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  • Os mouros na Península Ibéria (Al-Andalus) – Portugalécia

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    História – Os mouros na Península Ibéria (Al-Andalus) – Portugalécia.

    https://youtu.be/Av0MCGVcBeM

    http://portugalecia.weebly.com/iniacutecio/historia-os-mouros-na-peninsula-iberia-al-andalus

    Fontes: Wikipédia | Youtube

    ImagemA Expansão Islâmica

    Em 711 a Península Ibérica foi invadida por exércitos Islâmicos norte-africanos, conhecidos pela designação genérica de mouros – tratava-se essencialmente de berberes com elementos árabes. A presença e domínio islâmico na Península (chamada Al-Andalus, em árabe الإندلس ) veio a revelar-se um processo duradouro com importantes consequências civilizacionais. Se a campanha de conquista muçulmana, aproveitando-se de uma guerra civil entre diferentes facões visigodas pelo trono da Hispânia visigótica, demorou somente 8 anos, o domínio mouro em território português prolongou-se até à conquista definitiva do Reino do Algarve pelos portugueses em 1249.

    De facto, foi a presença e o domínio islâmico que catalisou os processos produtores quer do Estado, quer da própria nacionalidade portuguesa, no contexto da reacção das elites e populações cristãs a que se convencionou chamar «Reconquista». Mas não pode pensar-se este processo de cinco séculos como um que tenha oposto linearmente as populações cristãs aos invasores islâmicos. Ocorreram processos de aculturação e entrecruzamento entre as populações autóctones da Península e as populações ditas «mouras». Os processos culturais foram de extrema importância: a complexidade, sofisticação e envergadura civilizacional, os contributos tecnológicos e científicos, linguísticos e literários, intelectuais, artísticos, etc., do Islão na Península Ibérica (e, por essa via, para toda a Civilização Europeia) foram de tal ordem que levam vários historiadores a falar, pelo menos para alguns dos períodos de dominação islâmica, de uma idade de ouro civilizacional, a que toda a Europa muito deveria.[58]

    Além dos processos culturais, também ocorreram decerto processos démicos ou populacionais. Esta questão, a do contributo de populações mouras para o património genético das populações ibéricas modernas, levantou desde cedo muita controvérsia, não só por causa das conotações religiosas e políticas dessa presença moura no âmbito das discussões e competições nacionais e estatais intra-europeias, mas, acima de tudo, pelas conotações «raciais» dessa presença.
    Desde a generalização das ideologias racistas e racialistas europeias a partir do século XIX, o período mouro da história peninsular foi usado como argumento para desqualificar «racial» e culturalmente os povos ibéricos da sua pertença europeia. Tais argumentos equiparam essa suposta componente norte-africana dos povos ibéricos a uma componente apenas qualificada como «africana» (ou seja, tendencialmente, subsariana, isto é, «negra»). Nos mundos de língua inglesa e alemã, por exemplo, a definição de «mouro», embora não sem ambiguidades, torna o termo praticamente sinónimo de «negro». Estas construções, particularmente vindas do mundo anglófono, foram historicamente mais relevantes aquando dos processos de competição colonial entre as potências ibéricas, particularmente a Espanha e as do norte da Europa, especialmente quando tais conflitos foram replicados luta entre catolicismo e protestantismo.
    Estas visões racistas e racialistas, tal como muitas outras perspetivas mais generalizadas (inclusive na própria Península Ibérica) que, ainda que não tão marcadamente discriminatórias como as anteriores, fazem dos mouros ibéricos uma população e categoria «racial» radicalmente diferente das populações autóctones ibéricas, não têm em consideração os seguintes aspetos:

    • As populações norte africanas (bem como os pequenos grupos de árabes, de subsarianos, de escravos eslavos, de persas, etc., a elas associadas), mesmo com os diferentes momentos de entrada dessas populações ao longo dos séculos (coincidindo em grande medida com a entrada de novos exércitos aquando dos momentos de luta interna, política ou religiosa – fitna, no Al-Andalus), foram sempre uma minoria que não terá ultrapassado os 10% do conjunto da população total.[59]
    • A maioria da população muçulmana da Península Ibérica era constituída por autóctones ibéricos convertidos (os chamados Muladis), isto é; a maioria dos “mouros” eram de facto europeus, ibéricos de religião islâmica.[59]
    • A maioria da população em zonas de domínio muçulmano, ao longo de todos os séculos de presença, não era muçulmana (com algumas exceções localizadas espacial e temporalmente), mas sim população autóctone ibérica que se manteve de língua românica e cristã (do rito visigótico), ainda que fortemente arabizada do ponto de vista cultural – os chamados moçárabes[60] (repare-se que Moçárabe, para designar a população ou a língua, é um termo moderno do século XIX – essas populações referiam-se a si próprias e à sua língua como Latinus[61] ).
    • A maioria das populações norte-africanas que de facto se estabeleceram na península eram berberes. Os Berberes, particularmente das regiões mais litorais, não podem ser descritos como uma população radicalmente diferente das populações sul-europeias, com as quais, aliás, apresentam ligações ancestrais.
    • Mesmo nas elites islâmicas, a presença de elementos conversos não era despicienda – mesmo algumas dinastias reinantes tinham origem hispanovisigótica (como os Banu Qasi, fundados pelo converso hispano-visigodo Conde Cássio).
    • Os processos sociais do final da Reconquista e do período seguinte instituíram sistemas de discriminação social (geridos em parte pelas autoridades religiosas) que guetizaram e até expulsaram (para o Norte de África) fatias significativas das populações ditas mouriscas (as quais de qualquer modo, tinham uma origem basicamente autóctone ibérica).

    Quando os mouros dominaram a Europa

    Este é um caso onde a verdade é mais estranha que a ficção.
    A história de Al-Andalus (península ibérica) não é o conto do bem contra o mal, Oriente contra o Ocidente. É intrigante e complexa, engenhosa e brutal. É muito humana e muito turbulenta. E é por isso que deve ser lembrada, e não excluída dos livros de história.

    Maria Regina Teixeira WeckWerth
    15/9/2015 02:23:1
  • David Hicks sobre Timor 1975

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    Antropólogo britânico recorda o “Paradoxo FRETILIN” de 1975 (mais…)

  • Os africanos em Portugal: de conversos a escravos

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    Os africanos em Portugal: de conversos a escravos (in diálogos lusófonos)<!--more-->
    
    
    
    Falta a Manoel Rodrigues da Silva Pereira, morador na Rua da Atalaya ao Bairro Alto, quase no meio da sobredita, um preto de nome Francisco José, de idade, pouco mais ou menos, vinte e dois anos, os sinaes pessoais são os seguintes: é bem feito, alto, grosso, bons olhos, com semblante alegre, a orelha furada com um brinco de topázio amarelo; de cabeleira redonda.
    Hebdomadário Lisbonense, n.o. 19, 8 de novembro de 1766.
    

    Um anúncio de fuga de escravos num periódico oitocentista carioca, baiano ou pernambucano, muito provavelmente, não provocará nenhum estranhamento nos leitores brasileiros, estudiosos profissionais ou investigadores diletantes da história nacional. No entanto, pode causar surpresa, mesmo no seleto grupo destacado, um anúncio desta natureza num periódico lisboeta setecentista, a exemplo deste que transcrevemos acima. Verdade é que desconhecemos, quase por completo, a história dos africanos e seus descendentes em Portugal. Mas que isso não seja motivo de constrangimento para os brasileiros, pois a própria historiografia portuguesa tem dado passos tímidos e temerosos nesta direção. Segundo Silvia Lara, em Portugal:
    o tema tem se desenvolvido quase na surdina, intrinsecamente ligado aos debates que cercam a própria história do Império Português. Com efeito, o significado político da escravidão em Portugal e nas “colônias” parece conter um potencial explosivo. (LARA, 2001:307-404)

    Nos primeiros séculos de contatos, inúmeros africanos foram levados a Portugal para serem instruídos na fé, na cultura e nas línguas ocidentais. Alguns desembarcaram em Lisboa como homens livres, eram representantes da corte do Mani Congo, embaixadores, parentes da família real. Destes, alguns poucos se tornaram intérpretes (então chamados “línguas”), catequistas e sacerdotes. Um médico alemão que visitou Portugal em 1494

    declarou ter visto muitos mancebos negros que tinham sido, ou estavam a ser, educados em Latim e Teologia, com o objetivo de os fazer regressar à ilha de S. Tomé, ao reino do Congo ou qualquer outro lugar, como missionários, interpretes e emissários de D. João II. (BOXER, 1989: 14-15).
    

    A política de controle da expansão do catolicismo, levada a cabo pelos soberanos do Congo, investiu na formação de um clero africano. Mesmo após a morte de seu filho bispo, o célebre D. Henrique, o Mani Congo D. Afonso I continuou enviando a Lisboa jovens sobrinhos e primos para serem educados no Mosteiro de Santo Elói (BOXER, 1989:16). Por outro lado, o empenho dos soberanos e religiosos portugueses na formação de um clero indígena indica uma postura “mais cordata”, tendo em vista o preconceito característico das relações dos europeus com africanos a partir do estabelecimento do comércio escravista em larga escala. Nesse sentido, as categorias de identificação utilizadas nos diferentes períodos revelam sistemas diversos de classificação, organização e, portanto, de percepção do africano.
    Nos primeiros séculos de contato, os africanos foram primeiro identificados como gentios, ou seja, povos pagãos, seguidores da “lei natural” que viviam, portanto, no erro e na superstição. No movimento de expansão do catolicismo, os gentios eram povos almejados pela catequese missionária (SOARES, 1998: 77,78). Vê-se então que, o proselitismo dos soberanos portugueses estava consonante com o projeto de expansão missionária. Entretanto, à medida que o comércio de escravos africanos fincava raízes no ocidente, a categoria gentio dava lugar a termos mais seculares e, portanto, mais apropriados aos novos interesses mercantis3.
    Sem a mesma sorte daqueles destinados a serem educados na fé e na religião católica, se é que assim podemos dizer, no decorrer dos séculos XVI a XVIII, milhares de africanos chegaram a Portugal na condição de escravos. Desde 1512, Lisboa foi o único porto do reino onde era permitido o desembarque de cativos. No entanto, efetivamente, até pelo menos a proibição de 1761, Setúbal, Porto e muitas outras cidades portuárias localizadas na região do Algarve receberam grande número de escravos africanos (LAHON, 1999A:32).
    “A importância que os portos algarvios, como Lagos, tiveram na importação de cativos fez da região uma das que, no conjunto do território português, contavam com maior percentagem de escravos na sua população” (FONSECA, 1996: 153). No século XVI, apesar do exclusivismo de Lisboa, em termos proporcionais, os números da população escrava no Algarve eram semelhantes aos da capital. Cerca de 6.000 escravos representavam algo em torno de 10% da população total da região. (LAHON 1999A: 13). Para o Alentejo, a partir de um significativo número de registros de batismo da cidade de Évora e principais vilas e termos rurais da região, Fonseca sugere um cálculo aproximado da população escrava. Segundo este autor, no período de 1588 a 1600, os escravos representaram 5,44% do total de batizados (FONSECA, 1997:15). Ao norte, a cidade do Porto possuía um movimentado mercado de escravos desde a segunda metade do século XV. Na década de 1540, os escravos chegaram a representar 6% dos batismos realizados na Sé Catedral (SAUNDERS, 1982: 83).
    Lisboa, “não era só a maior das cidades, mas também a maior das concentrações de escravos em todo Reino”. Um recenseamento das paróquias da cidade, realizado nos anos de 1551-52, permite concluir que Lisboa possuía uma população de 9.950 escravos, “isto é, 9,95% ou digamos que 10% da população total da cidade”. (SAUNDERS, 1982: 84). Em 1620, os escravos contavam 10.470 num total
    populacional de 143.000 (LAHON, 1999A:13).

    “Por amor de Deus”, as Misericórdias enterravam os pobres falecidos, incluindo neste rol os escravos e libertos negros (GUIMARÃES, 2001:116-17). Os livros de sepultamentos da Santa Casa de Misericórdia de Lisboa confirmam a presença significativa da população negra na cidade no decorrer do século XVIII. Em 1756, a Misericórdia fez o enterro de 1.235 pessoas, entre estes, 16,8% eram pessoas de cor. Na década de 1760, a população negra representa 15% dos defuntos enterrados pela Misericórdia, em alguns períodos chega a representar 17,8 % “e sua participação nunca fica abaixo de 12,7%, como o ocorrido no ano de 1765 (LAHON, 1999A: 50-1).
    No final do século XVI, havia em Lisboa escravos africanos de várias procedências. Em sua Crônica da Companhia de Jesus em Portugal, o padre Baltazar Teles registra que, no ano de 1567, um padre mestre dos jesuítas em Lisboa organizou um esquema de revezamento para que os escravos pudessem assistir à doutrina pelo menos um domingo a cada mês. Segundo seu esquema:

    cada Domingo sairiam à doutrina cinco nações, e como eram por todas vinte, as que então havia em Lisboa ficavam no mês caindo um Domingo para a doutrina e três domingos e os dias santos lhe ficavam livres para suas recreações.
    

