e leva tudo de volta. Quando a última árvore tiver caído, o último rio secado, o último peixe pescado, entenderão que o dinheiro não se come.”

    Dizia Isabel Stilwell

    “Síndrome das Festas,” termo cunhado, em 1955, pelo psiquiatra e psicanalista, James Cattell, para descrever a sintomatologia que muita gente revela nas semanas entre o Thanksgiving, o dia de Ação de Graças, e os primeiros dias de janeiro. Reconhece os sintomas? Ansiedade difusa, sentimento de desilusão, irritabilidade, nostalgia, ruminação amarga sobre experiências negativas do passado, depressão e, ainda, um estranho e frustrante desejo de que todos os problemas se resolvam como que por magia.”

    Todos os dias num qualquer lugar de 80 milhões de refugiados, o presépio está vivo. Há milhares de anos escravizados em prisões mentais por elites e sociedades secretas. Keanu Reeves diz

    “A Matriz é um Universo Holográfico que aqueles que desejam controlar-nos projetam. A humanidade foi assim reprimida e controlada por milénios. Achamos que é real mas na realidade é apenas um filme que se joga na consciência coletiva apresentando-se como “Realidade.”

    Keanu Reeves não é o único a acreditar que a humanidade vive numa matriz há milhares de anos. Algumas das pessoas mais ricas e influentes do mundo estão convencidas de que vivemos numa simulação de computador.

    Pelo menos dois dos bilionários em tecnologia do Vale do Silício estão esbanjando dinheiro em esforços para tirar os humanos da simulação em que pensam que vivemos.

    Elon Musk acredita que

    “A chance de não viver numa simulação de computador tipo Matrix são de “biliões para um.”

    A libertação e demonstração de que estamos vivos, depende de nós lutarmos contra a Humanidade que se ocupa de Kardashian e Big Brother, o entorpecimento mental que a todos aniquila.

    Não podemos aceitar ser tratados como dispensáveis, descartáveis, trapos velhos, como a sociedade nos quer tratar. Temos sentimentos, temos vida, temos sonhos, independentemente da idade e merecemos respeito por lutar contra a tecnologia e a IA (inteligência artificial) que quer fazer de nós rodas dentadas incompatíveis com a nova engrenagem do mundo.

    Resistamos ao vírus e ao medo que se apodera de todos, vivamos a vida que nos resta com dignidade sejamos açorianos com orgulho, independentemente de aqui termos nascido ou vivido. Velhos seremos todos, mas só é açoriano quem o sente.

     

    A desesperança em que vivo é mais do que justificada pela necessidade de colocar letreiros como este nos EUA:

     

     

  • ARTUR ARÊDE – MEMÓRIA adolescente

    Views: 0

    DO MEU PRÓXIMO LIVRO cHRÓNICaÇORES VOL 6 RECUERO…
    RECUPERAR UMA MEMÓRIA adolescente – 1.10.2020, CRÓNICA 362

    Normalmente sou crítico do Mark Zuckerberg, embora me conte entre os milhões que usam Facebook. Não uso para “selfies” nem para contar o que sinto, o que comi ao almoço, com quem sonhei e quejandos.

    Não é a primeira vez que permite viagens no tempo e já me proporcionou boas surpresas. O que não esperava era que reavivasse memórias perdidas de infância.

    Hoje a perfazer 71 outonos, perguntei algo a um senhor, com quem interagi esporadicamente na página do Carlos Fino e na dos Beatles do Luís Pinheiro d’Almeida. O que me despertou a memória foi o apelido ARÊDE, que vi uma só vez, e guardei na memória aos 16 anos. Era um jovem que tocava discos na cabine de som da Avenida 8 em Espinho nos anos de 1965-1970.

    Logo me veio à memória “Our House,” “Marrakesh Express” desse disco sagrado Crosby. Stills, Nash & Young “Deja vu,” e tantos outros de Dylan, Baez, James Taylor, Cat Stevens. A cabine de som do “Netinho” que a explorava (bem como a da piscina de Espinho) funcionava, creio que das 11 às 13 e das 16 até ao jantar, maioritariamente ocupada pela leitura de centenas de pequenos anúncios pirosos dos comerciantes do sítio, que eram entrecortados por música.

    Havia ainda os pequenos imprevistos das crianças que se perdiam dos pais, as chaves que apareciam no chão, e outros perdidos e achados que nos iam levar.

    O meu pai sentava-se na esplanada do Avenida a fumar SG-Ventil, beber um Martini (“nem shaken nem stirred”), lendo o jornal ou um livro, mas não apreciava a intrusão sonora, mesmo que a voz de fundo fosse do filho. Suportava-a.

