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  • somos todos culpados

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    Somos todos culpados

    A FIFA continua o contorcionismo para levar o Mundial de 2034 para a Arábia Saudita. E isso é tão mau como acharmos que é a única que está mal na relação com quem desrespeita direitos humanos.

    António Tadeia

    dez 4

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    Cristiano Ronaldo, o ministro do desporto, Gianni Infantino, presidente da FIFA, e Mohammed bin Salman, o príncipe herdeiro saudita, ideólogo maior do sportswashing com que pretende abrir caminho à diversificação da economia do país

    Palavras: 1317. Tempo de leitura: 7 minutos (áudio no meu Telegram).

    No Verão passado, fui convidado pelo Carlos Vaz Marques para apresentar, na Feira do Livro, a edição portuguesa de Jogos de Poder, uma obra de Jules Boykoff que a Zigurate lançou por cá e que percorre as relações quase sempre perigosas estabelecidas ao longo dos tempos entre o olimpismo e a exploração do homem pelo homem. Ainda tentei desmarcar-me, pois não percebo nada de Jogos Olímpicos, mas em boa hora lá fui, porque isso foi um pretexto para reencontrar o meu bom amigo Luís Lopes, ex-companheiro de redação no Público e a maior enciclopédia viva do desporto em Portugal, que dividiu comigo o palco. E para ler o livro – que vale bem a pena, quanto mais não seja porque nos explica que há sempre camadas em tudo o que é a tentação maniqueísta de dividir o Mundo entre bons e maus. Nestas coisas, como é bem exemplo neste momento a polémica em torno da atribuição do Mundial de 2034 ao regime autocrático e desrespeitador de tudo o que são os mais básicos direitos humanos da Arábia Saudita, é sempre bom relativizar. Mas relativizar não significa compactuar. Nem com um Mundial como forma de lavagem de imagem pelo desporto nem com a hipocrisia dos que acusam a FIFA mas depois vão todos contentes atrás do dinheiro que vem dos mesmos sítios com máscaras legitimadoras.

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    A questão do Mundial de 2034 voltou à ordem do dia por causa de um relatório comprado, perdão, encomendado, perdão, pedido pela organização saudita ao escritório de Riad da firma londrina AS&H Clifford Chance, onde eram avaliadas as condições para que o regime de Riade recebesse um Mundial de futebol. A Amnistia Internacional e a Human Rights Watch já tinham denunciado “graves deficiências” no dito relatório. “Se não se fizerem reformas amplas, serão detidos todos os que tiverem atitudes críticas, discriminar-se-ão mulheres e pessoas LGBTI e explorar-se-ão trabalhadores numa escala massiva”, disse então Steve Cockburn, subdiretor da Amnistia Internacional. Esta semana viu a luz do dia um estudo da Play The Game, uma Organização Não Governamental dinamarquesa criada com a ideia de “fortalecer a base ética e promover a democracia, a transparência e a liberdade de expressão no desporto”, no qual se identifica a vastidão da operação de lavagem conduzida por Mohammed bin Salman – e vale muito a pena ouvirem o episódio de Heroes & Humans of Football que lhe é consagrado – da qual fazem parte “pelo menos 910 contratos com profissionais ou entidades desportivas”. A visão do poderoso MbS na tentativa de diversificação da economia saudita, para a tornar menos dependente do petróleo, passa muito pelo desporto e pela capacidade de atração que ele potencia, mas será um erro olhar para Zurique e para a FIFA e apontar-lhes o dedo de uma forma exclusiva. Porque a verdade é bem mais dolorosa: nestas coisa não há inocentes. Somos todos culpados. Incluindo a FIFA, mas não excluindo quase tudo o que é responsável da nossa tão querida Europa Ocidental dos valores.

