Categoria: ChronicAçores

  • CRÓNICA 495. 1º DE MAIO 1.5.2023

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    CRÓNICA 495. 1º DE MAIO 1.5.2023

     

    No primeiro dia de Maio as portas ou janelas de muitas casas ostentam, pelo menos, um pequeno ramo de giesta. É uma antiga tradição, cujas origens, de reminiscências pagãs, que se liga aos ritos de fertilidade, do início da Primavera e do novo ano agrícola, como ainda ao afastamento do mau-olhado e das bruxas para a casa. A minha mãe (1923-2021) sempre manteve essa tradição, e recordo estar já no liceu e ir pressuroso, de véspera, entalar as maias nas janelas do apartamento no 1º andar onde vivíamos.

    Dizem os noticiários que é dia 1 de maio – importante data que celebra o dia do trabalhador nalguns países. O Dia do Trabalhador, Dia do Trabalho ou Dia Internacional dos Trabalhadores é uma festa internacional cuja origem é a campanha dos trabalhadores pela redução do tempo de trabalho a uma jornada de oito horas, no fim do século XIX. É celebrado anualmente no dia 1º de maio em quase todos os países do mundo.

    No período entre guerras, a duração máxima da jornada de trabalho foi afinal fixada em oito horas na maior parte dos países industrializados. Por essa razão, o Primeiro de Maio tornou-se um dia de celebração dos trabalhadores e trabalhadoras em quase todo o mundo, tornando-se também uma data de importantes manifestações do movimento operário.

    Em Portugal, só a partir de maio de 1974, após a Revolução dos Cravos, é que se voltou a comemorar livremente o Primeiro de Maio, e este passou a ser feriado. Durante a ditadura do Estado Novo, a comemoração era reprimida pela polícia.

    O Dia Mundial dos Trabalhadores é comemorado, com manifestações, comícios e festas de caráter reivindicativo, promovidos pela central sindical CGTP-IN (Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses, Intersindical), assim como pela UGT (União Geral dos Trabalhadores).

    Aqui na costa norte da ilha de São Miguel Arcanjo, Açores, pelas oito horas da manhã já os padeiros distribuíam pão, os vaqueiros há várias horas que estavam na ordenha das vacas. Pelas 8 e meia chegou o homem que me roça o quintal cheio de ervas. Pelas 9 horas , o minimercado estava aberto (só fecha em feriados que são dias santos), e todo o pessoal trabalhador continuava na labuta como se de um dia normal se tratasse. Noutros anos, se não tivéssemos recusado, até a empregada doméstica teria vindo trabalhar.

    Contei isto apenas para dizer que há coisas nesta aldeia (senhor, por favor chame-lhe freguesia) que me fazem lembrar Trás-os-Montes no mais retrógrado dos anos 1950 a 1970. Seria de esperar 49 anos depois do golpe de abril 1974 (a dita revolução dos cravos) que algo tivesse evoluído, até porque a empregada doméstica e amigas usam o Facebook e outras tecnologias no seu smartphone última geração.

    Mas pelo que vi, neste dia sagrado para os que trabalham, este feriado de nada serve.

     

    Há anos que na vizinha Maia, um pouco mais evoluída, fazem desfiles da velha tradição dos “maios” em homenagem à sua fundadora Inês da Maia.

    Os “Maios” são figuras tipo espantalho que representam pessoas, em tamanho natural, vestidos com trajes rurais, mas também urbanos, surgindo em grupo ou isoladamente e representando cenas do quotidiano, sendo colocados nas portas e janelas das habitações, bem como em espaços públicos, como jardins, e em instituições diversas. Cada vez mais os “Maios” são usados para a sátira social e política através de cartazes colocados junto das figuras, tendo a tradição, segundo os historiadores, origem em antigos ritos e cultos agrários, visando assinalar o final do inverno e a chegada da primavera.