    Esta grande variedade percebida pelos religiosos jesuítas tem uma explicação simples. As vias de abastecimento dos mercados ibéricos foram múltiplas e variáveis de acordo com cada época e conjuntura específica. O volume, bem como as vias de abastecimento do tráfico de escravos para Portugal e Península Ibérica, em geral são ainda pouco conhecidos. Na verdade, isto reflete um grande silêncio no que diz respeito ao tema da escravidão, tratado pela historiografia portuguesa “quase na surdina”. O tráfico é apenas uma entre tantas outras interrogações uma vez que, como afirma Lara “infelizmente continuam sendo poucos os estudos empreendidos por portugueses sobre a experiência dos africanos e seus descendentes como cativos, libertos ou livres no reino português” (LARA, 2001:387-404).
    De um modo geral, as origens geográficas e culturais dos cativos negros em Portugal eram semelhantes às dos escravos embarcados para as Américas. Nos séculos XV e XVI, “os escravos presentes em Lisboa, Algarve, Alentejo e Andaluzia, provinham principalmente de etnias que povoavam as regiões do atual Senegal até a atual Guiné-Bissau”. Muitos destes cativos foram identificados na documentação como procedentes de Cabo Verde. Esta “falsa” identificação” decorria do fato de que muitos originários das margens dos rios da Guiné e Senegâmbia, antes de serem vendidos para a metrópole, permaneciam em Cabo Verde por um período mais ou menos longo (LAHON, 2001).
    Embora a presença dos centro-africanos (congos e angolas) no contingente de cativos enviados para o Reino date do final do século XV, foi somente no final do século XVI e, principalmente, no início do XVII que esses africanos começaram a ser identificados com mais frequência na documentação. A partir de então, “as etnias que pertencem ao grupo lingüístico banto, constituem provavelmente, o maior contingente de escravos introduzidos em Portugal até 1761 ” (LAHON, 1999A:38).
    Nos séculos XVII e XVIII, era comum encontrar-se, entre a população cativa de Lisboa, escravos identificados como minas. Estes povos provenientes da Costa do Ouro, da Costa dos Escravos e do Golfo do Benin começaram a entrar em Portugal no período de intensificação do tráfico baiano com esta região africana (LAHON, 1999A: 71).
    Trabalhadores escravos de origem africana eram presença marcante nas cidades e vilas mais importantes do reino português. Em Lisboa, os escravos eram responsáveis por variadas tarefas: eram criados, cozinheiros, ferreiros, serralheiros, alfaiates, aguadeiros, caiadores e marítimos; entre as mulheres, destacavam-se as vendedoras ambulantes de tremoços, mexilhões, favas, bolos e outras iguarias, além das lavadeiras, trapeiras, aguadeiras e calhandreiras, entre inúmeras outras atividades. À semelhança do que ocorria na América, igualmente “negra era a mão da limpeza”. As negras de canastra, também chamadas calhandreiras, eram responsáveis por um serviço público importantíssimo. “Era o trabalho da remoção dos dejetos humanos (…) conduzindo-os em calhandras levadas sobre o ombro, ou equilibradas na cabeça, para despejo ao mar, na Ribeira” (TINHORÃO, 1997:114).
    Na Lisboa setecentista, seguindo a tendência de todo o Reino, prevaleciam os pequenos proprietários. Um grande número de senhores e senhoras alugava os serviços de seus cativos. No ano de 1709, as “pretas que vendem milho, arroz e chicharros cozidos ao povo nas escadas do hospital do Rossio” apresentaram ao Rei uma petição. Elas reclamavam das perseguições, maus tratos e espancamentos que vinham sofrendo da parte do corregedor e do alcaide daquele bairro.

    Sendo as suplicantes umas pobres pretas, que não tinham outro ofício mais que venderem ao povo aquele sustento naquele lugar das escadas do Rossio, pagando cada uma um cruzado, todos os anos, ao senado da câmara e nesta posse desde que o mundo era mundo, por si e suas antepassadas; por cuja razão recorriam todas ao pé de Vossa Majestade lhe acudisse e valesse na violência que lhes faziam os ditos alcaides, para que as deixasse vender no lugar das ditas escadas (...) sabido e certo lugar para o povo ir comprar o que as suplicantes vendiam, de cujo lucro pagavam a seus senhores para seu sustento, de seus maridos e filhos e forravam ainda para suas irmandades e liberdades (...).
    

    A maioria das negras que vendia nas escadas do Hospital do Rossio era do serviço de ganho. Elas reivindicavam o reconhecimento de sua atividade e local de trabalho com base no costume, uma vez que estavam nesta posse, segundo suas próprias palavras, “desde que o mundo era mundo”. Algumas negras de ganho conseguiam economizar o bastante para comprar sua alforria, de seus filhos ou outros parentes próximos. Economizar e contribuir para suas irmandades também contava entre as prioridades destas mulheres, assim como de muitos outros escravos e libertos, como veremos mais detalhadamente no artigo “África em Portugal”: devoções, irmandades e escravidão no Reino de Portugal, século XVIII .

    extrato do artigo “África em Portugal”: devoções, irmandades e escravidão no Reino de Portugal, século XVIII de Lucilene Reginaldo

    História (São Paulo) – “Africa in Portugal”: slavery, religious devotion and black brotherhoods during the 18

    “opinião” retirado de diálogos lusófonos

  • Macau o 1º livro impresso

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    via Henrique Manhão

    O primeiro livro impresso em Macau, assim chamada de “Portu Macaensi”, em latim, ocorreu em 1588 conforme comprovado na imagem acima, fato que foi comemorado por Armando Rozário (macaense de Cabo Frio, estado do Rio de Janeiro)), vindo a confirmar a sua informação na postagem neste blog em 20/07/2011 com o título “Macaense ou Macaensi, eis a questão“. (mais…)

  • o Natal em Macau

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    quarta-feira, 24 de dezembro de 2014
    O Natal macaense

    http://macauantigo.blogspot.pt/2014/12/o-natal-macaense.html
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  • Santana Castilho · 2014 e a degenerescência do ensino público

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    Santana Castilho
    2 hrs ·
    2014 e a degenerescência do ensino público
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  • Macau, quinze anos depois

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    Macau, quinze anos depois
    30 Dec, 2014

    João Figueira (mais…)

  • Porque é que há guerras tribais em Timor – III (2006)

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    quarta-feira, maio 31, 2006
    Vozes de Timor
    Este novo blog do PUBLICO.PT foi criado para ajudar a fazer ouvir as vozes de Timor.
    Para as fazer ouvir em Portugal, certamente, mas também para as fazer ouvir no seu próprio país e para ajudar a produzir o diálogo que é o cimento indispensável à construção da democracia. Para ajudar os portugueses a saber e a compreender o que se passa em Timor, mas também para ajudar os timorenses a encontrar sentido nos acontecimentos do seu país e a formar as opiniões que irão moldar a sua evolução.

    Convidámos para escrever nestas páginas timorenses de vários sectores e com diferentes responsabilidades e perspectivas, portugueses que se encontram em Timor e outros que, sem lá estar, mantêm com o país um laço especial. Entre estes últimos estão, nomeadamente, jornalistas que no PÚBLICO cobriram acontecimentos naquele país nos últimos anos.

    A razão próxima para a criação deste blog foram os acontecimentos recentes que espalharam a violência no país, desde Abril de 2006. No entanto esse não é o único tópico que se pretende abordar aqui. Estas páginas irão certamente receber textos de análise política ou de intervenção cívica, relatos noticiosos e textos de opinião, mas também registos pessoais sobre o quotidiano de um país que dá os seus primeiros passos na construção de um projecto colectivo.
    Esperamos que as informações, as razões e os sentimentos aqui vertidos ajudem os leitores dos dois lados do mundo a compreender melhor o mundo em que vivem e a construir aquele que desejam.

    José Vítor Malheiros quarta-feira, maio 31, 2006 | Permalink
    1 comment

    caro Luciano
    esqueceram-se de mim mais uma vez, mas aqui segue um excerto da terceira parte dum longo estudo feito nos últimos dias, aproveita o que quiseres. J. Chrys Chrystello chryschrystello@journalist.com
    CRÓNICA 24
    30 MAIO – 1 de Junho 2006
    Porque é que há guerras tribais em Timor – III

    Para entendermos melhor o que se passou no século XX em Timor, debrucemo-nos no livro da Colecção Fórum “Ocupação e Colonização Branca de Timor” da autoria de Teófilo Duarte, ex-governador de Cabo-verde e de Timor, Vogal do Conselho do Império Colonial da Editora Educação Nacional Lda Estudos Coloniais nº 2 datado de 1944.

    Em 1929, ano em que deixamos o governo da colónia, alem dos trezentos e quarenta funcionários públicos brancos, dos seiscentos e noventa mestiços e dos quatrocentos e sessenta mil indígenas havia:
    Uma forte sociedade agrícola e comercial pertencente aos herdeiros do ex-governador Celestino da Silva, dispondo de milhares de hectares ocupados por plantações de café, de borracha, de cacau, de produtos pobres, e incultos. Neles se colhiam cerca de duzentas toneladas de café, quinze de cacau e cinquenta de borracha que eram exportadas para as Índias Holandesas… era dirigida por um português, nove empregados brancos e os restantes indígenas.
    Uma Sociedade Agrícola, a Companhia de Timor, dispondo de enormes extensões de terrenos quási todos incultos e com dois europeus apenas,
    Doze plantadores brancos portugueses, cultivando o café de que colhiam uma quantidade insignificante, que para o mais importante dentre elas andava por quatro toneladas.
    Dois comerciantes que mal podiam concorrer os restantes chinas e árabes.
    85 Deportados da legião vermelha, idos uma não antes da Guiné, para onde tinham sido enviados primitivamente da metrópole.
    Julgamos que tal situação não se deve ter modificado quási nada, até à data dos lamentáveis acontecimentos que se deram na colonia em 1941, a não ser no referente à existência de deportados, pois aquele número foi posteriormente aumentado com mais umas dezenas, medida essa adoptada não por motivos sociais, mas sim políticos.

    Timor é a colonia portuguesa que se encontra mais afastada da metrópole… Ainda hoje uma viagem normal para aquela nossa colonia da Insulíndia demora quarenta e cinco dias, enquanto que para a Guiné se faz em oito, e para Angola em vinte… uma ida a Timor, ainda antes da Guerra , representava qualquer coisa de complicado, com a utilização sucessiva de carreiras francesas, inglesas e holandesas, e com demoras de cinco e seis dias em Génova, Singapura, Batávia , Surabaia, etc.

    Depois a tradição ligada ao nome de Timor, sinónimo de terra de clima horrível, que matava ou inutilizava fatalmente, o que provinha do desconhecimento quási absoluto do interior que era magnifico; o estado de permanente insubmissão das populações nativas, com as consequentes e periódicas chacinas dos raros europeus a quem o dever do ofício impunha a permanência num ou noutro porto afastado da capital; a falta, enfim, de toda a espécie de comodidades próprias duma colonia quási toda por ocupar; tudo isso criava uma lenda em volta de Timor, que fazia com que a colocação ali de qualquer funcionário fosse considerada como o pior castigo que se lhe podia aplicar….
    A Holanda apesar de ter valorizado intensamente a ilha de Java, habitada por quarenta milhões de malaios, conservava em estado de desenvolvimento económico bastante primitivo a colossal Sumatra, quási toda por aproveitar, Bornéu e Nova Guiné que passam por terem ainda tribos antropófagas, e dezenas de ilhas naqueles mares, entre as quais a sua metade de Timor, incomparavelmente muito mais atrasada que a nossa.

    A característica da obra de Celestino foi a ocupação militar e administrativa. Alguns anos depois, aparece em Timor um homem que fará igualmente um governo brilhante, embora sob outro aspecto: o de fomento.

    Queremo-nos referir a Filomeno da Câmara. Este foi desde a exoneração de Celestino da Silva até hoje , o único governador de Timor que se marcou uma posição de grande relevo, não só devido às circunstâncias que o caracterizavam, como à circunstância bem fortuita de ter permanecido seis anos à frente da colónia. Logo no início do seu governo, teve de dominar a mais temerosa revolta indígena de que ali havia memória. Os chefes timorenses libertos da golilha que a saída de Celestino quebrara, aproveitaram-se do pretexto da elevação do imposto de capitação, para tentarem sacudir o jugo a que mal se podiam acomodar.
    Um oficial e vários sargentos que permaneciam no interior foram trucidados; a primeira coluna comandada pelo Governador teve um desastre sério em Aituto, vendo-se obrigada a abandonar uma peça de artilharia, vário material, e a retirar precipitadamente para Aileu. O pavor em Díli, perto do local do combate foi enorme, pois os factos avolumaram-se de tal modo, que davam o Governador como chacinado, e os rebeldes avançando sobre a capital.
    A população branca embarcou no vapor “Díli”, num salve-se quem puder, e só a comunicação telefónica do próprio Filomeno conseguiu fazer desaparecer a atmosfera que uma notícia intempestiva e falsa criara.
    A chegada porém de algumas companhias de soldados africanos e da Índia, fez entrar as coisas num caminho favorável para as nossas armas, e assim é que, após seis meses de luta intensa, Manufai, o eterno fulcro de rebeliões, o histórico ninho de rebeldias foi batido e obrigado a submeter-se, sendo a mortandade tão grande, e a lição de tal maneira dura, que ela lhe serviu até agora. Apenas Okussi se manteve rebelde e foi dominado no ano seguinte, após uma campanha rápida e sem grandes lances.
    Foi nesta guerra que Filomeno se viu obrigado a desenvolver uma energia formidável, para neutralizar incompetências, pusilanimidades e más vontades, que se criou a fama de bárbaro e de homem de pelos no coração. É que ele não só consentira às tribos que combatiam a favor do governo, a sua usança tradicional de decapitarem os vencidos, mas inclusivamente iniciara a cerimónia adstrita ao canto de guerra Timor, dando o histórico pontapé num dos crânios que se encontravam numa lúgubre pira, no campo de batalha. O indígena nas suas guerras não prescindia de exercer o direito que lhe vinha de costumes seculares, de cortar as cabeças dos desgraçados que no ardor da luta lhe vinham às mãos, de com elas formar um trágico amontoado perante o qual entoava o “lorçá”, hino guerreiro que ao branco causa calafrios; e de as correr em seguida a pontapé. O valor e a fama de cada guerreiro avaliavam-se entre eles, pelo número de crânios que tinham suspenso à porta da sua palhota; e os milhares de vozes que num soturno e lúgubre concerto infernal entoavam a célebre canção de guerra, série infinda de insultos para os vencidos, certamente exerciam na sensibilidade efectiva do Timor, a mesma impressão que os nossos cânticos patrióticos têm sobre nós. Filomeno no início da campanha tentou coibir tal usança, mas ao ver-se na perspectiva de ser abandonado pelos seus arraiais, irritados com a proibição de raziarem, roubarem e massacrarem, não teve remédio senão condescender com tais costumes. Por isso, ele foi alvo, na metrópole, convulsionada pelas ideias de falsos humanitarismos que nela imperavam após 1910, de verrinosas campanhas dos seus inimigos políticos e pessoais.

