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  • biografia de Fernando Pessoa

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    esteve recentemente em Portugal na RTP no programa do Herman:

    José Paulo Cavalcanti Filho escreveu biografia de Fernando Pessoa onde revela novos heterônimos

    MARCO RODRIGO ALMEIDA
    DE SÃO PAULO

    José Paulo Cavalcanti Filho tinha um objetivo quando iniciou sua biografia de Fernando Pessoa (1888-1935): descobrir quem era o “homem real” por trás do grande poeta português.
    Após oito anos de pesquisa, o autor e advogado pernambucano acabou deparando-se não com um, mas com 127 “Pessoas”.
    É esse o número de heterônimos do poeta catalogado pelo livro “Fernando Pessoa: Uma (quase) Biografia”, que Cavalcanti lançou.
    As múltiplas personas de Pessoa vão muito além de Alberto Caeiro, Ricardo Reis e Álvaro de Campos, e superam também o que pensavam os especialistas.
    Cavalcanti cita no livro que, no início dos anos 1990, eram conhecidos 72 heterônimos de Pessoa. O livro acrescentou 55.
    O conceito de heterônimo que adotou é amplo e não se restringe à definição padrão: “nome imaginário que um criador identifica como o autor de suas obras e que apresenta tendências diferentes das desse criador”.
    Inclui todos os nomes, tendo estilo próprio ou não, com os quais o poeta assinou seus textos. A decisão pode ser contestada, mas a intenção de Cavalcanti nunca foi fazer uma biografia convencional.
    As excentricidades já começam pelo subtítulo: “Uma (quase) Autobiografia”.
    O autor refere-se ao trabalho como o “livro que escrevi com meu amigo Pessoa”.
    A “amizade” é das mais antigas. Começou em 1966, quando Cavalcanti leu “Tabacaria”, um dos principais poemas do autor.
    A partir daí, viria a montar umas das principais coleções sobre vida e obra de Pessoa.
    O poeta deixou mais de 30 mil páginas com anotações sobre si mesmo, literatura, família e fatos cotidianos.
    Cavalcanti usou tantos trechos que chega a dizer que seu livro tem “mais frases de Pessoa do que minhas”.
    “Mas não se trata”, explica, “de Pessoa falando sobre si, é a palavra de Pessoa falando sobre ele. Ou melhor: é o que quero dizer, mas por palavras dele”.
    Cavalcanti foi ainda além: para dar unidade estilística ao texto, tentou escrever como Pessoa.
    Reduziu os adjetivos e adotou outro hábito dele: o uso, em média, de três vírgulas antes de um ponto final.

    ilustração: Almada Negreiros
    O escritor Fernando Pessoa, cuja biografia brasileira revela novos heterônimos, em caricatura feita por Almada Negreiros
    O autor Fernando Pessoa, cuja biografia brasileira revela novos heterônimos, em caricatura de Almada Negreiros

    SEM IMAGINAÇÃO
    Durante a pesquisa, Cavalcanti foi até quatro vezes por ano a Portugal. Leu centenas de documentos e entrevistou parentes e pessoas que conviveram com Pessoa.
    Dessas andanças, saiu com a certeza de que o poeta é o autor “menos imaginativo” que existe.
    “Tudo o que escreveu estava realmente à volta dele. Não tinha nada inventado.”
    Como exemplo, cita “Tabacaria”. O poema menciona cinco personagens e Cavalcanti revela que todos realmente existiram e eram próximos do poeta.
    Quando se trata de Pessoa, contudo, nem tudo é claro. “Sabes quem sou eu? Eu não sei”, já advertia o poeta.
    Sobre sua vida sexual ainda paira uma imensa dúvida. Teria sido gay? Cavalcanti acha que sim, embora não existam provas.
    Também não há certeza sobre se teria ou não transado com Ophelia, seu mais conhecido relacionamento (Cavalcanti pensa que não foram além de beijos ardentes e leves toques nos seios).
    Cultivar mistérios, ao que parece, fazia parte do estilo de Pessoa, e isso também Cavalcanti tentou incorporar.
    O poeta tinha por hábito, diz o biógrafo, embaralhar as datas. O heterônimo Alberto Caeiro, por exemplo, morreu em 1915, mas há textos datados de 1930 atribuídos a ele.
    No prefácio do livro, Cavalcanti também colocou uma data futura: 13/6/2011. Dupla homenagem, já que Pessoa nasceu nesse dia, em 1888.


    http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/893968-biografia-brasileira-de-fernando-pessoa-revela-novos-heteronimos.shtml

     
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  • Eduardo Mayone Dias CARTA DA CALIFÓRNIA,- A língua portuguesa ontem e hoje

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    CARTA DA CALIFÓRNIA, Eduardo Mayone Dias

     