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    Se comecei por vos falar do livro de Boykoff foi precisamente para reforçar a hipocrisia que está sempre associada a estas coisas e que isso não acontece só no futebol e por causa da sua transformação em indústria dos milhões. O olimpismo, afinal de contas, é o quê? O que era a obsessão do barão Pierre de Coubertin pelo amadorismo, ainda hoje apontada por muitos como a defesa da pureza do desporto, senão a exclusão classista dos desfavorecidos, que ele defendia de uma forma descarada? O desporto, na visão de Coubertin, era para aristocratas, para os que não precisavam de trabalhar para comer. Aos atletas que, não possuindo outras fontes de rendimento, se faziam pagar para o praticar era vedada a participação nos Jogos. O que era o impedimento da participação de mulheres nas primeiras edições dos Jogos da era moderna, onde elas apareciam só para enfeitar as cerimónias de entrega de medalhas, senão a mesma discriminação que lhes vedava o direito de voto e que por essa altura era combatida pelas sufragistas? Era ou não verdade que tanto Coubertin como Juan Antonio Samaranch, presidente do COI até 2001 – e depois presidente honorário vitalício – eram simpatizantes da ideologia nazi? Os Jogos Olímpicos foram ou não, tal como os Mundiais de futebol, exemplos de lavagem e promoção de regimes desrespeitadores dos mais básicos direitos humanos ao longo das eras? Tivemos o Mundial de futebol de Mussolini em 1934 e os Jogos Olímpicos de Hitler em 1936… Era o espírito da época? Mas o que dizer da atribuição dos Jogos de 1968 e do Mundial de 1970 ao México do PRI e da corrupção? Da cedência aos blocos dominantes e abertura aos boicotes nos Jogos de 1980 em Moscovo e 1984 em Los Angeles, tornando o desporto uma arma de peso na Guerra Fria? Da atribuição do Mundial de 1978 à Argentina do general Videla e do de 1982 à Espanha que, à data da votação, ainda vivia debaixo do jugo do general Franco? Da entrega, aparentemente por ingenuidade de Blatter, do Mundial de 2018 à Rússia de Putin? Ou, depois, por clara e já provada interferência do presidente francês Nicolas Sarkozy na inversão de tendência de voto europeu, do Mundial de 2022 ao Qatar do emir Al Thani?

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    É o dinheiro a falar, sim. Muitas vezes se ouve esta justificação, num misto de resignação com esperteza saloia. Há quem diga que que esta cedência a quem pode pagar permite que os desportistas sejam cada vez mais bem recompensados, como há quem prefira ver o outro lado da coisa e reconheça que, sim, houve uma exploração indecente de mão de obra imigrante na construção dos estádios onde se jogou o Mundial do Qatar, levando a inúmeras mortes, mas que as coisas teriam sido muito piores se não tivesse havido Mundial e supervisão da FIFA. E por um lado, sim, talvez isso seja verdade. Há uma parte de nós que quer achar que só porque aparece sempre a afagar um gato, Blofeld, o mau do 007, se calhar até tinha um fundo bom e que tudo o que precisaria era de um impulso – o impulso que nós vamos dando a autocratas ao permitir-lhes organizar estas grandes competições. Hoje, porém, estou convencido de que essa não é a motivação maior. Blatter pode ter sido ingénuo na sua relação com Putin até ao dia em que, tendo a Rússia alargado a intervenção original na Crimeia ao resto da Ucrânia, nem os assessores do déspota russo lhe atenderam o telefone ou responderam aos e-mails, assim lhe frustrando o sonho de receber um Nobel da Paz por acabar com a guerra. Mas há cada vez menos espaço para essas ingenuidades. Se Sarkozy pressionou Michel Platini a mudar os votos da UEFA a troco de uma injeção de capital qatari em setores fragilizados da economia francesa, se o governo britânico de Boris Johnson pressionou a Premier League a aprovar a compra do Newcastle United pelo fundo soberano do reino saudita para não perder outros negócios, por exemplo do setor dos automóveis de luxo, se os sauditas estão a comprar tudo o que é desporto, do golfe ao ténis, agora com ameaça de entrada no rugby, a conclusão a tirar não é a de que a FIFA está a ceder. A FIFA sempre cedeu, como o COI sempre cedeu. E, o que é mais grave, os nossos governos também sempre cederam. Nós é que tardamos em reconhecer que somos todos culpados e que é preciso fazer um risco no chão, porque há coisas que deviam ser inegociáveis. E a dignidade humana é a maior de todas elas.

