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  • AICL REPUDIA EXCLUSÃO DA AGLP NA CPLP

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    CONCLUSÕES DO XVI COLÓQUIO DA LUSOFONIA OUTUBRO 2011 SANTA MARIA

    …4. Foi emitido um comunicado sobre a vergonhosa exclusão da AGLP após a CPLP ter aprovado em comunicado a sua inclusão com o estatuto de observadora. (anexo).
    AICL REPUDIA EXCLUSÃO DA AGLP NA CPLP
    1. BREVE HISTORIAL
    EXTRATO DAS CONCLUSÕES – XIII COLÓQUIO ANUAL DA LUSOFONIA “AÇORIANÓPOLIS” EM FLORIANÓPOLIS, SANTA CATARINA, BRASIL 26 março a 11 de abril 2010
    Os Colóquios da Lusofonia lançaram o repto à Academia Brasileira de Letras, à Academia das Ciências de Lisboa e a todas as entidades que apoiem a imediata inclusão da AGLP – ACADEMIA GALEGA DA LÍNGUA PORTUGUESA – com o estatuto de observador na CPLP, e comprometeram-se a envidar todos os esforços para a consecução de tal desiderato.
    Concha Rousia comprometeu-se a enviar à CPLP os objetivos da Academia Galega para fundamentar o seu pedido de adesão com o apoio da sociedade civil aqui representada pelos Colóquios da Lusofonia, salientando que Goa e Galiza fazem falta à CPLP e que seria profícuo vir a criar um canal de televisão lusófono abrangendo todos os países, mas que seria necessária muita vontade política para tal se concretizar.
    ESTE PONTO FOI REITERADO NAS CONCLUSÕES DO XIV COLÓQUIO ANUAL DA LUSOFONIA DE Bragança EM OUTUBRO 2010.
    Pareciam bem encaminhadas as negociações resultantes do repto que os Colóquios da Lusofonia lançaram à Academia Brasileira de Letras e a todas as outras entidades para apoiarem a imediata inclusão da ACADEMIA GALEGA DA LÍNGUA PORTUGUESA com o estatuto de observador na CPLP até dia 22 de julho quando a CPLP anunciou a admissão da AGLP sob proposta do país anfitrião (Angola). A mesma admissão surpreendentemente foi retirada da página oficial da CPLP umas horas depois sem qualquer explicação, pelo que as celebrações de júbilo na Galiza e no resto do mundo duraram apenas oito horas. Veio, posteriormente a saber-se que fora Portugal que sempre apoiara esta proposta da AGLP integrar a CPLP com o estatuto de observador fora vetada no último momento por Portugal. A AICL em concertação com o MIL Movimento Internacional Lusófono de que faz parte tomou algumas medidas sendo a mais visível a da Petição ao Ministro dos Estrangeiros de Portugal Dr Paulo Portas:
    Preâmbulo:
    Temos apreciado a importância que tem dado às relações com os restantes países lusófonos, numa aparente reorientação estratégica de Portugal que o MIL sempre defendeu, dado o seu Horizonte ser, precisamente, o reforço dos laços entre os países e regiões do espaço da lusofonia – no plano cultural, mas também social, económico e político.
    Esta carta prende-se, tão-só, com a posição de Portugal relativamente à Galiza, a nosso ver uma dessas regiões integrantes do espaço lusófono – daí a nossa reiterada defesa da sua especificidade linguística e cultural. Com efeito, no Conselho de Ministros da Comunidade de Países de Língua Portuguesa, na sua XVI reunião, realizada em Luanda no passado dia 22 de Julho, soubemos que Portugal foi o único país a não apoiar a concessão da categoria de Observador Consultivo à Fundação Academia Galega da Língua Portuguesa, entidade que, como sabe, tem já um histórico muito apreciável, tendo sido por isso reconhecida para nossa Academia das Ciências, sendo ainda membro do Conselho das Academias de Língua Portuguesa.
    Petição:
    Ainda mais recentemente, também soubemos que o novo Governo Português tem expressado as suas dúvidas sobre a presença de observadores da Galiza no Instituto Internacional de Língua Portuguesa, assim como pela inclusão do seu Léxico no Vocabulário Ortográfico Comum que está a ser preparado por essa instituição, quando é sabido que uma Delegação de Observadores da Galiza participou nesse processo desde o princípio.
    Face a isto, perguntamos apenas até que ponto houve uma inflexão da posição do Estado Português relativamente à Galiza, já que, desde que foi apresentada a candidatura da Fundação Academia Galega da Língua Portuguesa, Portugal sempre deu o seu apoio expresso a essa candidatura nos diversos órgãos da CPLP. Muito cordialmente
    MIL: Movimento Internacional Lusófono www.movimentolusofono.org
    ****
    3. AICL REPUDIA EXCLUSÃO DA AGLP
    Na ilha de Santa Maria, em Vila do Porto entre 30 de setembro e 5 de outubro, o XVI Colóquio da Lusofonia aprovou uma declaração de repúdio pela atitude de PORTUGAL OLVIDANDO SÉCULOS DE HISTÓRIA COMUM DA LÍNGUA, AO EXCLUIR A GALIZA – REPRESENTADA PELA AGLP – DO SEIO DAS COMUNIDADES DE FALA LUSÓFONA.
    A GALIZA ESTEVE SEMPRE REPRESENTADA DESDE 1986 EM TODAS AS REUNIÕES RELATIVAS AO NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO E O SEU LÉXICO ESTÁ JÁ INTEGRADO EM VÁRIOS DICIONÁRIOS E CORRETORES ORTOGRÁFICOS.
    A SUA EXCLUSÃO À ÚLTIMA HORA DO SEIO DA CPLP REPRESENTA UM GRAVE ERRO HISTÓRICO, POLÍTICO E LINGUÍSTICO QUE URGE CORRIGIR URGENTEMENTE.
    A AICL entende que não faz sentido aceitar como observadores países sem afinidades diretas ou indiretas à Lusofonia, a Portugal e sua língua e deixar de fora a região onde nasceu a língua portuguesa há mais de dez séculos.
    É um crime de lesa língua de todos nós.
    A Língua que se fala na Galiza é uma variante do Português como a do Brasil, Angola, Moçambique e tantas outras, com a peculiaridade de ter sido o berço da mesma língua comum, e jamais houve exclusão por parte da CPLP das regiões lusofalantes do mundo.
    Trata-se de uma medida obviamente ditada por preconceitos políticos e contra a qual a AICL se manifesta veementemente não só apoiando a subscrição da Petição como encorajando todos os seus associados e participantes nas suas iniciativas a protestarem publicamente contra esta injustiça feita à língua portuguesa e à AGLP.
    Iremos manifestar o nosso desacordo de todas as formas possíveis e ao nosso alcance até ver reposta a equidade da proposta de admissão da Galiza através da AGLP no seio da CPLP.
    ass. Chrys Chrystello, Presidente da Direção da AICL
    VILA DO PORTO, 5 DE OUTUBRO 2011
    J. CHRYS CHRYSTELLO, Presidente da Direção,
    COLÓQUIOS DA LUSOFONIA (AICL, Associação [Internacional] Colóquios da Lusofonia) – NIPC 509663133
  • O amor da ilha em Daniel de Sá

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    O amor da ilha
em Daniel de Sá

    Cultura
    O amor da ilha
    em Daniel de Sá

    Falo hoje aqui de Daniel de Sá, um escritor e um amigo, cuja obra comecei a traduzir antes de o ler, de ser amigo, antes mesmo de saber a cor e o cheiro dos seus lugares de infância e de calcorrear as ruínas onde habitou e das quais se serviu para essa obra que é o “O Pastor das Casas Mortas”.

    Nesse livro e no plano da linguagem, o autor (ed. VerAçor 2007) dá-se ao luxo de exportar, por efeitos de mimética, para uma das regiões mais interiores e montanhosas de Portugal, a Beira Alta, o seu herói em busca de um amor perdido no léxico e na sintaxe dos velhos montes escalavrados por entre o pastoreio numa verdadeira apologia da solidão física e mental que é o retrato de Manuel Cordovão, esse lusitano de um amor só para toda a vida.

    Como o autor diz, a começar, trata-se de um livro dedicado “Às mulheres e aos homens que ainda acendem o lume nas últimas aldeias de Portugal.”

    Mas não é da Beira que se fala, nem do pastor, nem das casas, é sobretudo das memórias guardadas na infância de casas onde o autor viveu e construiu, lentamente, uma teia de imagens, sentimentos e de princípios que nortearam a sua vida.

    Só conhecendo as suas ruínas, as pedras que foram casas, os campos que foram pastos e hoje perderam o cheiro, nos podemos vangloriar de entender a sua escrita mariense que sempre o marcou apesar de ter passado a maior parte da sua vida na micaelense Maia.

    A narrativa utilizando terminologia neutra (i.e. não insular) acaba por poder ser lida como uma ode ao açoriano isolado, de si e do mundo, neste amor perdido que se encontra apenas quando Caronte ronda.

    Como diz o autor, “Embora eu vivesse numa ilha pequenina, a cinco minutos de um passeio calmo até ao aeroporto de quase todas as companhias aéreas que havia no Mundo, isso para o caso pouco importa!

