Categoria: ChronicAçores

  • 512.1.foi há 50 anos. PARTIDA PARA TIMOR, CHEGADA A DILI setº 1973

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    512.1.foi há 50 anos. PARTIDA PARA TIMOR, CHEGADA A DILI setº 1973

     

    Éramos um grupo díspar de seis pessoas naquele voo (19 setembro 1973), a primeira vez que tropas portuguesas iam para Timor de avião, rumo ao Oriente exótico e desconhecido, mas a primeira noite seria passada em França onde dormimos. A primeira noite em Montmartre, num hotel económico, a centenas de metros do trottoir onde as senhoras da noite tinham o métier. As galerias Lafayette eram um magneto a atrair as pessoas em busca de moda, perfumarias, comida ou souvenirs. A memória não ajuda. Creio que foi, mas não tenho registo, no Antin Trinité. As Galerias Lafayette em frente. Muito perto da “Opera”, do Louvre e de Montmartre. O hotel de 46 quartos rodeado de bons restaurantes, teatros e cinemas. Toda a animação noturna que se podia desejar.

    Como conhecia a cidade levei uns camaradas (Gomes, Rebimbas e outros cujo nome perdi) para jantar num pequeno bistro. Pude fazer as honras de connaisseur (Borgonha e Bordéus avisando-os de que eram fortes e não estando habituados, corriam o risco de não acordarem na manhã seguinte). Jantamos mesmo ao lado do hotel (Hotel Antin Trinité Opéra Paris, nº 74, rue de Provence), a curta distância do Boulevard Haussman.

    74, rue de Provence 75009 Opéra Paris France

    As mesas de xadrez, vermelho e branco, evocavam tabernas portuguesas. O vinho era servido em carafes de litro que se esvaziavam rapidamente. Os pratos servidos eram de tamanho normal, comida abundante, e não enormes pratos com uma amostra de comida que caraterizam a rapinagem da “nouvelle cuisine française” (nem sei se esta já tinha sido inventada). Na manhã seguinte havia o pequeno-almoço típico: café, chá ou chocolate, sumos de frutas, cereais, iogurtes, queijo, fiambre, Viennoiseries, pão com manteiga, compota ou mel.

    Quando me levantei, já todos estavam no autocarro que nos iria levar ao aeroporto de Orly. Eu a fazê-los esperar e desesperar, durante mais de uma hora, indeciso, observando-os da janela do 1º andar. Ponderava se os 16 contos que levava dariam para sobreviver seis meses em Paris. Era o momento de aceitar o destino ou lutar contra ele e a tropa que me apavorava. Sim, já pensava em desertar. Inicialmente, considerei que o pai (apesar de frustrado por não ter sido admitido para o serviço militar por ser demasiado magro) me poderia apoiar financeiramente. Idealizava uma fuga escandinava, Países Baixos ou França. Nem o meu pai nem o meu padrinho e mecenas (administrador do Banco Totta & Açores) se haviam mostrado dispostos a condescender. Adorava Paris. Já lá estivera. Tinha um medo irrefreável do desconhecido nos orientes exóticos. Tantos conhecidos meus haviam desertado. Pois bem foram esses pensamentos que me ocorreram durante a hora em que não abri a porta a ninguém nem atendi o telefone interno que tocava incessantemente. A minha avó paterna sempre me disse que como nativo do Dia do Anjo da Guarda nada de mal me aconteceria. Estava convicto de que o pai consideraria a fuga desonrosa. Dispus-me, por fim, a partir. Resolvi descer as escadas, para alívio dos restantes e consternação do senhor Neves, representante e guia da Air France, que temia perdermos o voo do 747.

    Apenas o capitão Manuel Alberto Botelho dos Santos Clara (ficaríamos amigos, um dos poucos militares com quem me dei socialmente após o SMO ((Serviço Militar Obrigatório), que sempre respeitei e de quem me tornei amigo apesar de não o ver desde 1982 ou 1988) teve direito a primeira classe pois os restantes oficiais milicianos estavam destinados à classe económica… exceto eu que estava destinado (como sempre) a voos bem mais altos.