    Chrys Chrystello, Jornalista, Membro Honorário Vitalício [Australian Journalists’ Association – MEEA]nº 297713 drchryschrystello@journalist.com,

    Diário dos Açores (desde 2018)/ Diário de Trás-os-Montes (2005)/ Tribuna das Ilhas (2019)/ Jornal LusoPress, Québec, Canadá (2020)/ Jornal do Pico (2021)

     

  • O 25 DE ABRIL 49 ANOS DEPOIS

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    crónica 493 O 25 DE ABRIL 49 ANOS DEPOIS, 16.4.2023

     

    1. soletras autonomia (lomba da maia, abr 2013)

     

    ilhas de névoas e gaze

    de novelões e conteiras

    do verde e do azul

    ó gente de negro basalto

    quem canta a tua gesta?

    terra de maroiços

    cais de rola-pipas

    mar imenso abraseado

    lacerado por vulcões

    ilhas de bardos e músicos

    republicanos presidentes

    poetas, pintores e artistas

    antero, nemésio e natália

    quem te liberta das grilhetas

    do passado feudal

    da escravatura da fé

    do atavismo ancestral?

    soletras autonomia

    gaguejas liberdade

    titubeias emancipação

    com laivos de insubmissão

    como a irmã galiza

    cicias um 25 de abril

    que tarda em chegar

    (In Crónica do Quotidiano Inútil, vols 1 a 6, 50 anos de vida literária, ed. Letras Lavadas)

     

    1. A atual geração não passou por nada em termos de privações familiares comparado com a geração de “baby boomers” a que pertenço, nascida no pós-guerra (2ª Grande Guerra). A geração rebelde que, no fim dos anos 60, se revoltava contra o status quo na França e contra a guerra colonial em Portugal tinha algo contra que lutar. Vivia melhor que a geração dos pais, em conforto e posses económicas, mas era arrastada para projetos militares alienígenas aos quais se opunham. Queria tomar parte na construção da História e não ser arrastada como nota de rodapé como acontecera aos pais. Depois chegou o 25 de abril e as liberdades misturaram-se inicialmente com as libertinagens em que tudo era permitido. Os jovens dos anos 70 e 80 nasceram já com o rei na barriga. Nada era proibido, tudo era permitido e podiam almejar a uma sociedade sem classes em que todos tinham acesso ilimitado a todos os bens, sendo felizes até todo o sempre.

    Antes do 25 de abril em Portugal havia uma coisa chamada lápis azul, ou censura, que em 1972 me cortou 70 páginas a um livrinho de poemas adolescentes que publiquei com cerca de trinta páginas… o resto é já história, o 25 de abril trouxe a liberdade de pensamento e de expressão e muita água correu sob as pontes e sou confrontado por uma sociedade mais desigual do que nunca, de falsa fluência consumista.

    Quando cresci havia respeito pelos veteranos sobreviventes da mortandade na campanha portuguesa na 1ª Grande Guerra, conheci alguns heróis, de medalhas ao peito em marchas da famigerada Liga dos Combatentes (a que pertenci durante anos após o 25 de abril, comprava-se comida barata no “casão”). Hoje, não sabemos quantos são, quantos sofrem, quantos sobrevivem.

    Nalgumas aldeias e vilas do interior profundo de Portugal alguns autarcas mandaram erigir pequenos monumentos em honra da memória desses bravos, mas regra geral, foram esquecidos e temem falar sobre o tema, ou evitam-no a todo o custo. Nos Açores, autores houve que trataram o tema em livro: Urbano Bettencourt, Cristóvão de Aguiar, João de Melo, para citar apenas alguns que me vêm à memória de momento, mas outros preferem manter um silêncio discreto, tal como o dono do café da esquina, o dono do restaurante mais acima, o lavrador que vive na rua e se recusa a falar do tema e tantos outros de que nem sei a existência.

    Cresci, como sabem, numa ditadura. Havia até quem lhe chamasse branda, como brandos eram alegadamente os costumes do povo que a suportava. Cresci acreditando que um dia o país faria parte da Europa e do mundo, tão longe que bem podia pertencer a outra galáxia. Lembro-me de ir a Tui (Galiza) comprar discos dos Beatles ou beber Coca-Cola que em Portugal eram proibidas com medo dos miasmas contagiosos de civilizações estrangeiras. Depois, veio o dia de todas as esperanças, 25 de abril (quase sem mortes e com cravos na ponta das espingardas) e eu, em Timor, esperei, tardava a chegar (teria ido de barco?) e jamais arribou.

    A europa cresceu, o sonho da europa unida medrou e cresceu descontroladamente, até ter mais olhos que barriga e ficar desesperadamente obesa na palhaçada que hoje é. Por toda a parte, uma após outra, as ditaduras iam sendo aniquiladas e substituídas por modelos de democracia onde alegadamente o povo e a sua vontade eram representados em parlamentos. Com a queda do muro de Berlim e a glasnost a dar lugar a uma nova Rússia todos acreditamos que sonhar era isto, quando se tornavam realidade até na América latina e América do sul. Já o neoliberalismo da nova ordem mundial tinha disseminado sementes com a Thatcher e o Ronald Reagan, mas não sabíamos que isso iria perverter todo o ocidente.