    1. Das origens à Idade Média

    Pouquíssimo se sabe das mais remotas origens da língua portuguesa, os
    falares da Península Ibérica pré-romana. É contudo de supor que em franjas litorais e em planícies separadas por altas serranias se tenham desenvolvido diferentes enclaves linguísticos que com o rolar dos séculos hajam originado os grupos galego/asturiano/português, basco/ navarro, castelhano/extremenho/andaluz e aragonês/catalão/ valenciano.
    Esta é a pré-história do Português. A proto-história tem início com a invasão romana, durante a qual o latim foi imposto em todos os atos públicos, que podiam ir da administração até simples transações comerciais, e afogou os regionalismos linguísticos.
    Desde os nossos primeiros anos de escola aprendemos que os legionários e colonos, gente do povo, aliás nem todos romanos, não falavam o latim clássico mas sim o vulgar, que pouco a pouco se foi mesclando com as variantes locais, dando assim origem às quatro línguas românicas hoje oficiais na Península, galego, português, castelhano e catalão.
    Durante o período romano, cerca de seis séculos, (1) o latim ia evoluindo e novas formas verbais foram criadas. Para dar um prosaico exemplo, as
    primeiras vagas colonizadoras usaram o termo “scopa”, que resultou “escombra” em catalão e ‘escoba’ em castelhano. Quando as últimas levas chegaram à costa oeste traziam um mais moderno vocábulo, “basaura”, que deu “vasoira” em galego e “vassoura” em português.
    As inovações introduzidas pelos romanos implicaram naturalmente inumeráveis termos, referentes a todas as formas de vida. Assim, por exemplo, ao serem criados novos procedimentos agrícolas, surgiram nomes de utensílios que deram em português charrua, arado, enxada, sacho ou machado. Também do grupo celta, possivelmente através de uma tardia latinização, vieram vocábulos como cerveja, camisa, carro, lousa e sabão. Como bem se sabe, depois de se haver corporizado a língua portuguesa, o latim persistiu ou foi revivido em expressões eruditas de variados campos do saber. Deste modo, por exemplo, na terminologia académica regista-se o doutoramento “honoris causa”, na diplomática a expressão “persona grata”, (2) na
    jurídica “habeas corpus”,(3) na eclesiástica “urbi et orbi”, na lógica “quod
    erat demonstrandum”, na estilística “ipsis verbis” e muitíssimo mais.
    Entre aproximadamente os anos 406 e 411 da era de Cristo várias tribos germânicas, entre as quais se destacaram os visigodos, invadiram a Península e derrubaram o poderio romano.
    Havendo-se convertido ao cristianismo e adotado muito do estilo de vida romano, pelo ano de 476 os visigodos constituíam já uma aristocracia guerreira que iria dominar a Península por cerca de três séculos.
    A ela se devem numerosas contribuições ao falar hispânico em especial relativas à arte militar (o próprio termo “guerra” é uma delas) ou à equitação, que acabaram por dar à língua portuguesa formas como baluarte, elmo, escaramuça, guarda, trégua, brandir, esgrima, dardo, flecha, espora, arreio ou galopar. Outras formas são sala, burgo, agasalho, ufano e ganso. Entre nomes próprios de origem germânica contam-se Alberto, Rodrigo, Humberto, Rogério, Fernando, Afonso, Gonçalo, Álvaro, Elvira, Berta, Ermelinda e Gertrudes.
    Chegado o ano 711 uma nova era se abriu para a história peninsular e para o evoluir do idioma português. Foi pois nesse ano que hostes mouras, lideradas por árabes, cruzaram o Estreito de Gibraltar e numa guerra-relâmpago ocuparam toda a Península Ibérica, com exceção de um pequeno reduto nas montanhas das Astúrias.
    De aí, uns dez anos depois de 711 (desconhece-se a data exata), no seguimento da batalha de Covadonga, os cristãos lançam o movimento da Reconquista que, ao impelir os invasores para o sul, deu origem a vários reinos, entre eles o de Portugal.
    Dotados de uma avançada cultura, os muçulmanos introduziram novas técnicas em quase todas as áreas do conhecimento humano e com elas um fértil léxico que sobreviveu até hoje com cerca de 200 termos em português.
    Na sua maioria os neologismos foram adotados juntamente com o artigo
    definido “al” (al caid> alcaide) ou a sua condensação num simples “a” (a
    ris>arroz).
    Os árabes trouxeram produtos agrícolas, cujas designações se mantiveram na fala dos seus súbditos cristãos: alface, algodão, alfazema, amêndoa, alfarroba, alfafa, alcachofra, açúcar, haxixe, azeitona, açafrão e outros.
    Do aperfeiçoamento dos cultivos e do processamento das colheitas ficaram nora (com a sua roda de alcatruzes, ainda usada no século XX em Portugal) açude (represa), atafona (moinho de vento) ou azenha (moinho de água).
    Medidas de peso, superfície ou volume, por muito tempo empregadas, foram a arroba (cerca de quinze quilos), o alqueire (cerca de 25 metros quadrados), o arrátel (um pouco menos de meio quilo) e o almude (cerca de seis litros e meio). Quando se introduziu o sistema numérico hoje usado, em substituição do romano, divulgou-se o conceito de zero e a respetiva designação.
    Para uso doméstico havia almofadas, alcofas, alcatifas, garrafas, almofarizes, alambiques, alguidares e alfinetes. (4)
    Quanto à culinária temos o azeite, a açorda, o escabeche e as almôndegas.
    Ainda há umas décadas existiam no Algarve, (5) região portuguesa de mais
    longa permanência árabe, numerosas casas encimadas por “açoteias”, terraços onde se secavam frutos. E evidentemente, o interior podia ser decorado com “azulejos”.
    Com o desenvolvimento de novas ou antigas técnicas especializaram-se
    profissões e ocupações tais como alfaiate, arrais, alvanel (pedreiro), almoxarife (gerente de armazém), alcaide (governador militar e civil de um castelo e povoação adjacente), alfageme (fabricante de armas) e alcoviteira (intermediária paga de relações sexuais ilícitas).
    A presença muçulmana na Península teve o ser termo no ano de 1242 em
    Portugal com a tomada de Silves e a queda do Reino do Algarve e no de 1492 em Espanha, ao ser submetido o Reino de Granada.