    Aliás esta transposição da naturalidade geográfica do personagem deixa-nos permanentemente na dúvida se a Teresa do “Pastor” não será irmã gémea da outra personagem feminina que acompanha os seus passos numa digressão do livro “Santa Maria: a Ilha-Mãe”. Em ambas, “as palavras [são] tratadas suavemente, amenizando as arestas da fonética, como se com elas não pudesse nunca ofender-se alguém.”

    Trata-se de uma visita não ao “despovoamento das ilhas” mas ao despovoamento do país real, montanhoso, interior e árduo de Portugal. Aqui não se resgata o imaginário coletivo naquilo que tem de mais genuíno e identificador, antes pelo contrário, se dá a palavra a uma erudição improvável de um apascentador de cabras.

    Aqui não há a memória plural, que vem de Gaspar Frutuoso, mas sim uma ficcionalização dum fenómeno que não se mimetiza apenas nesta digressão pela Beira Alta.

    As Casas Mortas são-nos apresentadas como um resultado inevitável e inelutável ao longo da vida do personagem principal, sem que a sátira ou o humor permeiem a couraça de convicções de Manuel Cordovão.

    Existe uma interdependência do autor, dos personagens e do leitor que nos levou a ver e rever dezenas de vezes, uma só passagem do livro para lhe darmos o tom, o colorido, a sonoridade e a poesia das prosas. De início pensei que seria ocasião única, mas rapidamente me apercebi de que era recorrente à totalidade da obra ficcionada.

    O resultado é uma prosa rica, densa e tensa, enovelando em diálogos simples e curtos um enredo que nos prende da primeira à última página e me levou a interrogar como é que fiquei órfão intelectual desde que acabei de traduzir o livro. As suas personagens e a sua escrita fazem de tal modo parte da minha vida que sinto uma espécie de síndroma de Estocolmo, fiquei cativo e apaixonei-me pelos captores… E agora, como vai ser?

    Já o outro livro intitulado “Santa Maria Ilha-Mãe” (também editado pela VerAçor em 2007) é uma viagem ao passado, permeada de nostalgia quase lírica e pela magia da infância e das suas cores simples mas bem nítidas.

    Fala-se de como os Açores conviveram com o isolamento ao longo dos séculos, dos ataques de piratas, uma ameaça constante a inculcar ainda mais vincadamente as crenças de origem religiosa — numa ilha que felizmente não foi muito assolada por terramotos nem explosões piroclásticas. Essa mundividência, leva-nos naquilo que pode ser considerado o mais interessante guia ou roteiro turístico jamais escrito.

    O próprio título gerou controvérsia, quer na versão portuguesa quer inglesa (Santa Maria: Ilha-Mãe; Santa Maria, Island Mother”, ou como o próprio autor notaria: “Não se trata de “mãe” com valor de adjetivo, mas sim de dois substantivos, tanto mais que os liguei com hífen em Português. Como bem entendeu, uma ilha que é mãe também. Não é o caso de Ilha Verde, por exemplo…”

    Diz-nos Daniel de Sá: “O Clube Asas do Atlântico era um dos meus quatro lugares míticos. Os outros três, também sagrado um deles, eram a capela de Nossa Senhora do Ar, o Externato e o Atlântida Cine. Ainda hoje recordo exatamente o seu cheiro” e todos nós – ao lê-lo – sentimos com ele, os cheiros, as cores e as toadas que nos descreve.

    Estes dois livros pertencem a um mesmo tempo, em que “falar do passado açoriano é, também, falar do seu presente, e referir-se ao presente é remeter inapelavelmente ao passado, o que mostra a unidade e a solidez de propósitos do livro”, como diria Assis Brasil, referindo-se ao notável e quase único traço constante de profundo humanismo que informa os textos.

    Todas as suas personagens, são de tal forma credíveis que nos sentimos transportados ao local e vivemos partilhando os sentimentos dos interlocutores.

    Como magistralmente disse a escritora canadiana Ann-Marie MacDonald, “A tradução, tal como a escrita, é uma arte e uma maestria, com um toque de alquimia. Quando o autor e o tradutor se reúnem, o resultado pode ser inspirador. As nuances traduzem a língua numa forma de arte. (1)

    E a este respeito escrevia o autor em 2/9/2010:

    Emocionei-me mesmo, corisco adotivo dum raio. Eu sabia que facilmente descobririas a casa da Ribeira do Engenho bem como, mais facilmente ainda, as ruínas da casa do pastor de ovelhas, de cabras e de vacas. Aquela casinha da Ribeira do Engenho mantém-se tal e qual era há sessenta anos, quando nos mudámos para a de Santana, a tal que nunca tinha sido chamada casa antes de lá morarmos.
    Um forte abraço, comovido.
    Daniel

    Para, mais tarde nessa data, acrescentar:

    Apesar de tudo, tenho saudades daquelas pedras. Elas não tinham culpa de não terem qualquer nobreza. Nós demos-lhes a possível. De caráter, claro.
    Obrigado. Obrigado.
    Um forte par de abraços.

    Bastaram as fotos que eu tirara em Santa Maria às “ruínas do Daniel”, como lhes chamei para provocar uma avalancha de recordações que vinham à tona como se tivessem ocorrido na véspera:

    2010/10/9, daniel.de.sa

    Ana, a Sr.ª Francelina e a Almerinda! Meu Deus, como me lembro bem delas! Pois é, e além daquilo tudo ainda cabia a máquina de costura! O que valia é que as mãos de minha Mãe eram tão pequeninas que quase não ocupavam espaço. Mas olha que eram mãos de fada, lá isso eram. Iam várias senhoras do Aeroporto lá a casa à costura. E havia raparigas que iam aprender. Aquele retangulozinho dava para tantas coisas e tanta gente! Até se dançava pelas festas principais do ano. E pendurava-se o porco ou deixava-se a carne em alguidares pelo chão, vigiada pela Durana (a cadela que se tornou uma lenda, como tu mesma pudeste constatar naquela conversa com um senhor antes da missa). Havia senhoras com o corpo assim mais para o menos bem feito que gostavam muito do trabalho de minha Mãe, que lhes ajustava o tecido ao corpo como se elas fossem manequins. Quando meu Pai morreu, tínhamos uns blocos de cimento que tinham sido feitos nos Anjos e estavam postos a secar no murinho do adro da ermida. A minha irmã ia comigo todos os dias regá-los para não racharem. E ninguém os roubou nunca! Eram para fazer uma casita, que a Câmara tinha autorizado usar os terrenos baldios em frente aos nossos pastos, numa parte larga da canada. Vendemo-los e serviram para pagar a renda desse ano ao “menino” José António Arruda. A dívida corrente de uma mercearia, nas Pedras de Santo Antão, ficou por pagar. Só a pude pagar cinco anos mais tarde. (Lembra-te de que vim só com o 4º ano.) Pedi a um compadre meu que passasse por lá, a perguntar quanto era a dívida, que eu iria em breve na minha primeira visita de saudade e queria pagá-la. Eram 900$00. O dono da loja, que nunca imaginara poder receber aquele dinheiro, disse ao meu compadre: “Ainda há gente séria neste mundo!” Graças a Deus, não éramos dos piores… Mas que estou para aqui a dizer? Esta conversa não interessa a ninguém, só a mim e às minhas saudades. Culpa do Chrys, que me trouxe para aqui estas coisas memoráveis.
    Abraços.
    Daniel

    Em 10 Outubro de 2010, o autor voltava à carga emocional que as fotos das ruínas da sua velha casa em Santa Maria lhe inspiravam:

    Vou falar só mais um pouco a propósito das fotografias do Chrys. Só lhes falta o cheiro. Foi precisamente do cheiro que mais falta senti, quando no verão de 2009 fui a Santa Maria depois de dezanove anos sem lá ter posto os pés.
    Os nossos pastos, sobretudo à volta da casa, eram amarelos e azuis da macela e do poejo. No resto a paisagem estava cheia de murta, giesta
    ou juncos.

    Arrotearam tudo. Ficou nem pasto nem jardim. Já não cheira. No Aeroporto, dos velhos cheiros, nada. Só um arzinho dele na casa da Ana [Loura]. A capela de Nossa Senhora do Ar ardeu, e foi substituída por aquela, muito parecida, mas de cimento. Resistiu a torre, que é de pedra, como pudestes ver. Meu Pai trabalhou na sua construção. Chegou a levar às costas uma pedra de duzentos quilos, que está lá, com certeza. Foi no alto daquela torre que meu Pai me mostrou (a única vez que o fez) que ficara muito satisfeito com uma classificação minha. Só confessava a sua satisfação às escondidas, a minha Mãe. Creio que o dizia aos amigos. Ele pedira-me para eu ir fazer qualquer trabalho relacionado com as vacas. Eu tinha de estudar, porque ia haver chamadas orais de Francês, mas disse que não fazia mal, havia de me desenrascar. Meu Pai, que chegou a dizer que então iria ele, estava tão cansado que aceitou que eu fosse. No outro dia fui ter com ele ao cimo da torre, e perguntou-me de imediato: \”E então?\” Eu respondi: “Tive quinze.” Beijou-me, muito contente.