    Lentamente, nos últimos vinte anos assistimos a um constante retrocesso nas conquistas dos direitos fundamentais da humanidade: igualdade, solidariedade e justiça. Mais do que nunca as democracias estão a ser manipuladas criando a aparência de vontade popular através do voto universal, mas, na prática, substituídas por autocracias dos EUA, à Venezuela e dezenas de países, sem falar daqueles onde as escolhas democráticas foram substituídas por nomeações da grande e anónima banca internacional, do grande capital do petróleo às farmacêuticas que tudo controlam. Isto num mundo em que a verdade é ficção e a ficção é a neoverdade. Ao ler Umberto Eco, O Cemitério de Praga, apercebi-me de que como isto sempre aconteceu sem nos darmos conta. Entretanto, países que se habituaram a mandar e a serem os xerifes do universo, como os EUA continuam a inventar primaveras políticas, depondo ditadores ou democratas a seu bel-prazer.

    Há algo que sempre afirmei e reitero, mesmo que já não sirva para grande coisa, o 25 de abril trouxe-me o bem mais precioso: a liberdade de expressão, a mim que sou um individualista nato e jamais conseguiria viver numa autocracia. Dantes, os países democráticos tinham eleições os outros não (nem mesmo as mascaradas eleições do partido único em Portugal o ocultavam).

    Timor-Díli 25 de abril 1974: Era hora de jantar e eu estava de Oficial (Ajudante) de Dia no Quartel-general. O idoso Oficial de Dia já estava há muito a olhar para o seu umbigo, depois da sua rodada habitual de vinho “Periquita” ou outro qualquer. Toni Belo, operador da Telecom local, a Rádio Marconi, ligou para o Quartel-General a dizer-me que ia ter uma chamada telefónica uma hora depois. Chamei o condutor de serviço, mandei-o ligar o Jeep e passados minutos estava em Díli, ansiosamente esperando ‘a chamada’. Pressenti tratar-se de algo muito importante.

    Anteriormente, acordara com a família que só haveria telefonemas em caso de emergência. Há muito que confirmara que toda a correspondência era sujeita a censura prévia e as chamadas telefónicas gravadas. E ouvi quase sem acreditar: Era a REVOLUÇÃO. Embora Timor não dispusesse de telex, desde o ano anterior dispunha de contactos radiotelefónicos com o mundo exterior.

    Sem perder tempo, pedi ao condutor para passar por casa nos apartamentos da SOTA, no Largo de Lecidere, onde comunico aos colegas de habitação (o cirurgião Prata Dias e o Eng.º Proença de Oliveira, subchefe dos Serviços de Agricultura) o que ouvira. Pedi-lhes o máximo sigilo, ligo o rádio em ondas curtas e regresso ao Q.G. (Quartel-General) onde anoto que nada havia a assinalar da ‘ronda’ pela cidade. Durante o resto da noite, escuto avidamente os noticiários da BBC, Rádio Austrália e uma série de emissoras (até ouvi a Rádio Paquistão, pela primeira vez).

    Na manhã seguinte, o camarada Freitas, que me ia render, pergunta se havia novidades de Portugal. Sem confiar em ninguém, , respondi-lhe: “Nada, que esperavas?” Os dias que se seguem são caóticos, com todos os rumores a circular e um generalizado sentimento de incredulidade pelos acontecimentos. Quando as novas de que o governador tinha mandado apreender a gravação e a versão impressa do discurso, a maior parte das pessoas convenceu-se de que a ‘Revolução dos Cravos’ não era imaginação.

    Os dias passam, e o oportunismo camaleónico é avassalador. Do dia para a noite todos são revolucionáriosA oposição à continuação do coronel Aldeia no poder cresce de dia para dia. Ameaça tornar-se numa bola de neve, com os militares definitivamente divididos entre os progressistas – maioria de oficiais milicianos, furriéis e sargentos – e a velha guarda dos oficiais de carreira.

    Entretanto em Portugal, os soldados usam os cravos encarnados nos canos das espingardas. O povo excitado com a liberdade acabada de aprender. Sobem os barómetros da esperança depois de 48 anos de obscurantismo. A situação começa a clarificar-se em maio, embora nem todos os decretos aprovados em Lisboa se tornem extensivos a Díli. Quase nem um tiro fora disparado em Portugal. O regime caiu porque estava tão podre que estava incapacitado de suster qualquer ataque. A celebrada vitória vem estampada em todos os jornais e revistas que chegam a Timor, mas de uma certa forma, parece estar a anos-luz de Timor.