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    Ontem, pode ter-lhe escapado:

    Uma metáfora em Anfield

    António Tadeia

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    Dec 3

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  • 422 SE HOUVESSE CULTURA NOS AÇORES TERÍAMOS CASAS-MUSEU 26.10.2021

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    422 SE HOUVESSE CULTURA NOS AÇORES TERÍAMOS CASAS-MUSEU 26.10.2021

    Já em 2003, recém-chegado da Austrália, imaginei Portugal com roteiros culturais dedicados aos seus autores, como então escrevi em “A língua portuguesa e a UE alargada, 2003-06-02 Revista ELO |

    Quem se lembrou de incluir roteiros turísticos literários a locais celebrizados pelos monstros sagrados da literatura dos sécs XIX e XX? Alguns constam dos vulgares roteiros paisagísticos, mas falta organizar a leitura desses autores, e a divulgação nesses locais [como em abril 2003 com o prémio Camilo Castelo Branco a Mega Ferreira]. Disponibilizavam-se traduções ou reedições (económicas, sem luxos) para os milhares de turistas que quererão vir a Portugal. Lucrava o país, editores, operadores turísticos e a língua. Podíamos começar com Saramago e um roteiro às terras de origem acompanhado de leitura de obras suas, disponibilizadas em línguas dos países da UE, passando por locais evocados em “A Cidade e as Serras” e paisagens dos Açores de Nemésio, à Brasileira de Pessoa ou a Monsanto de Fernando Namora. Convidavam-se professores jubilados que amam a Língua Portuguesa para falarem das mil e uma nuances de cada um, pedia-se aos autores vivos que disponibilizassem um dia do calendário para falar ou ler a sua obra num cenário apropriado. Estou certo de que a organização de tais eventos custaria menos do que muitas funções oficiais já agendadas.

    Posteriormente, com a morte em 2008 de Dias de Melo e de Daniel de Sá em 2013 propugno a criação de casas-museu como forma de homenagear aqueles autores e a sua obra, uma na Calheta de Nesquim e outra na Maia micaelense. Agora que o Cristóvão de Aguiar abandonou as vestes terrenas, e depois de falar com os filhos reitero a necessidade de uma Casa-Museu na localidade de S. Miguel Arcanjo, São Roque do Pico para onde ele se mudou na década de 1990 e ali fez a sua segunda casa. Os filhos estão dispostos a repor toda a sua biblioteca e manter a casa tal como estava quando ele a habitava a fim de que possa ser convertida num local dedicado ao autor e às suas obras. (mas face ao desinteresse do governo regional e autarquias, a casa foi vendida.) Se a região autónoma dos Açores tivesse uma verdadeira Secretaria da Cultura esta deveria inscrever já no orçamento regional montantes destinados a adquirir as casas daqueles autores e convertê-las em Casa-Museu. Uma região que não honra a memória dos seus maiores nas letras e artes não pode arrogar-se o direito de falar na sua história e muitos menos dizer que tem cultura. É essa visão que sempre faltou a esta autonomia envergonhada em que vivemos. Propositadamente deixei de fora todos os outros autores que merecem idêntico tratamento e concentro-me nestes três pois com eles lidei e deram contributo de relevo aos nossos Colóquios da Lusofonia. Se o governo não quiser, que seja a autarquia de São Roque do Pico a tomar a dianteira e a iniciativa e a ficar na vanguarda desta merecida homenagem ao prolífico autor Cristóvão de Aguiar. Fico à espera.

  • SE OS AÇORES FOSSEM ISRAEL ÉRAMOS PALESTINIANOS?

