Categoria: ChronicAçores

  • diário de bordo duma morte não-anunciada do chrys

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    589. ressurrecto 16.5.2025

    E ao 3º dia, dizem, que ressuscitou, ou melhor dizendo, neste caso concreto, à terceira tentativa ressuscitou, depois de paragens cardíacas, desmaios e arritmias. E o Papa Francisco morreu dia 21.4.2025, uns 5 dias antes das minhas paragens cardíacas, não estava destinado irmos na mesma onda.

    Eu que não estou vocacionado para Papa, a não ser dos colóquios da lusofonia, fiquei-me no recobro da ICU – UCI (Unidade de Cuidados Intensivos) da Cardiologia do HDES (Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada), ligado a aparelhos vários que passam o tempo a tocar bips de diferentes tons e durações. Consta que já tenho um implante CDL desfibrilhador, cujo nome alternativo jamais me ocorre, por entre as inúmeras falhas de memória e de vocabulário que vou tendo.
    posteriormente esclarecem que o termo é CDI (Cardioversores desfibriladores implantáveis (pacemaker com desfibrilhador).

    Picuinhices designatórias que não obscurecem a gravidade do procedimento. Os primeiros dias foram complicados sem memória viável do que me aconteceu nas Lajes mas eternamente grato pela presença de helicóptero na Terceira para me ir buscar e me evacuar para PDL.

    Os dias na UCI foram de vagas memórias recheados de visões, fruto do coquetel de drogas que me deram. Alucinações, uma sensação de quarta dimensão que se prolongava pelos dias e noites. Era como estivesse sob a ação de psicotrópicos ou alucinogénios, cogumelos mágicos ou quejandos. Até as notas manuais que tomei parecem psicotrópicas. Os dias passaram ao ponto de nem dar conta da sua voragem, e ter perdido a conta de tais dias…até que me deram a data e dei conta do tempo que passara (perdi quase uma semana sem dar conta).

    Recebi notícias do Madruga, Sunes, Anabela, Gabriela, Diana, Aníbal, Vasco P da Costa, entre outros.

    Hoje (data não determinada), pelo 2º dia tomei banho sentado, uma auxiliar fez-me a barba, tive a primeira aula de fisioterapia e comi melhore (ovos recheados).

    Sexta-feira 9 de maio, acordei renovado ou assim o penso quando me comparo com ontem. Dormi toda a noite, levantei-me uma vez para abluções noturnas e uma matinal como quando estava numa rotina normal. Pelas 06.00 primeira ronda de exames e drogas e pequeno-almoço pelas 09.00. Tomei duche pela primeira vez por conta própria com supervisão de enfermeira e auxiliar. Fez-me sentir levemente menos dependente e intuiu-me a escrever sentado no cadeirão enquanto tento recordar o dia de ontem.

    Torna-se difícil descrever as atuais limitações e se ou quanto poderei recuperar. Acabei agora mais uma aula (sessão) de fisioterapia que correu tão bem que até foi encurtada de 60 para 20’. As pessoas que ligam a indagar, dão apoio, incentivam e conto com elas para efetuarmos novos desafios e colóquios. Tenho de aproveitar a oferta do diretor regional das comunidades logo que esteja pronto e apto.

    Outra sessão de fisioterapia com a pedaleira durante 20’. Nada mau. Não me deixam ter alta este fim de semana, pois a febre matinal continuava nos 38 ºC, sem se saber qual a causa da infeção, havendo deficiência de potássio e magnésio.

    Veremos como isto evolui, tenho medo de tornar a ir para casa, sem estar nas condições mínimas para me movimentar como antes deste incidente cardiovascular…

    A Bé e João insistem na necessidade de mudança do meu escritório para o quarto da frente , com a qual posso concordar mas que não queria permanente.

    A velhice é uma chatice.

    Sei que não vai ser fácil mas estou a mentalizar-me para os desafios seguintes e suas limitações. Adaptar a mente ao físico, por mais que custe. Hoje, por exº a tosse reduziu-se para o menor nível da semana sem expetoração externa e curtas tossidelas.

    Dói-me o triângulo (isto deve ser coisa dos Açores) da cervical (pescoço) até ao fim das costelas uma dor crónica.