    Aquelas silvas, em primeiro plano nas fotos das ruínas da casa, davam umas amoras diferentes de todas as que conheço. Embora gradas, não eram tão doces como as outras, e tinham uma pelica branca, muito
    ligeira, a cobri-las em parte. Em buracos das pedras daqueles muros as abelhas selvagens construíam uns favos em barro (dois ou quatro) onde faziam um mel castanho, muito escuro, depositando um ovo em cada favo.
    Eu ia muitas vezes, mais um amigo da minha idade, à procura desses favos, a que chamávamos casulos. Abríamo-los com um espeto e chupávamos o mel trazido na ponta do próprio espeto. Esta espécie de abelhas é tão rara que o Dr. Virgílio Vieira, biólogo, que estuda esse tipo de bicharada cá nos Açores, nunca tinha ouvido falar delas.

    As matas do Aeroporto perderam o cheiro também. As árvores cresceram muito e são muito menos do que antigamente. O hotel também ardeu, não poderia cheirar como antes. O Clube Asas do Atlântico envelheceu tanto que lhe fizeram uns transplantes, pondo cimento onde havia madeira. Pronto, não se fala mais nisso. Eu teria praticamente uma história para cada foto, já disse. Mas poupo-vos.
    Abraços.
    Daniel
    10 outubro 2010

    Para se entender esta relação umbilical nunca cortada entre o autor e a ilha nada melhor do que um texto do Daniel intitulado:

    Santa Maria, uma declaração de amor

    Considero-me um privilegiado quando me chamam mariense. Porque, como filho destas ilhas, tenho a sorte de ter pai e mãe. Foi meu pai São Miguel, minha mãe, Santa Maria. E, se pode ter-se dupla nacionalidade, por certo que poderá ter-se dupla “insularidade”.

    Sou mariense, sim, e julgo que de pleno direito. Cagarro e santaneiro. O que foi outro privilégio, ter vivido em Santana. Mais de oito anos, depois de quatro por São Pedro, na casa do Sr. Armando Monteiro, e seis meses na Ribeira do Engenho, numa casinha que era toda ao pé da porta e tinha o telhado à altura do caminho.

    De São Miguel saí ainda de cabelos compridos, de que guardo uma vaga memória mas somente do dia em que mos cortaram, já em São Pedro. Antes disso, e da ilha onde fui gerado e onde nasci, só sei o que me contava minha mãe. Tempo esse em que uma criança de dois anos podia andar pelas ruas e ir até longe, no longe relativo do tamanho do corpo, sem deixar preocupado quem quer que fosse. Palmo e meio de pernas bastava para fugir facilmente das rodas de uma carroça ou de um carro de bois.

    Muito cedo comecei a ser aluno da vida, em Santa Maria. Que belas lições recebi! Recordo a sabedoria de um povo a quem vi cavar um poço antes do tempo da sede. Aprendi a sua bondade em coisas tão simples como aquelas grandes pedras, postas ao alto à semelhança de pequenos menires, onde o gado ia roçar-se placidamente. A minha definição como pessoa começou a fazer-se com estes e com outros ensinamentos casuais ou espontâneos, sem pedagogia diplomada.

    Pode parecer um contrassenso considerar um privilégio ter vivido em Santana, porque aquela era uma das aldeias mais rurais de Portugal. Nem havia sequer uma canada razoável que lhe fosse caminho. A que existia servia, em parte, como leito de uma ribeira, onde aflorava a rocha irregular posta a descoberto pela erosão. Durante séculos, foi a única via que levava a Vila do Porto. Maior isolamento do que aquele é difícil de imaginar. Ainda assim, em Santana nasceram e viveram pessoas de grande valor humano e social. Prodígios da superação.

    De súbito, tudo mudou em 1945. Em Santana propriamente não, porque ela ficou imutável na sua rústica ancestralidade. Mas, mesmo ali ao lado, fora feito um aeroporto para ser um dos melhores e mais concorridos do Mundo. A Vila deixou de ser a principal referência, porque até na religião os de Santana se tornaram como que paroquianos da capela de Nossa Senhora do Ar, que antes fora lugar de culto de protestantes, católicos e judeus. Ia-se e vinha-se usando atalhos desenhados por milhões de passadas, cortados aqui e ali por muros que era preciso saltar. A aldeia isolada ficara a poucos minutos de um mundo novo e impensável. Mas aquela gente recebeu-o quase com a mesma naturalidade com que via nascer o Sol todos os dias, o Sol que gretava o solo árido no verão, depois de secos os lameiros do inverno. Aquela gente, que resistira à angústia da fome, numa penúria humilhante e indigna da condição humana. Como um pouco por toda a ilha, aliás. Mas que manteve uma dignidade bíblica, porque a dignidade é um estado de espírito mais do que uma afirmação social.

    A nossa casa nunca fora chamada casa antes de lá morarmos. E, nesse tempo, era um absurdo pensar que quem tivesse menos de dezasseis anos não podia trabalhar. Não o proibia a lei, e a isso obrigava a necessidade de as mães não terem falta do que pôr na mesa à hora de comer. Apesar disso, não lamento nada da minha infância.

    Fui pastor de cabras, de ovelhas e de vacas. Cavalguei em pelo e sem esporas nem freio, como os índios. Nunca ninguém me ensinou a ter medo do dia nem da noite. Fui cowboy ou índio na mata de Monserrate e nas do Aeroporto. Mas não estraguei nenhuma árvore, nem os meus companheiros de aventuras. Contei histórias ao meu amigo Elias, e contava-me ele outra por cada uma das minhas. Matávamos o menor número possível de personagens, quer fossem índios ou bandidos. Apenas o essencial para haver vencedores e vencidos.

    Entretanto, ia aprendendo em livros ou num quadro preto. Primeiro na escola de Santana. Com a D. Eduarda na 1ª classe, a D. Doroteia, na 2.ª, a D. Úrsula, na 3.ª, a D. Francisca, na 4.ª. Continuam a ser das minhas heroínas preferidas. Fizeram o milagre de me ensinar a ler, de explicar que povo somos e a que terra pertencemos. Depois veio o Externato. Juntei à minha lista de heróis e de heroínas mais uns quantos predestinados para o bem e a sabedoria. Passei a pertencer também à geração do Cavaleiro Andante, sem dúvida a mais prodigiosa publicação juvenil que houve em Portugal. Não tínhamos dinheiro para livros nem revistas, por isso era o José Guilherme Correia que mo emprestava sempre. E alguns livros também, como o José Vieira Souto Martins, um amigo de que nada sei há meio século. Foi assim que pude ler Emílio Salgari, Mark Twain ou Enid Blyton.

    E havia o Clube Asas do Atlântico. O Asas! Nunca ninguém me pôs na rua nem mostrou desagrado pela minha presença. Nem imaginavam o bem que me estavam fazendo. Ali ouvíamos os relatos do futebol e do hóquei das nossas alegrias patrióticas. Era onde eu tinha à disposição os principais jornais que se publicavam em Portugal. Um dos mais bem escritos era A Bola, e por isso, ao mesmo tempo que a rivalidade entre o Sporting e o Benfica era um dos principais fatores de unidade dos Portugueses, o desporto, contado naquele jornal que mudou tanto que se pode considerar extinto, era também uma lição de cultura.

    Não longe, o campo dos jogos épicos do futebol romântico de dois defesas, três médios e cinco avançados. Com o mítico Badjana a dar os últimos pontapés na bola, jogando pela equipa da Direção do Serviço de Obras, onde meu pai trabalhava. Depois veio outro clube, o de Gonçalo Velho, para o qual minha mãe e minha irmã bordaram os primeiros emblemas.

    No entanto, a alegria suprema tinha lugar reservado no Atlântida Cine. O seu porteiro deixava muitas vezes as crianças entrarem sem pagar bilhete. Por isso o Sr. Cardoso faz parte da minha lista de heróis particulares. E o grito “ó Cardoso, apaga a luz” ainda ecoa nas minhas recordações como o anúncio de todas as claridades. Outro benfeitor de homens a haver.

    Na capela de Nossa Senhora do Ar aprendi o lado mais humano da vida. Aquele que pensa acima de tudo no que nos distingue dos irracionais. Se é certo que sem uma fé sobrenatural se pode ser boa pessoa, o cristianismo à maneira do Padre Artur é o testemunho do bem na Terra.

    Mas qualquer pedaço de mundo vale pelo que vale a sua gente. A do meu tempo era feita destas e de outras figuras que marcaram o modo de ser de um tempo e de uma geração em que havia na ilha mais forasteiros do que naturais dela. Sorte nossa que a maior parte dos que em Santa Maria buscaram um pouco mais de fortuna ou um pouco menos de infortúnio eram pessoas de deixar saudades. Por isso o re-encontro com velhos pioneiros dos tempos modernos da Ilha de Gonçalo Velho é sempre um momento de festa que dificilmente tem semelhança quando as amizades foram feitas por outras bandas.

    O próprio aeroporto, começado a construir durante a guerra, acabou por ser um lugar de passagem para a paz. Se, em 1918, Franklin Delano Roosevelt escolheu Ponta Delgada para apoio ao transporte de tropas a caminho da Europa, por aquelas pistas passaram sobretudo soldados de regresso a casa. O nome de código da operação, “Green Project”, era ele mesmo uma declaração de esperança numa nova era.

    Foi neste ambiente, um dos espaços nacionais onde mais se concentravam pessoas com ensino superior ou com uma cultura acima da média, que começou a germinar a minha vontade de fazer das palavras escritas um uso para além da obrigação de alguma carta familiar. Sem Santa Maria, sobretudo sem o seu Externato, eu teria ficado pela 4.ª classe, tal como todos os rapazes que nasceram na Maia, em São Miguel, no mesmo ano que eu. Por um desses acasos que são difíceis de explicar, cresci logo nos primeiros anos de vida com uma curiosidade sem limites.