    NOTAS
    (1) A ocupação militar da Península Ibérica durou de 218 AC até 17 AC. Uma vez radicado, o domínio romano manteve-se até a primeira década do Século V.
    (2) É bem sabido que um enviado diplomático estrangeiro tem de obter essa classificação antes de apresentar as suas credenciais ao Presidente da República portuguesa. Um caso jocoso ocorreu durante o período do Estado Novo. Um diplomata latino-americano, designado pelo seu Governo como embaixador em Lisboa, foi considerado pelas autoridades portuguesas “persona non grata”. As suas qualificações eram impecáveis mas atraiçoaram-no os seus apelidos, Porras y Porras.
    (3) Nas fachadas de muitos tribunais portugueses pode-se ler “DOMUS IUSTITIAE”, casa da justiça. Por outro lado o histórico edifício da Câmara Municipal de Bragança é conhecido como Domus Municipalis.
    (4) Então significando palitos para os dentes.
    (5) Algarve (al Gharb) significa “o Oeste”.
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  • DANIEL FELIPE um poema de amor e da resistência

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    hoje dia mundial da poesia:Para este dia um poema de amor e da resistência:

    em anexo as minhas 3 versões de homenagem a este poeta e poema que me marcaram desde há mais 40 anos...Chrys Chrystello
    

    1.     e.37. tantos os sonhos (a soeiro pereira gomes) mar 16, 1973

    tantos os sonhos
                                 nunca demarcados
    meu irmão de todo o tempo
                                                     insubmisso
    perseguidos
                         por uma mancheia de quimeras
    engalanámos as palavras
                                               falaciosas ambições
    imensos campos
                                 por habitar
    lezírias de lentas mortes
                                              estioladas
    gretava o verão
                                severos carões
    ninguém cuidara
                                os linótipos esmaeciam
    aquosos gradeamentos
                                            da saudade
    – era então o tempo –
    fortunas dissipadas
                                     amargor de mil cansaços
                                     prematura senilidade
    febril catarro
                         escrava luta
    cifras
            tabelas
                      gráficos
    mecanizado o homem
                                          engrenagem-sem-nome
    impiedosa e febril cadeia
                                              gangrenosos ossos
    no silêncio chantagista
                                            se diluía a sobrevivência
    vasta paisagem
                             por entre o adobe
    paredes
                quatro
                           desfraldadas
    vogando ao vento
                                     do desprezo motorizado das sanguessugas
    PERFEITA SÚCIA/DADE
                                           
    irrefreado progresso
                                       civilização do abandono
    deserda-se a agricultura
    cria-se ferro
                        cimento
                         fome
    tímida e simples
                                a voz do povo
                                                        (que ainda resta)
    recusa a caridade
                                  das piranhas
    secretas as greves
                                   corrompem a opressão
    selvagens se abatem
                                       esbirros e lacaios
    (ah! como é bom ser-se proletário
                                                               no feudo do patrão)
    tu – meu irmão
    não assististe
                         ao mito no apogeu
    de nascença condenado
                                            o sentenciavas
    tuas mãos eram a dor
                                         sempre retardada
    escreviam a agonia lenta
                                              dos que calam
    exultante vitória dos que não consentem
    militantes modelos
                                     de rebeldes se venderam
    falsos heróis
                        covardes de merda
    felizes os traidores
                                     pelo pão nunca trincado
                                     pela carne inviolada e casta
                                     pela fome mitigada
    riquezas imensas
                                 saldo de lassos músculos
    quem as ergueu?
    imolados os corpos
                                     sem palavras nem gestas
    abatem-se de luto aldeias
    paga-se da fome
                                 a vida
    a salto se emigra
                                a preço de morte
    – decide-te irmão –
    volte a nós quem a nós pertence
    connosco reagirás
                                  à opulência de discursos em família
    – obsoletas conversas que não asfixiam –
    repudiamos toda a antropofagia
                                                          que nos hipoteca
    não os executemos
    também eles sentirão
                                         um só dia que seja
                                        um só instante
    o vão esforço do suor grátis
    nesse dia
                   urgente e único
    inexorável
                    o grito
                                então comunitário
                                então revolucionário
                                                                   PRESENTE!
    para que não morram por desprazer
    pelas dores insofridas
    pelo sangue ulcerado nunca cuspido
    pelas mãos imaculadas sempre assassinas
    revolver-se-ão aposentados donos
                                                                deste feudo saqueado
    dançaremos o cântico final
                                                   apoteose de labaredas
                                                                                           vossos corpos defuntos
    serão nossos o chão
                                      a pátria liberta
                                      a vocação insubmissa
    ninguém nos apode de vingativos
    honraremos
                         das memórias a vossa
    adubaremos das cinzas vossas
                                                       o pão
    algo renasce das ruínas vossas
                                                        a esperança
    – quem nos confortará
                                          nesse instante ingente? –