    Com a habitual descontração, e umas palavras bem sussurradas em Francês, aliadas a um sangue latino quente, conseguiram que uma simpática hospedeira me levasse a mostrar o bar no 1º andar do Boeing 747 onde passei quase toda a viagem a beber champanhe francês e a apreciar as vistas magníficas do andar de cima do avião. Até aqui a viagem fora ótima na companhia da hospedeira que passou mais tempo comigo no luxuoso conforto do primeiro andar do que nas funções dela para espanto do Santos Clara que estranhava a minha presença. Não encontrei vestígios das cartas descritivas que escrevi, mas ficou o registo poético da primeira ida ao oriente:

    Paramos em Telavive onde entraram tropas israelitas (armadas até aos dentes) que revistaram tudo e todos. Até se deram ao trabalho de desmontar a Braun, máquina de barbear elétrica, em busca de explosivos, e espremeram o topo da pasta de dentes…. Foi a primeira vez que vi medidas de segurança semelhantes às que passariam a vigorar, trinta anos depois, após as Torres Gémeas em 9/11 (11 setembro 2001). O cenário de guerra, aviões de combate na pista. Faltavam duas semanas da Guerra dos Seis Dias.

    Em Banguecoque, pacata cidade asiática sem turismo de massas, mudou a tripulação e eu perdi os meus privilégios e a companhia simpática da gaiata hospedeira parisiense. Na pista ruminavam (nessa época) búfalos de água que era preciso afugentar à chegada de cada avião. Naqueles tempos, a capital do antigo reino do Sião era uma pacata urbe. Aterramos em Denpasar, capital da ilha de Bali, apavorados com o tamanho das baratas voadoras que pisávamos e o ruído delas ao serem esmagadas, enquanto andávamos rumo ao terminal, por entre o calor abrasador e húmido, semelhante ao de Banguecoque.

    Dali partimos num pequeno bimotor de oito lugares para o aeroporto “internacional” de Baucau (o de Díli não estava operacional por qualquer razão). Apesar da beleza da trovoada e dos relâmpagos, que não cansavam de iluminar milhentas ilhas vulcânicas do arquipélago a viagem fez-se sem grandes sobressaltos. Tanta ilha, tanto mundo por descobrir sob a luz dos relâmpagos sobrevoando o arquipélago (à data pensava-se que a Indonésia teria 13 mil ilhas, hoje sabe-se serem mais de 18 mil).

    EURASIAMENTE À VOL DE 747B

    I DA EUROPA AO ORIENTE-DO-MEIO

     

    alando de paris logo passamos o azur da côte

    sem escândalos nem coroas arruinadas

    escarpas e praias despidas de homem

    nove mil metros restituem à natura

    impolutas ficções

    (depois, o mediterrâneo é um lago semeado de grécias

    logo a seguir à itálica bota

    corfu vigia em tons de ocre

    em tempos creta foi nome de ilha

    na mitologia de zeus).

    da turca ankara sobrevoámos izmir

    mandam-nos regressar

    estamos no oriente-do-meio

    a guerra volta dentro de dez dias

    e só dura seis

     

    telavive é um amontoar branco de colinas

    um algarve deslocado

    na planície árida velhos aero-despojos

    entram comandos auto-metralhadorizados

    importunam

    espiam

    revistam

    obrigados e silentes

    somos a abrasadora quietude do jumbo

    partiremos

    sempre mais tarde que previsto

    no deserto amarelecido qual alentejo

    repousam monstros de muitas lutas

    nos kibbutz labutam formigantes sionistas

    – este povo traz consigo o estigma

    da aniquilação

    própria e alheia

    cheira a morte. –

    cheiram a morte!

     

    1. A TERRA DOS PERSAS

    embaixo sorriem sombras

    minúsculos pontos rasgando a treva

    quilómetros de fantasmas ancestrais

    casas talvez brancas

    bairros de adobe

    avenidas ocidentais

    mesquitas

    na poeira do cansaço

    um nome semimágico

    teerão

    a história do xá

    um povo sem voz

    à espera

    o silêncio compungido do imperialismo

    aterrámos lado a lado com estrelas ianques

    estranho porto no coração do petróleo

    persépolis foi há 2500 anos

    o mito de alexandre

    hoje.