    De manhã o movimento no “picadeiro” era reduzido.

    Quando eu e o jovem Artur Arêde começámos a ser as vozes desses anos, sentíamo-nos importantes, capazes de despertar a atenção das núbeis donzelas que ali se “promenavam” e propiciavam amores fugazes de verão para alimentar egos adolescentes durante um ano inteiro.

    Levávamos os nossos discos (eu obtinha discos raros via Radio Luxembourg e Radio Caroline, as rádios piratas mais célebres na época) para substituir as pirosas músicas que lá existiam, dando um ar mais contemporâneo ao que os jovens gostavam.

    Num café em frente tinham surgido, uns anos antes, as primeiras “juke box” onde se ouvia Françoise Hardy (“Tous les garçons et les filles 1962), Sylvie Vartan (“La plus belle pour aller danser 1964” e “Si je chante 1964” “Jolie Poupé 1968), Johnny Halliday, que repetidamente víamos e ouvíamos, até as moedas de 5$00 (0.025 cêntimos) acabarem.

    a oval cabine de som (anos 60)

    A música “yé-yé” era entusiasmante e atraente para os jovens numa sociedade ainda afrancesada, onde nos bailes se dançava à vista dos “paus de cabeleira” e onde os Beatles iriam fazer incursões com os Rolling Stones, Animals, Hollies, e outros que nunca esquecerei.

    Graças a este fortuito encontro fruto da memória privilegiada recuperei este episódio das lides radialistas em tenros anos, e que obnubilado estivera das memórias escritas.

    Fiquei contente com este reencontro virtual a milhares de quilómetros de distância e mais de 50 anos de intervalo, que me permitiu reviver momentos que, na época, eram importantes e viriam a marcar indelevelmente a minha carreira.

    Uma interessante experiência que jamais olvidarei em mais de 55 anos de jornalismo.

  • A COMUNICAÇÃO SOCIAL QUE NOS MANIPULA – 14.2.2020- CRÓNICA 317

    Views: 0

    A COMUNICAÇÃO SOCIAL QUE NOS MANIPULA – 14.2.2020- CRÓNICA 317

    Esta semana resolvi ler e ver tudo o que pude da comunicação social nacional e apercebi-me de várias curiosidades. Acidentes, mortes, violência: CM e TVI. Quanto mais violento, mais alarmista, sensacionalista, assustador, melhor. Em vez de falar dos verdadeiros problemas do país, ataca-se o SNS (imperfeito e subfinanciado) para convencer o pessoal de que os hospitais privados é que são bons, quanto mais se denigre o SNS mais privados surgem a atrair doentes.

    Arranjam-se causas menores para agitar a população. Propaga-se tudo sem contraditório, sem análise ou investigação. O que interessa é espalhar o medo, e levar o povinho a aceitar tudo.

    Inundam ecrãs e jornais com futebol, discutem por horas se os 2 cm eram fora de jogo, se havia penálti, se o árbitro fora comprado, acusações entre dirigentes, provocando os mais básicos instintos em adeptos e claques (estas são um viveiro de neonazis e outras franjas). Enchem-nos de imagens da riqueza de jogadores, criando a sensação de que qualquer um de nós pode atingir esse estatuto e incentivam um consumismo desenfreado para criar a impressão de que necessitámos do último modelo de telefone ou outro equipamento.

    Descrevem o país como o melhor em todas as trivialidades sem mencionarem os verdadeiros heróis, inovadores, criadores, peritos nas suas áreas cientificas.

    A literatura (sem ser em massa, ou feita a martelo, como dantes a de cordel) ou as artes, são menosprezadas e consideradas a coutada de elites cultas.

    Por idêntico motivo a poesia, teatro, bailado parecem especialidades favoritas dos internados em manicómios.

    Se pensam que deliro, transcrevo um especialista da iniciativa BRAIN, neurocientista Rafael Yuste, sobre a descoberta dos segredos do cérebro.

    “Estamos num momento em que podemos decidir que tipo de humanidade queremos.”

    Yuste, catedrático da Universidade de Colúmbia (EUA) sabe o que a neurotecnologia é capaz de fazer nas nossas mentes e teme que escape ao controlo se não for regulado. O homem que impulsionou um projeto de seis biliões de dólares (EUA) para investigar o cérebro, enumera com preocupação os movimentos recentes:

    O Facebook investiu um bilião de dólares na empresa que trabalha a comunicação entre cérebros e computadores. A Microsoft desembolsou outro tanto na iniciativa de inteligência artificial de Elon Musk, que investe 100 milhões na Neuralink, a companhia que implantará fios finíssimos no cérebro dos utilizadores para aumentar as competências.