    ******

    2.  474. poesia revisitada ( de novo a ti, daniel filipe) 16 mai 1976

    ALERTA!  a imaginação tomou de assalto o poder!
    hoje
           virão talvez crianças
                                              descendo as sagradas ruas das máquinas
                                              acampando nas avenidas da liberdade
                                                                                                               por inventar
                                              dando-nos as mãos
                                                                                 os sorrisos
                                                                                                     os sonhos
    hoje
           nas campas rasas
                                         estarão heróis que nunca foram
    perguntarão
            quando somos ouvidos?
    (a nossa carne encheu canhões
                                                        no-la recusam agora?)
    os mendigos
                         desempregados                      
      reformados
                                                                         deficientes das guerras todas
    as pegas
                  messalinas
            prostitutas
                               meretrizes
             chulos
                                                           traficantes de ilusões
    os ladrões
                     criminosos
    e demais gente ordinária e vulgar
    anunciam manifs reivindicativas
           “a greve será total! – dizem”)                                    
    enquanto isso
                            partidos
                                          militares                              
                                sindicatos
    demais desorganizações de massa
                                                            exigem
    do governo
                       a ordem
                                     a força
             a autoridade
    das armas
                     a repressão
                o estado-de-sitio
    a censura
                    até mesmo a pena de morte
    por toda a parte
    solidária é a luta dos oprimidos
           – clama o poeta!
    única é a voz dos marginais
                – escreve o louco sensato
                                                      nas paredes sem grades
                                                                                           desta prisão
    (aqui e além leves escaramuças populares
    não há baixas dignas de registo
                                                         – asseveram fontes oficiais
                                                           geralmente desinformadas)
    a sociedade é um flagelo social do indivíduo
    libertemo-nos da grande ameaça
             – denunciam os dissidentes
    a situação é calma
                                    assegurado o controlo total do país
    militares, militarizados e milícias
                                                           em prevenção rigorosa
    algures à mesma hora
                                          num público jardim
                                                                           um casal de amantes
    felizes
              desocupados
                                     despolitizados
                                                             fazem amor
                                                                               despreocupado
    sem caráter de urgência
    confundidos por vulgares agitadores da ordem
    foram chacinados ao despontar o amanhã
    (felizmente havia luar!
                 comentou lacónico o primeiro-ministro
                  muito dado a lucubrações intelectuais).
    *****

    3. 524 reinvenção do amor , revisitando daniel filipe, 18 outubro 2011

    o pássaro descreve o seu voo
    na sinusoide deste tempo
    a voz e a palavra são campos floridos
    evocam verdes infâncias
    é preciso inventar o amor
    com caráter de urgência
    dizia Daniel Felipe
    mas são precisos homens e mulheres
    dispostos a amar
    capazes de ouvir e perdoar
    os sentimentos podem esfriar
    mas não se gastam
    nem devem ser mudados
    com a  frequência das camisas
    não são fraldas descartáveis
    precisam de ser regados
    com a humidade das neblinas
    e o orvalho das lágrimas
    neste deserto com vozes
    a felicidade é um mito
    o mundo é um inferno
    a paixão uma utopia
    e tu acreditas, meu amor?
    andam
    – de novo –
          pássaros à solta nos jardins de Eros.

  • MUSEU DA LÍNGUA PORTUGUESA

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    quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