    10.5.2025 o Biónico homem acordou para efetuar os testes e exame habituais pelas 06.00 da manhã com a mesma febre da véspera, 38 ºC que ninguém descobre a que infeção se refere.

    Por via disso fizeram inúmeras colheitas de sangue e outras durante toda a manhã.

    Tomei banho ajudado pelas enfermeiras e assistentes, depois fico num estado de limbo, como se estivesse drogado, sem me mexer. Fiquei assim até à hora do almoço pelo meio-dia. Convenci o pessoal a deixarem-me ir para a cama pelas 14 e tal quando chegava o João a visitar-me, primeiro, e depois, a Bé que parte hoje no voo das 16.00 e tanto apoio anímico me deu nestes dias, com a sua mera presença aqui.

    Finalmente consegui ir ao WC sozinho.

    Agora voltará o João amanhã. Já lhe estava a dar conta de tudo que é preciso fazer até dia 30 em termos de colóquio e de burocracia que há a tratar. Espero ter forças e conseguir tratar o que há a fazer. Vai fazer falta a presença da Bé, pois a presença dela sempre foi como que uma substituição da presença da mãe que tanta falta fez nestes tempos e, em especial na fase de evacuação e de internamento.. e que falta tão atormentada foi. A Nini poderia não ter feito nada nem ter poderes para me acompanhar mais de perto mas a sua presença seria um bálsamo, mais forte que a medicina do homem branco ainda não inventou.

    Somos 3 nesta enfermaria, apenas um há tantos dias como eu (e ficaria depois de eu sair). Todo o aspeto de emigrado, tem direito a visita dupla da mulher e filha enquanto eu tenho de aguentar separadamente e aguardar a vinda da Bé e do João. Fala português mas ao telefone , muitas vezes, em inglês. Outras vezes, fico com a sensação de que ele está a falar outra língua – sem que eu a consiga deslindar ou identificar – (foi-lhe perguntado pela enfermeira mas negou) e em tais ocasiões trata-se dum idioleto monossilábico que soa a nada que eu conheça. Intrigante. Quem saberá o que dizem e a razão. Normalmente essas conversas nunca ocorrem na presença da mulher e da filha ou outras visitas (com aspeto cigano). Será Romani?

    Deste desespero de internamento levo comigo o sorriso de algumas pessoas (médicos, enfermeiras, auxiliares) para servirem de espelho aos restantes dias.

    O meu vizinho de quarto e de cama intriga-me. Pode ser um mero pedreiro ou eletricista mas pressinto-o mais como um pau-mandado, uma espécie de gângster pelo aspeto, engraçadas estas minhas conjeturas quiçá suscitadas pelo excesso de medicamentos.

    Ainda agora dizia que são 19.00 e a mãe deve estar a ligar, mas são 16.00 e, infelizmente, a mãe não liga mais.

    Tenho andado a ler “Palavras nómadas” da Dora Gago e dou graças pela evacuação ter sido nos Açores, e por aqui falarem uma variante de PT-EUR…nem quero imaginar como seria difícil em Macau.

    12 maio, 10.00 acordaram-me e surpresa a infeção assinalada esta manhã de 38.3 ºC, mas agora baixou para 36 ºC., depois do pequeno-almoço, deram-me banho e demais requisitos médicos, incessantes…ao pequeno-almoço contei 19 comprimidos, mas estou fraco e muito trêmulo, embora com saudade de estar encasa. Hoje estou com a sensação de ir desmaiar ao andar e tento imaginar o medo que isso me causa se for para casa.

    Pelo meio-dia tive a agradável surpresa da visita do Eduardo Bettencourt Pinto que me fez companhia durante duas horas de amiga cavaqueira, em que se falou de família, AICL, colóquios e outros (tudo menos política).

    Ao deslocar-me para as minhas necessidades fisiológicas, numa sala mais afastada da cama, verifico que os pés estão mais seguros e o seu peso assenta mais uniformemente no chão, com uma postura, levemente, mais ereta.