    III INDIANA UNIÃO

    a meu lado um saxónico cacareja

    o nojo imenso da miséria

    suja imundície

    estamos em delhi, a nova

    capital das castas

    ghandi morreu há muito e era mahtma

    indira é mulher e déspota ao que dizem

    país estranho de contrastes e civilizações

    dele guardo esconsas imagens

    fome e pobreza

    estamos no subcontinente da morte lenta

    aliviado respiro

    ao deixar o hindustão

     

    1. NO REINO DO SIÃO

    é já dia

    os arrozais me espreitam

    verde o país

    castanho é banguecoque

    em plena pista búfalos pachorrentos

    a banhos de lama

    camponeses debruçados

    nos pântanos colhem o arroz

    pequenas árvores dividem o asfalto

    chove lá fora

    sob 42º C de sol

    lufadas de calor húmido nos penetram

    densa respiração no ar por condicionar

    lentas formalidades num inglês arrevesado

    a vida possui aqui uma lenta ritmia

    todo o tempo nos espera

    nas autoestradas camionetas com jovens

    patrulhas militares

    todos os veículos se cruzam dos lados todos

    coloridos templos incrustados de pedrarias

    ouro maciço de budas

    descalços com cintos sagrados

    nos embasbacámos

    este o país do mistério

    igrejas e fortes portugueses

    memórias de tratados reais siameses e lusitanos

    o mercado flutuante é uma cidade imensa

    longos canais pútridos nesta veneza oriental

    sente-se o aroma do dólar nas ruas

    por entre golpes de estado adiados

    a cem quilómetros se combate

    é o apelo do futuro

    os thais são simpáticos e ardilosos

    milhares de anos de sabedoria a explorarem europeus

    os preços função da nacionalidade

    no faustoso erawan hotel

    o luxo grandiloquente oriental

    a sofisticada comodidade do ocidente

    uma volta rápida pela cidade dos mil-e-um-templos

    para lá das faces mudas

    se encerra

    o mistério

    o convite

    voltarei um dia.

     

    1. TIMOR

    timor cresceu cercado

    lendas que a distância empolgou

    o sonho

    a quietude

    as 1001 noites do oriente exótico

    o sortilégio dos trópicos

    para o europeu

    chegar era já desilusão

    desprevenido

    sobrevoa estéril ilha

    montes e pedras

    agreste paisagem sulcada

    leitos secos

    abruptas escarpas

    terra sem marca de homem

    esparsas cabanas de colmo

    será isto timor?

    o avião desce o vazio em círculos

    em vão os olhos buscam a pista

    por trás de um montículo imprevisto

    se vislumbra o “T”

    e a torre de controlo dos folhetos de propaganda

    nunca existiu (naquele formato)

    a alfândega é o bar

    a sala de espera

    sob o zinco e o colmo

    isto é baucau

    aeroporto internacional

    a vila salazar dos compêndios

    que a história esqueceu

    uma turba estranha se amontoa

    à chegada do cacatua-bote[1]

    o patas-de-aço

    esta a cerimónia sagrada do deus estrangeiro

    descendo dos céus

    dia de festa para os trajes multicoloridos

    o contraste do castanho de sóis pigmentados

    cinco da matina

    e é já o pó e o calor

    o espanto mudo nas bocas incrédulas

    as formalidades aqui com sabor novo

    espera lenta e compassada

    séculos de futuro por viver

    antes que ele venha

    antes não venha

    num barracão zincado uma velha bedford

    de carga com caixa fechada

    vidros de plástico sob o toldo puído

    pomposo dístico colonial

    carreira pública baucau-dili

    picada em terreno plano

    mar ao fundo

    baucau

    cidade menina por entre palmares

    densa vegetação tropical

    connosco se cruzam estranhos homens de lipa[2]

    galo de combate ao colo

    entre torsos e braços nus

    das ruínas do mercado se evocam

    desconhecidos templos romanos

    estrada nº 1 até díli

    sulcam-se abruptas as encostas

    ao mar sobranceiras

    ali se adivinham cristais multicolores

    em lugar de pontes se atravessam ribeiras

    enormes

    leitos secos

    o tempo as converteu em estradas de ocasião

    pedregoso solo

    cores indefinidas

    castanhos e verdes

    palapas [3] dissimuladas na paisagem

    imagens tristes de pedras e montes

    baías primitivas

    inconquistas

    praias de despojos e conchas

    paraísos insuspeitos

    as gentes de sorrisos vermelhos

    assusto-me

    não é sangue nas bocas gengivadas

    masca, mescla de cal viva e harecan[4]