    Mas aquela tormenta passou, e Filomeno pode-se lançar rasgadamente na execução dum longo plano de fomento, que pena foi não ser seguido pelos governadores que lhe sucederam. As ideias de Celestino sobre a necessidade de expansão da cultura do café, foram postas em prática, duma maneira ampla e colossal. Adoptando o princípio de cultura forçada, executada em Java por Van den Bosch, e que em vinte anos faria passar a produção, de duzentos e cinquenta mil picos, no valor de cinco milhões e quinhentos e cinquenta mil florins, para um milhão e oitenta e dois mil picos, valendo trinta milhões de florins, Filomeno afastou-se porém dos pormenores que aos olhos do mundo civilizado tinham merecido ao governo holandês, os ápodos de sistema espoliador e ressuscitador dos velhos tempos da escravidão.
    Enviveiram-se milhões de pés de café durante os últimos quatro anos do seu governo; fizeram-se transplantações colossais dos mesmos, para matas que hoje são a riqueza de inúmeros povos; experimentou-se a sua adaptação a terrenos no resto da colónia em que ele era desconhecido, umas vezes com êxito e outras sem ele, como no “Mundo Perdido” de Viqueque. Houve a fúria do café, e todo o comandante militar ou de posto fazia consistir o seu melhor título de funcionário cumpridor, executando viveiros e plantações o mais gigantescos possíveis.
    Outrotanto se deu com a cultura do coqueiro, e a tudo presidia Filomeno, sem um agrónomo, sem um prático sequer, estudando, escrevendo artigos doutrinários, discutindo e rebatendo pontos de vista às vezes meramente técnicos. Sem exagero se pode ainda dizer que o governador palmilhou a colónia, e onde quer que houvesse uma mata a aproveitar e a encher de café, aonde quer que lhe dissessem ser apropriado o terreno para um palmar, era certa a sua presença. Por isso, passados dez anos, as estatísticas aduaneiras registaram o fruto de tal labor, traduzido num aumento de exportação de cinquenta por cento em relação às quantidades anteriores, e assim é que, se a riqueza da colónia aumentou em tão larguíssimas proporções, a Filomeno o ficou devendo.
    A produção não correspondeu ao que se disse ter-se plantado? Os coqueiros produzem ali não aos sete anos, como se escreveu, mas sim aos catorze? Muitas plantações morreram por terem sido feitas em terrenos calcáreos e por conseguinte impróprios? Foi infeliz a ideia das plantações comunais, partilhadas entre o Estado e indígenas, por inculcarem no espírito destes a ideia de que elas eram do governo, só as tratando obrigados, e abandonando-as logo que lho permitiam? É certo que em todas estas observações há uma grande parte de verdade, e que tais circunstâncias fizeram com que logo após a sua exoneração se perdessem as plantações mais recentes por falta de cuidados; que o tratamento das antigas fosse muito descurado, e que o produto das novas passasse a ser umas vezes o quinhão mais ou menos integral dos povos, e outras o exclusivo dos chefes, conforme a maior ou menos consciência destes, e a fiscalização mais ou menos intensa dos comandos. Por isso, o resultado da sua obra que teria sido colossal, se Filomeno tem permanecido mais meia dúzia de anos à frente de Timor, ou se os seus sucessores a tivessem tratado com carinho, foi de frutos relativamente modestos para o esforço desenvolvido, e teria sido de efeitos quási nulos, se ele, à semelhança do que sucede com quási todos os governadores, ali tivesse permanecido apenas os dois anos que eram então da praxe. Entretanto Filomeno foi o único administrador a valer que a colónia teve nos últimos trinta anos, e as deficiências apontadas não conseguem empanar o brilho duma obra que há-de ficar sempre considerada extraordinária.
    Nunca em Timor se trabalhou com tanto entusiasmo e tenacidade, e nunca tanta charrua arou os campos até então virgens; e estes trabalhos conjugados com outros pertencentes a diversos ramos de actividade económica e social, tais como a criação da Caixa Económica, a reforma do ensino, etc., constituem um honroso programa de realizações para qualquer governador.
    Filomeno teve sempre uma predilecção especial pela actuação económica do indígena, nunca tendo dado importância de maior às possibilidades de povoamento europeu. Ou porque as dificuldades com que deparava para a vinda de colonos se lhe antolhassem irremovíveis, a avaliar pelo insucesso das negociações entabuladas para a fixação de açorianos residentes em Hawai que chegaram a mandar a Timor um seu delegado a estudar o caso, ou por qualquer outras razões, o certo é que ele nunca esboçou qualquer iniciativa no sentido de intensificar a política iniciada por Celestino, e durante o seu governo nenhum outro clono aportou a Timor. Entretanto, a protecção dispensada às actividades brancas colonizadoras instaladas por Celestino através da companhia a que já nos referimos, fizeram com que as más vontades que ameaçavam a existência do incipiente núcleo branco existente não fossem por diante. Assim, tal companhia foi singrando através dos anos, constituindo um elemento de progresso na colónia, devido às suas iniciativas em montar oficinas de descasque de café, de melhorar a sua preparação, de tratar culturas desconhecidas como o cacau e a borracha, e de concorrer como china e o árabe nas transacções comerciais. Aquela companhia é o único elemento económico branco nacional de valor na colonia, e mesmo os outros que se ali foram instalando, saíram dos seus empregados, os quais se foram fazendo, um pouco, mercê das facilidades por ela dadas. As próprias numerosas concessões de terrenos feitas no seu tempo a funcionários redundaram quási todas em insucessos, em virtude destes as não poderem dirigir pessoalmente, por causa dos seus afazeres profissionais.
    Filomeno, como não podia deixar de ser, teve a sorte de todos os governadores que se marcam situações de excepcional relevo, e por isso à semelhança do que sucedera com Celestino, deixou o governo da colónia, mercê do trabalho de sapa que os seus inimigos realizaram junto de qualquer mediocridade governamental, que os acasos da política tinham feito passar pelo ministério das colónias. E assim, Timor viu perdidas as largas possibilidades de valorização que lhe poderia ter valido a manutenção daquele homem de governo em tal posto.

    …. Os anos passaram e nem os boletins oficiais nem a tradição apontam a efectivação de medidas de grande relevo no referente ao desenvolvimento económico da colónia, principalmente no aspecto do povoamento branco… Apenas em 1927 o “Boletim Oficial” publica uma série de disposições legislativas que, integradas num plano de conjunto, visam a robustecer as incipientes actividades económicas existentes… A política de Celestino e de Filomeno das culturas feitas pelo indígena, do café, da copra, do tabaco, do sândalo, do chá e da borracha, receberam um incremento enorme. Ele é traduzido na execução de viveiros monstros, totalizando 26 milhões de pés de café, de cem mil cocos, de um milhão de árvores, borracha, etc. Em lugar porém de se repetir o processo de Filomeno, da criação de plantações comunais, envereda-se pela distribuição individual de centos ou de milhares de plantas a cada indígena, que as transplantará para os seus terrenos, ficando delas proprietário. Ao mesmo tempo o incremento dado às culturas pobres do milho e do arroz, faz com que os preços destes artigos se vendam a preços excepcionalmente baixo em relação aos anos anteriores, tal é a sua abundância.

    Apesar da balança comercial de Timor acusar nos últimos anos, um saldo positivo, a saída porém de numerário para pagamento de fretes, juros de capitais, transferências, etc., faz com que a sua balança económica seja bastante desfavorável, donde resulta que a situação da Colónia é medíocre e está longe da prosperidade que os seus recursos lhe permitem atingir… Timor desde sempre que vem vivendo de subvenções e empréstimos, ora da Metrópole ora de outras colónias, donde se vê que tanto no antigo regime de centralização administrativa como no moderno de autonomia, as mesmas dificuldades têm-se repetido sincronicamente, criando uma atmosfera de asfixia intolerável….
    ….
    As perspectivas de aproveitamento e da fixação como colonos, de alguns elementos locais, foram ampliadas, mercê de circunstâncias fortuitas, por outras de colonização branca, de características mais ou menos penais. A metrópole ia enviar como deportados oitenta e cinco filiados da célebre Legião Vermelha, que durante anos tinha trazido o país aterrado com as suas bombas, com os seus tiros, com as suas violências enfim contra autoridades e figuras em destaque no comércio, na indústria e nas profissões conservadoras… e embora a matéria prima não fosse a ideal para trabalhos de colonização, resolve-se tentar a chance do aproveitamento de alguns desses elementos. Uma dúzia deles que se conseguisse fazer vingar como colonos, numa colónia em que, como dissemos, apenas existiam doze, já era interessante….
    … Além do estado de abatimento físico e moral em que chegavam, e de virem desprevenidos de quaisquer meios financeiros, eles não conheciam o meio, e a sua quási totalidade não fazia a menor ideia do que fosse a agricultura. Organizada, pois, uma lista das suas profissões providenciou-se da seguinte maneira: levantou-se-lhes o moral, pondo-os em liberdade, dias após a sua chegada, prometendo aqueles que se comportassem correctamente, toda a espécie de ajudas para ganharem a sua vida, e fazendo surgir na sua mente a perspectiva de virem a ser colonos pura e simplesmente, em lugar de deportados sujeitos a um severo regime de vigilância e repressão. Cuidou-se do seu revigoramento físico fortemente abalado por uma longa e depressiva viagem por mar, fornecendo-se-lhes uma habitação razoável, mosquiteiros, quinino e roupas de que todos eles vinham bem necessitados. Empregou-se cada um conforme as suas aptidões ou as possibilidades de trabalho que oferecia a colónia, de modo a que o subsidio mensal que lhes foi atribuído – dois terços do vencimento dum soldado branco -, lhes pudesse ser retirado dentro dum prazo relativamente curto, a fim de que eles se não convencessem de que tinham vindo na situação de funcionários, embora modestos, do Estado.

    … Durante um ano que com eles lidamos, nunca constituíram, para nós, qualquer grave preocupação. É que apesar das draconianas e tremendas instruções dadas às autoridades, no sentido de reprimirem pela força, desmandos que fizessem perigar o sossego público, o que era do conhecimento dos deportados, e que até certo ponto contribuíram para que mantivessem sempre uma linha de conduta razoável, todos eles tinham o sentimento de generosidade com que eram tratados, eles, pobres farrapos humanos para quem a visão infernal de Timor constituíra um pesadelo durante a viagem…

    Trechos da carta da mãe dum deportado, Maria Viegas, enviada ao “Diário de Lisboa” “Oxalá que a obra do Sr. Teófilo Duarte no referente aos deportados seja seguida pelo seu sucessor, fornecendo-lhes créditos por um fundo de colonização … Oxalá que seja seguido o exemplo do Sr. Teófilo Duarte que minorou muitas lágrimas e sofrimentos físicos e morais.”

    A substituição, porém, do governador levou o seu substituto a não querer continuar com um sistema em que o Governo central lhe podia pedir severas contas, pelo menos no aspecto do reembolso de capitais, visto que os mencionados financiamentos se vinham fazendo à margem de qualquer autorização ministerial, pois o Governo central sempre se desinteressara da sorte dos indivíduos em questão. Despejou-os para Timor, e o governador que se arranjasse como pudesse, não lhe dando quaisquer instruções sobre o regime de liberdade ou de reclusão que haveria a adoptar, sobre subsídios para alimentação e vestuário, sobre competência disciplinar a exercer, etc. Não há que culpar o novo governador da criação da nova situação, visto que ao Governo central cabe apenas a culpa de nunca ter encarado a valer o problema. Por isso, a suspensão das regalias provocou o estiolamento das incipientes actividades que vinham de há apenas um ano, e os deportados passaram a viver miseravelmente do subsídio de alimentação que lhes fora fixado, a envolverem-se em desordens, e a … morrerem lentamente, devido ao clima, à inércia e ao esgotamento físico e moral provenientes duma vida desregrada e sem objectivos. Poucos foram os que conseguiram singrar. Algumas centenas de crianças mulatas devem ser a única reminiscência que daqui a anos se encontre da estadia daqueles oitenta e cinco deportados da Legião Vermelha.
    Anos depois, em 1931, nova leva de deportados chega a Timor, mas desta vez não eram eles simples operários bombistas, mas sim gente de entre a qual se destacavam figuras do maior relevo na politica portuguesa. Antigos ministros como Helder Ribeiro e Utra Machado, acamaradavam com estudantes das escolas superiores, com funcionários categorizados, com muita gente, enfim, exercendo profissões de bastante tomo. Embora não se pudesse contar com a maioria de tais elementos para ali se fixarem, visto que eles não perdiam a esperança de que uma reviravolta politica os pudesse restituir ao país, não há dúvida que muitos se poderiam aproveitar, embora a título provisório, e que de entre estes, bastantes se poderiam deixar seduzir com novas perspectivas de vida, quando se desiludissem da queda da actual situação politica. Porém, também desta vez o problema não foi encarado pela metrópole e por isso, eles por lá por lá continuaram vegetando, vivendo do magro subsídio governamental e pouco fazendo de útil para si ou para a colónia, em comparação do que se teria podido conseguir.
    Mais uns centos de mulatitos a acrescentar aos provenientes dos legionários, deverá ser também o principal resultado do balanço dado à permanência de tantos elementos brancos em Timor, que pela primeira vez, desde que é portuguesa, viu um tão numeroso contingente de metropolitanos, o que lhe teria permitido sair da deficiente situação em que se encontrava, no referente principalmente à colonização portuguesa.
    Entretanto dos quarenta que não foram amnistiados e que lá ficaram, alguns foram singrando como se verifica da seguinte relação, porventura incompleta, e que mostra, se a conjugarmos com as mencionadas quando tratamos dos reformados e dos deportados sociais, o que se poderia ter conseguido…
    O Dr. Leal Brandão, dedicou-se à profissão de advogado, José Moreira Júnior à de solicitador, 1º sargento Granadeiro a de professor particular; Álvaro Freire meteu-se a dirigir uma fábrica de tijolo em Balide, José Horta, fez-se comerciante , Costa Alves, idem…. (seguem-se mais 14 nomes) … é pouco, mas verdade seja, que o holandês no seu Timor, ainda tem menos brancos!