    Contudo, na casa de banho, verifico como estamos todos dependentes de outros em atos tão banais como este. A nossa dependência em ambiente hospitalar é irreversivelmente elevada e vem à mente, sem razão nem desacordo o meu pesar pelo que fiz em jovens anos quando queimava moscas e formigas com fogo. Era uma chacina que hoje não consigo explicar e não encontrou remorsos nos sótãos da memória.

    Nunca falei e menos ainda escrevi sobre este terrível genocídio do qual estou disposto a arrepender-me, hoje e aqui. Seria por ter medo? Jamais pensara no motivo ou nisto até agora. Isto levanta a questão de recompensa que aqueles animais estarão agora dispostos a infligir-me em troca das multifacetadas malfeitorias infantis por mim praticadas.

    Começo a vê-los, enormes, aqui nas redondezas da cama, a prepararem-me o mais apropriado local para a sublevação.

    O médico que hoje me observou pretendia saber a atual medicamentação e se não fosse o meu filho João viver aqui seria difícil dar-lhe tal informação, dado que a filha Bebé não levara consigo o papel impresso que lhe dei nas Flores.

    Poderia ser curioso o título deste capítulo “Quase morri nas Flores”

    Maio 2ª fª, dia 6

    Noite muito agitada, acordei 2 ou 3 vezes e fui ao WC sem necessidade mas por mera vontade de me sentir vivo.

    Pelas 06.00 as recolhas de amostras do costume e febre mais baixa do que é costume, acompanhada da costumeira série de recolhas de sangue, mostras disto e daquilo.

    Acordo sempre com a terrível falta da Nini. Tento ser os dois apesar de fisicamente ninguém saber que está ao meu lado. Não é fácil explicar a mim mesmo o que se passa e ela sempre a instilar coragem e força, dizendo “tudo vai ficar bem” ou “melhor” e vou sair desta , mas tenho muito medo de ir para casa e viver sozinho.

    Acabo de ter uns momentos com resultados positivos para quem esteve de ama tantos dias. Outra terapeuta e mais 30’ de exercício, cansado como se tivesse corrido a maratona, agora estou no sofá e a cabeça pesa imenso, que nem a consigo suportar. Fico muito desconfortável .

    Toda a instabilidade desta situação coloca-me num vértice de tempo em que fico pendurado no espaço por infinita opção do destino. Vivo, quiçá, numa outra dimensão onde tudo está suspenso. Por vezes, sinto mesmo que não estou aqui mas numa posição superior de onde me observo e analiso e é assim que me considero agora. Sei que me faz sentir estranho mas o vizinho da cama ao lado é açoriano se bem que não fale outras línguas e o falar dele eu não o compreendo, isso vem-me preocupando há dias e tem-me feito magicar.

    Hoje, de manhã ele teve duas visitas e entendo que podem ter falado crioulo ou romani pelo que o entendi ainda menos. E as visitas, segundo espreitei, tinham feições gitanas. Creio não ter dúvidas mas não entendo os meus vizinhos de cama nem de ilha.

    Interrompo este diário de bordo, como lhe chamou a enfermeira Ana, trigueira, que me confessou estar já a ler os meus livros e ter até descoberto que fui batizado como José Alberto.

    Fui chamado a uma sala escura e frisa. Lembrei-me de Salazar, vá-se lá saber porquê. Ali fiquei seminu, deitado sobre o lado esquerdo e de costas enquanto me faziam ecocardiogramas ou coisa semelhante a eletrocardiografias.. regressei ao quarto, onde um dos 3 doentes teve hoje alta e fico só com o estranho ser de fala alienígena e que nunca consegui decifrar…

    Muitas vezes, nos locais onde vivi, nem metas tive (exº Macau), nem destinos, nem rumos certos. Havia uma falta de metas, um deixar correr , mais traços gerais do que queria e onde queria.

    Quando penso nisto sou obrigado a pensar que, afinal, esses destinos, essas metas afinal só o eram depois da partida desses mesmos lugares (uma justificação?), outros lugares de amor eram terras a preservar, memórias a chorar, como pátrias que me foram roubadas.

    E, dito isto, ora penso, e os Açores o que são? Por vezes, penso neles como a continuação da Escola Primária.