    O Google está a fazer esforços semelhantes. Chegou a era do neurocapitalismo. A privacidade máxima de uma pessoa é o que ela pensa, mas agora já começa a ser possível decifrar isso,” alerta Yuste.

    “Em 2014, cientistas conseguiram transmitir “olá” diretamente do cérebro de um indivíduo ao de outro, a 7700 km de distância, por impulsos elétricos.

    Em laboratórios foi possível recriar a imagem mais ou menos nítida do que uma pessoa está a ver analisando as ondas cerebrais que produz. Graças à eletroencefalografia, cientistas puderam ler diretamente do cérebro palavras como “colher” e “telefone” quando alguém pensava nelas.”

    Agora imaginem os poderes de quem dispuser da tecnologia.

  • pensamentos avulsos maio 2018

    Views: 0

    Disse Charles Bukowski “algumas pessoas nunca fazem loucuras, que vidas horrorosas devem levar!” Eu já fi z loucuras, às vezes, mas o médico aconselhou “nunca se deve contrariar uma mulher, exceto se for a mulher do próximo.” Neste mundo onde todos usam máscara [ainda não havia Covid] é um privilégio ver uma alma

     

  • PAÍS INGOVERNÁVEL, 11/11/2015

    Views: 0

    16.5. PAÍS INGOVERNÁVEL, 11/11/15, CRÓNICA 151

    Este país onde nasci deu belas passagens e desgostos, país malformado, mal-educado, malpreparado de gente diversa: os que nasceram mais ou menos bem, a classe média, trabalhadores, empresários, patos bravos, corruptos (de todas as cores e felizmente para as origens, nem todos transmontanos, embora avondem como dizem os galegos), os que jamais trabalharam um dia, e tiraram cursos esconsos em universidades dúbias, falsificando cursos ou nem por isso.

    O cérebro sistematicamente lavado, desde tempos imemoriais sem oposição, por Viriato, Sertório, Romanos, Alanos, Suevos, Vândalos, Visigodos, Árabes, Castelhanos, a Inquisição delatória e a Ditadura de má-memória (em 48 anos de obscurantismo) fez um povo de “bufos”. Este povo encontrou a liberdade (confundiu com libertinagem), liderado por gente engenhosa e sábia na arte de roubar (lembram-se dos dinheiros da formação profissional que a Europa mandou e compraram carros de alta gama?).

    O povo não aprendeu a substituir fado, futebol e fátima, ao som de música pimba (quanto mais ordinária melhor), de telenovela que o faz sonhar com vidas que nunca terá (só no ecrã), e se embala, inebriado, pelos vapores do voyeurismo de Big Brother, onde o sexo é a moeda corrente. Anestesiado e inculto como no tempo do Salazar, mas doutor, engenheiro, arquiteto, graças à massificação do ensino. Um povo que nunca cuidou de se educar, sem formação (os governantes não queriam, quanto mais incultos mais manipuláveis), sem gosto na história, língua e cultura, confundida com atividades circenses, touradas e futebol. E uns menos influenciáveis viram desaparecer a classe média com aspirações elitistas (dantes uns iam para o liceu, outros para escolas comerciais ou industriais)

    As brumas não auguram a chegada do Sebastião, desejado ou não, jamais virá em dia de nevoeiro. Mesmo que chegasse não seria a tempo de salvar o país. Aprendi na minha Austrália (não abdico dos poucos princípios que restam), a acreditar na democracia participativa.

    Aceito o voto da maioria, estúpida, iletrada e portuguesa.

    Acredito que o mérito é a unidade de valor e não o compadrio, a cunha, o senhor doutor parolo da sociedade em que cresci.

    Acredito que um país só pode ser decente e governável quando a liderança se rege pelos superiores interesses do país (res publica) e não do partido, amigos, associados, “boys and girls.”

    Se alguém é corrupto, julgue-se, condene-se, prenda-se e deite-se a chave fora, obriguem-no a trabalhar, a produzir para a sociedade, nem que seja caixas de fósforos (esqueci-me de que já não se usam, pode ser limpar ruas e matas, apagar incêndios, reabilitar casas devolutas). Há tanto por fazer e poucos a trabalhar.

    Acabem com as reformas antes do tempo, todos no regime geral a contribuir com deduções iguais às que o estado colocará em fundos especiais, sem ser de especulação. Em obra pública com derrapagem de custos, responsabilizem os culpados e indemnizem o dono da obra.

    As viaturas de estado operando só no horário das repartições) reduzidas ao mínimo e não para a ostentação. A justiça célere e sem prescrições. Estado Social sim, com inspeções.