    Vejamos agora como é tratado este capítulo – aqui descrito por um ex-governador português – num livro em inglês do Dr. John G. Taylor, sociólogo em Inglaterra e autor do livro “Indonesia’s Forgotten War, the hidden history of East Timor” publicado pela Zed Books e Pluto Press Australia em 1991 pp. 11-13:
    (os excertos foram traduzidos pelo autor)
    Entre 1884 e 1890, organizou-se um programa de construção de estradas usando trabalho escravo. Em 1889 criou-se uma companhia a SAPT (Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho) que introduziu plantações de café em Ermera, no noroeste. A partir de 1908 uma taxa individual foi aplicada a todos os indivíduos Timorenses de idades compreendidas entre os 18 e os 60 anos. A única forma de as famílias de camponeses pagarem esta taxa era através da produção e venda de bens nos mercados para além dos que criavam para consumo próprio e subsistência. De 1911 a 1917 foi introduzida uma nova taxa sobre a produção de copra. A introdução destas medidas, em especial a utilização de trabalho escravo criou um grande ressentimento entre os timorenses. Houve reinos que se uniram sob a liderança dum “Liurai” do distrito de Manufai (Same) chamado Dom Boaventura. A rebelião durou dezasseis anos culminando numa revolta que abarcou toda a colónia durante dois anos, de 1910 a 1912. Os portugueses foram forçados a trazer tropas de Moçambique e uma lancha canhoneira de Macau. As forças de Dom Boaventura foram destroçadas em Agosto de 1912. Um jornal australiano, o Angus de Melbourne escrevia que mais de três mil timorenses foram mortos e quatro mil capturados.
    Com a resistência esmorecida, os Portugueses introduziram a sua política para minar o sistema tradicional de alianças políticas entre tribos e famílias. A posição dos liurais foi enfraquecida pela abolição dos seus reinados. A colónia foi dividida em unidades administrativas, duma forma geral baseadas em “sucos” (uma espécie de principados). Um pouco do poder administrativo foi assim entregue à unidade abaixo do reino na hierarquia indígena. Isto veio dar novos poderes aos chefes de suco, embora a sua eleição como administradores estivesse sujeita à aprovação dos portugueses. Os portugueses criaram duas novas circunscrições administrativas: o posto que abarcava vários sucos e o concelho que controlava os postos através dum administrador português. Desta forma, os portugueses tentavam substituir o sistema político timorense com uma estrutura e hierarquia independente das alianças tribais e de reinos. O essencial desta campanha de “pacificação” era a tentativa de destruição dum aspecto crucial do sistema social de Timor, cuja reprodução limitava a influência do controlo português. Idênticas campanhas de pacificação ocorriam neste período na metade holandesa da ilha. Foi após esta “pacificação” que se chegou à Sentença Arbitral acordada em 1913 e firmada em 1915 sobre as fronteiras.

    Embora os reinos fossem abolidos formalmente as ideologias legitimando a hierarquia política tradicional e os rituais de intercâmbio foram mantidos. Os chefes de suco tinham de garantir o apoio dos liurais, desta forma os dois sistemas acabavam por coexistir. Um sancionado através da coerção e uso de força e o outro por uma forte tradição cultural. Quando os dois sistemas se tocavam a nível de chefe de suco ou de aldeia, a tradição timorense dava alguma legitimidade à hierarquia colonial, mas, de facto, ambos coexistiam numa trégua nem sempre fácil.

    O estado Novo de António Salazar estabelecido após o golpe militar de 1926 começou a formaliza a missão civilizacional dos portugueses nas suas colonias através da criação duma nova relação institucional entre estas e a metrópole. O Acto Colonial de 1930 centralizava o poder político sobre as colonias, colocando-as sob a directa dependência de Lisboa. Assembleias ou Conselhos Legislativos foram criados para representar os interesses coloniais locais das elites: a administração, a igreja, os donos de plantações e o exército. Os seus poderes eram porém limitados e limitavam-se a consultas com o governador duas vezes ao ano. Mas mais importante para o futuro de Timor era a criação através dessa lei de duas categorias de pessoas: os indígenas (nativos não assimilados) e os não-indígenas incluindo mestiços e assimilados (nativos assimilados). Para se obter este estatuto de assimilado e a sua correspondente nacionalidade portuguesa um Timorense tinha de falara a língua e ganhar o suficiente para manter a sua família além de ter de provar que tinha um bom carácter. Este critério era dispensado para aqueles que trabalhavam na administração e no comércio. Ao contrário da maioria da população, os assimilados podiam votar nas eleições para a Assembleia Nacional e para os órgãos legislativos locais. Esta distinção entre indígenas e não-indígenas e uma limitada admissão de timorenses para o sistema político colonial português teria uma importante acção na criação duma elite política indígena durante o período pós-guerra e durante a luta pela independência.

    Por outro lado, Geoffrey C. Gunn em “Timor Loro Sae 500 anos” ed. Livros do Oriente, 1999 afirma (pp. 16-17, 176-189,

    Na verdade, o carácter excepcional e ritualizado que a guerra assume em Timor – o Funu timorense – foi reconhecido por autores portugueses como o governador Afonso de Castro, que na década de 1860 escrevia “… as rebeliões em Timor têm sido sucessivas, podendo dizer-se que a revolta é ali o estado normal e a tranquilidade o excepcional”.

    É de assinalar que, um ano após o Tratado de Lisboa de 1859, a colónia foi dividida em dez distritos pelo governador Afonso de Castro. Com esta finalidade foram estabelecidos, inicialmente, dez e depois onze comandos militares para gerirem os distritos…

    Em 1861, quase imediatamente após entrar em vigor a nova reorganização de Afonso de Castro, os pequenos reinos de Lacló e Ulmera, ambos perto de Díli revoltaram-se. O governador Castro enfrentou esta rebelião pela força. Acontece também que, graças à tendência de Castro para registar os factos correctamente, a revolta de 1861 é uma das mais bem documentadas, embora seja também verdade que, no que se refere às causas, ele é menos explícito.
    … (em Março 1861) soube-se em Díli que havia movimentos de preparação de guerra no reino de Lacló, situado a cerca de 40 km a leste de Díli, dominando as comunicações estratégicas entre a capital e Manatuto. … Cabreira, um soldado veterano na colónia … foi enviado a Manatuto para ali estabelecer a base das operações contra Lacló, enquanto o governador tentava levar o reino leal de Liquiçá a marchar contra Ulmera, o principal centro da insurreição, localizado a cerca de 15 km a oeste de Díli. Mas mesmo quando cabreira se instalou em Manatuto, um mês e meio mais tarde, apenas podia confiar nas forças de Vemasse. As simpatias de Manatuto iam para Lacló e, a oeste, um certo número de reinos – incluindo, em particular, Maubara, recentemente recuperado aos Holandeses – fizeram causa comum com Ulmera.
    A 10 de Junho o governador declarou o estado de emergência em Díli e distribuiu armas aos cidadãos enquanto preparava a defesa da cidade. A situação era tão grave que até mesmo o capitão China foi convocado para “armar todos os chineses, seus filhos e os escravos”. O governador podia contar também com o apoio de 40 “fundus”, ou soldados indianos, exilados em Timor em consequência da sua deserção das forças armadas britânicas depois da Revolta dos Cipaios em 1857. Embora Castro tenha tomado a precaução de pedir reforços a Goa, em tropas e mantimentos, sabia que estes demorariam a chegar.
    … A batalha contra Lacló, que se iniciou em Abril, não terminou senão a 26 de Agosto, depois de uma série de ataques efectuados pelas forças coloniais e de uma continuada guerrilha por parte de Lacló. Embora o regente de Lacló tenha pedido a paz, Castro quis fazer um exemplo desta rebelião, reduzindo o acampamento a cinzas e dando carta branca aos seus auxiliares para queimar, pilhar e caçar cabeças.

    Em Junho 1863, Laga, na região de Macassae, revoltou-se …
    Mais tarde foi a vez de Fatomasse se revoltar e de, por sua vez, ser dominado com as forças coloniais auxiliadas pelo régulo de Ermera…
    Em Agosto de 1867, o povo de Vemasse, um reino na costa nordeste que incluía Laga, na região Macassae revoltou-se contra Laleia, sitiando-a. O governador com uma força de soldados regulares e “guardas” fornecidos pelos reinos amigos de Motael, Hera; Lacló e Manatuto rompeu o cerco e acabou com a situação.

    Naquilo que foi descrito num relatório oficial português como uma revolta contra os impostos, o reino de Lermean, sob o comando militar de Maubara e de idioma Kémak revoltou-se contra a autoridade portuguesa …

    Em 1868 os portugueses enviaram uma força militar a Sanir cujo rei se recusava a pagar impostos. Os Sanor também de língua Kémak eram tributários de Balibó e estavam sob o comando militar de Batugadé…

    Em Cova, a revolta estava, evidentemente, a fermentar havia vários anos… o forte de Batugadé, localizado nos domínios de Cova foi transformado em quartel-general das operações militares. … No mesmo mês as forças portuguesas foram obrigadas a bater em retirada para a segurança de Batugadé … o governador enviou duas Howitzer e duas peças de artilharia de campanha e um reforço de 1 200 homens, entre “moradores” leais e a gente dos reinos de Batik, Laleia, Ermera, Cailaco e Alas… um mês mais tarde a operação foi declarada “inacabada”. Forças adicionais vindas de Oécussi, Ambeno, Cailaco e Ermera reuniram em Batugadé… em Maio de 1871, o então governador João Clímaco de Carvalho, chegou a Batugadé com um grande séquito para um encontro coma Rainha de Cova e com a Rainha de Balibó… mas a Rainha de Cova não compareceu… foi só em princípios de 1881 que o governador pode informar categoricamente Macau que o reino de Cova se tinha “submetido” à autoridade portuguesa.

    Em 1887, o infortunado governador Alfredo de Lacerda e Maia foi assassinado por um grupo de “moradores” numa emboscada na estrada de Díli para Lahane… este assassínio marcou o início de uma insurreição dirigida conjuntamente por diversos liurais chefiados por D. Duarte e seu filho D. Boaventura de Manufai.

    A revolta de Maubara teve início em 1893 durante o mandato do governador Cipriano Forjaz, atacando os postos de Dare e Fatuboro e oferecendo o território capturado aos Holandeses…

    De 1893 a 1896 houve várias rebeliões em Lamaquitos, Agassa, Volguno, Luor-Bote, Fatumane, Fohorem, Lalaba, Cassabau, Calalo, Obulo, Marbo, Manufai que se consubstanciaram sob o governo de Celestino da Silva (1894-1908) em termos de vassalagem para os reines rebeldes de Maubara (1893), Hera e Dailor (1894), Fatumane (1895) e Boebau e Luca (1896), Manufai resistiu até 1900 depois de ter estado a ser atacado por três frentes por forças coloniais e mais de 12 mil timorenses.

    Em 1902 houve insurreições em Letefoho, depois foi Aileu (1903), Quelicai (1904) e novamente Manufai em 1907. Deve notar-se que nem toda a guerrilha em Timor era anticolonial, dadas as raízes de hostilidade histórica, os conflitos de fronteiras e comerciais (agrícolas ou de gado). Depois de 1911 a 1912 de novo Manufai chefiada por Dom Boaventura. Curiosamente a 8 Dezembro 1911 no Suai foi toda a população evacuada incluindo prospectores de petróleo ingleses (Pélissier, René, Timor en guerre: Le Crocodile et les Portugais 1847-1913” Pélissier, Orgeval, France, 1996, pp. 257-258). Mais tarde Decreto 30:004 de 27 de Outubro de 1939 seria criada a Companhia Ultramarina de Petróleos para pesquisar jazidas de petróleo a oriente do meridiano 125º 50’ E GW.

    Já Geoffrey C. Gunn afirma “… a pacificação colonial da guerra de Manufai ou das várias revoltas de 1894-1901, 1907-1908 e 1910-1913, causou a perda de 90 000 vidas.

    As célebres companhias de moradores tiveram a sua última participação em guerra no ano de 1912, e foram reabilitados simbolicamente em 1937 no consulado do governador Álvaro Fontoura que os deixava desfilar nos seus bizarros fardamentos (Fontoura, A., 1942, O Trabalho dos indígenas de Timor, ed. Agência Geral das Colónias, pp. 105-107), armados de paus em forma de espingarda, coberturas coloridas e penas na cabeça e uma minúscula bandeirinha verde-rubra presa estas hipotéticas espingardas. O comandante empunha geralmente uma espada curva a que chamam espada de Macassar. Nalguns regulados os moradores organizaram pequenas formações de cavaleiros-lanceiros usando as lanças embandeiradas. Deve aproveitar-se este entusiasmo para organizar as forças voluntárias de moradores e estabelecer-se a sua colaboração com as forças militares da colónia é o que está naturalmente indicado; mas essa organização requere um prévio e demorado estudo de cada regulado para não se ir destruir a hierarquia indígena evitando também reacender rivalidades muito antigas entre regulados de que ainda existem sinais palpáveis.