    placebo psicológico da alimentação que falta

    um sorriso encarnado esconde a fome

    súbito

    por paisagens que só a memória

    sem palavras descreverá

    eis díli

    a capital

    larguíssima avenida semeando o pó nas palapas

    casas de pedra com telhados de zinco

    na ponta leste chinas e timores

    partilham a promiscuidade da pobreza

    díli

    plana e longa

    a vasta baía antevendo imponente

    o ataúro ilha

    um porto incipiente

    a marginal desagua no farol

    construções coloniais pós 1945

    da guerra que ninguém quis

    dos mortos que os japoneses quiseram

    da neutralidade do país mãe calado e violado

    albergam chefes de serviço

    altas patentes militares

    sem guerras para lutar

    sem movimentos libertadores das gentes

     

    quinze quilómetros de asfalto

    três casas dantes da guerra grande

    aeródromo em terra batida

    um jipe de afugenta búfalo

    a rua comercial atravessa díli senhora

    de leste a oeste

    espinha dorsal

    o centro

    o palácio das repartições

    o do governo

    perto um museu

    o seu nome ostenta o vazio

    riquezas sem fim

    seus governadores exportaram

    patriotas

    colonizadores de séculos com nada para mostrar

    um museu morto

    dois sinaleiros nas horas de ponta

    ociosos às portas dos cafés

    à noite transfiguram-se

    os bas-fond

    o texas bar

    da prostituição às slot machines

    o submundo

    a vida underground

    afogar esperanças em álcool

    sonhos há muito perdidos nunca sonhados

    restaurantes poucos

    melhor comida a chinesa

    bares espalhados pela cidade

    militares e álcool para calar distâncias

    um portugal dos pequeninos

    longínquo

    cada vez mais

    esquecido

    nunca

    perdido.

    1973 numa cidade sem vida

    morrendo nas cinzas

    próprias de cada noite

    por entre o silêncio e a voz triste dos tokés

    o calor putrefacto

    por entre o voo alado das baratas gigantes

    carros poucos

    de dia só do estado

    motocicletas pululam por entre viaturas oficialmente pretas e verdes

    esperando mulheres de oficiais

    às portas dos cabeleireiros

    do liceu

    militares a pé

    em berliets ou unimogs

    chineses muitos

     

    díli é isto

    a desolação

    na parte alta da cidade o complexo militar

    barracas insalubres

    sob a sombra dos hospitais

    um civil um militar

    fresco e verdejante vale

    triste esta cidade

    pretensamente euro-africana

    palapas marginando ruas

    nelas vive o timor

    sem água nem luz

    dez ou quinze filhos

    que importa

    a miséria é só uma e a mesma?

    esta “a terra que o sol em nascendo vê primeiro”

    aqui as imagens

    e são já história

    não se repetirão

    aqui não daremos testemunho

    como transfigurar

    colónias pacíficas

    em palcos de guerra.

    Chrys Chrystello, Jornalista,

    Membro Honorário Vitalício nº 297713 [Australian Journalists’ Association – MEEA]

    drchryschrystello@journalist.com,

    Diário dos Açores (desde 2018)/ Diário de Trás-os-Montes (2005)/ Tribuna das Ilhas (2019)/ Jornal LusoPress, Québec, Canadá (2020)/ Jornal do Pico (2021)

     

    [1] cacatua-bote ou patas-de-aço eram designações dadas pelos timorenses aos aviões

    [2] lipa, saia de tecido colorido, típica, de origem malaia, os timorenses usam-na enrolada à cintura descendo até aos tornozelos.

    [3] casas cónicas, quadradas ou retangulares em colmo

    [4] folha de planta semelhante à do tabaco

  • 511. Nos Açores há alergia à cultura chrys c

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    511. Nos Açores há alergia à cultura – agosto 2023

    o rumo da cultura nos Açores

    o rumo da cultura nos Açores

    Do latim cultura, culturae, significa “ação de tratar”, “cultivar” ou “cultivar a mente e os conhecimentos”.

    Originalmente, a palavra culturae originou-se a partir de outro termo latino: colere, que quer dizer “cultivar as plantas” ou “ato de plantar e desenvolver atividades agrícolas”.

    Com o passar do tempo, foi feita uma analogia entre o cuidado na construção e tratamento do plantio, com o desenvolvimento das capacidades intelectuais e educacionais das pessoas.