    Depois do 25 de abril (data da Revolução em Portugal) comecei a publicar artigos que o Comando Militar e, em especial o CEM (Chefe do Estado-Maior Arnao Metello) queriam evitar. Era chamado quase todas as manhãs e simpaticamente mandava o motorista no velho Volkswagen do Estado-Maior buscar-me a casa. Nessa rotina (prolongou-se por bastante tempo e trouxe consequências ao meu serviço militar) lá tinha de explicar porque publicara artigos censurados e considerado material proibido. Uma verdadeira caça ou o jogo do gato e do rato. Ramos Horta viu assim o 25 de abril (entrevista dada ao Expresso em 28.11.2015.

    Ele acreditou que as coisas estavam a mudar, eu continuo à espera….

     

    Chrys Chrystello, Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713 [Australian Journalists’ Association – MEEA]

    drchryschrystello@journalist.com,

    Diário dos Açores (desde 2018)/ Diário de Trás-os-Montes (2005)/ Tribuna das Ilhas (2019)/ Jornal LusoPress, Québec, Canadá (2020)/ Jornal do Pico (2021)

     

  • Museu do Pico acolhe obras de Chrys Chrystello

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    492 Museu do Pico acolhe obras de Chrys Chrystello

    LAJES APRESENTAÇÃO 3 LIVROS 50 ANOS VIDA LITERÁRIA CHRYS C APRESENTADO POR MANUEL DA COSTA JNR, DIANA ZIMBRON E CARLA SILVA

    Pico, museu dos baleeiros 5 abril 2023 Apresentação 50 anos de vida literária

    Peço desculpa mas com as minhas atuais limitações de fala optei por mostrar as imagens que acabam de ver. Resta-me acrescentar que os seis volumes da Crónica do Quotidiano Inútil almejam ser amostra das Obras Completas de poesia e da inquietude que me persegue desde que deixei a Europa em 1973 e me abri ao conhecimento universal e multicultural.

    Após 2006 traduzi, entre outras, obras de autores açorianos para Inglês, nomeadamente Daniel de Sá (Santa Maria ilha-mãe, O Pastor das Casas Mortas, São Miguel: A Ilha esculpida e a Ilha Terceira Terra de Bravos ), de Manuel Serpa (e das pedras se fez vinho), Victor Rui Dores” (Ilhas do Triângulo, coração dos Açores numa viagem com Jacques Brel ) e outros autores da Antologia Bilingue de Autores Açorianos como Álamo Oliveira, Caetano Valadão Serpa, Eduardo Bettencourt Pinto, Eduíno de Jesus, Emanuel de Sousa, Emanuel Félix, Fernando Aires, Marcolino Candeias, Mª de Fátima Borges, Martins Garcia, Onésimo Teotónio de Almeida, Urbano Bettencourt, Vasco Pereira da Costa.

    Perguntaram-me depois de saberem que vim da Austrália, como se pode optar por ficar nestas ilhas e descurar o que existe para lá deste arquipélago? Simples, pois aqui uma pessoa fica ilhanizada como Almeida Firmino em “A Narcose”. Bastou descer à Praia da Viola na Lomba da Maia onde vivo, subir ao Monte Escuro e aos sempiternos verdes montes de São Miguel, ver as vacas alpinistas e o mar que nos rodeia para entender a açorianidade que nos leva a escrever. Depois, fui viajar entre estas nove filhas de Zeus para entender os maroiços do Pico ao sabor do seu Verdelho, descer ao Algar do Carvão na Terceira, calcorrear o mariense Barreiro da Faneca, banhar-me por entre as areias esbranquiçadas de Porto Pim no Faial depois de um gin no Peter’s, ouvir 1001 pianos na graciosa ilha branca da Furna do Enxofre, meditar nas 72 fajãs de São Jorge em frente ao ilhéu do Topo, embasbacar com as cascatas das Flores e as aterragens da SATA na ilha do Corvo.

    Quando cheguei desconhecia quase tudo sobre as ilhas, mas descobri no Dicionário do Morais os termos “chamados” açorianos, do vernáculo ancestral muitas vezes em desuso no continente. Foi essencial partir à descoberta de cada ilha, sentindo com Dias de Melo as agruras e fome dos baleeiros com Mau Tempo no Canal, parar num qualquer aeroporto e entender o Passageiro em Trânsito do Cristóvão de Aguiar, ler em voz alta a poesia do Fogo Oculto de Vasco Pereira da Costa, Viajar com as Sombras ou com o Tango nos Pátios do Sul de Eduardo Bettencourt Pinto, depois de revisitar as pedras arruinadas do Pastor das Casas Mortas de Daniel de Sá. Escolhi estes mas há muitos outros que não só merecem ser lidos, como deveriam constar de qualquer currículo de ensino.