    Um dia, ainda antes de completar seis anos, perguntei a meu pai como é que se faziam versos. Ele era um improvisador de quadras e de histórias como poucos conheci na vida. Chegou a fazer o negócio de uma burra cantando ao desafio. E, nos intervalos do almoço, contava casos a homens da sua idade, mas tão interessados como crianças. Vi muitos filmes pelos seus olhos, ou ouvi-os da sua boca. Ele levou a sério a minha pergunta sobre poesia, e respondeu como se deve sempre responder a uma criança: dizendo a verdade das coisas como se se falasse ao adulto que a criança será um dia. Logo a seguir exercitei o meu novo conhecimento cantando para uma vizinha da minha idade, de que só guardo a memória de uns longos caracóis loiros. Sei que começava assim, esse que foi em rigor o meu primeiro poema: “Sou Daniel/ da ilha de São Miguel”.

    Era, sim, com a sorte de ser da Ilha-Mãe também. E nela vivia então um poeta que fez parte do meu imaginário, e de quem eu muito quis ser imitador: Lopes de Araújo. Não tive a sorte de ser seu aluno, mas a ânsia de alcançar um estatuto semelhante ao seu foi talvez o maior impulso que me levou a dedicar-me à escrita.

    Mas Santa Maria veio a ser para mim cenário de drama também. Numa certa manhã, os responsáveis pela Direção do Serviço de Obras estavam reunidos para despedir pessoal. O critério escolhido foi o de optar pelos trabalhadores com menos filhos. O nome do meu pai foi um dos primeiros a serem falados, porque éramos só minha irmã e eu. Minha irmã não estudara porque as propinas equivaliam a um terço do ordenado de meu pai. Que levou um ano a decidir se eu deveria frequentar ou não o Externato. Acabou por resolver-se pela positiva, e eu revi a gramática da 4.ª classe, feita um ano antes, estudando-a enquanto vigiava as vacas. Valeu-nos que nunca paguei propinas no colégio, como chamávamos ao Externato.

    O Miguel Côrte-Real, esse homem da linhagem dos primeiros povoadores e a quem Santa Maria muito deve, não concordou com a ideia, alegando que eu estudava, e que meu pai e minha mãe, costureira, se sacrificavam a trabalhar mais do que podiam para eu ter aquele privilégio. Estava a questão por decidir quando chegou um funcionário com uma notícia dramaticamente irónica. Meu pai acabara de deixar vago definitivamente o seu lugar na vida.

    Este é o autor que primeiro descobri e traduzi, depois dele, viriam Cristóvão de Aguiar e Vasco Pereira da Costa e, aos três, conto-os como amigos especiais. Chegara a esta idade sem ter um autor amigo embora amigos houvesse que tivessem sido autores. Foi com eles que cresci a apreciar e a ler outros autores de matriz açoriana. Levei comigo nessa jornada muita gente, que, igualmente, se apaixonou por essa escrita singular, onde se sente a todo o instante a palavra mar.

    (1) “Translation, like writing, is both art and craft, with a touch of alchemy. When translator and author actually get to meet, the result can be inspired. Nuance is what translates language into art.” Ann-Marie is a Toronto-based writer and actor. She has received accolades for her playwriting, acting and writing. Her play Goodnight Desdemona (Good Morning Juliet) won the Governor General’s Award for Drama, the Chalmers Award for Outstanding Play and the Canadian Authors’ Association Award for Drama. She won a Gemini Award for her role in the film Where the Spirit Lives and was nominated for a Genie for her role in I’ve Heard the Mermaids Singing. Her first novel, Fall On Your Knees, was published in 1995 to much critical acclaim in Canada and abroad. Her latest book, The Way the Crow Flies, was shortlisted for both the Giller Prize and Governor General’s Award.
    http://www.banffcentre.ca/programs/93_words/2007/biltc/past_programs.aspx

    CHRYS CHRYSTELLO
    Presidente da Direção da AICL Colóquios da Lusofonia
    Cidadão australiano residente na Lomba da Maia, S. Miguel, Açores
  • Jeanne Pereira: «O galego é português e o português é galego»

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    da AGAL SE TRANSCREVE

    Jeanne Pereira: «O galego é português e o português é galego»

     

    «O pequeno império deixa claro que a Galiza é unha periferia de Madrid e não uma nação com identidade própria»
    «Deixemos de lado esse discurso ultrapassado dito por muitos galegos de que o português se parece muito ao galego e mudemos para este: de que o galego é português e o português é galego»

     

    Sexta, 21 Outubro 2011 08:18
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    Jeanne defende o galego como língua «extensa e útil»

     