    Quando vim da Austrália, nas casas sociais (Porto), viviam pessoas alegadamente sem posses, com antenas parabólicas (pagavam-se bem caro) e carros melhores que o meu. Comiam diariamente nos cafés e restaurantes, coisa que eu não podia.

    Algo me diz que a distribuição é injusta. O RSI, rendimento de inserção social, deve bonificar os que precisam, e estes devem-no retribuir para a sociedade, na medida das suas possibilidades e não para ficarem em casa.

    A minha ética é o trabalho e vivo a trabalhar “pro bono” nos Colóquios da Lusofonia e atividades paralelas que me dão o prazer que o labor pago nunca deu. Quando trabalhava por conta de outrem, dei sempre mais do que recebi, na função pública ou na privada.

    Raramente vejo isso nos que me rodeiam, se bem que haja exceções. A maioria, são uma desgraça para a profissão. Deviam ser retreinados, avaliados e promovidos profissionalmente com sistemas de mérito e verificação de competências e se isso falhasse, expulsos.

    O trabalho deve ser justamente remunerado, a carreira com progressão de acordo com a produtividade, onde tudo é mensurável.

    Na Austrália os funcionários públicos eram avaliados e singravam graças ao mérito e coeficientes de produtividade. Era um sistema justo, as sugestões dos funcionários iam aos ministros, forçados a mudar as normas “Top Down,” pois não funcionavam e ninguém melhor do que os que estão na linha da frente para avaliar o seu impacto. Cá, os funcionários regem-se pela lei do menor denominador comum ou menor trabalho útil.

    O parlamento britânico tem condições mínimas, mal cabem, apertadinhos uns ao lado dos outros, sem PC, gabinetes, telefones, sem a dispendiosa parafernália eletrónica da Assembleia da República e sem viaturas do Estado.

    Na Suécia os deputados, têm um miniapartamento frugal. Cá, subsídios de residência, ajudas de custo, viagem, mil e uma mordomias. Quanto piores os políticos maiores as mordomias. O maior escândalo são os preços do caviar e do champanhe, quase gratuitos, no bar da Assembleia. Isto sem falar dos carros de luxo e viagens em executiva.

    Na Austrália os transportes públicos são para todos e, diariamente, viajavam comigo ministros e altos funcionários do governo estadual sem que os parentes caíssem na lama.

    Jamais esquecerei a cena ridícula dos ninjas de Pedro Santana Lopes (o mais fugaz primeiro-ministro) para o protegerem, na visita relâmpago (48 horas em novº 2004) a Bragança, carros blindados, na contramão para a Estalagem de S. Bartolomeu. Uma cena à faroeste. Bragança é um coio de terroristas do ISIS e Al-Qaida, onde ninguém se desloca sem Humvee à prova de bala, batedores da polícia, guarda-costas e secretas, como o Presidente dos EUA no Iraque, não vá o diabo tecê-las e serem atingidos, sei lá, por uma alheira, butelo ou posta mirandesa.

    O governo, manietado pela troica e banca internacional de agiotas, que espreme os trabalhadores, a quem retiraram direitos e feriados, a quem congelaram salários e pensões, benefícios arduamente conquistados depois das longas trevas da ditadura, de promessas incumpridas e aumentos exagerados de impostos aumentando o fosso entre ricos e pobres, condenando milhares de portugueses a emigrar, despovoando mais um país envelhecido, reduzindo a quantidade de pagantes de impostos enquanto se aumenta o número de milionários por meios obscuros e ilegais. Que o digam a Porsche e a Ferrari.

    O governo deu ao desbarato (em troca de luvas) tudo o que tinha valor. Já há pouco de Portugal no que leva o nome português, pois pertence a estrangeiros. Se as joias da coroa fossem bem vendidas ainda se admitia a privatização, mas dar ao desbarato o que nós pagamos exorbitantemente é um crime de lesa-pátria.

    Como se faz a campanha para vender um bem público? criam-se atritos com o pessoal, baixa-se a produtividade, depois, entrega-se de mão beijada a amigos ou aos que mais luvas pagam. Foi assim com a EDP, REN; TAP; CTT, ficou a ponte Vasco da Gama, a torre de Belém e os Jerónimos e pouco mais, e esses seriam vendidos (se tivesse havido tempo) tal como fazem com conventos, castelos e monumentos oferecidos à exploração por privados para hotéis de luxo.

    Escravizado o povo português, vendido a chineses e outros, dispõe de menos serviços, saúde, justiça, educação. Mais facilmente se manipula, aceitando a caridadezinha.