    Toda a minha vida foi uma circum-navegação. Se nos anos 70 designei para pátria a Austrália nunca deixei de conjugar a de Fernando Pessoa, a língua portuguesa. Hoje, tenho como mátria Bragança, mas aos açorianos o devo pois foram eles que me ensinaram o amor às raízes. Ao vê-los tão amantes das suas terras tive de redescobrir as minhas origens em Bragança. Sinto como todos transportam esse sentimento de pertença aqui e no estrangeiro. Mas é aqui no Pico onde sinto o sortilégio da ilha. O mágico cume tem um íman que atrai e nos desconcentra, insistindo para o contemplarmos nas suas milhentas facetas, alteradas a cada segundo, quer estejamos em São Jorge, na Terceira, na Graciosa ou no Faial.

    É uma honra fazer mais uma apresentação aqui na Vila que foi a primeira da ilha, feita de gente que ao longo dos séculos sempre soube arcar com todas as dificuldades, domar a lava com ferros e marrões, tarefa hercúlea que as gentes do Pico empreenderam ao longo de cinco séculos de colonização da agreste ilha, sem esquecer a luta titânica que nos seus pequenos botes travaram contra a baleia. Mas é essa mesma gente que sempre denotou um invulgar caráter e inventividade. Atualmente, é proibido por força de lei, anunciar nas viaturas particulares que estão à venda. Pois bem, nesta ilha, inventaram uma nova modalidade comercial “Troco Por Euros”. Não infringem a lei pois não vendem a viatura nem anunciam a venda. Apenas a trocam por euros. A troca não é proibida.

    A terminar evoco uma memória marcante de 2009 quando ao chegar a casa do Cristóvão de Aguiar parei no café Refúgio, em pleno centro de São Miguel Arcanjo, onde me ofereceram graciosamente o café por ser o último que ali tomava. Andados uns passos deparei com uma camioneta estacionada aguardando o começo da semana para voltar a trabalhar. Acorreu-me a ideia peregrina de como seria a aventura peregrina de “pedir emprestada” a carripana, começar a percorrer as aldeias (ditas freguesias) e gravar as histórias que os passageiros fossem contando. A viagem não teria destino. Duraria tanto quanto as histórias. Não seriam cobrados bilhetes. Pararia em todos os locais, para que fossem contadas as histórias e lendas do local onde paravam. Que livro maravilhoso não daria esse compêndio de histórias apanhadas ao acaso daqueles que tomassem o autocarro dos sonhos.

    Esta é também a magia da vossa ilha que se insinua como uma amante insaciada, mulher fatal capaz de marcar os destinos de todos os homens que têm a sorte de a encontrar. Bem hajam pela vossa paciência para me ouvirem.

    Chrys Chrystello

    Carla Maria Pereira Pimentel Silva

    Apresentação de “Crónica do Quotidiano Inútil – 50 anos de Vida Literária” de Chrys Chrystello

    5 de abril de 2023 Museu do Pico, Açores

     

    Estão de olhos postos em mim, mas não deviam. Os olhares deveriam todos recair sobre um poeta/narrador rebelde, incomodado, corajosamente irrequieto que durante 50 anos, também eles de poesia, enfrentou a irregularidade do quotidiano. Sairia eu do brasão da nossa história açoriana, tal açor engalanado, e sobrevoaria este maravilhoso mar vermelho e negro de nome “Crónica do Quotidiano Inútil – 50 anos de vida literária”. Senti-me predadora de palavras, perdida num jogo de espelhos iconicamente deturpados por uma análise crítica, tenaz e muito afinada, tal viola da terra em noite de chamarrita na eira. Perdoem-me a ousadia, mas esta afronta que o nosso povo foi sempre capaz de fazer através da viola e das palavras equipara-se à deste poeta.

    Trago-lhe uma surpresa, Chrys Chrystello, uma viola da terra nas mãos de um cantador de chamarrita picaroto e acompanhado no despique por outro, por um segundo. Paulo Rogério Goulart na voz e Orlando Martins, na voz e no som trinado da viola da terra, a dos 2 corações.