    E o vizinho, gutural, continua a proferir sons que não descodifico, que não fazem nenhum sentido, que não se assemelham a nenhuma das línguas que conheço…ao ouvi-lo posso afirmar que os de Rabo-de-Peixe ou de Fenais da Ajuda, nem terão grande sotaque. Isto que ouço são sons trogloditas, sem conexão a idioletos, dialetos conhecidos. Imagino o diálogo se fossemos, nós dois, os únicos habitantes desta ilha deserta!.

    17 horas, febre nos 35.9 ºC, todo o dia, finalmente sem febre. Há pouco nos exames de EEC falavam em deixar-me regressar na quinta-feira. Previ e cumpriu-se a não vinda do João hoje.

    Das inúmeras vezes que fui ao WC a fim de evitar “incidentes duplos” constatei ter já mais mobilidade e estabilidade ao andar.

    Ligou, há pouco a Anabela, e debatemos futuros colóquios com que ela e Madruga se podem já entreter.

    13.5.2025 dormi bem, apenas me levantei uma vez, mas acordei com dores na ferida que tarda em sarar e se refere à pressão nas costelas…

    a manhã teve a presença de um médico que entrou a meio da sessão do EEC a querer saber tudo, em detalhe, o que se passara bem como a Dra. Gabriela que, entretanto, também entrou. Vão continuar a fazer testes quanto aos baixos níveis de potássio. Hoje, de novo, sem febre. Talvez me deixem sair amanhã. Quando me comunicaram a possível saída amanhã tenho de confessar que fui assaltado pelo imenso medo de sobreviver sozinho.

    Espero que estejam certos pois o retomar da vida neste network de apoio reduzido atemoriza. A Berta está nas quintas, e segundas de 15 em 15 dias. O João e Catarina vivem aqui perto, logo na entrada da Lomba. Além deles posso chamar o senhorio Sr. Hermano, a D Rosa do minimercado e a sempre atenta governanta D. Berta.

    O João soube da hipótese quando veio cá na pausa de almoço e avisou que tem o carro em manutenção até pelas 17.00 de amanhã pelo que só me poderá transportar a essas horas.. não sei quem mais devo avisar .

    Até hoje o serviço hospitalar tem sido muito bom. Ainda agora passam pela terceira ou quarta vez desde manhã cedo, a ver se alguém precisa de esvaziar os recipientes portáteis da urina em cada cama.

    Ao fim da manhã, a brigada do reumático (o pessoal mais velho de todos) limpa o pó, o chão e passa a esfregona.

    A tarde a tirar cateteres e disfarçando as enormemente assustadoras nódoas negras que traçam o meu corpo como as fossas do Mindanau, um mapa-múndi…eu fecho os olhos, só os abro para ver a minha Nini aqui ao lado, mais impressionada e assustada que eu, mas sempre à espera que terminem as torturas. A seguir, as pálpebras fecham e cá estou na enfermaria de 3 doentes.

    Não sou suicida nem tenho vontade de o ser, desde a morte da minha Nini sempre disse que me queria juntar a ela, mas o facto de estar um héli parado na Terceira pronto a ir às Flores buscar-me, significa que ainda não faço parte do Grande Desígnio Universal da Partida.

    Cá ficarei, afinal a Nini mandou-me tomar conta da cadela e tenho de ficar.

    14.5.2025

    Creio que estou aqui há 18 dias no HDES e pode ser que deem alta hoje, de tarde. Soba janela fica a entrada da Pneumologia (onde tantas vezes viemos) e acaba de parar uma ambulância dos Bombeiros, curiosamente com a metade da porta por pintar pelo que se lia apenas “BOMB”, o que daria lugar a 1001 cogitações curiosas.

    11.00 acabei agora o duche ajudado pela assistente sendo depois observado por 2 médicos que inspecionaram o implante e entenderam que estava bem. A saída para hoje pode confirmar-se.

    Esta tarde a filha Bé telefonou a saber da saída. Honestamente disse-lhe não saber, nem estar preocupado, o que deveria ter-lhe dito é que não tenho pressa alguma. Tenho medo de tudo, até do tráfego intestinal que de 3 em 3 dias se descoordena, como hoje em pleno duche e me deixa mais embaraçado que nunca. Isto são coisas de que ninguém mais fala mas a mim me afetam psicologicamente até ao tutano.