    PGL – Jeanne Pereira, brasilega, achava estranho o galego se escrever com ortografia castelhana e pensa que temos que ter a ousadia de dizer a verdade sobre a língua da Galiza. É uma magnífica embaixadora do nosso país e da nossa língua.
    PGL: Jeanne Pereira é baiana. Que te motivou a vires para a Galiza e como sentiste a integração no nosso país?
    Jeanne Pereira: Por questões pessoais necessitava sair do Brasil. Eu já sabia que aqui havia um idioma que era parecido ao português. Por que era exatamente o que pensava por ter pesquisado algo em relação a Galiza, à sua historia, em sites de pesquisas que nada tinham a ver com a realidade do país. Lembro bem que procurei saber da realidade política, e porque esse idioma ‘parecido’ ao meu. O que me chamou a atenção foi a ortografia, achava estranho um idioma com uma escrita igual ao espanhol, principalmente porque diziam ser ‘parecido’ ao português. E pensei como é possível?
    PGL: Falando em integração, como foi o teu contato primeiro com o reintegracionismo?
    JP: Através de José Alvaredo, que foi um pessoa muito especial que no seu momento se dedicou a mostrar a verdade em relação a realidade da Galiza. Uma pessoa que foi importante para que eu pudesse chegar à realidade sociolinguística. Era interessante o que ele fazia, era uma preocupação diária, ja que colocava como página principal o site da AGAL e Vieiros. Quando eu abria o computador, estavam ali, então lia e tirava as dúvidas com ele, mesmo quando chegava em casa cansado do trabalho, nunca se negou a explicar-me e dedicar todo o tempo possível para dar-me esclarecimentos com uma paixão pela Galiza, pelo nosso idioma em comum, que me contagiava.
    Foi a primeira pessoa que me disse que…o português nasceu na Galiza. As dúvidas eram tiradas e muito bem esclarecidas ao ponto de me deixar mais curiosa. Inclusive a realidade política veio a través dele. O meu primeiro comentário sobre a língua foi em Vieiros, que passei a difundir a realidade do país através deste jornal.
    O primeiro dicionário consultado foi o Estraviz. Comecei a comentar artigos em Vieiros para chegar a outros brasileiros que não conheciam a realidade da Galiza. Aproveito para agradecer todo o apoio dado por esse grande mestre que no seu momento, como disse, foi extremamente importante para mim. Um muito obrigada Zé! Sigo adiante e com muita força valorizando tudo que aprendi.
    PGL: Estás a estudar galego, versão ILG-RAG, na EOI. Este formato de galego pode funcionar bem na interação com pessoas do Brasil e de Portugal?
    JP: Não, pela ortografia, que é espanhola, que nada tem a ver com português. É uma norma isolacionista que foi imposta pelo Estado espanhol, já que a Galiza pertence ao Estado e o governo autonômico, em vez de aproximar o galego ao português, pretende aproximá-lo ao espanhol, diluindo assim a identidade galega. É uma estratégia política do pequeno império, uma forma de colonizar a população galega, separando o nosso idioma em comum. Inclusive alguns brasileiros dizem que é um galego ‘feio’, ‘mal escrito’. É uma questão tanto da fala como da escrita. Existem vícios de linguagem que infelizmente são muito utilizados pelos/as galegos/as pela influência do espanhol, daí que os/as brasileiros/as se aproximem ao espanhol e não ao galego, já que o galego raguiano é um dialeto do espanhol, e vista como uma língua ‘misturada’ do espanhol.
    PGL: Não sei se sabias que nas EOI existe a figura de língua ambiental, aquelas que a priori existem na sociedade onde está inserido o centro. Na Galiza são três, galego, português e castelhano. Isto facilitou o teu dia a dia, não é?
    JP: Deixemos de lado esse discurso ultrapassado dito por muitos galegos de que o português se parece muito ao galego e de que um galego pode aprender português por ser parecido, e mudemos para este: que o galego é português e o português é galego. A prova é que o galego já está no dicionário da Porto Editora desde 2008 no vocabulário comum e breve nos dicionários brasileiros.
    A facilidade de entendimento é grande desde quando se abra a mente para isso. Para mim sempre tem sido fácil porque não importa se falam comigo em espanhol, eu falo em galego-português, estou na Galiza, e isso tenho claro. Já escutei muita gente falarem para mim “Não te entendo”. Eu respondo, “pois deveria, estamos na Galiza, a língua do meu país nasceu aqui, temos inclusive um vocabulário comum.
    Palavras que foram levadas daqui para o Brasil, que surgiram aqui”. Infelizmente, por questões de imposição do estado espanhol, não podemos usar a nossa língua nas traduções juramentadas. Por exemplo, um título universitário do Brasil, tem que ser traduzido ao espanhol e não à língua própria do país.
    PGL: No Brasil existe um desconhecimento da Galiza e da sua língua. Qual a reação média de uma pessoal do Brasil quando descobre?
    JP: Muitos galegos que visitam o Brasil, de férias, para estudar, os emigrantes que vivem ali uma boa parte não são vistos como galegos e sim espanhóis. Inclusive Santiago de Compostela é destino para quem está a aprender espanhol. O pequeno império deixa claro que a Galiza é unha periferia de Madrid e não uma nação com identidade própria. Escuto de muitos galegos como uma brasileira pode saber tanto da Galiza ao ponto de dizer que o português e o galego é o mesmo e que eles sendo galegos não sabem nada da realidade e alguns se aborrecem afirmando que tudo isso é uma mentira, que a história mostra claramente as diferenças nas duas línguas que é impossível serem um único idioma com variantes diferentes.
    Sempre cito como exemplo muitos galegos que estiveram ali no Brasil e que muitos brasileiros perguntavam de que região faziam parte, ou até mesmo de que estado. Infelizmente a realidade da Galiza ainda é desconhecida no meu país, mas faço minhas as palavras do José Carlos da Silva, que diz: “Reclamo um maior conhecimento da realidade da Galiza no Brasil”.
    Agora, o dia 6 de novembro estarei de volta a Salvador, mas levo comigo o compromisso de mostrar essa realidade, a de um país que possui um idioma em comum com o meu, e de que a sua língua nasceu aqui na Galiza. É com muito orgulho e muita gratidão por um país que aprendi a amar como sendo meu, um país que me acolheu, porque sempre deixo claro que fui acolhida pela Galiza e não pela Espanha, que lutarei para que esse conhecimento seja real no Brasil.
    PGL: Achas que existem diferenças entre a cidadania galega na sua perceção do Brasil e da lusofonia em geral?
    JP: Muitos galegos veem o Brasil como um destino turístico, não como um país com uma língua em comum. O Brasil ultimamente é visto por ser a sétima economia mundial e nos meios de comunicação aparece muito este facto, mais nada em relação questão da língua. O Brasil infelizmente não conhece essa realidade.
    PGL: Certos círculos sociais em Santiago falam da figura do(a) brasilego(a), uma pessoa que vive na nossa língua cá na Galiza frente a atitude mais habitual de desenvolver-se em castelhano no dia a dia. É exportável esta forma de viver a outras cidades?
    JP: Em Santiago sim, mais noutras cidades não porque a fala predominante é o espanhol. Em Santiago também depende do ambiente que frequente ou que esteja. Há lugares que inclusive falo o meu ‘baianês’ com uma rapidez como se estivesse em Salvador. Chego a mudar completamente o meu sotaque e falar com uma desenvoltura que as vezes não me dou conta que estou em Santiago.
    PGL: Tu segues os passos da estratégia luso-brasileira para o galego. Que tipo de táticas achas mais produtivas e quais achas que se deveriam implementar para a cidadania galega viver o galego como sendo extenso e útil?
    JP: Táticas temos muitas, inclusive as redes sociais, são meios de grande importância para divulgar a nossa realidade. Há que sensibilizar e ter muita valentia e ousadia no falar, na hora de dizer a verdade sobra a realidade o país, sobre o seu idioma próprio e cultura, afirmando com muita força que “Galiza não é Espanha”, e que isso fique bem claro, não tendo medo de falar a verdade em alto e bom som,para todo mundo ouvir.
    O incentivo a leitura dos jornais na nossa língua, dando prioridade as publicações em galego-português, também nas redes sociais. Ao invés de estarmos publicando notícias de meios espanholistas, publicarmos noticias com o nosso idioma.
    Aproveitar o momento político do Brasil pode ser algo importante, para mostrar que além de um país em crescimento com ofertas de emprego, para os galegos, há a vantagem de termos um idioma em comum, o que facilita muito no mercado de trabalho. A ousadia e a valentia de sempre dizer a verdade, sobre a realidade da Galiza, é importante. Já passou da hora de vencer todo esse auto-ódio que nos contamina de forma negativa, tirando a coragem e a força de muitos em falar a realidade e de lutar pelo seu país, livrando-se da colonização mental imposta pelo ‘Reino de Espanha’, por um pequeno Império fracassado, prepotente e complexado, em que infelizmente a Galiza tem sofrido por estar sendo Desgovernada por um partido que em nada representa o país, levando a Galiza ao retraso.
    PGL: Que visão tinhas da AGAL, que te motivou a te associares e que esperas da associação?
    JP: A nossa língua é extensa e útil, a nossa língua é internacional, e a AGAL cumpre perfeitamente esse papel como representante do nosso idioma, com muita seriedade e responsabilidade divulgando de forma séria o seu trabalho em prol da nossa língua e da realidade sócio-linguística do país. Levando ao conhecimento inclusive a nível internacional. Parabenizo a associação pelo grande trabalho que vem sendo realizado nesses 30 anos de existência, mostrando a internacionalidade da nossa língua em comum. Espero sempre o melhor e que esse trabalho cresça e continue recebendo todo o apoio merecido para dar continuidade a divulgação da nossa língua.
    PGL: Como vai ser o Brasil do futuro?
    JP: Espero que seja um país com menos desigualdade social, investindo em políticas sociais, fortalecendo a saúde pública como direitos de todos, com qualidade. Que o presidente ou presidenta que ali esteja, chegue a ONU, um dia no seu discurso, reivindicando e reconhecendo a liberdade e soberania de muitas nações como a Galiza.

    Conhecendo Jeanne Pereira

    • Um sítio web: são vários, principalmente os relacionados a política e escritos no nosso idioma em comum. Por exemplo, leio todos os dias a revista Carta Maior.
    • Um invento: o que traga beneficio à humanidade
    • Uma música: Apesar de Você (Chico Buarque)
    • Um livro: O Golpe de 64 e a Ditadura Militar, de Júlio José Chiavenato. Esse livro foi uma grande referência para mim, a nível político e um grande presente dado por meu pai, quando tinha apenas 15 anos de idade.
    • Um facto histórico: a independência da Galiza
    • Um prato na mesa: um caruru completo (comida baiana)
    • Um desporto: Fórmula 1
    • Um filme: O auto da compadecida, de Ariano Suassuna.
    • Uma maravilha: a descoberta da vacina contra o vírus da Sida
    • Além de brasileira: brasilega

     

    Comentários

    # Re: Jeanne Pereira: «O galego é português e o português é galego»Carlos Durão 21-10-2011 09:21

    Mal posso conter as bágoas, cara Jeanne, mulher valente: sei muito bem que estas belas frases tuas:”Há que sensibilizar e ter muita valentia”, “A ousadia e a valentia de sempre dizer a verdade, sobre a realidade da Galiza”, não são vazias, que és testemunha privilegiada da nossa situação precária, até tu própria pudeste comprovar em ti mesma essa prepotência, no fundo esse racismo do EE para quem não seja “como ele”; no teu imenso Brasil estaremos contigo, sempre, até pode ser que te visitemos alguns de nós; leva o meu forte, fundo, acarinhado abreço galego.

    Carlos

     

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  • Machimbombo

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    O termo “Machimbombo” generalizou-se em Angola (região de Luanda, sobretudo) para designar os autocarros de transportes públicos. Supunha-se que era um termo gentílico, mas afinal acabámos por constatar que é um vocábulo levado de Portugal para Angola em princípios do século XX.
    Veja o documento histórico abaixo. O artigo está muito bem escrito com ortografia antiga.Uma preciosidade!

    Machimbombo é uma palavra portuguesa que significa elevador mecânico, mas que caiu totalmente em desuso em Portugal – mas, como se refere nesta anterior resposta, de uso corrente em Angola e em Moçambique.

    O que se transcreve em baixo é a história – e a morte – do antecessor do emblemático elétrico 28 de Lisboa, conforme notícia da revista Ilustração Portuguesa n.º 386, em 17 de julho de 1913. Chamava-se, então, “Machimbombo da Estrela“.

    E, do que dela pelo menos parece legítimo concluir, é a comprovação de que a palavra machimbombo, provinda do inglês machine pump, já se usava em Portugal no início do século XX.

  • O VERDADEIRO SIGNIFICADO DA PALAVRA TREM

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    O VERDADEIRO SIGNIFICADO DA PALAVRA TREM

    Interessante que o assunto mineirês veio à tona logo no dia em que alguns transtornos foram causados pelo seu desconhecimento por parte de alguns jornalistas, que escreveram a seguinte manchete: – ‘ Trens batem de frente em Minas.’

    Os mineiros, obviamente, não deram a devida importância, já que para eles isto quer dizer apenas que duas coisas bateram. Poderia ter sido dois carros, um carro e uma moto, uma carroça e um carro de boi; ou
    até mesmo um choque entre uma mala de viagem e a mesa de jantar.