    CHAMARRITA CANTADA

    Vou repescar, da minha introdução, o vocábulo icónico que, derivando do latim “iconicus”, apresenta o sentido de algo feito naturalmente; que tem semelhança com o que representa, que simboliza uma época, uma cultura, uma área do conhecimento. Eu diria mais refere-se a alguém que se destaca ou se distingue em relação aos demais, conferindo-lhe um comportamento, esse sim, icônico. São 6 volumes condensados num único grito que, tomando as palavras de Sérgio Augusto Vieira no prefácio do volume I datado de maio de 1972, diz:

    “Só podemos chegar ao mundo do poeta pelo abandono temporário de nossos hábitos de pensamento ou de nossas funções pensadas(…). Em relação ao jovem poeta José Chrystello, desejamos que o não vejam com a rudeza e a intranscendência dos conceitos e das deformações do pensamento crítico, mas que o olhem como que mergulhados no seu mundo, no momento de suas vivências. Só desse modo devem ser vistos os artistas.”

    Há aqui um aconselhamento ao leitor que data de 1972, como já referi, mas atualíssimo, alta costura, 2023/24, meus senhores. – Repito: Só desse modo devem ser vistos os artistas.

    Primeiramente avagarei na palavra icónico e agora permitam-me voltar às cores, à capa e contra-capa – vermelho, preto e branco e uma imagem; na capa, um perfil com mão de escrita que intercala o número 50 – tanto poderia ser dito da simbologia destas cores e deste número, mas tão diretamente como o narrador desta obra “ eu quero que tudo isto seja significado de libertação e grito de revolta à subordinação dos povos e de um eu lírico”.

    Na contra-capa há um círculo que nos inflama a curiosidade; é o autor a impor a sua verdade – vigiarás, mas mediante as minhas formas e propostas; se fores astuto sobreviverás. Temos que nos despir do nosso quotidiano inútil e embarcar, através desta estrutura circular, numa jornada sem fim, com retornos memoráveis – aos seus países, às suas cidades, às suas ilhas, aos seus lugares, aos seus amores e desamores, à suas guerras, à sua paz.

    Ao longo destes 6 volumes há uma denúncia de um quotidiano mísero, de um Deus não protetor, de uma sociedade em coma como podemos verificar no poema seguinte que encontrei no volume 6

    Orlando – Música “Este parte, aquele parte…”

    Carla – “galiza não morras sozinha” – página 181

    Este narrador é nitidamente contestatário e no mesmo volume 6 mantém esta vontade de mudança gritando: “deem-me outro povo menos manso / gente de sangue na venta / capaz de vencer a tormenta”.

    Mas este ser tumultuoso também dá possibilidades às homenagens, a muitas personagens de valor, de muito valor, mais ou menos reconhecidas – António Gedeão, Natália Correia, Maria Nini, Pedro da Silveira, Dias de Melo… e tantos tantos outros que são referência nomeada nas manchetes dos seus poemas. Fico a dizer-vos, com os toques da viola da terra, um que me diz muito como leitora e ex estudante da Universidade dos Açores, aluna de um professor marcante:

    Orlando – Música “Eu fui ao pico, piquei-me

    Carla – Poemas a Urbano Bettencourt, pág. 204

    É tão nítido e contagiante o entusiasmo deste narrador que mostra ao leitor que ao longo da sua viagem de, no mínimo, 50 anos de memórias, traz consigo eternidades de gentes que lhe foram significativas quer no Planeta Chrys, quer no Planeta Macau, quer no Planeta Timor, quer no Planeta Galiza, quer no Planeta Açores como ele próprio nomeia nos volumes 5 e 6.

    Meus senhores e minhas senhoras, tanto haveria ainda para dizer nos recursos de estilo, na forma estonteante das rimas, na pontuação, no entrosamento da natureza com o poema… mas prometi ser breve. Sou uma picarota muito mais Ilha Maior do que era há 1 mês atrás. Esta viagem por “Crónica do Quotidiano Inútil – 50 anos de vida literária” limou-me, engrandeceu-me. Muito grata pelo convite e termino com umas “açorianices” um dos poemas mais deliciosos desta viagem:

    Orlando – Música “Ilhas de Bruma

    Carla – Açorianices, pág. 174

    Lajes do Pico, 5 de abril de 2023

    Carla Maria Pereira Pimentel Silva

    Diana Zimbron

    Apresentação dos Livros “Liames e Epifanias Autobiográficas, ChrónicAçores V (1949-2005) Uma Circum-navegação” e “Alumbramento: Crónicas do Éden, ChrónicAçores VI (2005-2021) Uma Circum-navegação” de Chrys Chrystello

    5 de Abril de 2023 – Museu dos Baleeiros, Lajes do Pico

     

    [citação lenda do crocodilo 103 CH AZ V]

    Esta lenda timorense é citada por Chrys no volume V da série ChrónicAçores e, se me dedicarem alguma paciência, perceberão porque eu escolhi começar com esta partilha.