    O SUCESSO DO IDIOMA

    Após cinco anos de vida e já tendo recebido mais de dois milhões e quinhentas mil visitas, o Museu da Língua Portuguesa é considerada uma instituição de referência no Brasil e no Exterior.
    Existe algum motivo especial para tanto sucesso? Existe algum fator preponderante para que um museu tão jovem já tenha se firmado como instituição respeitável e referencial?
    Como Diretor do Museu da Língua Portuguesa, desde sua inauguração, eu tenho certeza que a resposta para as duas questões acima propostas só pode ser uma resposta afirmativa.
    Em assim sendo, qual o motivo de tanto sucesso e qual o fator a firmar o museu como instituição respeitável e de referência? A resposta para as duas perguntas é uma só… nossa língua portuguesa!
    A ideia de se criar um museu que tem por acervo um idioma é uma ideia genial e extremamente original. Falo com tranqüilidade, porque não participei da equipe de conceitualização e criação do museu.
    Lembrando sempre que a língua, no caso a nossa portuguesa, é um patrimônio imaterial, talvez a língua venha mesmo a ser o mais imaterial dos patrimônios imateriais, pois a mesma não está no texto escrito, a língua não está nos livros de gramática, não está na ortografia, a língua não está na literatura ou na poesia. A língua está em todos estes sítios sim, mas está, verdadeiramente, na “cabeça” e no universo imaginário de cada um daqueles que a usa como ferramenta principal de comunicação.
    Logo, o Museu da Língua Portuguesa é o museu da imaterialidade por excelência, mas de uma imaterialidade que circunda e reveste todos nós que usamos este belo idioma, é o museu da imaterialidade que está presente no nosso dia a dia e até nos nossos sonhos. Creio que isto já explica o sucesso do museu, pois tendo a língua como acervo, o museu faz com que todos os visitantes se sintam especialistas e grandes entendedores dos conteúdos apresentados em suas exposições.
    Devo aqui fazer uma pausa e celebrar a equipe de criação desta instituição, que contou com a participação de mais de 40 profissionais sensíveis e renomados de diversas áreas (linguistas, sociólogos, arquitetos, historiadores, museólogos,professores e artistas).
    Ao longo destes cinco anos, toda a minha equipe do museu foi aprendendo a lidar com as possibilidades oferecidas por um acervo imaterial e novas abordagens dos conteúdos apresentados foram ganhando força. Partindo do princípio que a língua portuguesa é o elo primeiro da identidade cultural dos brasileiros, o museu contém um grande painel da rica diversidade cultural do Brasil, logo, é um espaço identitário para todos nós nascidos neste grande país.
    Logo, plena é minha certeza ao afirmar que o motivo de tanto sucesso do museu é a própria língua portuguesa!
    Naturalmente os recursos tecnológicos usados para a apresentação de um patrimônio imaterial e a interatividade das áreas expositivas do museu contribuem para o sucesso da instituição, mas de nada valeriam sem o acervo, o nosso idioma.
    Mais uma vez a língua portuguesa é a resposta para a respeitabilidade alcançada nestes poucos cinco anos, respeitabilidade que acabou por transformar o Museu da Língua Portuguesa em espaço referencial no Brasil e em todo o mundo.
    A partir de nosso idioma, a equipe do museu foi perseguindo metas, adotando padrões de atendimento e pensando e criando suas ações educativas, de formação e difusão cultural.
    A língua portuguesa é um patrimônio acessível a todos, logo, o museu tem que ser um patrimônio com acesso aberto à população em geral. Evitamos transformar o museu em um espaço acadêmico, voltado apenas a grande estudiosos. Desta forma, os programas desenvolvidos pela instituição estão sempre preocupados em permitir o acesso e aproveitamento de segmentos muito distintos da sociedade, dos mais letrados aos que apresentam níveis muito baixos de educação formal. O museu atende a todos com o mesmo respeito e consideração, pensando ações que supram às necessidade de cada segmento de seu público, mas que sejam, ao mesmo tempo inclusivas, como inclusiva deve ser a língua!
    Desde sua inauguração, a instituição assumiu parcerias com organizações das mais variadas com o objetivo de alcançar um público muito diversificado, assim, hoje, atendemos os visitantes em geral, escolares da rede pública e privada, portadores de deficiências físicas, grupos de terceira idade, grupos de alfabetização adulta, jovens infratores em processo de assistência do Estado, moradores de rua e muito outros segmentos, além disso, o Núcleo Educativo do museu desenvolve o projeto “ Dengo: um museu para todos” que leva o museu até segmentos da sociedade impossibilitados de visitar a instituição, como crianças em tratamento de câncer e pacientes graves internados em grandes instituições hospitalares de São Paulo.
    Cabe ressaltar que a universidade e a academia também encontram espaço dentro do museu, aliás, nosso consultor há cinco anos é o Prof. Dr. Ataliba Teixeira de Castilho, considerado um dos maiores estudiosos da língua portuguesa no Brasil e oriundo de duas das maiores universidades brasileiras ( USP – Universidade de São Paulo e UNICAMP – Universidade de Campinas). Entretanto, no museu, os temas por mais complexos que venham a ser, devem ser apresentados de forma fácil ao entendimento da sociedade no seu todo.
    Referência hoje são, também, as exposições temporárias montadas pelo museu ( Guimarães Rosa – Grande Sertão: Veredas; Clarice Lispector – A hora da estrela; Gilberto Freyre – intérprete do Brasil; Machado de Assis – mas este capítulo não é sério; O Francês no Brasil em Todos os Sentidos, Cora Coralina – coração do Brasil; Menas, o certo do errado, o errado do certo; e Fernando Pessoa – plural como o universo).
    Neste caso também a língua portuguesa figura como fator principal do sucesso das mostras que as transformou em referência nacional. Nosso idioma é tão rico, tão cheio de curiosidades e nos rendeu tantos escritores, autores e poetas magníficos, que nossas exposições apenas retratam esta riqueza e diversidade, valendo-se, claro, de curadores competentes, cenógrafos criativos e dos mais diversos recursos expositivos disponíveis hoje.
    Com média diária de mil e quinhentos visitantes, referência em ações educativas, apontado pela mídia como “ o mais querido museu de São Paulo”, modelo para países como Qatar, Itália, Israel, Inglaterra, Alemanha e até Portugal, o Museu da Língua Portuguesa só vem reforçar algo que me parece muito nítido: nossa língua portuguesa é realmente um grande sucesso!
    A nossa língua portuguesa ganha, dia a dia, importância maior em todo mundo, tanto no que se refere ao número crescente de falantes, como à importância que os países membros da CPLP vão gradativamente alcançando no cenário mundial.
    O nosso belo idioma ganha paulatinamente, mas de forma sempre ascendente, alunos e estudiosos pelas Universidades de todo o mundo.
    Assim, instituições e programas que têm por foco nosso idioma também ganham importância. Tanto o Museu da Língua Portuguesa como o Observatório da Língua Portuguesa se destacam e, cada qual com seus objetivos próprios, atuam para um fortalecimento ainda mais expressivo da nossa língua, de nossas histórias comuns e ricas e da cultura que permeia mais de 240.000.000 de pessoas ao redor do mundo, que, guardadas suas diferenças, se encontram e se identificam no idioma português!
    Antonio Carlos de Moraes Sartini
  • >MIA COUTO E O AO1990

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    Muito interessante a entrevista de Mia Couto ao i. Destaco, aqui, a resposta a uma pergunta sobre o acordo ortográfico:
    Não sou um militante contra o acordo. Não me reconheci em algumas da razões que foram invocadas para chegar a este acordo, como por exemplo que este acordo facilitaria um melhor entendimento entre a língua. Sempre li livros do Brasil e com o maior prazer, pelo facto de eles terem uma grafia ligeiramente diferente. Os meus livros e os de Saramago são publicados com a grafia original e nunca ninguém se queixou. Acho inclusivamente que há uma diferença na grafia que só traz valor. Mas não faço guerra ao acordo. As nossas guerras são outras, é perceber porque é que nós, países de língua portuguesa como Portugal ou Moçambique, estamos tão distantes do Brasil, porque é que o Brasil está tão distante de nós. Por que razão é que um filme português no Brasil tem de ser legendado. Porque é que quando eu chego ao Brasil e digo que sou de Moçambique, ninguém sabe onde é ou o que é Moçambique.
  • AGUALUSA E O AO1990

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    Apontamentos sobre o acordo ortográfico e o desacordo!