    Tenho imenso medo de ter de usar fraldas no futuro, o que me limitaria totalmente, acabando com os colóquios e tudo o resto. Seria um recluso.

    São verdades que ainda não tenho de partilhar exceto com estas enfermeiras, médicos e auxiliares.

    Realidades que os outros que me rodeiam ignoram ou não estão interessados em saber sobre a fragilidade do corpo humano doente. Já não sou o mesmo que estava nas Flores a 26 de abril 2025.

    Ganhei coragem, fui à receção perguntar” saio hoje?” e tive alta pelas 17.00. aguardo que o filho me venha buscar e transportar a casa donde saí a 23.4.2025. “Mixed feelings” but “she’ll be right, mate!” acabam por encapsular estes momentos finais no HDES.

    O João decidiu tomar conta do pai e ir jantar e dormir a minha casa. Bem hajas filho.

     

  • 50anos-abril-chrys-1

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    https://blog.lusofonias.net/wp-content/uploads/2025/05/50anos-abril-chrys-1.pdf https://blog.lusofonias.net/wp-content/uploads/2025/05/50anos-abril-chrys-2.pdf

     

  • crónica 588-invisibilidade-21.

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    estas e as restantes crónicas em https://www.lusofonias.net/mais/as-ana-chronicas-acorianas.html

     

     

  • DIÁRIO DE UM HOMEM SÓ APRESENTADO DIA 25 lajes flores

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    nas lajes das flores dia 25 ver detalhes em https://coloquios.lusofonias.net/XL/

  • se a cultura se vendesse no hipermercado era mais fácil

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    587 se a cultura se vendesse no hipermercado era mais fácil

    (esta e as anteriores chrónicaçores estão em https://www.lusofonias.net/mais/as-ana-chronicas-acorianas.html)

    Leonardo Boff, Teólogo escrevia em setembro de 2009 matéria para refletirmos:

    A tradição do Tao vê a história como um jogo dialético e complementar de dois princípios: yin e yang, subjacentes aos fenómenos humanos e cósmicos. A referência para representar estes dois princípios é a montanha. O lado norte, coberto pela sombra, é o yin, corresponde à dimensão Terra. Expressa-se pelas qualidades da anima, do feminino nos homens e nas mulheres: o cuidado, a ternura, a acolhida, a cooperação, a intuição e a sensibilidade pelos mistérios da vida.

    O yang significa a luminosidade do lado sul e corresponde à dimensão Céu. Ganha corpo no animus, as qualidades masculinas no homem e na mulher como trabalho, competição, a força, objetivação do mundo, análise e a racionalidade discursiva e técnica.

    A sabedoria milenar do Taoismo ensina que as duas forças devem ser equilibradas para que o caminhar se faça dinâmica e harmonicamente. Se uma predomina sobre a outra, urge um equilíbrio difícil entre elas. O yin e o yang remetem a uma energia originária, um círculo com ambos: o Shi.

    Os cristãos falam do Spiritus Creator, ou do Sopro cósmico, que enche e dinamiza toda a criação. Os cosmólogos citam a Energia que produziu um minúsculo ponto que depois explodiu – big bang – dando origem ao universo. Após esta incomensurável explosão, a Energia desdobrou-se nas quatro forças fundamentais que atuam sempre juntas e que subjazem a todos os eventos – a energia gravitacional, eletromagnética, nuclear fraca e forte – para as quais não existe, na verdade, nenhuma teoria explicativa.

    A nossa cultura ocidental, globalizada, rompeu com a visão integradora. Enfatizou tanto o yang que tornou anémico o yin. Permitiu que o racional recalcasse o emocional, que a ciência se inimizasse com a espiritualidade, que o poder negasse o carisma, que a concorrência prevalecesse sobre a cooperação e a exploração da natureza descurasse o cuidado e o respeito devidos. Este desequilíbrio originou o antropocentrismo, o patriarcalismo, a pobreza espiritual, a cultura materialista e predadora e a atual crise ecológica global. Só com a integração da força do yin, da anima, da logique du coeur (Pascal), do mundo dos valores, corrigindo a exacerbação do yang, do animus, do espírito de dominação, podemos proceder às correções necessárias e dar novo rumo ao projeto planetário. Se não encontrarmos um ponto de equilíbrio tudo pode acontecer, até um flagelo antropológico. Precisamos de uma loucura sábia que faculte uma nova síntese entre os dois polos para reinventar um caminho que nos garanta o futuro.