    Por seu turno James Dunn (Timor: A people betrayed, Jacaranda Press, 1983, pp. 19-20) afirma:

    “… Em 1983 a revolta de Maubara, um dos mais importante reinos nativos a ocidente de Díli, foi a primeira duma série de rebeliões que devastaram muito do sector económico da colónia. Assim quando o governador Celestino da Silva tomou posse em 1894 a sua colónia estava num estado lastimável. Foi recebido com uma ampla rebelião, guerra intertribais, depressão económica e anarquia. Nalgumas áreas a agricultura tinha sido totalmente abandonada e a produção anual de café, sempre o índice da prosperidade de Timor, tinha baixado para 800 toneladas.
    Em 1895, depois de duas campanhas contra os rebeldes e um sucesso reduzido, Celestino da Silva montou um exército de 28 europeus e mais de 12 mil outras tropas, na sua maior parte guerreiros timorenses, fornecidos pelos liurais, e foi tentar aniquilar aquilo que se tornara numa imensa revolta liderada por Dom Boaventura de Same. Seguiram-se meses de intensas lutas, e massacres de ambos os lados, antes do governador poder clamar vitória e começar a reestruturar a sua administração civil e militar. Como resultado destas vitórias militares, Timor tornou-se independente da autoridade da colónia portuguesa de Macau e o governador passou a ser directamente responsável perante o governo central em Lisboa. Mas a resistência estava longe de ter esmorecido, e por mais de uma vez, pegou em armas contra as forças portuguesas. No início de 1912 uma imensa campanha contra Dom Boaventura na área de Same causou a morte, de acordo com os próprios portugueses, de 3424 rebeldes e ferimentos em 12567, com 289 baixas portuguesas e 600 feridos.
    Aos olhos dos portugueses, o governador Celestino da Silva foi um dos melhores governadores de Timor. Decerto que ele foi um dos grandes responsáveis pela “pacificação” de Timor numa longa campanha prosseguida sem mercê durante um período de doze anos, mas o custo em sofrimento humano foi enorme. Nos períodos de paz melhorou a administração criando 11 distritos militares de comando e 48 postos militares. É-lhe igualmente atribuído o crédito pela melhoria substancial da produção agrícola, introdução de novas colheitas e melhoria das técnicas agrícolas mas tais melhorias visavam beneficiar sobretudo os portugueses e os mestiços (Celestino foi um dos fundadores da SAPT) muitos dos quais se tornaram prósperos cultivadores, e beneficiou ainda os chineses que já se estavam a notabilizar como mercadores e intermediários na colónia.

    Até à invasão japonesa de Timor durante a guerra não se registaram mais rebeliões tribais. A colónia dividida em nove concelhos passou a ter treze compostos por 60 Postos Administrativos e uma Câmara Municipal (Díli). As circunscrições eram chefiadas por um Administrador e dividiam-se em postos, liderados por um chefe de posto, subdivididas em sucos (grupos de aldeias) com um chefe de suco, e mais adiante estavam as povoações também com um chefe embora este fosse honorífico. Os chefes de posto podiam ser recrutados localmente mas os administradores tinham de ser de carreira.

    A última revolta ocorreu em 1959 e segundo o autor escrevia em “Timor Leste o dossier secreto 1973-1975” :
    “Se as tropas aliadas tivessem deixado Timor neutral, pode ser que 60 mil timorenses tivessem sobrevivido à brutal invasão japonesa e aos bombardeamentos aliados. Depois do Armistício, a Administração Portuguesa escolhe como novos “Régulos” pessoas nas quais poderia confiar, embora, a sua maioria, carecesse de legitimidade real capaz de os impor às tribos e comunidades locais. A administração portuguesa continua a utilizar os mesmos métodos brutais e de trabalhos forçados com que experimentara antes da Guerra eclodir. Isto provoca a infame rebelião de 1959 em Uato-Lari (na costa leste) em que milhares de guerreiros indígenas marcham para lutarem contra os Portugueses.

    Para alguns historiadores a rebelião foi provocada por agitadores indonésios, mas não deixou sombras de dúvidas que se tratava de uma situação temível.

    Eventualmente uma “Bére – Bi ” trai o seu próprio povo e lança o alarme no Sporting, um clube em Díli . Reforços são imediatamente enviados de Goa (uma então colónia portuguesa na Índia) e acaba por não se derramar sangue. Centenas de patriotas timorenses são deportados para as colónias africanas de Moçambique, Angola, Cabo Verde, e S. Tomé e Príncipe. Para o povo de Timor Leste a guerra só voltará 16 anos mais tarde.

    Entre 1945 e Junho 1974, o governo indonésio cumprindo as leis internacionais assevera nas Nações Unidas e fora dela ‘não ter ambições territoriais sobre o território de Timor’.

    Em 1960, Timor era considerado um território não autónomo sob administração portuguesa de acordo com a Resolução 1514 (XV) de 14 Dezembro 1960. Entre 1962 e até 1973, a Assembleia Geral da ONU aprova várias Resoluções que apoiam o direito à autodeterminação de Timor Leste e das restantes colónias portuguesas, então eufemisticamente denominadas Províncias Ultramarinas, em sintonia com a França que designava os seus territórios coloniais como ‘Territoires d’outre Mer’.

    A rebelião começou a 7 de Junho de 1959 na povoação de Uato-Lari e estendeu-se até Viqueque e de acordo com Bruce Juddery do Camberra Times combinava elementos anticoloniais, anti-portugueses e tribais. O governador português exacerbou os ânimos ao formar uma milícia em Lospalos na ponta leste a fim de combater a rebelião. Numa semana morreram entre 500 a mil pessoas. Segundo Juddery a Indonésia tinha infiltrado oficiais seus meses antes para semearem sentimentos dissidentes no litoral norte até Baucau mas Bill Nicoll, (The stillborn nation, Visa, Melbourne, 1978) explica que os indonésios eram dissidentes da Permesta (rebelião das ilhas exteriores da Indonésia, Molucas do Sul), apoiados pela CIA para lançarem uma guerra secessionista mais ampla na Indonésia. Aparentemente não tinham o apoio de Jakarta embora o cônsul indonésio fosse demitido em 3 Junho 1959. Os indonésios tinham obtido asilo português mas foram expulsos enquanto os dirigentes locais do movimento de Uato-Lari foram deportados para Angola e só foram autorizados a regressar a Timor em 1968. Nesse ano abriu a delegação da PIDE em Díli que além de vigiar timorenses também se preocupava com a Timor Oil Company e outras ameaças como os sindicalistas australianos. Abílio de Araújo liga a PIDE a uma resposta à insurreição de Junho 1959. Nesse mesmo ano, a sua equivalente australiana, ASIS (Australian Secret Intelligence Service) abre uma delegação em Díli. A comunidade árabe de Timor situava-se em Alor a oeste de Díli e quando tentou naturalizar-se indonésios no Consulado em Díli, os portugueses ofereceram-lhe a nacionalidade portuguesa (Kompas, 15 Agosto 1977).

    Já Themudo Barata narra assim a sublevação de 1959:

    “As primeiras notícias de que algo de preocupante se passa no leste chegam ao administrador de Baucau nos primeiros dias de Junho, através duma informação do encarregado do posto de Baguia: dois dos indonésios de Viqueque ter-se-iam reunido com alguns chefes nativos de Uato-Lari e Uato-Carbau para planear uma revolta. As reuniões efectuaram-se de noite e naqueles próprios postos. … Nesse mesmo dia o administrador de Baucau é instruído para “ter os indonésios preparados para, se necessário, serem transportados para Díli.”
    O Administrador – então em Díli – transmite estas instruções para Baucau, com o pedido de as comunicarem também para Viqueque. Porém, já em 3 de Junho aquele administrador havia sido chamado pelo Encarregado do Governo, que o incumbiu de regressar de avião a Baucau para prender dois timorenses tidos como implicados no movimento (um deles o encarregado da estação postal).
    O administrador de Viqueque foi informado, em princípios de Junho, por carta da administração vizinha (Baucau) dos acontecimentos de Díli e das movimentações dos asilados de Viqueque até Uato-Lari e Uato-Carbau. Pareceu-lhe, porém “que tais notícias não correspondiam à verdade”, pois todos os dias se avistava com os indonésios. E além disso, quatro deles tinham acabado de assinar uma declaração em papel selado pedindo para regressar à Indonésia. É provável que, pressentindo que as coisas não estariam a correr-lhe de feição, isto fosse uma simples tentativa de se escaparem.
    Todavia, pela meia-noite de domingo, dia 7, a residência do administrador estava a ser assaltada e ele a ver-se obrigado a retirar sob fogo dos sublevados!
    Nas vésperas, o secretário da administração de Baucau havia-lhe transmitido instruções do governo para que os indonésios fossem avisados que uma viatura os viria buscar “a fim de regularizarem assuntos do seu interesse”. Santa ingenuidade!
    Os indonésios apercebem-se que o cerco se aperta. Na manhã desse domingo, o administrador ouve alguns dos indigitados na presença dum velho colono. Todos garantem que nada fizeram e nada sabem.
    Contudo, apesar disso, determina que um dos apontados como mais activo aguarde a conclusão das averiguações no quartel dos “sipaios”. Este finge obedecer, vai buscar a sua roupa a casa dum amigo, mas no percurso encontra-se com o tenente Gerson que o manda seguir imediatamente para Uato-Lari para sublevar esse posto. Ele cumpre. O administrador só a posteriori descobre tudo isto. Na ocasião continuava a confiar, considerando que “algum perigo que porventura pudesse existir havia passado”. Tanto assim que – como confessa no seu relatório – na tarde desse domingo jogou tranquilamente futebol com os indonésios “quando já arriavam abandeira nacional em Uato-Lari”.
    De facto, pelas cinco da tarde, Uato-Lari é assaltado pelo chefe atrás referido com apoio de alguns sipaios, tendo o cuidado de cortar logo as ligações telefónicas com Viqueque. Convoca o povo e manda emissários a Uato-Carbau para falarem com dois chefes de suco desse posto e com instruções para fazerem o mesmo. O plano prossegue com êxito!
    Pelas oito e meia dessa noite, três indonésios (Gerson, Jeremias Pello e Moniaga) reúnem-se em casa dum funcionário aposentado com mais três ou quatro timorenses de certo nível cultural e umas dezenas de outros mandados vir de localidades próximas. Moniaga havia procurado contacto telefónico com os asilados de Baucau. Ou não o conseguiu ou não foi convincente, pois estes nove indonésios foram presos na manhã seguinte sem qualquer dificuldade: estavam todos pacatamente dormindo.
    Sentindo-se descobertos, os asilados políticos de Viqueque decidem assaltar a secretaria da administração e apropriar-se de todas as armas e munições, o que fizeram cerca das onze e meia da noite, regressando com esse espólio à casa onde se haviam reunido. Entretanto Gerson mandou cortar as ligações telefónicas com Ossú e interceptar a estrada com árvores para impedir o trânsito
    Nessa noite – num novo gesto bem revelador do seu estado de espírito de uma extrema confiança para além dos limites da prudência – o administrador dispensou um dos dois sipaios armados que, com os “moradores”, fariam a guarda à secretaria “porque o ambiente era calmo”, “porque o movimento tinha sido já descoberto em Díli e efectuadas prisões e porque já os indonésios estavam prontos a seguir para Díli nessa manhã (…) aparentemente satisfeitos (…)” A guarnição era pequena obrigando-os a perder por vezes noites sucessivas. Quis poupá-los.
    Grande decepção iria ter! Poucas horas depois dá-se o assalto à secretaria. Há guardas que resistem e são feridos.
    O administrador só dá conta do que se passa, quando os sublevados se decidem a assaltar a sua casa. Pouco deve passar da meia-noite. É cercada pelos indonésios, que arregimentaram também uns timorenses que dormiam por ali para receberem salários e pagamentos de cocos que tinham vendido ao estado. Surpreendido pelo tiroteio, reage como pode. O tenente Gerson comanda o grupo que ataca a residência, enquanto outro asilado, acompanhado por um timorense dos que estiveram na reunião, toma posições junto à ponte da estrada para Ossú, no intuito de impedir a retirada.
    O administrador consegue meter-se num jipe com a família e com um aspirante administrativo (timorense) que o coadjuvava e, debaixo de fogo, com o jipe varado pelas balas, felizmente sem danos pessoais, chega a Ossú, tendo logrado passar sobre os troncos que pretendiam barrar-lhe a estrada.
    Telefona para o seu colega de Baucau pedindo 50 “moradores” para o acompanharem no seu regresso a Viqueque., logo que deixasse a família em segurança. Pelas três da madrugada telefona também para Díli (para o chefe de gabinete) a dar conta desta grave ocorrência, o qual lhe determina que peça o jipe da missão local e se dirija a Baucau, para onde lhe serão dadas directivas.
    Os sublevados não ficam inactivos. Apropriam-se da camioneta da administração de Viqueque e seguem para Uato-Lari. Chegam pela manhã sendo recebidos pelos amotinados que tinham ao peito tiras de pano com as cores da bandeira indonésia.
    O tenente Gerson, com dois timorenses mais evoluídos, prossegue para Uato-Carbau, onde são igualmente bem recebidos.
    Em Díli, o chefe de gabinete, após o dramático relato do administrador Ramos, telefona ao chefe da polícia. Dão umas voltas rápidas pela cidade para esclarecer uma perseguição suspeita (ou fantasiosa?) que haveria sofrido o radiotelegrafista que aquela hora entrava de serviço, segundo participação que acabara de fazer à polícia.
    Dirigem-se à residência do Encarregado de Governo que dá ao tenente Braga instruções para informar o Chefe de Estado-Maior acerca da situação e para lhe dizer que deve mandar imediatamente preparar duas secções de atiradores reforçadas, sob o comando dum subalterno para seguirem para Baucau logo ao alvorecer. Isto para além, claro está, de outras providências como: controlo de comunicações telefónicas, alerta das unidades militares e imediata detenção dos restantes asilados indonésios.
    Pelas seis da manhã, o Encarregado de Governo assiste no campo de aviação de Díli à partida daquela pequena força para Baucau, onde haviam sido mandadas requisitar camionetas e convocados alguns civis (timorenses, europeus e chineses) a quem foram distribuídas armas e munições. Recomenda-se aos chefes nativos da circunscrição de Baucau que reúnam os seus homens e patrulhem a sua área com os meios tradicionais.
    Pouco depois do meio-dia de segunda-feira, o administrador Ramos regressa a Viqueque apoiado por essa pequena força (um oficial, um sargento e nove praças), estando ele próprio armado apenas com uma simples espingarda calibre .22, cedida por um particular.
    Pelo fim da tarde sabe-se que havia regressado o motorista da camioneta de um comerciante chinês, que os sublevados coagiram a ir a Uato-Lari e que dá notícias preocupantes: os revoltosos foram recebidos por bastantes chefes nativos com os seus arraiais.
    Decide-se então promover também o levantamento de arraiais fiéis. Na zona de Viqueque, com excepção de Lacluta, a população reagiu mais lentamente. Em Lautém a reacção foi muito viva e muito rápida: poucas horas depois todo o povo se mostrava disponível e, nessa noite, o respectivo administrador tinha já à sua volta centenas de homens.
    Nessa agitada manhã de segunda-feira, dois dos restantes asilados de Viqueque são detidos a caminho de Ossú, prova que os revoltosos apenas haviam encontrado algum apoio na região a leste da estrada Baucau – Viqueque, nas áreas de Uato-Lari e Uato-Carbau.
    Segundo as últimas informações chegadas ao gabinete, os rebeldes haviam deixado em Uato-Lari gente sua chefiada pelo António Metan e pelo indonésio Moniaga e tinham reunido a norte de Uato-Carbau três grupos relativamente numerosos. Suspeitava-se que tivessem – ou que pensassem ter – apoios em Laga, fundeadouro no estreito de Wetar (na costa norte), onde a presença demasiado frequente de córcoras indonésias causava certa desconfiança.
    Os arraiais de Lautém, coordenados pelo administrador Serra Frasão e apoiados por uma parte da pequena diligencia militar estacionada em Lospalos, formam o cerco por leste, mantendo-se também atentos à zona de Laga.
    Em Díli há preocupação e um certo nervosismo: são poucas as informações sobre o que realmente se passa nas áreas sublevadas e são muito poucos os meios. Na terça-feira, dia 9, decide-se enviar um reforço de mais alguns soldados e designa-se o capitão Manuel João Fajardo para dirigir localmente as operações. Este destacamento iria de avião, mas, afinal, à última hora, vai em alguns Unimogs militares.
    É manifesta uma certa tensão no relacionamento entre o estado-maior do comando militar e a repartição do gabinete do Encarregado do Governo, ainda que o responsável máximo seja, em ambos os caos, a mesma pessoa.
    Uma divergência importante surge quanto ao plano a seguir para dominar a sublevação. O chefe de gabinete (que, na prática, vinha coordenando tudo, em ligação com os administradores) discorda da orientação seguida pelo capitão que passou a comandar as tropas enviadas para o leste, o qual centra as suas forças e preocupações em Viqueque, para onde faz seguir também todo o pessoal civil disponível em Baucau, incluindo médicos e enfermeiros. Ao contrário, entendia o gabinete ser fundamental impedir o acesso dos revoltosos à costa norte e dar, portanto toda a atenção à zona de Baguia para barrar o caminho para Laga. O capitão era apoiado pelo Chefe do Estado-Maior. O tenente Braga coloca o assunto ao Encarregado do Governo (e Comandante Militar) que concorda com as suas preocupações, mandando imediatamente reforçar a guarnição de Baguia com parte de um destacamento militar que guardava a estação de rádio de Baucau.
    O tempo corria. Estava-se já a 10 de Junho. As comunicações com Viqueque continuam difíceis. Desde há dois dias nada se sabe da coluna militar. A diligência de Baucau seguiu na noite de 10, quarta-feira, para Baguia e na madrugada seguinte segue de Díli uma nova secção de atiradores para a substituir.
    E – atente-se na pobreza dos meios – envia-se mais um cabo e duas praças timorenses com uma Bazuka para reforçar Baguia.
    Pelas 11 horas de 11 de unho, efectivamente os insurrectos estão à vista de Baguia e pelo meio-dia tentam um primeiro assalto à tranqueira . Nesse preciso momento estava a chegar um jipe com o tal lança-granadas Bazuka, que nem sequer houve tempo de recolher dentro da tranqueira. Só num pequeno intervalo entre os assaltos isto se consegue. Os sublevados retrocedem com algumas baixas, recompõem-se e, por mais de uma vez, repetem a tentativa. Felizmente, para nós, as armas e munições que tinham roubado eram de fraca qualidade (muitos cartuchos não disparavam).
    Iniciam a debandada em direcção a Uato-Carbau. Na circunscrição de Baucau, apenas dois chefes nativos do posto de Baguia tinham apoiado os revoltosos, mas não conseguiram sublevar os seus povos e foram mortos pelos seus próprios homens.
    No final da tarde, quando o gabinete procurava ainda obter notícias da coluna do capitão Fajardo, surge inesperadamente na linha a voz de um guarda-fios que procurava restabelecer as ligações telefónicas com Ossú. Estava escondido no mato e não ocultava o medo bem natural que sentia naquela situação. Já havia podido contactar com o seu colega de Uato-Carbau, que o informou que os rebeldes já tinham regressado após o ataque a Baguia, fugindo para as suas terras ou procurando esconder-se.
    Pouco depois, o mesmo guarda-fios informa que esse seu colega lhe diz que se ouviam grandes estrondos para os lados de Uato-Lari. Vem depois a saber-se que eram as nossas forças que, antes de entrarem em Uato-Lari, haviam disparado granadas de morteiro.
    Este pequeno incidente é bem revelador das enormes dificuldades técnicas no domínio das comunicações e, também, da falta de ligação entre as pessoas. Somente pelas 10 da manhã do dia 12, sexta-feira, o Encarregado do Governo (e Comandante Militar) entra em contacto com o capitão Fajardo. Estava já em Uato-Lari. Procedia a averiguações que retardavam o seu avanço para Uato-Carbau. Segundo ele, os rebeldes estariam concentrados na foz da ribeira de Irabere, preparando-se para atacar Uato-Lari. Todavia, nesse momento a coluna com os arraiais do administrador de Lautém atacava Uato-Carbau, depois de ter atravessado a vau aquela ribeira.
    Continuavam a ser diferentes as perspectivas do gabinete e do comando das operações militares: o primeiro considerava urgente que a coluna se ligasse aos arraiais no ataque a Uato-Carbau: o segundo entendia que o essencial seria conter a ameaça da presumida concentração na foz da Irabere.
    O Comandante Militar chama imediatamente o Chefe de Estado-Maior e determina que, na manhã seguinte, o capitão Barreiros (acompanhado dum antigo funcionário civil que conhecia bem aquela região) fosse assumir o comando da coluna, enquanto o anterior prosseguia as suas averiguações em Uato-Lari. Parte de avião para Baucau no dia 13. Na véspera, os arraiais de Lautém ocupam Uato-Carbau. A rebelião desmantela-se. Os rebeldes espalham-se. É o “salve-se quem puder”.
    Mais uma semana e, dos principais responsáveis apenas havia por capturar um dos indonésios, que foi detido na manhã do dia 20 e um ajudante de observador dos serviços meteorológicos, detido quatro ou cinco dias depois.
    Precisamente nesta ocasião (22 de Junho) chegava eu a Timor.


    O instrutor do processo pensa que foi tudo iniciativa do próprio cônsul Nazwar Jacub, solidário com rebeldes de Sumatra, que via no êxito da sublevação em Timor um reforço para o seu partido. Talvez isso tenha uma grande parcela de verdade, mas o facto é que o novo cônsul (Teng Ku Hussim) continuou a dar apoio aos implicados e, inclusive a sugerir-lhes o recurso ao asilo político. E mais ainda. As ameaças da Indonésia não pararam. As actividades suspeitas do novo cônsul prosseguiram e, poucas semanas após o meu regresso à Metrópole, na fronteira terrestre (região de Covalima), há mesmo infiltrações declaradas de grupos de cerca de 200 indonésios acompanhados de polícias com pistolas metralhadoras e espingardas, que deram origem a sérios confrontos e a firme reacção das nossas tropas de 2ª linha.

    John Taylor, no seu livro “Timor – A História Oculta”, p. 59, explica o seu ponto de vista, citando José Martins (líder do Kota):

    “Relatórios sobre o grau de envolvimento indonésio na rebelião variam consideravelmente, alguns argumentando mesmo, que os catorze oficiais eram agentes directos do governo indonésio, enviados certamente para organizar o derrube da administração colonial. O que parece mais provável é eles terem sido líderes locais, verdadeiros dissidentes, que tentaram mobilizar o descontentamento local como meio de refazerem a sua base, em Timor Leste. O que é inquestionável é que eles foram ajudados tanto pelo cônsul indonésio em Díli, como por apoiantes em Kupang, no Timor indonésio, os quais tinham concordado em fornecer armas. Estes factos indicam, no mínimo, que já existia um lobby integracionista que tinha o apoio, a certo nível, do governo indonésio.”

    Aliás, as consequências desta “aventura” foram mínimas para os instigadores indonésios, que foram apenas expulsos. Como sempre aconteceu e pelos vistos continua assim ainda hoje, os timorenses envolvidos é que foram carne para canhão, tendo sido mortos, deportados, presos e sido “premiados” com a presença da PIDE em Timor a partir desse momento.

    Por seu turno, James Dunn (Timor: A people betrayed, The Jacaranda Press, 1983, pp. 33-34) declara enfaticamente
    “É altamente improvável que o governo indonésio esteja implicado, ou que soubesse mesmo o que se estava a passar. Tudo começou com um barco carregado catorze sobreviventes indonésios do movimento “Permesta”, um dos grupos da chamada “Revolta dos Coronéis” contra o Presidente Sukarno e o governo central, comandada pelos coronéis Lubis, Kawilarang, Simbolon, Hussein, Warouw e Sumual. Os refugiados aportaram a Timor Português provavelmente vindos do sudeste das Celebes (Sulawesi) onde a força principal da resistência militar tinha sido aniquilada pelas forças do governo central. Buscaram asilo político em Timor Português e, a seu tempo, foi-lhes autorizada a permanência na zona de Baucau. Contudo, os indonésios rapidamente se apercebera de que o sistema colonial português não lhes agradava, e começaram a semear intriga a dissidentes timorenses na zona de Viqueque – Ossú, Baucau, Uatolari, e mesmo em Díli, numa tentativa de destronarem o poder colonial. Os asilados obtiveram também o apoio do cônsul indonésio em Díli, que, parece ter agido sem o conhecimento o consentimento de Jakarta. O que se passou foi que a amante rejeitada dum dos principais conspiradores divulgou o planeado golpe à polícia em Díli e foram tomadas as devidas contra medidas. Contudo, registaram-se violentos confrontos nos distritos de Ossu, Viqueque e Uatolari., nos quais cinicamente os portugueses utilizaram tropas de 2ª linha de reinos vizinhos que eram tradicionalmente hostis aos rebeldes timorenses, tendo a oposição sido prontamente aniquilada duma forma sangrenta. Mais de 150 foram mortos e centenas feitos prisioneiros. Sessenta timorenses foram exilados para Angola e Moçambique e, a seu tempo, os dissidentes indonésios expulsos de Timor. O cônsul foi chamado e repreendido pelo seu envolvimento. Os Indonésios reclamaram a sua inocência ou qualquer envolvimento no conluio de 1959, mas os portugueses que pouco ou nada sabiam da insurreição em Sulawesi desconfiaram. Parece no entanto haver poucas dúvidas de que se tratou duma iniciativa local dos fugitivos da Indonésia Oriental que foram capazes de explorar o descontentamento com a administração local. O conluio foi provavelmente demasiado amador e, mesmo que não tivesse sido descoberto, provavelmente não teria tido sucesso em desalojar os portugueses. Contudo, o incidente teve profundas implicações nas autoridades locais e nos Portugueses em geral, dado coincidir com uma intensificação da campanha do Presidente Sukarno contra o imperialismo e colonialismo. Os portugueses reagiram com um aumento da sua capacidade de segurança na província e na fronteira e com o aumento da delegação da PIDE. Contudo o incidente não se repetiu. Havia disputas fronteiriças de tempos a tempos, normalmente causando algumas baixas ou perda de vida, mas normalmente tratava-se de confrontos derivados de roubo de gado, ou de disputas tribais envolvendo os dois lados da fronteira. Sempre que um incidente desses ocorreu, causava tremenda inquietação em Díli e especulação duma intervenção indonésia. Um dos pontos mais alto desse nervosismo ocorreu em 1962 quando os holandeses finalmente cederam a Irian [Papua] Ocidental à Indonésia. Era temido que Timor Leste fosse o próximo alvo de libertação, mas a campanha “ganyang malaysia (esmagar a Malásia) ” veio trazer uma nova dimensão e proporcionando o alívio à administração colonial [portuguesa].”

    Esta também a versão dos eventos de que me servi no livro Timor Leste o dossier secreto 1973-1975, mas que como se vê é bem diferente da do ex-governador Themudo Barata.