    Da escrita do Chrys eu conhecia algumas crónicas e poesia, mas não tinha imaginado a dimensão do seu legado escrito, quando ele me convidou para estar aqui hoje. Humildemente, aceitei o desafio e ele enviou-me, pelo correio, os dois últimos volumes desta série, que aqui veem. Não tive muito tempo para os ler, que bem podiam ser alvo de estudo durante 6 meses cada, pela sua qualidade e riqueza de conteúdo e de formato literário.

    Então, comecei a leitura das primeiras 285 páginas, incluindo o prefácio de Vamberto Freitas e posfácio de Pedro Paulo Câmara. Letras miúdas, margens estreitas, na corrida contra o tempo assustei-me e tentei dar pequenos “saltos”.

    Não foi possível! Os olhos fugiam para as últimas palavras do parágrafo ou crónica acima e, irresistivelmente, tinha de ler tudo do início.

    Tinham o fascínio das histórias contadas à hora do jantar, pelos pais ou avós, sobre a sua infância e peripécias, que mais imaginamos num livro de aventuras.

    Com a escrita de Chrys embarcamos numa viagem, quer por locais diversos, quer através do tempo.

    Começamos no Portugal profundo da sua infância, num tom mais melancólico, com ligações e conclusões sobre a nossa herança judia, por exemplo. Depois disparamos numa vertigem, através do que certamente foram os anos áureos de Chrys, pois é assim que ele nos faz sentir, durante a sua perseguição de emoções, na juventude. Passamos por Timor, Macau, Austrália.

    O autor não só nos relata períodos da sua vida como demonstra tudo com pesquisa, para que possamos compreender. Temos o enriquecimento do texto com dados históricos (políticos, económicos, religiosos). Temos etnografia, cultura de diversos locais e sempre a crítica social. Vejamos um exemplo [p.134]

    Nas suas andanças pelo mundo, Chrys apercebe-se da imensidão da influência de Portugal; dos locais onde a nossa língua e cultura deixaram raízes, para o bem ou para o mal; apercebe-se do impacto da colonização e da descolonização.

    Mais tarde, a língua torna-se objeto da sua atenção, “Português, a quinta língua mais falada no mundo” e daí nascem os Colóquios da Lusofonia.

    De resto, Chrys sempre se colocou em situações em que pudesse lutar pelo que acredita ser do interesse comum. Foi líder progressista, fez rádio, deu aulas, escreveu para a imprensa e passou notícias dos locais que visitava. Numa correria que demonstra o seu empenho e ética profissional e o compromisso do jornalismo, verdadeiro e vocacionado, por vezes em detrimento da sua vida relacional.

    Das maiores insistências, da sua parte, aponto a afronta. Chrys toma como sua a missão de pôr os outros a pensar. A esse propósito, faço mais uma leitura [p.173].

    Chrys continua a percorrer o mundo, encontra os Açores e apaixona-se. Da nossa ilha, diz: [pag. 247]

    Quando resolve fixar-se em S. Miguel, sabemos que Chrys foi crocodilo, saiu do pântano, viu as maravilhas do mundo, connosco aninhados às suas costas, do que viu tirou o melhor e trouxe consigo. E agora é ilha. Guarda, nos seus recantos, o encanto, mas também o desencanto, pois que não se repitam os erros do passado, essas memórias são preciosas e não admitem “limpezas ou censuras”.

    No último volume, ou no mais recente, pois provavelmente Chrys já terá outras 200 crónicas na gaveta, o autor assume de forma inegável o papel de provocador. Provoca dúvidas, obriga a pensar. Conquanto esteja enamorado, pelos Açores, ou talvez, por isso mesmo!

    São 231 páginas, com prefácio de Osvaldo Cabral e posfácio de Pedro Almeida Maia.