    É por essas e outras que gosto de escrever a palavra REVOLTEM-SE, mas pode ser crime de traição ou de apelo ao terrorismo, face às novas leis, pelo que me coíbo de o fazer.

    Faltou frisar que a ideia da nova educação é fazer com que os professores estejam cada vez menos preparados e criem alunos ignorantes. É a teoria do mínimo denominador comum. Não interessa a nenhum governo uma população culta, educada e lida…depois era mais difícil regê-los. Segue-se uma nova versão da máxima salazarista “quanto mais ignorantes mais felizes…” ou como o amigo Daniel de Sá, em tempos, me avisou, no formato original, a máxima de Salazar era: “Um povo culto é um povo infeliz.” Sejamos felizes, sejamos incultos. A razão de todas as infelicidades reside na Santa Cultura que tanta dor pariu.

    Depois criam-se artificialmente castas (este país sempre foi um país de castas). Primeiro, havia a dicotomia entre professores primários, secundários e os universitários. Vasos não comunicantes e estanques. Para mim o erro foi acabar com a Escola do Magistério e criar as ESE… que fabricaram diplomados com ignorância e falta de preparação como a Helena (minha mulher) comprovou quando lecionou numa…até dói. Já basta haver programas que pouco ou nada ensinam (mais curtos, inúteis e fúteis, cheios de imagens para contrabalançar a falta de conteúdo, para contrapor a asserção vigente no meu tempo de que aprendia coisas que para nada serviam).

    Claro que a impreparação dos professores aplicada numa educação de massas, caracterizada pelo mínimo denominador comum, vai perpetuar o ciclo descendente de conhecimentos, e cada vez haverá mais burros nas fileiras. Isso é altamente importante para os políticos no poder. Quanto mais iletrados, melhor serão conduzidos os milhões de cordeiros do rebanho da nação. A educação é uma fábrica de analfabetos para ensinar mais analfabetos futuros. Nada mais perigoso que uma pessoa que lê e estuda. Até pode pensar por ela…

    Este país tem demasiadas leis e incumprimentos a mais…para quê se ninguém as cumpre? O que é preciso é civilizar [leia-se DOMESTICAR] o povo para se poderem impor regras e normas, o resultado está à vista…vive-se numa ditadura republicana, de esgares monárquicos, disfarçada de democracia. Tal como no tempo do Hitler só quando chegar à nossa porta é que nos daremos conta do caminho por onde nos levaram… As democracias só podem funcionar com gente culta e preparada e não com quase dez milhões de analfabetos como em Portugal. Nos outros países (e na Austrália vi isso) fazem-se sacrifícios e o país avança e progride, aqui obrigam-se a sacrifícios e o país fica na mesma, só se trabalhou para a estatística europeia e não para criar riqueza.

    Como escreveu Mendo Henriques em agosto de 2008: “é altura de fazer uma revolução e dar o poder a quem tem cultura e não a quem tem dinheiro”.

    É tudo uma questão de visão, os portugueses têm-na tipo túnel (quando a têm). Outros veem mais longe e preocupam-se com o futuro. Eu aprendi imenso com os chineses. Foi essa a lição mais importante. Nunca me esqueço também do que mais me impressionara na aprendizagem com os aborígenes australianos: como sobreviver milhares de anos com uma cultura oral, sem escrita, sem posse de terras, sem matar a não ser o que é necessário para uma alimentação frugal, para preservar o meio ambiente. Assim foram capazes de manter um segredo durante séculos (como era o crioulo de português que uma tribo manteve durante mais de quatrocentos anos e da qual se falou atrás).