    Movido pela curiosidade, resolvi então consultar o Aurélio. E vejam o que diz:

    trem [Do francês/inglês. train.] Substantivo masculino.
    1 Conjunto de objetos que formam a bagagem de um viajante. 2.Comitiva, séquito. 3. Mobiliário duma casa. 4. Conjunto de objetos apropriados para certos serviços… 5. Carruagem, sege. 6. Vestuário, traje, trajo. 7.Mar. G. Bras. Grupamento de navios auxiliares destinados aos serviços (reparos, abastecimento, etc.) de uma esquadra. 8. Bras. Comboio ferroviário; trem de ferro. 9. Bras. Bateria de cozinha. 10. Bras. MG C.O. Pop. Qualquer objeto ou coisa;
    coisa, negócio, treco, troço: ‘ensopando o arroz e abusando da pimenta, trem especial, apanhado ali mesmo, na horta.’ (Humberto Crispim Borges, Cacho de Tucum, p. 186). 11 .Bras. MG S. Fam. Indivíduo sem préstimo, ou de mau caráter; traste.

    Vejam que o sentido de comboio ferroviário é apenas o 8º, e ainda é considerado um brasileirismo.

    Comentei o fato com um amigo especialista em etimologia, que me esclareceu a questão: o comboio ferroviário recebeu o nome de trem justamente porque trazia, porque transportava, os trens das pessoas.
    Vale lembrar que nessa época o Brasil possuía uma malha ferroviária com relativa capilaridade e o transporte ferroviário era o mais importante. Assim, era natural que as pessoas fizessem essa associação.

    Moral da estória:
    O mineiro é, antes de tudo, um erudito. Além de erudito, ainda é humilde e aceita que o pessoal dos outros estados tripudie da forma como usa a palavra trem. Na verdade, acho que isso faz parte do ‘espírito cristão do mineiro’. Ele escuta as gozações e pensa: que sejam perdoados, pois não sabem o que dizem.

    Recebi sem indicação da AUTORIA.
  • São Tomé e Príncipe: exigem-se mais esforços na área da educação

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    São Tomé e Príncipe: exigem-se mais esforços na área da educação

    Segundo os observadores São Tomé e Príncipe precisa de continuar a trabalhar para atingir os Objetivos para o Desenvolvimento do Milénio no setor da Educação

    Termina em Junho a primeira fase do projeto para a iniciativa de educação acelerada – Fast Track – para a qual o Banco Mundial investiu 3.6 milhões de dólares, cerca de 2,5 milhões de euros. Segundo o especialista em Educação do Banco mundial, Geraldo Martins, a instituição vai continuar a apoiar São Tomé e Príncipe para que em 2015 consiga atingir os Objetivos do Desenvolvimento do Milénio neste setor.
    “São Tomé e São Tomé e Príncipe está no bom caminho para o cumprimento desses objetivos”. Quem o diz é o responsável do setor da Educação do Banco Mundial para São Tomé e Príncipe, Geraldo Martins, depois da visita efetuada àquele país para fazer a avaliação ao cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio. Geraldo Martins salienta: “Em 2004 o país tinha indicadores de educação relativamente fracos, mas hoje a taxa de conclusão do ensino básico é superior a 60 por cento, o que representa um progresso enorme em relação à situação de 2004. Cerca de 312 mil manuais escolares foram distribuídos nos últimos quatro anos a todos os níveis do ensino básico, fazendo com que todos os alunos tenham um manual das duas principais disciplinas, isto é matemática e língua portuguesa. De uma maneira em geral esses progressos são importantes”.
    Projeto de “Iniciativa de educação acelerada” dá os seus frutos
    O Banco Mundial invstiu 2,5 milhões de euros no projeto Bildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: O Banco Mundial invstiu 2,5 milhões de euros no projeto “Fast Track” de educação acelerada em São Tomé e Príncipe. Na foto: logótipo do Banco Mundial; continente africano com pano de fundoAinda não é possível medir a qualidade de ensino existente em São Tomé e Príncipe, mas nestes últimos quatro anos, desde que o projeto de iniciativa de Educação acelerada – Fast Track – começou a ser implementado, foi possível mudar o ensino no país. “Foi implementado em três anos e durante esse período foram construídas e reparadas salas de aula ao nível do ensino básico e pré escolar, foram adquiridos e distribuídos manuais escolares aos alunos do ensino básico para além de ser reaberta a escola de formação de professores de São Tomé e Príncipe”, acrescentou o especialista em educação do Banco Mundial.
    Alargar o ensino básico até à sexta classe e promover a igualdade de género no acesso à educação básica, são medidas já implementadas pelo governo são-tomense. Segundo o professor do ensino básico de Ribeira Afonso e Colónia Açoriana, Nelson Diogo, essas medidas podem ajudar o país atingir em 2015 os Objetivos do Desenvolvimento do Milénio no setor da educação. “Com o alargamento do parque escolar até à sexta classe, mesmo a lugares longínquos como Ribeira Afonso, Colônia Açoriana, Angra Toldo, San Fenícia – lugares onde, sobretudo, as meninas não tinham acesso ao estudo devido à distância e problemas da própria família – hoje já é possível estudarem”, sublinha o professor.
    Ensino básico são-tomense : inscritas 93 por cento das crianças do país
    No ensino básico, que compreende a pré escolar e o 1. e 2. ciclos, estão inscritos 43.074 alunos, cerca de 93% das crianças no país, segundo dados do Ministério da Educação são-tomense. No ensino básico de São Tomé e Príncipe estão inscritas 93% das crianças no país. Na foto: panorâmica da roça Agostinho NetoBildunterschrift: Großansicht des Bildes mit der Bildunterschrift: No ensino básico de São Tomé e Príncipe estão inscritas 93% das crianças no país. Na foto: panorâmica da roça Agostinho Neto
    Os avanços positivos de São Tomé e Príncipe para atingir em 2015 a universalização do ensino básico não impedem que o Banco Mundial lance uma chamada de atenção: é que, segundo Geraldo Martins, o país tem que continuar a trabalhar na melhoria da qualidade do ensino: “Quando um país tem uma taxa de repetência com dois dígitos não é bom em termos de eficiência e mesmo em termos de qualidade de educação”, sublinhou.
    Geraldo Martins acrescentou que ainda há muita coisa que falta fazer para melhorar a qualidade da educação ao nível da formação de professores: “A escola de formação de professores de São Tomé e Príncipe EFOPE ficou muitos anos sem funcionar e, graças a este projeto, retomou as suas atividades há três anos; e neste momento está a formar vários professores depois de muitos anos em São Tomé e Príncipe”, disse Geraldo Martins.
    Também é preciso apostar na reciclagem dos professores que estão já no sistema, pois segundo o especialista do Banco Mundial “cerca da metade desses professores não têm formação pedagógica continua”. O objetivo de São Tomé e Príncipe até 2015 é garantir o acesso universal à educação básica no país.
    Autor: Edlena Barros
    Revisão : António Cascais
  • o crime do vale do Tua

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    Um artigo de Daniel Deusado, jornalista (JN – 08SET2011).
    Atentamente,
    Célia Quintas.
    NOVAS BARRAGENS = CRIMES
    O JN trazia esta semana dois artigos que se interligam profundamente. Num, o Norte como região turística preferida dos portugueses, sobretudo pela natureza e paisagem. No outro, o retrato da futura barragem do Tua. Questão: é possível destruir um rio como o Tua e manter-se a ficção de que o turismo é o maior activo do país?
    As barragens foram propagandeadas por Salazar como o milagre da energia barata e são hoje responsáveis por uma parte da produção de electricidade nacional, além de terem melhorado o controlo do caudal dos rios. Foi assim por todo o Mundo. Mas já se evoluiu muito desde então e hoje percebe-se melhor que elas têm um custo implícito, porque os ecossistemas vão sendo profundamente alterados e a nossa saúde paga todos os dias a factura…
    Infelizmente, para a maioria das pessoas, isto é conversa. O que importa é se a conta da luz é mais barata. Começo então por aqui: o plano de barragens posto em marcha pelo Governo Sócrates inclui uma engenharia financeira tipo “scut” cujo custo só vamos sentir daqui a uns anos de forma brutal – e aí já será tarde. Uma plataforma de organizações ambientais entregou esta semana à troika um documento que explica onde nos leva o plano da outra “troika” (Sócrates-Manuel Pinho-António Mexia). As 12 obras previstas que incluem novas barragens e reforço de outras já existentes produzem apenas o equivalente a três por cento de energia eléctrica do país, mas vão custar ao Orçamento do Estado e aos consumidores 16 mil milhões de euros… O documento avisa que a conta da electricidade vai, a prazo, incluir um agravamento de 10% para suportar mais este negócio falsamente “verde”. A EDP, a Iberdrola, etc., receberão um subsídio equivalente a 30% da capacidade de produção, haja ou não água para produzir. Mesmo paradas, recebem. A troika importa-se com isto?
    Os especialistas das organizações ambientais dizem, desde o princípio, que as novas barragens poderiam ser evitadas se houvesse aumento de capacidade das barragens existentes. Era mais barato e a natureza agradecia. Infelizmente a EDP apostou milhões para conseguir novas barragens, e isso incluiu antecipação de pagamentos de licenças que ajudaram o ex-ministro das Finanças Teixeira dos Santos a cobrir uma parte do défice de 2009, além da mais demagógica e milionária campanha publicitária da década, em que se fazia sonhar com barragens como se fossem os melhores locais do Mundo para celebrar a natureza…
    Estes monstros de betão vão agora destruir dois rios da região do Douro, desnecessariamente. O Sabor, por exemplo, é uma jóia de natureza ainda selvagem. À medida que o turismo ambiental cresce globalmente, mais Portugal teria a ganhar com um Parque Natural do Douro Internacional ainda inóspito, genuíno. Já não será assim. A barragem em construção inclui uma albufeira de 40 quilómetros onde se manipula o rio de trás para a frente, com desníveis súbitos, acabando com a vida fluvial endógena e o habitat das espécies em redor.
    Não menos grave é a destruição do rio Tua e da centenária linha do comboio. Uma vez mais o argumento é “progresso” – os autarcas e as populações acreditam que os trabalhadores da construção civil, que por ali vão andar por uns anos a comer e a dormir nas pensões locais, garantem a reanimação da economia… Infelizmente, não vêem o fim definitivo daquela paisagem e da mais bela história ferroviária de Portugal. Uma linha erigida a sangue, suor e lágrimas. Única. E que deveria ali ficar, mesmo que não fosse usada ou rentável, até ao dia em fosse entendida como um extraordinário monumento da engenharia humana e massivamente visitada enquanto tal.
    Ao deixarmos cometer mais estes crimes, em troca de um mau negócio energético, não percebemos mesmo qual o nosso papel no Mundo. Esquecemos que a Natureza nos cobra uma factura muito pesada quando destruímos a fauna e a flora. Estamos a comprometer a qualidade da água e das colheitas de que precisamos para viver, com consequências para a nossa saúde e a das gerações vindouras. Se ainda não sabemos isto, sabemos zero. E ainda por cima vamos pagar milhões. É triste.
  • autobiografia Saramago