    “Caso o Acordo Ortográfico não venha a ser aplicado — por resistência de Portugal —, entendo que Angola deveria optar pela ortografia brasileira”, José Eduardo Agualusa.

    Acorda, Acordo,ou dorme para sempre *
    José Eduardo Agualusa

    Participei[em 2008] na Casa Fernando Pessoa, em Lisboa, num debate sobre o Acordo Ortográfico — que o Brasil prometeu aplicar este ano, e Portugal também, tendo Portugal depois recuado de forma inexplicável.

    Pela experiência que ganhei participando em debates públicos cheguei à conclusão de que as opiniões contrárias ao Acordo Ortográfico resultam:

    1) da confusão entre ortografia, as regras da escrita, e linguagem. O Acordo Ortográfico tem por objetivo a existência de uma única ortografia no espaço da língua portuguesa, não pretende, o que aliás seria absurdo, unificar as diferentes variantes da nossa língua.

    2) no caso de Portugal, de um enraizado sentimento imperial em relação à língua. No referido debate, na Casa Fernando Pessoa, este sentimento ficou explícito quando um espetador se levantou aos gritos: “A língua é nossa!” A História desmente-o. A língua portuguesa formou-se fora do espaço geográfico onde se situa Portugal — na Galiza. Por outro lado, a língua portuguesa tem sido sempre, ao longo dos séculos, uma criação coletiva de portugueses, africanos, brasileiros e povos asiáticos. Basta pensar na influência árabe. Se retirarmos todas as palavras de origem árabe e banto à língua portuguesa, deixaremos de a conseguir utilizar.

    3) de uma série de objeções técnicas ao presente acordo. Muitas delas fazem sentido. Neste caso parece-me que o mais correto seria corrigir essas deficiências e depois aplicar o acordo.

    Angola tem mais a ganhar com a existência de uma ortografia única do que Portugal ou o Brasil. Não produzimos livros. Porém, necessitamos desesperadamente deles. Se queremos educar as nossas populações, e desenvolver o país, teremos de importar nos próximos anos muitos milhões de livros. Espero das nossas autoridades que criem rapidamente legislação tendente a facilitar a entrada de produtos culturais e, em particular, de livros. Importamos livros de Portugal e do Brasil. Isso significa que temos livros em duas ortografias no nosso território, fato/facto que suscita natural confusão, sobretudo aos leitores recentemente alfabetizados — em particular jovens e crianças.

    Acrescente-se que um dos maiores desafios que temos pela frente, nos próximos anos, é o de alfabetizar toda a nossa população. Ora, uma das virtudes do actual Acordo Ortográfico é precisamente o de facilitar a escrita.

    Caso o Acordo Ortográfico não venha a ser aplicado — por resistência de Portugal —, entendo que Angola deveria optar pela ortografia brasileira. Somos um país independente. Não devemos nada a Portugal. O Brasil tem cento e oitenta milhões de habitantes, e produz muito mais títulos, e a preços mais baratos, do que Portugal. Assim sendo, parece-me óbvio que temos mais vantagem em importar livros do Brasil do que de Portugal.

    No futuro, Portugal pode sempre unir-se à Galiza. Isto supondo que a Galiza não tenha entretanto começado a aplicar o Acordo Ortográfico, ou, no caso de o Acordo não vencer, começado a utilizar a ortografia brasileira.

    http://www.ciberduvidas.pt/controversias.php?rid=1602

  • requiem pelo vale do tua

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    o criminoso ato de destruição do vale do Tua (Douro) e da sua linha férrea deixa-nos a todos mais pobres e tristes, desde 2007 que lutámos contra isto, mas a construção da barragem avançou e todos perdemos uma parte importante do património da humanidade do rio douro

    veja na nossa página alguma simagens e vídeos inestimáveis desta beleza única:
    http://www.lusofonias.eu/conteudo/outros-videos-relevantes/

  • BECHARA Brasil cedeu mais do que Portugal

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    Brasil cedeu mais do que Portugal no Acordo Ortográfico

    Publicado em 2011-04-12

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    O responsável pelo vocabulário ortográfico no Brasil, Evanildo Bechara, defendeu hoje que o Brasil fez mais concessões para o novo Acordo Ortográfico do que Portugal, atribuindo a tese contrária defendida por muitos ao “abuso” das consoantes mudas.
    foto Bruno Simões Castanheira
    Brasil cedeu mais do que Portugal no Acordo Ortográfico
    João Malaca Casteleiro