    O excesso de informação, desinformação e manipulação política acabam por condicionar o rebanho dócil dos que falam muito e se queixam ainda mais, mas pouco ou nada fazem. Sempre prontos a criticarem o governo e os outros sem perceberem que a verdadeira culpa radica neles.

    Os portugueses habituaram-se ao goze agora e pague depois, se não morrer antes. Não se importam com os que roubam à sua volta, sejam do governo ou da privada. Até os invejam e gostariam de poder fazer o mesmo. A maioria dos habitantes, da Lusitânia sem alma, não quer saber de princípios. Abomina quem os tem. Se bem que poucos, existem alguns que os preservam e perseveram.

    De qualquer modo o que é que o homem e a mulher comuns podem fazer, além de falar no café e queixarem-se aos amigos e conhecidos? Mesmo que soubessem rabiscar umas ideias e quisessem escrever uns artigos, provavelmente não seriam publicados. Vive-se numa ditadura dissimulada em que mesmo com 200 mil pessoas em manifestações de rua nada se consegue. O poder não treme nem pestaneja, coça-se como se estivesse a ser atacado por uma ridícula e inofensiva pulga. É essa a opinião dos governantes sobre o povo que manietam. Para quê denunciar escândalos? Raro é o dia em que um ou mais são denunciados nas redes, na internet na rádio e televisão. A justiça, que sempre esteve ao lado dos poderosos, parece estar ao lado dos que mais roubam e lesam o país Viriato e Sertório foram apunhalados pelos seus conselheiros. Aprende-se mesmo pouco em Portugal. Falta agora um novo Viriato a liderar os Lusitanos contra os usurpadores da República..

     

     

     

     

     

  • 585. viver é uma canseira

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    585. viver é uma canseira abr 2025 (esta e as anteriores 584 crónicas estão em https://www.lusofonias.net/mais/as-ana-chronicas-acorianas.html

    Li há dias numa parede grafitada que viver é uma canseira, quem o disse e recriou para a posteridade deve ter tido uma vida desastradamente monótona e desinteressante.

    A minha maior canseira foi chegar à 4ª idade com o cérebro de 25 anos e um corpo de 125.

    Nem queiram saber o rol de maleitas que surgem, umas atrás das outras num corpo aparentemente saudável e não muito escalavrado pelos anos. É esta canseira que ora me aflige pela expectativa daquilo que de pior ainda está por chegar.

    Sempre pedi à minha mulher que não me deixasse conhecer este estado civil de viuvez pois já pressentia as dores que traria.

    É precisamente agora que pareço ter perdido toda e qualquer réstia de paciência, para ouvir as promessas ocas dos políticos balofos, que nunca fizeram nada na vida a não ser venderem promessas vazias. E de eleição em eleição reciclam-se e prometem o que já tinham prometido e que tanto eles como os eleitores se esqueceram.

    E tudo aquilo que ainda não fizeram, em mandatos anteriores, será agora que vão fazer, até melhor do que seria de esperar dada a conjuntura, que, conjuntamente com a ingrata mãe natura, o clima, a economia, a guerra (qualquer uma, não importa), algumas potências estrangeiras, a globalização, o protecionismo ou outro qualquer asteroide impediram anteriormente que fosse realizado.

    Entre outras notícias de somenos importância desfilam pelos entediantes ecrãs da nossa realidade destilando palavras inócuas que parecem encher o mundo de bolas de cristal coloridas plenas de futuros acontecimentos inconseguidos.

    O tempo, esse mestre maior, acaba sempre por se ver livre dos seus seguidores e, mais cedo ou mais tarde, transita para outra dimensão onde deles jamais se ouvirá falar. Mas logo outros políticos de carreira surgirão para lhes tomar o lugar. Escrevo isto e lembro a história de Roma ao longo de séculos, e sorrio ao vê-la aqui reproduzida já no curto espaço da minha vida.

    Está aí mais uma eleição à sua espera, e de nada servirá o seu voto exceto para justificar que a democracia ainda é o melhor sistema de todos, apesar das suas fragilidades, desigualdades, iniquidades e abusos e se estiver numa fase da vida que é uma canseira, como eu estou, sabe bem que a autocracia e a ditadura ainda o fariam bem mais infeliz.