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    Autobiografia
    fjs
    Nasci
    numa família de camponeses sem terra, em Azinhaga, uma pequena povoação
    situada na província do Ribatejo, na margem direita do rio Almonda, a
    uns cem quilómetros a nordeste de Lisboa. Meus pais chamavam-se José de
    Sousa e Maria da Piedade. José de Sousa teria sido também o meu nome se o
    funcionário do Registo Civil, por sua própria iniciativa, não lhe
    tivesse acrescentado a alcunha por que a família de meu pai era
    conhecida na aldeia: Saramago. (Cabe esclarecer que saramago é
    uma planta herbácea espontânea, cujas folhas, naqueles tempos, em épocas
    de carência, serviam como alimento na cozinha dos pobres). Só aos sete
    anos, quando tive de apresentar na escola primária um documento de
    identificação, é que se veio a saber que o meu nome completo era José de
    Sousa Saramago… Não foi este, porém, o único problema de identidade
    com que fui fadado no berço. Embora tivesse vindo ao mundo no dia 16 de
    Novembro de 1922, os meus documentos oficiais referem que nasci dois
    dias depois, a 18: foi graças a esta pequena fraude que a família
    escapou ao pagamento da multa por falta de declaração do nascimento no
    prazo legal.
    fjs
    Talvez
    por ter participado na Grande Guerra, em França, como soldado de
    artilharia, e conhecido outros ambientes, diferentes do viver da aldeia,
    meu pai decidiu, em 1924, deixar o trabalho do campo e trasladar-se com
    a família para Lisboa, onde começou a exercer a profissão de polícia de
    segurança pública, para a qual não se exigiam mais “habilitações
    literárias” (expressão comum então…) que ler, escrever e contar.
    Poucos meses depois de nos termos instalado na capital, morreria meu
    irmão Francisco, que era dois anos mais velho do que eu. Embora as
    condições em que vivíamos tivessem melhorado um pouco com a mudança,
    nunca viríamos a conhecer verdadeiro desafogo económico. Já eu tinha 13
    ou 14 anos quando passámos, enfim, a viver numa casa (pequeníssima) só
    para nós: até aí sempre tínhamos habitado em partes de casa, com outras
    famílias. Durante todo este tempo, e até à maioridade, foram muitos, e
    frequentemente prolongados, os períodos em que vivi na aldeia com os
    meus avós maternos, Jerónimo Melrinho e Josefa Caixinha.
    fjsFui
    bom aluno na escola primária: na segunda classe já escrevia sem erros
    de ortografia, e a terceira e quarta classes foram feitas em um só ano.
    Transitei depois para o liceu, onde permaneci dois anos, com notas
    excelentes no primeiro, bastante menos boas no segundo, mas estimado por
    colegas e professores, ao ponto de ser eleito (tinha então 12 anos…)
    tesoureiro da associação académica… Entretanto, meus pais haviam
    chegado à conclusão de que, por falta de meios, não poderiam continuar a
    manter-me no liceu. A única alternativa que se apresentava seria entrar
    para uma escola de ensino profissional, e assim se fez: durante cinco
    anos aprendi o ofício de serralheiro mecânico. O mais surpreendente era
    que o plano de estudos da escola, naquele tempo, embora obviamente
    orientado para formações profissionais técnicas, incluía, além do
    Francês, uma disciplina de Literatura. Como não tinha livros em casa
    (livros meus, comprados por mim, ainda que com dinheiro emprestado por
    um amigo, só os pude ter aos 19 anos), foram os livros escolares de
    Português, pelo seu carácter “antológico”, que me abriram as portas para
    a fruição literária: ainda hoje posso recitar poesias aprendidas
    naquela época distante. Terminado o curso, trabalhei durante cerca de
    dois anos como serralheiro mecânico numa oficina de reparação de
    automóveis. Também por essas alturas tinha começado a frequentar, nos
    períodos nocturnos de funcionamento, uma biblioteca pública de Lisboa. E
    foi aí, sem ajudas nem conselhos, apenas guiado pela curiosidade e pela
    vontade de aprender, que o meu gosto pela leitura se desenvolveu e
    apurou.
    Quando
    casei, em 1944, já tinha mudado de actividade, passara a trabalhar num
    organismo de Segurança Social como empregado administrativo. Minha
    mulher, Ilda Reis, então dactilógrafa nos Caminhos de Ferro, viria a
    ser, muitos anos mais tarde, um dos mais importantes gravadores
    portugueses. Faleceria em 1998. Em 1947, ano do nascimento da minha
    única filha, Violante, publiquei o primeiro livro, um romance que
    intitulei A Viúva, mas que por conveniências editoriais viria a sair com o nome de Terra do Pecado. Escrevi ainda outro romance, Clarabóia, que permanece inédito até hoje, e principiei um outro, que não passou das primeiras páginas: chamar-se-ia O Mel e o Fel ou talvez Luís, filho de Tadeu…
    A questão ficou resolvida quando abandonei o projecto: começava a
    tornar-se claro para mim que não tinha para dizer algo que valesse a
    pena. Durante 19 anos, até 1966, quando publicaria Os Poemas Possíveis , estive ausente do mundo literário português, onde devem ter sido pouquíssimas as pessoas que deram pela minha falta.
    Por
    motivos políticos fiquei desempregado em 1949, mas, graças à boa
    vontade de um meu antigo professor do tempo da escola técnica, pude
    encontrar ocupação na empresa metalúrgia de que ele era administrador.
    No final dos anos 50 passei a trabalhar numa editora, Estúdios Cor, como
    responsável pela produção, regressando assim, mas não como autor, ao
    mundo das letras que tinha deixado anos antes. Essa nova actividade fjspermitiu-me
    conhecer e criar relações de amizade com alguns dos mais importantes
    escritores portugueses de então. Para melhorar o orçamento familiar, mas
    também por gosto, comecei, a partir de 1955, a dedicar uma parte do
    tempo livre a trabalhos de tradução, actividade que se prolongaria até
    1981: Colette, Pär Lagerkvist, Jean Cassou, Maupassant, André Bonnard,
    Tolstoi, Baudelaire, Étienne Balibar, Nikos Poulantzas, Henri Focillon,
    Jacques Roumain, Hegel, Raymond Bayer foram alguns dos autores que
    traduzi. Outra ocupação paralela, entre Maio de 1967 e Novembro de 1968,
    foi a de crítico literário. Entretanto, em 1966, publicara Os Poemas Possíveis, uma colectânea poética que marcou o meu regresso à literatura. A esse livro seguiu-se, em 1970, outra colectânea de poemas, Provavelmente Alegria, e logo, em 1971 e 1973 respectivamente, sob os títulos Deste Mundo e do Outro e A Bagagem do Viajante
    , duas recolhas de crónicas publicadas na imprensa, que a crítica tem
    considerado essenciais à completa compreensão do meu trabalho posterior.
    Tendo-me divorciado em 1970, iniciei uma relação de convivência, que
    duraria até 1986, com a escritora portuguesa Isabel da Nóbrega.
    Deixei a editora no final de 1971, trabalhei durante os dois anos seguintes no vespertino Diário de Lisboa como coordenador de um suplemento cultural e como editorialista. Publicados em 1974 sob o título As Opiniões que o DL teve,
    esses textos representam uma “leitura” bastante precisa dos últimos
    tempos da ditadura que viria a ser derrubada em Abril daquele ano. Em
    Abril de 1975 passei a exercer as funções de director-adjunto do
    matutino Diário de Notícias, cargo que desempenhei até Novembro
    desse ano e de que fui demitido na sequência das mudanças ocasionadas
    pelo golpe político-militar de 25 de daquele mês, que travou o processo
    revolucionário. Dois livros assinalam esta época: O Ano de 1993,
    um poema longo publicado em 1975, que alguns críticos consideram já
    anunciador das obras de ficção que dois anos depois se iniciariam com o
    romance Manual de Pintura e Caligrafia, e, sob o título Os Apontamentos , os artigos de teor político que publiquei no jornal de que havia sido director.
    Sem
    emprego uma vez mais e, ponderadas as circunstâncias da situação
    política que então se vivia, sem a menor possibilidade de o encontrar,
    tomei a decisão de me dedicar inteiramente à literatura: já era hora de
    saber o que poderia realmente valer como escritor. No princípio de 1976
    instalei-me por algumas semanas em Lavre, uma povoação rural da
    província do Alentejo. Foi esse período de estudo, observação e registo
    de informações que veio a dar origem, em 1980, ao romance Levantado do Chão,
    em que nasce o modo de narrar que caracteriza a minha ficção novelesca.
    Entretanto, em 1978, havia publicado uma colectânea de contos, Objecto Quase, em 1979 a peça de teatro A Noite, a que se seguiu, poucos meses antes da publicação de Levantado do Chão, nova obra teatral, Que Farei com este Livro?. Com excepção de uma outra peça de teatro, intitulada A Segunda Vida de Francisco de Assis e publicada em 1987, a década de 80 foi inteiramente dedicada ao romance: Memorial do Convento, 1982, O Ano da Morte de Ricardo Reis, 1984, A Jangada de Pedra, 1986, História do Cerco de Lisboa , 1989. Em 1986 conheci a jornalista espanhola Pilar del Río. Casámo-nos em 1988.
    Em consequência da censura exercida pelo Governo português sobre o romance O Evangelho segundo Jesus Cristo
    (1991), vetando a sua apresentação ao Prémio Literário Europeu sob
    pretexto de que o livro era ofensivo para os católicos, transferimos,
    minha mulher e eu, em Fevereiro de 1993, a nossa residência para a ilha
    de Lanzarote, no arquipélago de Canárias. No princípio desse ano
    publiquei a peça In Nomine Dei, ainda escrita em Lisboa, de que seria extraído o libreto da ópera Divara,
    com música do compositor italiano Azio Corghi, estreada em Münster
    (Alemanha), em 1993. Não foi esta a minha primeira colaboração com
    Corghi: também é dele a música da ópera Blimunda, sobre o romance Memorial do Convento, estreada em Milão (Itália), em 1990. Em 1993 iniciei a escrita de um diário, Cadernos de Lanzarote, de que estão publicados cinco volumes. Em 1995 publiquei o romance Ensaio sobre a Cegueira e em 1997 Todos os Nomes e O Conto da Ilha Desconhecida . Em 1995 foi-me atribuído o Prémio Camões, e em 1998 o Prémio Nobel de Literatura.
    fjs
    Em
    consequência da atribuição do Prémio Nobel a minha actividade pública
    viu-se incrementada. Viajei pelos cinco continentes, oferecendo
    conferências, recebendo graus académicos, participando em reuniões e
    congressos, tanto de carácter literário como social e político, mas,
    sobretudo, participei em acções reivindicativas da dignificação dos
    seres humanos e do cumprimento da Declaração dos Direitos Humanos pela
    consecução de uma sociedade mais justa, onde a pessoa seja prioridade
    absoluta, e não o comércio ou as lutas por um poder hegemónico, sempre
    destrutivas.
    Creio ter trabalhado bastante durante estes últimos anos. Desde 1998, publiquei Folhas Políticas (1976-1998) (1999), A Caverna (2000), A Maior Flor do Mundo (2001), O Homem Duplicado (2002), Ensaio sobre a Lucidez (2004), Don Giovanni ou o Dissoluto Absolvido (2005), As Intermitências da Morte (2005) e As Pequenas Memórias (2006). Agora, neste Outono de 2008, aparecerá um novo livro: A Viagem do Elefante, um conto, uma narrativa, uma fábula.
    fjs
    No
    ano de 2007 decidiu criar-se em Lisboa uma Fundação com o meu nome, a
    qual assume, entre os seus objectivos principais, a defesa e a
    divulgação da literatura contemporânea, a defesa e a exigência de
    cumprimento da Carta dos Direitos Humanos, além da atenção que devemos,
    como cidadãos responsáveis, ao cuidado do meio ambiente. Em Julho de
    2008 foi assinado um protocolo de cedência da Casa dos Bicos, em Lisboa,
    para sede da Fundação José Saramago, onde esta continuará a
    intensificar e consolidar os objectivos a que se propôs na sua
    Declaração de Princípios, abrindo portas a projectos vivos de agitação
    cultural e propostas transformadoras da sociedade.
    Nota – Depois de A Viagem do Elefante, José Saramago escreveu Caim e O Caderno I e O Caderno II, livros que não chegou a acrescentar à sua Autobiografia.
    © José Saramago 2010
  • Como o falante galego é visto em Portugal?