    Um quarto da população vive em pobreza extrema (2 milhões), aumentam os sem-abrigo, e isso não perdoo, hipotecou-se a ESPERANÇA. Venderam o país a retalho sem mexer nos privilégios dos ricos? Mandaram a fatura ao povo para pagar os erros da banca. Na Islândia prenderam os banqueiros e venderam os bancos para reembolsar os vigarizados.

    Sou europeísta. Acreditei no sonho dos fundadores como solução para um continente assolado por séculos de guerras. Não votei na Europa manietada pelo capital agiota para retirar liberdade e soberania, não é esta a que quero pertencer, fortaleza anti-imigração, corroída pelo avanço dos fundamentalistas, sonhando com islamismos moderados que não existem. Uma Europa que vê primaveras árabes ao fundo do túnel do petróleo, faz desabar ditadores e abre as portas a uma emigração que ninguém contém, a não ser os naufrágios inúteis no Mar Mediterrâneo. Uma Europa aliada dos EUA a armar grupos como Al-Qaida e ISIS que fogem ao controlo para se tornarem em vilões como Saddam, Bin Laden e mais invenções americanas.

    Sei que sou poeta, utópico e idealista (bem mo disse, publicamente, o Adriano Moreira em Bragança 2008), mas não perdoo terem roubado a Esperança às novas gerações. Nem Salazar o conseguiu, havia a guerra colonial, um regime decrépito, mas tínhamos a Esperança e ora os filhos não têm nem sabem o que é, foi hipotecado o futuro deles e dos netos. Como bom poeta anárquico podia desejar o caos absoluto, “après moi le déluge,” ou um terremoto maior do que o de 1755 para reconstruir o país do zero, e sonho com isso desde os tempos de Liceu (1971).

    Nunca acreditei na troica e FMI para resolver os problemas de nenhum país, exímios em condenar povos à miséria esclavagista do capitalismo selvagem. A austeridade nunca foi receita para ninguém, só dá lucros aos agiotas. Sou contra essa austeridade, mas não contra o rigor, o despesismo balofo, a ostentação, o novo-riquismo. Não acredito nas tretas de direita e esquerda, não creio em político honesto (nem em prostituta virgem!), nem imagino que o governo faça (não o deixarão os magnatas agiotas). Quero os corruptos condenados e presos, e o sistema bancário mundial aniquilado. Não me entendam mal, acredito no capitalismo, à moda antiga, que investe os lucros para criar riqueza para todos.

    Creio na social-democracia à moda sueca (anos 70), o estado a complementar a iniciativa privada e a liberdade individual em vez de a tolher, com normas estúpidas como o tamanho dos tomates, sanitas ou chicharros.

    Acredito no ensino universal, gratuito para os que tiverem valor e não para os que querem o canudo e o axiónimo. Acredito que um país pode evoluir e progredir se for culta a população. Eu disse culta, não disse com canudos de Bolonha…

    Acredito num país que gaste mais no orçamento da cultura do que na defesa, que preze a história e a preserve, que recupere monumentos e tradições, em vez de culturas circenses, caso contrário que volte o autêntico circo de Roma com arena e leões para lá deitar os políticos. Quanto a guerras determino que em vez de mandar a juventude devem criar-se duelos entre os políticos dos países beligerantes, podendo escolher as armas, sejam a luta livre, corpo-a-corpo ou xadrez. Com Esperança posso sonhar e sem sonhos a vida não merece ser vivida.

  • cocaína no supermercado em 2014, uma divagação filosófica

    Views: 0

    COCAÍNA NO SUPERMERCADO. 5.7.2014, CRÓNICA 138

    As bananas do Lidl embaladas com cocaína, provocaram frémito e genica à Dona Firmina:

    “Sinto-me cheia de energia, cacete! Fui ao Lidl, trouxe bananas porque estavam todos a comprá-las e comi uma no caminho. Depois fui à peixaria e ao sapateiro. Vou fazer o almoço, aproveito e faço o jantar, o almoço de amanhã e se calhar deixo preparada a marinada para o fim de semana. Enquanto as batatas cozem aproveito e tricoto uma camisolinha para o neto. E tenho tanta coisa por arrumar, hoje vai tudo a eito. Lavar os tetos, arredar móveis e bater tapetes. Está um belo dia para atividades do lar. Vou comer mais bananas, são mesmo boas.”