    Depois desta longa visita ao passado, do fim do século XIX a meados do século XX, parece difícil atribuir os incidentes de Abril 2006 a conflitos tribais, dado que eles parecem ter-se esgotado em Junho 1959, sem qualquer registo posterior de lutas intertribais. O poderio dos régulos e liurais esmoreceu e já em 1975 era pouco mais do que simbólico. A divisão administrativa colonial portuguesa fizera esbater esta tradicional divisão dos povos de Timor, e, posteriormente, com a ocupação indonésia parece ter-se esfumado de vez. O que não desapareceu porém foi a animosidade ancestral entre o oeste e o leste, tanto mais que agora surge enriquecida pela dicotomia de resistência activa contra a Indonésia representada pela Falintil e pelos povos de leste contra os povos de oeste, associados ao colaboracionismo com o invasor. Desde a proclamação da independência que se ouvem queixas dos antigos guerrilheiros e aqui cremos que o Estado falhou totalmente por menorizar estas queixas e deixá-las latentes nos milhares de soldados guerrilheiros compulsivamente passados a uma reforma sem benefícios fiscais ou económicos e sem ocupação ou treino para ocuparem a sua posição dentro da nova sociedade democrática timorense. A má divisão da atribuição dos postos de comando e chefia militares a pessoas Loromonu em detrimento dos Lorosae tem ab initio um certo fundamento nas queixas que motivaram os incidentes que levaram em Fevereiro à saída de mais de 500 militares, prontamente demitidos por abandono do cargo. Cremos que o governo subestimou a real dimensão do problema e se serviu duma legitimação legalista para a levar a cabo sem se aperceber da caixa de Pandora que poderia estar a abrir. Houve inacção e incúria e até uma certa forma sobranceira de tratar o problema. O Presidente Xanana depois de ouvir os descontentes mostrou que estava a favor doutro tipo de solução, mas o governo permaneceu mudo e firme na sua decisão de não os reintegrar. Até aqui verificaram-se dois factos apenas: descontentamento por origem étnica e por motivos de privilégio aos Loromonu.

    Não havia ainda de facto nenhuma tentativa de golpe de estado. Só quando os autoproclamados lideres militares rebeldes (ou meramente desertores?) intensificam as suas exigências, após a criação duma Comissão de Inquérito, e pedem a cabeça do governo ou a demissão do mesmo, obviamente com o apoio de forças externas como foi dito por Mari Alkatiri, se pode começar a falar de tentativa de golpe de estado. O plano B certamente apoiado pelos EUA, Austrália e outros confiava que a candidatura do embaixador José Luís Guterres tivesse um amplo apoio das bases da Fretilin, o que não aconteceu. Foi um fracasso total e veio reforçar ainda mais a liderança do primeiro-ministro (sempre tão odiado pela Austrália que jamais lhe perdoa as duras negociações para a exploração do petróleo e a sua firmeza em não abdicar duma linha de crescimento económico lenta mas segura). Nesta altura já as tropas australianas estavam em fase adiantada de preparativos para uma “invasão pacífica” de Timor a pedido deste jovem país. Não se contesta que as coisas chegaram a um ponto em que era forçoso pedir a ajuda do exterior para terminar com os conflitos entre exército e polícia, ao longo das mesmas margens de divisão que atrás se mencionaram. A rapidez da chegada das tropas australianas só veio comprovar que o seu estado de alerta para intervir se tinha precipitado com a vitória esmagadora de Mari Alkatiri no Congresso da Fretilin.

    Nesta ocasião esperava-se muito mais do sábio Xanana que se limitou a uma ou outra pálida intervenção e preferiu manter-se na sombra, em vez de vir a terreiro clarificar as águas. Sei que muitos em Portugal atribuem a Xanana qualidades mais próprias dum santo do que dum ex-guerrilheiro mas decerto a maioria não estava preparada para o ver apenas como um home como ele veio a demonstrar ao longo desta fase do conflito.

    Por seu turno, quem não perdera tempo a demarcar-se e a criticar o governo foi Ramos Horta, esse sempre ambicioso líder timorense para quem o cargo de Secretário-Geral da ONU é o mínimo a que se acha com direito. Manobrando os bastidores, e, posteriormente avistando-se com os militares revoltosos e traidores ao seu juramento perante o Estado veio a conseguir preencher o vácuo de Xanana e a intransigência do governo.

    Nessa altura já toda a máquina da desinformação da comunicação social australiana cujo interesse no petróleo não pode ser descurado, aliados à sua velha antipatia por Mari Alkatiri, estava pronta a levar a tentativa de golpe de estado a uma fase mais avançada. E aqui entra o elemento indonésio até então silencioso: os jovens armados de catanas e armas ligeiras a repetirem as façanhas de 1999, pegando fogo a casas, roubando documentos das repartições (sabendo bem o que queriam como por exemplo as provas que implicavam o general Wiranto nas atrocidades de então) e criando o pânico em vários bairros da cidade de Díli.

    A história do petróleo e a prisão de Eurico Guterres podem ter mais a ver com isto do que a mera antipatia que todos parecem agora sentir contra Mari Alkatiri.

    Depois, temos de juntar os interesses geoestratégicos que já estiveram no cerne da invasão de 7 Dezembro de 1975, e o petróleo. Houve 21,5% de apoiantes da integração na Indonésia e esses estão insatisfeitos com a independência, com a política de Alkatiri que (eles nunca viram como seu, já o não viam como seu em 1973…) apesar desta ser elogiada por Paul Wolfowitz (que não é nenhum santo…embora também não seja como Kissinger ou Ford em 7 Dez 75). Estes 21,5% da população revêem-se mais em Eurico Guterres e não é coincidência estes ataques surgirem logo após aquele ir para a cadeia. Há ainda militares e uma pequena franja política indonésia que apoia Guterres e não perdoa a independência e há muitos timorenses desejosos de os ajudar. Foi pena que os líderes (Alkatiri, Horta, Xanana e Roque Rodrigues) não tivessem visto isto a aproximar-se como um tsunami e pensassem que eram apenas umas ondas que a nova democracia resolveria…

    Como escrevia Henrique Correia em 31 de Maio de 2006:
    “Estes senhores Reinado e Salsinha foram eleitos por quem?
    Qual é a autoridade deles para exigirem a demissão do 1º Ministro?
    O País não pode ser governado na rua. Espero que os líderes timorenses não cedam a estas pretensões absurdas.
    Estamos a assistir à repetição da novela “CPD-RDTL”
    Se esses senhores não gostam do Mari Alkatiri, então formem um novo partido para concorrer às próximas eleições, daqui a um ano, ou votem num dos partidos já existentes que se opõem à Fretilin.
    Assim é que se faz num país democrático. Se eles preferem outro tipo de regime em que sejam eles a mandar, então vão para outro país, que há por aí muitos assim, ou mudem-se para a ilha Fatu Sinai e declarem a independência. O rei seria D. Alfredo I, o “almirante”.

    Quem é este comandante Reinado?
    Foi capturado pelas tropas indonésias em 1975, e foi colocado como servente ou carregador no exército indonésio nas Celebes (Sulawesi) e Kalimantan antes de escapar para a Austrália. Arranjou emprego como estivador nas docas da Austrália Ocidental onde esteve durante nove anos, antes de regressar a Timor depois do histórico referendo de 1999.

    As suas “proezas náuticas” foram rapidamente postas a funcionar nas novas forças de defesa de Timor (F-FDTL) tendo sido nomeado Comandante dos dois barcos de patrulha que constituem a marinha do novo país. Mas a sua carreia rapidamente esmoreceu e o Brigadeiro-General Taur Matan Ruak, transferiu-o para o quartel-general em Díli. Foi uma desfeita que ele jamais perdoou ou esqueceu. Mais tarde foi nomeado comandante dum pelotão de polícia militar com 33 homens após ter estado a ser treinado no Australian Defence Force College em Canberra em finais de 2005. Forjou também um passeio operacional num barco patrulha da Real Marinha Australiana (RAN) a pensar um dia tomar conta da Estação naval em Hera nas proximidades de Díli.

    A crise começou em 28 de Abril 2006, com a manifestação de 600 militares expulsos do Exército. A manifestação foi dispersada pelo Exército, que abriu fogo e matou quatro pessoas. Logo após a acção, o comandante Alfredo Reinado, líder rebelde, fugiu para as montanhas com 25 homens armados. Dias depois, 12 policiais foram assassinados pelo Exército, o maior massacre ocorrido no Timor desde a sangrenta repressão indonésia que ocorreu após o voto a favor da independência, no plebiscito de 1999. Reinado disse que o protesto era a resposta às promoções incentivadas no Exército por Rodrigues, aliado ao primeiro-ministro Alkatiri que, segundo o líder rebelde, queria o controlo militar para aumentar seu poder político perto das eleições de 2007. Além disso, a revolta de Reinado incentivou um fenómeno até agora novo no país: o confronto violento entre os habitantes do oeste e a minoria do leste que controla o Governo e as Forças Armadas.

    O major Alfredo Reinado, anteriormente comandante da Componente Naval das Falintil – Forças de Defesa de Timor-Leste (F-FDTL), abandonou a hierarquia de comando das forças armadas a 4 de Maio 2006, acompanhado de mais 15 efectivos da Polícia Militar, unidade que comandava até então.

    O outro autoproclamado líder dos rebeldes é Gastão Salsinha, nascido em Ermera e que representa os interesses dos rebeldes Loromonu. Consta que terá sido detido no ano passado por contrabando de sândalo e foi-lhe cancelado o curso para capitão que estava a frequentar. Há quem adiante que Salsinha é um amigo muito chegado de Rogério Lobato, o qual parece ter estado envolvido noutro caso misterioso duma apreensão de sândalo em 2002 e a qual nunca foi totalmente explicada. O nome da família Lobato é sinónimo com a longa guerra de autodeterminação do povo. O seu irmão e líder da Resistência, Nicolau foi morto num combate com forças especiais da Indonésia em 1978. A sua mulher tinha sido executada no porto de Díli, logo após a invasão indonésia de 7 de Dezembro de 1975. Um dos cinco membros do Comité Central da Fretilin enviados para o estrangeiro em 1975 (juntamente com Mari Alkatiri, Ramos Horta e Roque Rodrigues), Lobato tinha ordens para obter apoio para a recém anunciada independência de Timor. Em 1978 esteve a ser treinado durante um curto período pelos famigerados Khmer Rouge antes de ir para Angola, onde foi preso em 1983 por abuso dos poderes diplomáticos, tráfico de diamantes e solicitar os serviços de prostitutas.

    Depois, esteve envolvido num grupo de “conciliadores” promovido pela Indonésia no início da década de 1990, tendo regressado a Timor em Novembro de 2000 sem uma base de apoio popular forte. Esta situação não durou muito. Excluído do governo de transição da ONU foi atraído pela defesa dos direitos dos veteranos guerrilheiros, tendo desafiado a legitimidade da recém-criada F-FDTL. As ameaças ao governo e a sua provocação acabariam por dar frutos, quando em 2002 foi nomeado Ministro da Administração Interna. Não perdeu tempo a criar uma força nacional de Polícia capaz de rivalizar com as F-FDTL, um corpo de 30 mil homens com três ramos paramilitares.

    É pena que Xanana continue a ser ouvido mais pela voz de Kirsty Sword (que não pára de exigir a demissão de Alkatiri) do que pela sua própria voz, que até agora se limitou a um ou dois apelos à calma e à deposição de armas.

    Esta linha de clivagem com Xanana e Horta dum lado e Alkatiri do outro pode ter ajudado os estrategas de Camberra a vingarem-se de terem de ceder 50% do Timor Gap a Timor-Leste, fruto das boas capacidades de negociação de Mari Alkatiri. Já todos se esqueceram que a Austrália começou por oferecer 20% a Timor?

    O petróleo esteve sempre por detrás disto e outorgar novos contratos à ENI italiana e concessões à Republica Popular da China (odiada em Jakarta) não aumentaram a reduzida popularidade de Mari Alkatiri face a Camberra e à vizinha Indonésia.

    Já Henrique Sales da Fonseca escrevia em 29 Maio 2006:
    Aqui para quem mais ninguém nos lê, temo que tenha eclodido uma “guerra” luso-portuguesa com os italianos e os australianos de permeio por causa do petróleo. Repare: a italiana ENI é sócia da portuguesa GALP em 30% e daí pode-se inferir que o Governo de Timor adjudicou o petróleo aos “amigos” dos portugueses excluindo os australianos que já se consideravam donos daquelas jazidas. Mas do lado australiano estará, creio, a Fundação Gulbenkian que tem uma empresa petrolífera de direito australiano destinada a entrar no negócio da extracção em Timor. Ou seja, pode-se admitir que a “guerra” seja entre a GALP e a Fundação Gulbenkian com os ditos intermediários dando a cara internacional e oficialmente. Será? É claro que se trata de uma mera especulação mas … nunca se sabe. Vejamos o que se segue.

    Depois desta intervenção australiana com 2 mil homens, à data em que escrevo, virá a factura do “apoio” australiano que tentará colocar um governo fantoche ou mais maleável no trono em Díli. Uma espécie de protectorado de Camberra que é o novo xerife na região. Para isso, a ambição desmesurada de Ramos Horta, pode ajudar, seja para Secretário-geral da ONU seja para primeiro-ministro timorense. Que promessas terá ele recebido agora do governo de Camberra? Quem se não lembra já do anunciado apoio que (Horta) disse ter recebido de Gough Whitlam em 1975, quando este já dera luz verde a Suharto para invadir com a promessa de não-intervenção australiana?

    Por outro lado ninguém esqueça que o embaixador americano se deu ao trabalho de ir ter com o Reinaldo, um desertor, um fora-da-lei para saber quais as suas reivindicações. Depois disso e logo após a sua chegada foi a vez dos comandantes militares australianos fazerem o mesmo. Esta preocupação dos norte-americanos e australianos é de louvar. Quando desertei (porque o 25 de Abril tardava a chegar a Díli) ninguém me quis ouvir, nem australianos, nem norte-americanos. Mas agora os desertores são tratados melhor que um chefe de estado…. Como os australianos já entrevistaram o Reinaldo e já sabem o que ele quer, pois foram eles que o treinaram e se ele continua a repetir que precisam de tirar o Alkatiri para haver paz na região, o mais certo é que eles irão dar uma ajuda. Isto começa a lembrar o Chile em 1973.