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    Como o falante galego é visto em Portugal?
    
    A esta pergunta de um leitor , Carlos Rocha, responde no Ciberdúvidas da língua portuguesa assim:
     
    Há realmente um grande desconhecimento em Portugal acerca das afinidades linguísticas com a Galiza. Perante um falante de galego, é típico um português tentar falar castelhano, muitas vezes porque não reconhece o que ouve como língua ainda muito próxima da que fala a sul do rio Minho. Lembro-me, por exemplo, de que, durante a crise do Prestige no final de 2002, os noticiários portugueses normalmente legendavam as respostas das entrevistas feitas aos habitantes do litoral galego; muitos deles falavam um galego que, apesar da “geada” (troca do "g" por um som parecido com o "jota" castelhano), tinha uma entoação familiar para ouvidos portugueses. Este comportamento dos canais de televisão em Portugal parecia obedecer ao atavismo de considerar castelhano tudo o que se fala para lá da fronteira. Penso ainda que a identidade galega nem sempre é clara para o português médio ou popular. Assim, é curioso que, dialetalmente, nem sempre um
     galego é apenas um habitante da Galiza. Por exemplo, no Alentejo um galego pode ser um natural das Beiras (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea da Academia das Ciências de Lisboa). E suspeito que no Norte e no Centro de Portugal, em algumas regiões que não fazem fronteira com a Galiza, um zamorano, um salmantino ou até um estremenho de Cáceres – não sei se de Badajoz – sejam todos galegos (o que pode ter alguma verdade histórica em casos como os de San Martín de Trevejo, Valverde del Fresno e Eljas). É claro que também acontece que alguns (ou muitos?) portugueses ficam baralhados quando começam a ler o que se escreve a norte do Minho. É como se dissessem: «o que se passa, que os espanhóis andam a escrever num português estranho?» Recordo que há cerca de dez anos se dedicou um excelente número da revista Colóquio Letras (Fundação Calouste Gulbenkian) à cultura galega. Nele, a prof.ª Pilar Vázquez Cuesta abordava
     justamente o desconhecimento com que os portugueses (quase sempre não acadêmicos, mas também há acadêmicos) costumam “brindar” os galegos, quando se trata de falar dos laços comuns. Para esta situação contribui certamente o fato de a História ter dificultado desde muito cedo a descoberta ou o reforço desse elo: quando, com D. Dinis, os documentos notariais portugueses passaram a ser escritos na língua que se desenvolvera no Noroeste da Península e a que historicamente poderíamos chamar galego, o reino de Portugal já existia há mais de um século. Assim, ao querer dar nome ao “galego” que se falava do Minho ao Algarve, esse nome foi muito logicamente português, visto que se estava a designar o idioma do Reino de Portugal e do Algarve. Explica-se, deste modo, que se fale em português antigo, não porque se negue a relação ou mesmo a identificação com o galego, mas talvez porque se pensa que o Condado e, depois, Reino de
     Portugal é que deu consciência idiomática coletiva a uma parte dos dialetos galegos – os que eram falados pelos portugueses. Sobre este assunto, recomendaria uma obra que dedica alguns capítulos ao problema da designação da língua na faixa ocidental da Península: Ramón Mariño Paz, Historia da Lingua Galega, Santiago de Compostela, Sotelo Blanco, 1998.
    
    Carlos Rocha :: 30/06/2006 
    
    http://ciberduvidas.pt/pergunta.php?id=18099
  • Casamansa-o crioulo

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    Casamansa-o crioulo, uma lingua que sintetiza o português e as culturas locais

    Do contato com os portugueses do sec XV aos finais do XIX em Casamansa surgiu o crioulo, uma lingua que sintetiza o português e as culturas locais. O crioulo falado em Zinguincho,uma cidade do Senegal localiza-se no sul do país na região de Casamança, é do mesmo tipo que o de Cacheu (Guiné-Bissau, país que fica apenas a poucos km desta cidade), com alguns termos acreolizados do francês, sendo contudo intelegivel mutuamente com os crioulos guinienses e mesmo caboverdianos.

    O crioulo da Casamansa provém da língua de Camões e de línguas africanas
    A seguir passo o “Pai-Nosso” no crioulo de Casamansa

    No Pape ki stana seu
    Pa bu nomi santificadu
    Pa bu renu thiga
    Pa bu bontadi fasidu riba di tera suma na seu
    Partinu aos pom di kada dia
    Purdanu no pekadus, suma no ta purda kilas ki iara nu
    ka bu disanu no kai na tentasom
    Ma libranu di mal
    Amen

    Fonte: Dicionário temático da lusofonia, Fernando Cristóvão,Maria Helena Amorim,Maria Lucia Garcia Marques, Susana Brites Moita