     

    Trata-se do conjunto de conhecimentos, valores, símbolos, tradições, ideias, costumes e práticas que se tornam caraterísticas de um grupo, seja ele familiar, social, étnico, religioso. Esse conhecimento nem sempre é formal — ninguém precisou de fazer um curso para aprender a cultura do seu próprio povo. Ela foi transmitida para as gerações seguintes no quotidiano: na conversa, nas atividades diárias, nas festas e comemorações, no exemplo das outras pessoas.

    Frequentemente, a “cultura” é sinónimo de identidade. Isso ocorre em casos como o da “Kultur” de Herder, ou seja, de afirmação do modo de vida do seu povo em contraposição ao que é considerado dominante. Logo, nesse sentido a “cultura” é um motivo de orgulho e de autoestima para o grupo.

     

    De uma forma completamente diferente do que muitos pensam, não existem pessoas com mais ou menos cultura, ou mesmo culturas inferiores ou superiores. Toda a sociedade possui um conjunto único de valores, que foi construído através da história e deve ser compreendido e respeitado.

    O meu pai sempre me disse que era feio pedir ou pedinchar, mas é o que tenho andado a fazer há mais de vinte anos em nome dos Colóquios da Lusofonia, porque vivo num país de ladrões, corruptos e pessoas para quem a bola é quase o único interesse nacional e assuntos da cultura merecem sempre discursos de louvaminha sem resultados práticos financeiros..

    Quando se fala de cultura, de literatura, de leitura, todos torcem o nariz dizendo umas patacoadas, na maior parte das vezes, pinoquiadas, pois nunca se editaram tantos livros e nunca houve tão poucos leitores, mesmo entre a classe dos professores, que tem uma aversão generalizada à leitura, quiçá por traumas educacionais antigos.

    Nos Açores, a Direção Regional da Educação e Cultura e a Secretaria desses assuntos, debatem-se há anos neste paradigma de falar imenso sobre os apoios que dão, sem mencionarem que não têm verbas para apoiar decentemente seja o que for, se o quisessem fazer, e mesmo isso é matéria de debate.

    Dos escassos meios de que dispõem têm de satisfazer clientelas várias entre os votantes e – sem dúvida – a das filarmónicas é a que tem mais votos. Livros, cinema, teatro, artes em geral ou em particular, congressos, colóquios, simpósios só mesmo os estrangeiros com nomes sonantes que para os outros são umas migalhas de centenas de euros ou pouco mais, pois, devem ser atividades elitistas com poucos votos a ganhar na distribuição eleitoral.

    Apesar de termos editado livros, antologias, coletâneas, traduzido em 15 línguas autores açorianos, andarmos com eles pelas ilhas e pela Ibéria, Brasil, Galiza e Macau, musicado as suas obras, declamado os seus poemas, a Direção Regional da Cultura só não nos ignora totalmente por parecer mal.

    Ainda pensei em fazer uma tourada com poesia declamada na arena, que parecia ser mais do gosto do anterior padre – diretor da cultura – que andava a ferrar touros, mas não havia praça de touros disponível na ilha de São Miguel.

    Depois tivemos outro diretor que quando o conheci me augurou não dever resistir até ao verão, e premonitória fora essa declaração.

    Seguiram-se meses de silêncio até que descobriram outro, que todos dizem ser um homem de cultura, para ocupar o lugar mas nos meses que já leva do cargo viu-se numa apresentação de um livro seu e pouco mais, pois deve ser tímido ou então, está envergonhado com as parcas (diria mesmo miseráveis) esmolas que prometeu distribuir em junho mas que não chegaram ainda aos profissionais da cultura… Haja paciência, o ano só acaba em dezembro e como os da cultura são uns tontos sempre adiantam uns cobres por conta…em vez de cancelarem as atividades marcadas um ano antes.

    Não há dinheiro, não há cultura. Poucos sentiriam a sua falta. Muitos suspirariam satisfeitos. Há assuntos mais prementes a tratar de aviões, a barcos, a aeroportos, vacas, leite, turismo, hotéis, drogas sintéticas, e outros que ciclicamente enchem as parangonas dos jornais. Até poderiam tratar da pobreza que tanto aflige o Joel Neto ou da falta de segurança criada por drogados, delinquentes e pedintes ameaçadores que preocupam uma certa faixa política.