    Aliás se formos atrás na história recente podemos recordar o que a Austrália fez nas Fiji em 1987 ao democraticamente eleito Temoci Bavadra (pronunciado bavandra): ajudou o golpista coronel (depois major-general) Sitiveni Ligamamada Rabuka (pronunciado rambuka) a depô-lo depois dum golpe de estado em 14 de Maio de 1987 a que se sucedeu outro em Outubro. Rabuka foi um mero instrumento nas mãos dos senhores feudais que se insurgiam com o domínio das ilhas pelos indianos introduzidos ali no início do século XX: crise étnica e devolver a Fiji aos Fijianos e não aos Indianos era o grito da altura. Demorou dez anos à democracia para regressar às Fiji.

    Mais recentemente temos a intervenção nas ilhas Salomão que deixaram de ser independentes para terem parte dos seus ministérios geridos por Camberra. Em finais de Maio de 2006, o primeiro-ministro das Ilhas Salomão aplaudiu a retirada das tropas australianas, depois do ministro da Defesa australiano, Brendan Nelson, ter anunciado que iria retira parte das tropas ali estacionadas, depois dos confrontos do mês passado. Chegaram a estar mais de 400 tropas australianas e esse número irá baixar para pouco mais de uma centena. As tropas tinham sido enviadas após a eleição de Snyder Rini para primeiro-ministro, mas devido aos motins populares e à situação de crise acabou por ser substituído por Manessah Sogavare com o apoio das tropas australianas.

    O programa “The World Today” em 30 Maio 2006 12:21:00, (Repórter Toni Hassan e Edmond Roy) entrevistava Damien Kingsbury, do International Development Studies na Universidade Deakin University, que afirmou
    “Um exército de apenas 1500 homens é demasiado pequeno para ter qualquer capacidade prática de defesa. Serve uma função simbólica mas causa mais mal do que bem… ocasionalmente interfere na política, está dividido dentre as suas fileiras.

    Outro problema que é ridículo e é um erro, é a escolha da língua portuguesa que é oficial conjuntamente com o Tétum, e em resultado disso números significativos da população não fala nenhuma delas porque foram educados em Bahasa Indonesia, além de haver mais 15 idiomas locais. O Primeiro-ministro que passou décadas em Portugal durante a luta de independência fala Português – uma língua que o povo que ele governa não entende nem fala. Isto só vem aumentar as críticas da sua arrogância e do seu desprendimento. A maior parte da população fala indonésio e existe uma falta de comunicação entre o governo e o povo, em especial nos tribunais e na burocracia. Penso que isso deve ser reconsiderado.

    Mais uma achega a dizer que o problema de Timor é devido à língua portuguesa quando em Timor eles falam todos Bahasa para se entenderem.
    Segundo estes analistas 1º a Fretilin, 2º a falta de razão para a existência dum
    exército e 3º a língua portuguesa são os culpados deste falhanço que não teria
    ocorrido se falassem todos Bahasa (indonésio aqui para nós). Ninguém se deu conta que em qualquer democracia o povo é quem escolhe
    em quem vota e neste caso a Fretilin, goste-se ou deteste-se, teve mais votos
    que todos os outros juntos … E foi a Fretilin com o apoio dos restantes partidos que decidiram sobre a língua portuguesa e o Tétum.

    Eu como cidadão australiano também estou farto de dizer que os problemas
    da Austrália se devem a termos uma rainha longínqua, inoperante e ridícula
    mas nas urnas, o meu voto não chegou para tornar o meu país numa República. Acham que devo arranjar uns contestários para criar conflitos como em Timor e mandar a democracia às urtigas?

    O presidente Xanana Gusmão renovou o seu apelo à reconciliação e à união nacional, num dia em que foram anunciadas oficialmente as mudanças nos Ministérios da Defesa e do Interior. “Vamos esquecer o que passou. É nossa obrigação perdoar e reconstruir nossa amada nação”, disse Gusmão, num discurso no quartel da polícia em Díli. Gusmão assumiu, no início da semana, o controle do Exército e da polícia para deter o confronto entre as duas forças, que receberam a ordem de se recolher aos quartéis. A nação recebeu o anúncio oficial de que o ministro de Relações Exteriores, José Ramos Horta, vai assumir a Defesa, no lugar de Roque Rodrigues, e que o vice-ministro do Interior, Alcino Baris, foi promovido a ministro.

    Rogério Lobato e Roque Rodrigues apresentaram a sua demissão (para evitarem serem destituídos?) em consequência da crise que começou em 28 de Abril, com a manifestação de 600 militares expulsos do Exército. A manifestação foi dispersada pelo Exército, que abriu fogo e matou quatro pessoas. Logo após a acção, o comandante Alfredo Reinado, líder rebelde, fugiu para as montanhas com 25 homens armados. Dias depois, 12 policiais foram assassinados pelo Exército, o maior massacre ocorrido no Timor desde a sangrenta repressão indonésia que ocorreu após o voto a favor da independência, no plebiscito de 1999. Reinado disse que o protesto era a resposta às promoções incentivadas no Exército por Roque Rodrigues, aliado ao primeiro-ministro Alkatiri que, segundo o líder rebelde, queria o controlo militar para aumentar o seu poder político perto das eleições de 2007. Além disso, a revolta de Reinado incentivou um fenómeno até agora novo no país: o confronto violento entre os habitantes do oeste e a minoria do leste que controla o Governo e as Forças Armadas.

    O levantamento também evidenciou os atritos entre o presidente timorense, Xanana Gusmão, o político mais apreciado do país, e Alkatiri, muito impopular por professar a religião muçulmana – credo minoritário em Timor Leste, onde 90% da população é católica. Alkatiri declarou há dias à televisão australiana que não existe um conflito de poder entre ele e Gusmão.

    Os confrontos entre ex-militares e ataques de grupos de civis armados deixaram cerca de 20 mortos na capital. Por não conseguir controlar a situação, as autoridades timorenses solicitaram ajuda militar à Austrália, Nova Zelândia, Malásia e Portugal. Mais de 2 mil militares e policiais australianos, neozelandeses e malaios já estão no país. A polícia está desaparecida há um mês, a população faz filas durante horas para receber arroz e o pânico dos ataques já produziu 60 mil refugiados e deslocados que ontem não se moveram de seus esconderijos, apesar de já estarem em vigor as medidas especiais de segurança.

    Timor Leste, um dos países mais pobres, queridos e pequenos do mundo. Tem 857 mil habitantes e a mesma extensão do Alentejo. Um país muito bonito, amado por muita gente – o ex-presidente americano Bill Clinton e o secretário-geral da ONU, Kofi Annan -, mas talvez bem situado demais: desde o início dos tempos foi invadido por viajantes -chineses, portugueses -, muitas vezes foi espancado e assassinado por seus vizinhos – chineses, japoneses, indonésios, malaios.
    Timor tem a maior taxa de fertilidade do mundo -7,8 filhos por mulher -, um solo árido e muito pobre que mal chega para alimentar a população, uma idade média de 20 anos, nenhuma indústria digna desse nome e um desemprego galopante e sem subsídios que o compensem

    “O Estado está em transição e construção, a metade da ajuda externa é dedicada a pagar os assessores estrangeiros, ainda não há aposentadorias nem lei eleitoral, nem quadros técnicos bem formados, e (Mari) Alkatiri (o primeiro-ministro) prefere guardar as receitas do petróleo, cujo fundo de reserva já soma mais de US$ 600 milhões, a distribuí-lo demagogicamente entre as pessoas”, diz um diplomata europeu que se não identifica.

    “Os três são amigos desde a adolescência, por isso não se levam muito a sério”, diz uma fonte próxima a Gusmão. “Alkatiri e Gusmão respeitam-se e temem-se igualmente, mas acabam sempre se entendendo”, diz um assessor do presidente.

    A dupla Alkatiri – Horta é que cedeu. A Igreja, a Austrália, os EUA, o petróleo e a ambição de poder surgem como as questões chaves de uma rixa que começou discreta e começa a se agravar diante da legítima recusa de Alkatiri a demitir-se dado ter sido democraticamente eleito pela maioria da população.

    Mas Ramos-Horta quer mais que o Ministério da Defesa. Sabe que tem todo o apoio e a influência internacional de uma Igreja Católica que presume contar com 98% de católicos no país e que não hesitou em catalogar o primeiro-ministro como muçulmano e comunista. Os padres criticaram ferozmente a aposta em separar a Igreja do Estado – há religião opcional nas escolas – e criticam suas políticas sociais como próprias “do Terceiro Mundo mais retrógrado”. Alkatiri mandou estudantes com bolsa a Cuba e em troca contratou 500 médicos cubanos para os hospitais públicos.

    Segundo indica uma fonte da cooperação europeia, trata-se de uma luta sem quartel: “O partido de Alkatiri, a Fretilin, é a única organização, com a Igreja, que está implantada em todo o território. Para os padres locais, é um partido de Marx contra Deus”. Há exactamente um ano, em Abril de 2005, os bispos de Díli e Baucau, com a colaboração do embaixador americano, John Rees, homem de confiança de Bush e que ajudou a distribuir comida entre os manifestantes, lançaram o primeiro desafio de rua ao governo “infiel” de Alkatiri.

    “Ofereceram transporte em autocarros e sanduíches e organizaram um acampamento no centro de Díli. Foi muita gente que gritava: ‘Viva Cristo, morte a Alkatiri’”, lembra um funcionário da ONU.

    A indústria de café do Timor Leste sofreu um sério golpe com o aumento da violência, que paralisou as operações em meio à temporada da colheita. “A colheita (da nova safra) começou em Maio, e seu pico deve ser atingido neste mês. Mas, com todas as estradas fechadas, não há meio de transportar os grãos do interior para as fábricas processadoras”, disse o director de café e de outras safras do Ministério da Agricultura, Caetano Cristóvão. Os participantes do mercado estimam que a produção atingirá entre 15 e 18 mil toneladas, em comparação com a safra de 2005, apontada entre 10 e 11 mil toneladas. Apenas os pequenos fazendeiros estão colhendo e processando os grãos em máquinas pequenas ou secando-os ao sol, disse Cristóvão. Em termos globais, O Timor Leste, com uma produção média anual de 7.000 a 10.000 toneladas, é um produtor pequeno entre gigantes, como Brasil e Vietname, contribuindo com cerca de 1% da produção global. No entanto, o café não é pouca coisa para a economia desta república de apenas quatro anos de idade, sendo a sua principal fonte de divisas estrangeiras. Um quarto da população (de 947 mil habitantes, em 2005) depende do café para subsistir (Dados: Dow Jones).

    Veremos o que vem a seguir, mas enquanto se não dedicarem esforços à formação duma tropa, duma força policial eficaz e sem se cindir sob os fortes laços centenários da etnicidade tribal, enquanto se não ocupar a população jovem e desiludida em formas de trabalho remunerado que lhes augure qualquer futuro (até agora nem presente nem futuro lhes era prometido), enquanto não se explicar à população porque é importante que falem Português em vez de Bahasa ou de Inglês, enquanto isso não for feito, não há doações internacionais que cheguem nem fundos do petróleo que aguentem a instabilidade. Há genes tradicionais e centenários que têm de ser estudados conjuntamente com a influência que a ocupação indonésia e a sua lavagem ao cérebro causaram.

    Há que ter em conta o recente exemplo das ilhas Salomão a fim de evitar que Camberra passe a gerir os ministérios mais problemáticos de Timor e a decidir o que é melhor para este jovem país. Há que deixar os Timorenses governarem-se e a criarem condições para o fazerem. Uma boa medida seria darem-lhes de volta os recursos marítimos roubados por pactos leoninos firmados pelo governo de Camberra, isso permitiria sem que o país contraísse empréstimos ou ficasse dependente de outros, dividir a riqueza por todos os timorenses, e criar empregos para os milhares de jovens sem futuro.

    Há que criar uma unidade nacional que nunca existiu e não tem tradições (antes pelo contrário existe uma herança de guerras intertribais) para que Timor seja para todos os Timorenses e não para alguns, todos os que lutaram fora pela autonomia, os que lutaram dentro contra a ocupação indonésia e os que se acomodaram à ocupação indonésia. Só quando se criarem condições para este entendimento nacional e global terá valido a pena lutar durante mais de duas décadas e meia. A comunidade internacional pode ajudar a facilitar o desenvolvimento destas noções, mas sem os interesses demasiado óbvios dos lóbis do petróleo e sem a desculpa esfarrapada de que a língua portuguesa é que é a culpada. Se a CPLP existisse para lá do papel seria uma óptima oportunidade das ex-colónias de Portugal (incluindo o Brasil) mostrarem o que é a solidariedade, mas isso é pedir demais.

    Se a ONU tivesse mais força poderia ajudar a construir o que nunca construiu mais interessada em criar negócios milionários para os seus conselheiros do que em construir um país novo pela raiz.

    Sobretudo ajudem os timorenses a criar a sua nação e aprender o que é viver em democracia.
    ©chrys chrystello 2006

    Posted by Blogger Chrystello 3:46 da tarde
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  • recordando RIBEIRÃO DA ILHA EM SANTA CATARINA, NO SUL DO BRASIL –

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    ACABO DE FAZER UMA VIAGEM AO RIBEIRÃO DA ILHA EM SANTA CATARINA, NO SUL DO BRASIL —

    LINDÍSSIMO !!
    – Deu para matar saudades dessa linda terra de cultura histórica e arquitectura açoriana bem defendida e cuja comunidade tem muito orgulho nisso.
    Estou-me a ver caminhar nestas ruas e a deslumbrar-me com estas casas, igrejas e recantos típicamente açorianos. Que saudades (Paulo Caminha) de Ribeirão da Ilha – Florianopolis — Santa catarina – Brasil.
    Obrigado pela partilha Marcelo Silva.
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    Drone – Freguesia Ribeirão da Ilha – Florianópolis -SC
    Créditox: Marcelo Silva https://www.facebook.com