    Convém que o leitor entenda o contexto da maioria destas crónicas que [pag. 230]. Portanto, o veículo ideal para provocar uma comunidade, com insistência em temas que nos vão passando ao lado e que vamos desculpando, como a priorização questionável dos investimentos públicos, a (des)educação ambiental, o controlo da informação, a crise educacional, a herança deixada pelos sistemas governativos anteriores à democracia, a forte influência religiosa na sociedade, com deturpação dos valores, em detrimento de fracas interpretações daquilo que seria fundamental transmitir de geração para geração.

    Vejamos o que diz sobre a maior manifestação religiosa da região [pag. 39].

    Durante a leitura, em várias ocasiões eu disse para comigo: eu poderia ter escrito isto, ou mesmo, eu já escrevi sobre isto, ou ainda, isto é tão natural…

    Porém não o é, não para todas as pessoas. Encontramos manifestações da cultura do queixume e das aparências todos os dias, à nossa volta.

    O clubismo, o partidismo, o machismo.

    Não me entendam mal, o autor reconhece as maravilhas do nosso povo e da nossa terra. A nossa vontade de ajudar, só por ajudar, de dar, só por dar, de receber bem e acolher. Reconhece as provações a que estamos sujeitos quando esta linda terra e este lindo mar se revolvem. Porém [p.27]

    Há muitas e duras críticas neste Alumbramento, demonstradamente merecidas, mas também há partilha, de experiências e da troca de ideias com outros escritores e pensadores Açorianos, como Daniel de Sá e Cristóvão de Aguiar.

    Há ainda reflexão sobre a atualidade regional, nacional e internacional regada com humor, do qual confesso ser adepta.

    Vamos a um exemplo [p. 169] E ainda, a respeito de uma troca de doentes aquando da devolução de uma idosa à sua casa, pelos Bombeiros [p.230]

    Assim termino a viagem por estes dois volumes em que o autor narra o seu orgulho em ser Português, numa relação amor-ódio com muito amor, Porém tenho uma última consideração a partilhar sobre estes 50 anos de contributo do Chrys:

    Outro escritor açoriano afirmou que as novas gerações, as de 70 e 80, nas quais me incluo e às quais até já chamaram geração rasca, têm mais imaginação do que memória.

    Talvez assim seja, mas Chrys Chrystello sabe que as lutas e provações à liberdade são cíclicas. Os ataques dissimulados à liberdade são constantes e a geração d”os novos” segue em frente, empatizando com as lutas do passado, através dos relatos de quem viveu antes do 25 de abril. Estabelece as suas ligações e tira as suas conclusões.

    É a esta geração que Chrys dá a mão. Ele é um realista. Ele sabe que o dia chegará em que serão eles a dizer “basta” e quer que reconheçam os sinais.

    Chrys chama “os novos” para a luta. Chama-os para si e para os Colóquios. Fá-los falar sobre o seu trabalho, aqui, na vossa frente. Põe-nos a escrever prefácios e posfácios dos seus livros e concede-lhes a honra de falar sobre eles também. Assim lhes diz: não se calem!

    Por isso, por isto [apontar os livros] e por tudo o resto: Obrigada.

    Diana Zimbron

    5 de abril 2023

     

    Chrys Chrystello, drchryschrystello@journalist.com, Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713 [Australian Journalists’ Association – MEEA]

    Diário dos Açores (desde 2018)/ Diário de Trás-os-Montes (2005)/ Tribuna das Ilhas (2019)/ Jornal LusoPress, Québec, Canadá (2020)/ Jornal do Pico (2021)

  • 2023 LAJES APRESENTAÇÃO 3 LIVROS 50 ANOS VIDA LITERÁRIA CHRYS

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    2023 LAJES APRESENTAÇÃO 3 LIVROS 50 ANOS VIDA LITERÁRIA CHRYS

     

     

    2023 LAJES APRESENTAÇÃO 3 LIVROS 50 ANOS VIDA LITERÁRIA CHRYS C APRESENTADO POR MANUEL DA COSTA JNR, DIANA ZIMBRON E CARLA SILVA
    https://youtu.be/oUNn–tcDSM

    TEXTOS DE APRESENTAÇÃO EM ANEXOA história de Crónica do Quotidiano Inútil 1972-2022 A Crónica do Quotidiano Inútil em seis volumes almeja ser uma amostra das Obras Completas do autor https://blog.lusofonias.net/wp-content/uploads/2023/04/Apresentacao_Cronica-do-Quotidiano-Inutil_50-anos-de-Vida-Literaria_Carla-Silva.pdf diana Apresentação dos Livros cron

  • museu do pico acolhe obras de chrys chrystello2

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    5 de abril // Auditório do Museu dos Baleeiros
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