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    395 SE OS AÇORES FOSSEM ISRAEL ÉRAMOS PALESTINIANOS?maio 2021

    Há muito que me debato com esta dúvida. Se em 1947 as potências mundiais tivessem considerado a rica composição genética portuguesa como predominantemente judaica, que o é, juntamente com miríade de outras miscigenações, e tivesse decidido dividir os Açores em Estado de Israel e Região Autónoma dos Açores, pode ser que as coisas até tivessem ocorrido sem problemas de maior nos primeiros anos. Embora os açorianos (exceto em S Miguel) se tivessem fortemente rebelado contra o domínio castelhano 1580-1642 não haveria grande oposição inicial. Só quando os colonatos judeus começassem a ocupar todas as ilhas e os descendentes de açorianos se tivessem de refugiar no Corvo uma ilha de 17 km2 (com um quarto de milhão de habitantes seria quase tão densamente habitado como Macau) é que a “intifada” açoriana teria maior expressão, mas seria como David e Golias, uma fisga contra canhões e submarinos. E compreende-se que do Corvo podiam disparar “rockets” e mísseis contra as restantes 8 ilhas pondo em perigo a nação israelita dessas ilhas e sua homogeneidade, apesar de todos os habitantes do Corvo trabalharem em fábricas e serviços israelitas doutras ilhas, onde não poderiam viver, tendo que retornar diariamente ao Corvo para dormir.

    Salam Kawakibi

    Pois bem a história real é parecida mas acontece no Médio Oriente berço das religiões e local eternamente em conflito. São já 73 anos de guerra, fruto da divisão da Palestina a 14 de maio 1948, no termo do mandato britânico. Em 1914 o território fazia parte do Império otomano. Em 1939 a Grã-Bretanha era o poder colonial e Turquia e Irão eram independentes. Em 29 de novembro de 1947, por 33 votos a favor, 10 contra e 13 abstenções, a ONU divide a Palestina do mandato britânico em dois Estados: um judaico e um árabe. A Resolução 181 previa uma união económica e colocava Jerusalém sob estatuto internacional. Os dois Estados seriam territórios descontínuos ligados por corredores estreitos. Ao Estado judaico foi atribuída uma larga faixa costeira ao longo do Mediterrâneo, a Galileia oriental, e praticamente todo o deserto do Negueve, com uma saída para o mar Vermelho. Ao Estado árabe foi oferecida a Galileia ocidental, e acesso ao Mediterrâneo, a partir de Acre, a Cisjordânia (exceto Jerusalém) e a Faixa de Gaza. Jaffa, cidade portuária de maioria árabe, permaneceria um enclave árabe. Os sionistas apoiaram este projeto de divisão que garantia soberania e imigração sem entraves. Os árabes rejeitaram-no unanimemente e pegaram logo em armas. O plano jamais chegou a ser aplicado.

    Em 1967 a vitória na Guerra dos Seis Dias dá a Israel importantes posições estratégicas. Começa uma acelerada colonização da Cisjordânia e é anexado o setor oriental de Jerusalém. A cidade é unilateralmente proclamada “capital una e indivisível” do Estado judaico.

    Em 1985 após a Guerra de Yom Kippur (1973) a única alteração, imposta pelos EUA, foi a evacuação da cidade de Kuneitra nos Montes Golã.

    Em 1981, este planalto, conquistado à Síria em 1967, é anexado por Israel, e um tratado de paz devolve ao Egito a península do Sinai.

    Em 1982, Israel invade o Líbano e cerca Beirute, mas, em 1985, depois de expulsar 8000 guerrilheiros da OLP, reposiciona-se numa “zona de segurança” no sul do país – a retirada total só se dará em 2000.