    Enquanto pensava nas bananas do Lidl com cocaína, o amigo José António Salcedo escrevia:

    “Pelos montes do Gerês ecoam as músicas pimba emanadas das capelas com instalações sonoras potentes, numa manifestação inadmissível de imbecilidade coletiva, embora as gentes locais possam imaginar que é abençoada pelos deuses. Como gosto de referir, “A delusion is a delusion.” Imagino que o volume do som seja ajustado tendo em conta a elevada distância que as superstições locais consideram existir entre cada capela e o ‘céu’ onde pretenderão ver os deuses a dançar. Por mim, imagino-o com rolhas nos ouvidos e faço planos para o regresso à Noruega, onde o silêncio e a limpeza em Natureza são valores essenciais da sociedade, contrariamente ao Minho, onde nem uma coisa nem outra são apreciadas e, muito menos, mantidas.”

    Cito Zack Magiezi: “Causa mortis: traumatismo craniano. Fruto de mergulho profundo em pessoas rasas.” Seria a mensagem lapidar para o povo que, apesar da educação massificada, continua generalizadamente inculto e abúlico como Eça o definia:

    Acabava de entrar 1872. O ano novo interrogava o ano velho.

    – Fale-me agora do povo; pedia o ano novo. É um boi que se julga um animal muito livre porque não o montam na anca e o desgraçado não se lembra da canga; respondeu o ano velho.

    – Mas esse povo nunca se revolta? Insistia o ano novo espantado.

    – O povo tem-se revoltado por conta alheia. Mas por conta própria, nunca; respondia o velho.

    – Em resumo, qual é a sua opinião sobre Portugal?

    – Um país normalmente corrompido, em que os que sofrem não se indignam por sofrer.

    Diálogo de Eça sobre Portugal:

    “O povo paga e reza. Paga para ter ministros que não governam, deputados que não legislam, e padres que rezam contra ele. Pagam tudo, pagam para tudo. E como recompensa dão-lhe uma farsa.” Era 1872 a falar do bom povo português, “raça abjeta” de que falava esse eterno frustrado, Oliveira Martins, hoje poderia ter escrito este meu texto:

    “Um povo cretinizado, obtuso, subjugado, sem lamúrias, a não ser à mesa do café, enquanto vê o futebol que a crise não permite ter TV Sport em casa. Sem rebeldia, tão pouco de raiva, nem que seja surda. Um povo que se deixa levar, indiferente, por políticos sem escrúpulos, mentirosos compulsivos e múmias silentes em estado adiantado de decomposição mental, rodeadas de pompa, circunstância e servis conselheiros pagos a preço de ouro para bajularem. A desobediência civil deitaria abaixo os castelos de cartas nas nuvens. Os pobres (de espírito) alinham com os que parecem ter o poder e os legitimam. Sempre comeram e calaram, gratos pelas migalhas que os senhores jogavam pelas seteiras quando a turba suplicava para enganar a fome. Inventaram a padeira de Aljubarrota, Maria da Fonte, Velha da Ladeira (guerras liberais, Açores) para escamotear o facto de se tratar de populaça perenemente amodorrada e crassa, capaz de aceitar todos os sacrifícios. Atente-se na lenda das tripas na defesa de Portucale. Povo de chapéu na mão, espinha dobrada a beijar o chão dos senhores (que sempre o espoliaram), a recuarem, gratos e venerandos pelas migalhas bendizendo a generosidade. Eu vivi nesse “sítio” de que falava Eça, na “piolheira” a que el-rei D. Carlos se referia (país de bananas governado por sacanas), governado por gente como o douto Conde de Abranhos: “Eu, que sou o governo, fraco, mas hábil, dou aparentemente a soberania ao povo. Mas como a falta de educação o mantém na imbecilidade e o adormecimento da consciência o amolece na indiferença, faço-o exercer a soberania em meu proveito.”

    Ontem como hoje, o verdadeiro esplendor de Portugal. É por estas e outras que eu e tu, caro Salcedo, seremos sempre parte intrínseca da elite pensante e culta. Se os ateus – como eu – têm dores nas cruzes, não devemos dizer “a culpa é do tempo.” O tempo está bom, nós é que estamos mal. Não nos devemos autodiagnosticar com baixa autoestima quando rodeados por idiotas. É como a alegoria de que toda a gente fala de amor, mas poucos sabem amar, é o que falta hoje, a capacidade de amar, de acreditar (em nós, dos outros sabem eles). Sabes, Zé António, isto das Festas e fé, é complicado e mesmo sem música pimba, indissociável das mesmas, é um tormento.