    “A base fundamental do Acordo Ortográfico está indissoluvelmente ligada ao Acordo de Portugal de 1945. Se há cedências foram do Brasil”, disse o linguista responsável pela implementação do Acordo Ortográfico no Brasil, na abertura do 15.º Colóquio da Lusofonia em Macau.
    Sobre as pesquisas de outros especialistas que indicam que o Acordo Ortográfico alterou 1,6 por cento do vocabulário de Portugal e 0,5 por cento do vocabulário do Brasil, Evanildo Bechara considerou que aquelas “resultam do grande emprego na escrita (de Portugal) de consoantes que não se pronunciam”.
    “Essa argumentação proporcional mostra apenas um facto: há um excesso de consoantes mudas. Não concordo com o argumento, porque no Brasil as mudanças representam quatro, cinco, seis cedências dos brasileiros e Portugal só fez uma”, disse à Agência Lusa.
    Segundo aquele membro da Academia Brasileira de Letras, de 83 anos, a “ortografia portuguesa usa e abusa das chamadas consoantes inarticuladas”, enquanto que o Brasil, “desde 1943 e antes, adopta a solução de escrever só os fonemas que se pronunciam”.
    O linguista constatou que “essas consoantes mudas estão em todas as páginas dos dicionários”, o que faz com que o novo Acordo Ortográfico, em termos quantitativos, tenha maior impacto no vocabulário de Portugal do que no do Brasil.
    “O brasileiro teve de abrir mão do trema, dos acentos em palavras com ditongos abertos como ‘ideia’ e ‘jiboia’ – e isso é uma agressão à pronúncia brasileira –, do circunflexo de ‘voo’, ‘enjoo’, ‘perdoo’ e de ‘creem’, ‘veem’ e ‘leem’ e os diversos empregos do hífen, muito mais próximos da ortografia portuguesa de 1945 do que a da brasileira de 1943”, explicou.
    Por seu lado, João Malaca Casteleiro, da Academia de Ciências de Lisboa, que participou na redacção do Acordo Ortográfico, admitiu também a possibilidade de, “em termos absolutos, poder ter sido o Brasil a fazer mais alterações” do que Portugal.
    Mas as alterações no vocabulário do Brasil “reflectem-se num menor número de palavras, porque em Portugal a supressão das consoantes mudas afectou um número larguíssimo de palavras e de uso muito frequente”, disse à Lusa.
    “Não é possível chegar-se a um acordo perfeito porque 100 anos de ‘guerra ortográfica’ geraram muitas diferenças assentes em pronúncias também diferentes. E portanto como unificar? Impossível, temos de consagrar a dupla grafia”, concluiu.
    Bechara reconheceu a importância do novo Acordo, que “reflecte que os países de língua oficial portuguesa atingiram uma maioridade política e cultural”.
    O linguista referiu ainda que “se a unificação ortográfica era no século passado um anseio de professores, hoje tem interesses económicos e políticos para mostrar que aquele grupo de países tem um peso que antes não tinha”, realçou.

    Artigo Parcial

     

    > Mais Sociedade

     

  • BECHARA introdução ao novo acordo

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    Introdução ao Novo Acordo Ortográfico – Evanildo Bechara

    MA – estadão.com.br () Imprimir

    Qualquer discussão, crítica ou indagação que envolva as novas normas de escrita propostas pelo Acordo Ortográfico aprovado em 2008 pelas esferas governamentais para entrar em vigor a 01/01/09, exige conhecimento mais largo do assunto.

    Neste primeiro contato com esses leitores, acreditamos que não seria de todo descabido mostrar-lhes as dificuldades inerentes com que tiveram de lutar os ortógrafos anteriores, num espaço de quase cem anos até a elaboração do atual texto objeto de nossas conversas. Isto sem contar os desafios dos escribas medievais para pôr em escrito as palavras utilizadas no seu tempo contando com um alfabeto herdado dos romanos e que se mostrava inadequado a reproduzir sons da nova língua que o latim não conhecia.
    Toda essa maravilhosa aventura vai ser aqui posta de lado por fugir ao propósito imediato de nossas considerações. Interessa-nos mais de perto o esforço desenvolvido no final do século 19 até o livro seminal do foneticista português Gonçalves Viana, Ortografia Nacional, saído em Lisboa em 1904, obra que pôs a questão ortográfica nos trilhos da ciência linguístico-filológica do seu tempo. O subtítulo do livro anunciava claramente a intenção que movia seu autor: simplificação e uniformização sistemática das ortografias portuguesas.
    O plural ortografias alude às bases dos dois sistemas que presidiam cada corrente apontada como digna de ser seguida: a etimológica e a sônica ou fonética; segundo esta última, as palavras deviam ser escritas como se pronunciam. A escrita etimológica era a que se atribuía ares de ciência, por seguir a tradição greco-latina, com suas letras dobradas e com os dígrafos ph (phosphoro), th (theoria), sc (sciencia), etc. Ambas tiveram de buscar ajuda de diacríticos desconhecidos das duas línguas clássicas: os acentos agudo (´), grave (`) e circunflexo (^), o apóstrofo (‘), o til (~), o hífen (-), a cedilha (,) sotoposta ao c e poucos outros, no que já eram dispositivos que seriam aproveitados nos formulários ortográficos oficiais elaborados pelas comissões acadêmicas a partir do século 20. A utilização dos acentos gráficos tem por objetivo indicar a correta sílaba tônica para os falantes nativos e estrangeiros que não desejam ou não podem cometer erros de pronúncia. Línguas há que dispensam o recurso aos sinais gráficos, como é o caso do latim clássico e dos idiomas germânicos, pelo fato de terem estruturalmente marcada a posição da sílaba tônica. No grego antigo a necessidade do uso dos acentos gráficos se deu no Egito em virtude de a língua da Hélade ter passado a ser veículo de comunicação falada entre estrangeiros que desejavam acertar na posição da sílaba tônica. Entre portugueses e brasileiros a acentuação gráfica também visava a um expediente didático.
    Se os acentos tinham funções bem demarcadas entre os timbres aberto e fechado da vogal da sílaba tônica, desde cedo os ortógrafos variaram as funções do hífen e das iniciais maiúsculas e minúsculas, concedendo-lhes aspectos objetivos e subjetivos, criando aos utentes perplexidades de emprego que não puderam ser disciplinadas inteligentemente pelas técnicas e postas em prática pelo homem comum na hora de registrar por escrito esses sinais ortográficos, perplexidades que chegam até ao acordo de 1990 que os signatários tentaram disciplinar e simplificar.
    Cabe aos representantes das duas Academias e aos especialistas estudar-lhes as normas aprovadas e dar-lhes condições técnicas para que seja alcançado o propósito dos signatários do acordo, qual seja “um passo importante para a defesa da unidade essencial da língua portuguesa e para o seu prestígio internacional”.
    Para dar conta da tarefa que lhe cabe neste particular, a Comissão de Lexicologia e Lexicografia da Academia Brasileira de Letras e sua equipe de lexicógrafos elaboraram quatro princípios metodológicos que nortearam a operacionalização das bases do acordo:
    a) respeitar a lição do texto do acordo;
    b) estabelecer uma linha de coerência do texto como um todo;
    c) acompanhar o espírito simplificador do texto do acordo;
    d) preservar a tradição ortográfica refletida nos formulários e vocabulários oficiais anteriores, quando das omissões do texto do acordo.
    Por: Evanildo Bechara