     

    Dada a habitual insuficiência de verbas sugerimos sejam organizados passeios guiados às catacumbas da Direção Regional para apreciação dos projetos indeferidos, e que se excluam desde já todos os projetos que se relacionem com exposições, museus, bibliotecas, congressos e simpósios, pintura, escultura, balé, teatro, cinema, ópera, língua, linguística e literatura ou outras manifestações de cultura dita erudita. Por esse motivo, todas as ONG, associações culturais sem fins lucrativos, entidades de utilidade pública declarada e outras ficam excluídas . Os projetos selecionados serão nomeados para participarem no Orçamento Participativo da Região ou para serem plantados numa horta comunitária.

    Chrys Chrystello, Jornalista,

    Membro Honorário Vitalício nº 297713 [Australian Journalists’ Association – MEEA]

    drchryschrystello@journalist.com,

    Diário dos Açores (desde 2018)/ Diário de Trás-os-Montes (2005)/ Tribuna das Ilhas (2019)/ Jornal LusoPress, Québec, Canadá (2020)/ Jornal do Pico (2021)

     

     

  • civismo precisa-se 26.8.2023

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    513. civismo precisa-se 26.8.2023

     

    O tormento das festas da nossa senhora do rosário da lomba da maia voltou, pendular como cometa Halley.

    Nota prévia: nada tenho contra festas e tradições, antes pelo contrário, espero que se perpetuem e mantenham o tecido de que é feito o povo insular . Discordo do assenhorear-se musicalmente do pimba e música brasileira que se tem verificado nas últimas décadas, mas admito que é para satisfazer o gosto da populaça.

    Infelizmente discordo de foguetes e roqueiras que nos atormentam e aos nossos animais domésticos entre as 7 da manhã e as duas ou três da manhã seguinte, sem respeito pelo descanso dos que não têm nem saúde, nem idade nem propensão para as festividades.

    Habito mesmo em frente a um improvisado bar, desses que nascem como cogumelos em todas as festas populares. Dali vêm sons que nem são demasiado altos em decibéis e onde as libações gastronómicas e de bebidas nem são incomodativas. O que me apoquenta são os jovens entre os 12 e os 20, em especial elas, que são histéricas, em alto tom e risos estrídulos cheios de hormonas, para impressionar os jovens cheios de testosterona.

    São esses que me preocupam, bebem cá fora, urinam e vomitam nas escadas da minha casa, fazem demasiado barulho, chegam ao cúmulo de bater à porta.

    Dantes, quando a saúde nos permitia, íamos passar esta semana a outra ilha, agora é mais difícil. Mas depois de 2023, vamos pensar em AL ou turismo rural noutra localidade durante este tormento das festas.

    É raro o ano em que não escreva sobre este tema, no resto do ano não me incomodam nem eu incomodo ninguém, salvo o suplício das roqueiros por tudo e por nada.

    Ora a RTP-Açores decidiu no sábado de festas repetir um magnifico concerto que a Ana Paula Andrade (excelente maestrina e nossa pianista residente nos colóquios da lusofonia desde 2008) deu no Teatro Micaelense em 2017 e ao qual assistimos in loco. Deliciados com esse néctar musical mal sabíamos o tormento que se seguiria durante a noite, mas antes ainda deu para tecer este poema ….

    1. pianíssimo (à Ana Paula Andrade) 26.8.2023

     

    as tuas mãos são poemas

    que dedilhas no teclado

    pianíssimos versos que invejo

    umas vezes a solo

    outras com solfejo

    seja com violino ou violoncelo

    a métrica rigorosa

    desenha o bailado dos teus dedos

    as teclas calcorreiam desertos

    montanhas, mares e vulcões

    impérvios a ciclones ou furacões

    compões obras maiores que a ilha

    mais altas que a montanha do pico

    mais fundas que a fossa das marianas

    poemas que dançam na partitura

    vibrações únicas numa só leitura

    o sentir e a alma açorianas

     

    Chrys Chrystello, Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713 [Australian Journalists’ Association – MEEA]

    drchryschrystello@journalist.com,

    Diário dos Açores (desde 2018)/ Diário de Trás-os-Montes (2005)/ Tribuna das Ilhas (2019)/ Jornal LusoPress, Québec, Canadá (2020)/ Jornal do Pico (2021)

     

    esta e anteriores em https://www.lusofonias.net/mais/as-ana-chronicas-acorianas.html

     

  • sou transmontano

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    https://blog.lusofonias.net/wp-content/uploads/tras-os-montes-CRONICA-58.pdf