    15.9.1. RECORDAR TORGA, CRÓNICA 138, 5.7.2014

    “Coimbra, 5 julho 1949 – Dizer tudo. Contar tudo. Passar para o papel a verdade inteira, sem deixar dentro da alma o mais pequeno segredo. No artista, até as contas do alfaiate interessam.» Estes críticos esquecem-se de que os escritores são homens. Julgam que somos máquinas de varrer as imundícies dos outros e as nossas. Dizer tudo, dizemo-lo nós, duma maneira ou doutra. Mas dizemo-lo como queremos, numa confissão que não tem direção, nem regras. Um escritor como Eça de Queirós, o mais pudico dos nossos artistas – tão pudico que até as inofensivas intimidades da sua vida cobria dum véu literário –, não teria dito tudo? Ficaria dele algum segredo escondido? Alguém precisa ainda de saber mais?!”

    Diário V, Miguel Torga

  • da minha janela

    Views: 0

    DA MINHA JANELA – 13 MAI 2013, CRÓNICA 128

    Das ameias do meu castelo, janela aberta sobre o mundo, vejo um planeta em permanente mudança. São vaqueiros a cavalo, em carroça ou carrinha, rumo às vacas, pelas cinco e meia ou seis em rotinas – duas ou três vezes ao dia – até ao escurecer quando regressam dos pastos.

    Vejo tratores, mais apropriados ao Oeste norte-americano, às pradarias, à amplidão dos campos australianos ou da Extremadura espanhola do que ao minifúndio micaelense, demasiado grandes para torrões minúsculos, enormes para as pequenas parcelas na Lomba da Maia.

    Vejo crianças ruidosas que voltam da escola ou catequese, a correr, aos berros, à pancada, desobedecendo a mães e avós, a atirarem papéis para a rua, como bestinhas que irão ser quando crescerem, saltando para o meio da rua impérvias ao trânsito e à vida que lhe podem roubar.

    Vejo anciãs de xaile ou lenço, na cabeça, parecem daguerreótipos do séc. XIX, vagarosamente sobem a rua rumo aos deveres eclesiásticos da fé, missas, novenas, enterros ou procissões. Parecem viúvas a viver num mundo que já não existe, como se tivessem deixado de compreender a realidade circundante. Imagens doutras eras, o passado ancestral, imutável, e que ora deu um pulo para o espaço sideral.

    Vejo, pela janela entreaberta da casa em frente, a televisão a debitar telenovelas, entretendo os anos de vida que faltam à moradora que aqui se desloca em feriados e fins de semana…

    Desta janela não vejo, noutra casa, o marido que bate na mulher, mas a mulher que bate nos filhos (bem casada ou mal casada?) que não cessa de entrar e sair e falar com todos os homens da aldeia (é freguesia, senhor), fornecedores do pão, fruta, carne, roupas e todos os das carrinhas que aqui aportam diariamente para venderem produtos. Ela aguarda, aperaltada, que o marido siga para as vacas e vai lampeira em busca de quem a ouça e à sua língua. Vive no quotidiano os sonhos imaginados das telenovelas que lhe enchem as noites.

    Dizem-me que há gente assim, rua acima e rua abaixo, em freguesias perto e longe.

    Da janela, aos domingos, vejo homens de fatiotas puídas, doutras eras (casamento) à porta da Igreja ou a beberem uns copos na tasca da esquina. Não entram na missa o ano todo, mas depois fazem-se à estrada como romeiros, arrostando com frio, chuva e outras privações.

    Há os que escapam, sobre quem não impendem acusações de violência doméstica, pedofilia, abusos, alcoolismo ou outras infrações mas que cumprem religiosamente tradições ancestrais que nem sabem explicar nem compreender. Como romeiros têm fama de bons cristãos.

    Vejo enterros, procissões, casamentos, vendedores de cracas e lapas, de tudo e mais alguma coisa em carrinhas barulhentas na distribuição e aliciamento de clientes em tempo de crise.

    Mas o que nunca vi desta janela foi alguém a ler um livro… e isso observei, apenas uma vez em Ponta Delgada, junto ao Forte de S. Brás em 2013.

  • o sismo de 2013 e a crise

    Views: 0

    DAS CRISES, MESMO A SÍSMICA – 2 MAI 2013, – CRÓNICA 127

    Tem sido uma semana complicada, diria mesmo, um mês espinhoso. Tudo começou com o 19º Colóquio que ia sendo anulado pela falta de voos por três dias. Depois, aliviou até ao rali da SATA que, em permanente estado de falência, entrou em greve no Santo Cristo, e vieram dias de sol até 30 abril data do susto. Foi muito forte (o maior sismo desde há 8 anos, durou perto de 1 minuto) abanou tudo, a cama batia contra a parede, o candeeiro no hall ficou dez minutos a pendular, partiu-se um passepartout, a cadela entrou em pânico. Dormi com a consciência dos justos, até me acordarem. Depois de Díli e Newcastle 1989, foi o mais violento, e prova a fragilidade das ilhas onde o culto ao Santo Cristo se iniciou por factos idênticos.