    * Evanildo Bechara é filólogo e gramático, membro da Academia Brasileira de Letras e Coordenador da Comissão de Lexicologia e Lexicografia da instituição

  • Bechara defende novo acordo ortográfico

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    29/12/2008 – 08h19

    Gramático Evanildo Bechara defende novo acordo ortográfico

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    SYLVIA COLOMBO
    da Folha de S.Paulo

    Evanildo Bechara tinha 11 anos quando cometeu seu primeiro erro de tradução. Viajando de Pernambuco para o Rio de Janeiro, de navio, o garoto que se tornaria um dos gramáticos mais famosos do Brasil fez uma parada em Salvador.

    Antônio Gaudério/Folha Imagem
    O gramático Evanildo Bechara defende o acordo ortográfico que começa a vigorar no Brasil nesta semana
    Evanildo Bechara defende o acordo ortográfico que começa a vigorar no Brasil nesta semana

    Entrou num restaurante e pediu um vatapá. O garçom perguntou como ele queria o prato. Bechara respondeu: “bem quentinho”, como era costume fazer-se em sua terra para determinar a temperatura da comida.
    Acabou tendo de engolir um bocado com muita pimenta. Foi então que as lágrimas brotaram de seus olhos.
    “Aprendi na pele que “bem quentinho”, na Bahia, era “bem apimentado”. Por conta desse episódio e de outros que vivi quando minha família me mandou para o Rio para estudar, passei a me interessar pelas diferenças que a língua portuguesa tem em diferentes lugares. Aí virei professor, viajei, dei aulas no exterior, lancei meus livros e cheguei aqui”, resume.
    Bechara, 80, hoje ocupa a cadeira 33 da Academia Brasileira de Letras, para a qual foi eleito em 2000, e tem uma dura tarefa pela frente. A partir de 1º de janeiro, quando as regras do Novo Acordo Ortográfico entrarem em vigor em oito nações da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, será ele a autoridade máxima no Brasil para decidir as possíveis querelas e pendências com relação ao modo como os brasileiros terão de passar a escrever.
    “Não me sinto confortável nessa posição. É muito incômodo. E é claro que a interpretação que fiz está sujeita a erros. Só não erra quem não faz”, disse em entrevista à Folha, na sede da instituição, no Rio.
    As regras têm como objetivo unificar as diferentes grafias que o português tem nos países em que é língua oficial. Elas começarão a ser aplicadas em janeiro de 2009, mas as atuais continuarão sendo aceitas até dezembro de 2012.
    No caso brasileiro, as principais mudanças serão a eliminação de alguns acentos e do trema e a adoção de outras regras para a hifenização. “Tem gente fazendo tempestade em copo d’água. Já passamos por cinco reformas e nunca houve um grande trauma. E mais, o Brasil sempre foi quem mais cedeu até hoje. Nesta reforma, está acontecendo o contrário, os outros países, Portugal principalmente, é que estão cedendo mais”, diz.
    De todas as mudanças, as que regulam o uso do hífen têm causado mais polêmica. Bechara explica que a idéia, de um modo geral, foi a de “suavizar” sua utilização. “Como um homem comum, que não é um gramático nem tem formação técnica sobre a língua, pode saber, por exemplo, que uma expressão é um substantivo que em outros casos pode ter outra função? Ao tirarmos os hífens, estamos facilitando a sua vida.”
    Contexto
    O gramático explica que o espírito das novas regras é deixar que o contexto explique aquilo que a ortografia não alcança. É o caso, por exemplo, da contestada retirada de acento de “pára”, do verbo “parar”.
    Como diferenciá-lo da preposição “para”? “Bem, quando se diz “manifestação para avenida”, fica bastante claro que se trata do verbo, porque os outros elementos na frase levam a essa dedução”, diz.
    O caso dos ditongos que perdem o acento, como “idéia”, também causaram estranhamento. “Não é possível termos duas grafias diferentes para o mesmo tipo de formação. Por que “aldeia” não tem e “idéia”, sim?”
    Bechara acha que a retirada do acento não vai confundir, por exemplo, crianças em processo de alfabetização. “O primeiro aprendizado de uma pessoa é sempre imitativo. Depois vem a reflexão. Quando ela for aprender a escrever, já saberá a diferença de pronúncia das duas palavras sem que seja necessário usar um sinal gráfico.”
    Para Bechara, a reforma ortográfica é necessária para defender a língua portuguesa. Trata-se do único idioma falado por um grupo majoritário -mais de 230 milhões de pessoas- no mundo a ter duas grafias diferentes. “É essencial que o português se apresente internacionalmente com uma única vestimenta gráfica. Para manter o prestígio e para que seja melhor ensinado e compreendido por todos”, conclui.