    Queria falar da crise que nos impingem com o medo. Não posso dizer para saírem à rua armados, seria um incitamento. Pessoas com medo nem pensam nem sonham, os que nos comandam são humanos, sem moral nem princípios, volúveis, corruptos. Apesar das estatísticas afirmarem que os cortes impiedosos (vencimentos, Estado Social, brutais impostos), só aumentam o desemprego e a pobreza, sem reduzir a dívida, ninguém ouviu, que a dívida é dos investimentos tóxicos da banca, só uma pequena parte é a dívida da nação.

    Quando o triunvirato, a que chamam troica (mais fino), chegou com 83 biliões €, o dinheiro foi para a banca, a dívida aumentou, juros e mais juros (compostos), e daqui a vinte anos (terá de pagar para trabalhar e morrer à fome) e ela lá estará como hidra à espera do resgate. Na infância gostavam de jogar ao monopólio e comprar o Rossio e Rua Augusta, já venderam o que era riqueza, pouco resta, para dar aos privados. O país já não tem uma marca nacional, apenas o nome se mantém a fingir.

    Os emigrantes que saíram depois de 2000 não são como os de 1960, mandam menos remessas e não regressam.

    Entretanto no interior abandonado e sem serviços, os resistentes começam a morrer, terras ao abandono, mantendo-se o envelhecimento do país, a sobrepopulação do litoral onde se concentram os serviços que sobraram. O remanescente é uma enorme manta de retalhos, sem gente nem serviços, envelhecendo a ritmo acelerado, sem trabalhadores para sustentarem a pensão de miséria, sem esperança, dominados pelo medo, inseguros sobre os cortes.

    Os idosos temem o amanhã como se o inferno pudesse ser pior. Os que trabalham veem continuamente os salários e poder de compra reduzidos e os impostos aumentados, cumulativamente com cortes na saúde, educação, justiça, todos vítimas da chantagem “é uma sorte terem um emprego” enquanto se esquecem de que o direito ao trabalho é um dever de uma nação civilizada. Os pobres morrem nas esquinas, nos vãos de escada, sob as pontes, sós, abandonados em casa, em lares, onde calha, sem dinheiro para ajudarem os filhos e sem comida para darem aos netos que não podem ter educação porque famintos.

    Os horários de trabalho aumentaram para níveis da Revolução Industrial com salários miseráveis como no fascismo. O pior está para vir, lembra diariamente a TV, até ao dia em que alguém se revolte. O povo não sai à rua onde as polícias de choque com gás lacrimogéneo ensinam quem manda. A gleba ainda vota acreditando nas ditaduras travestidas de laivos de democracia sem direitos, nem voz, nem livre expressão, as democraduras! Manifestam-se pensando que alguém está atento como nas velhas repúblicas do séc. XX. Cada dia que se manifestem, menos ganham, mais o Estado amealha.

    Zeca Afonso, canta para os saudosistas, mas ninguém leva a revolta à rua, amolecidos por mordomias burguesas, anestesiados pelo espetáculo circense do futebol, novelas, o voyeurismo da Casa dos degredos. Incapazes de pensar, educados a não o fazerem, iletrados ou funcionalmente analfabetos, nem compreendem textos mais complexos que um resultado de futebol.

    Na Somália morreram de fome 250 mil pessoas nos últimos dois anos e nem um pio se ouviu.

    Nove ilhas, separadas por bairrismos ancestrais. Aqui viveram revolucionários e aconteceu história (quase ninguém o sabe), desde a oposição aos Filipes às guerras liberais, ao 6 de junho, mas não vislumbro homens capazes de se libertarem do jugo. Nos Açores, a modorra habitual sem que se apercebam da crise e há sempre um Santo Cristo a quem rezar, a romaria para fazer. Os que compungidos oram nas romarias ficam à porta da igreja ou comungam na taberna enquanto decorre o santo sacrifício da missa. Atavismos de séculos que o medo dos tremores e vulcões em 500 anos perpetuaram no ADN das gentes, acostumadas a aceitar os fados como desígnio divino. Nada fazem para mudarem o que podem e aceitam o que não podem, mas não sabem a diferença. Seguem o ditado de Salazar “dar a beber vinho é alimentar um milhão de portugueses,” batem na mulher e filhos, não por causa do álcool, mas por herança genética.

    País com a (injusta) fama de brandos costumes e muitas aleivosias, alevantes populares, revoltas, apaga-se tal como Maias, Astecas e outros que dominavam partes do universo, e eu sem nada fazer a não ser cronicar o fim, esta morte há muito anunciada.