    Os Acordos de Oslo assinados em 1992 por Israel e pela OLP de Arafat levam a uma complexa fragmentação territorial. A Autoridade Palestiniana passa a controlar 70% da Faixa de Gaza. Na Cisjordânia são instituídas três zonas: A (controlo palestiniano); B (controlo misto) e C (controlo exclusivo de Israel), incluindo as instalações militares e 150 colonatos judaicos. Este mapa de Oslo ficou mais retalhado em 2000, quando, depois da Segunda Intifada, Israel reocupou militarmente a Cisjordânia e iniciou a construção de um “muro de separação” – que tem transformado povoações palestinianas em guetos. 2017: As iniciativas legislativas do Governo de direita, dominado pela ala nacionalista do primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu criaram mais retalhos no mapa, abrindo caminho para a anexação de territórios ocupados. Em setembro 2017, o Parlamento aprovou uma lei que permite a criação de universidades na Cisjordânia ocupada. Há iniciativas para os tribunais israelitas terem jurisdição na Área C, que compreende 60% da Cisjordânia. Os colonatos não cessam de aumentar. Muros, vedações eletrificadas e outros obstáculos são utilizados para controlar o movimento dos palestinianos. A construção do muro dentro da Cisjordânia continua, apesar de o tribunal internacional de Justiça ter considerado que não devia existir. NB: Nova guerra começou em 2023 com a invasão da Faixa de Gaza. Esta guerra Israel-Hamas, conflito Israel-Gaza ou israelo-palestino de 2023, começou em 7 de outubro após um ataque terrorista de vários grupos militantes palestinos contra cidades israelitas, passagens de fronteira, instalações militares adjacentes e colonatos civis nas proximidades da Faixa de Gaza. Descrito como uma Terceira Intifada por alguns observadores as hostilidades foram iniciadas por um bombardeio de mísseis contra Israel e incursões em território israelita, com vários ataques contra os militares israelitas e comunidades civis. O ataque foi liderado por grupos militantes palestinos (Hamas, a Jihad Islâmica e a Frente Popular para a Libertação da Palestina), com o apoio do Irão. O presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, apoiou verbalmente o levante, afirmando que os palestinos tinham o direito de se defenderem contra a ocupação. O Coordenador Especial das Nações Unidas para o Processo de Paz no Oriente Médio, a União Europeia e muitos países membros expressaram condenação dos ataques e disseram que Israel tinha o direito à autodefesa. Pelo menos 2 200 mísseis foram disparados da Faixa de Gaza enquanto militantes do Hamas violavam a barreira Israel-Gaza, matando 200 israelitas e levando o governo de Israel a declarar estado de emergência. Vários países do mundo ocidental condenaram o Hamas pela violência e chamaram as táticas de “terrorismo” enquanto países do mundo muçulmano culparam a ocupação dos territórios palestinos e a negação da autodeterminação palestina como a causa da escalada da violência. A Amnistia Internacional condenou o Hamas e Israel pela conduta da guerra. O conflito produziu uma grave crise humanitária no território de Gaza com mais de 40 mil mortos e mais de 90 mil feridos palestinos (agosto de 2024), incluindo milhares de mulheres e crianças, destruição maciça de infraestrutura e habitações, quase dois milhões de pessoas desalojadas de suas casas, desabastecimento generalizado de energia, combustível e medicamentos, destruição de hospitais e serviços sanitários, 95% da população perdeu o acesso à água de boa qualidade e a fome atingiu virtualmente 100% da população. Segundo oficiais das Nações Unidas, “a crise humanitária em Gaza é mais do que catastrófica, e piora a cada dia. Nos três meses desde o início do conflito, Gaza tornou-se um lugar de morte e desespero”. No lado israelita mais de 1,5 mil pessoas morreram e 500 mil foram desalojadas

  • Entrevista sobre a ciência em Portugal na Expansão

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    https://www.academia.edu/37650142/Entrevista_sobre_a_ci%C3%AAncia_em_Portugal_na_Expans%C3%A3o?email_work_card=view-paper

  • EMBAIXADA BRITÃNICA ACONSELHA ESTE TRADUTOR

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    Chrys Chrystello (Independent/sole practitioner)

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  • o que tens na perna? uma cobra venenosa…Australia: Woman fends off deadly snake on Melbourne motorway

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    Police say the woman was “rattled” and “in a state of shock” when she looked down to find the deadly snake by her feet.

    Source: Australia: Woman fends off deadly snake on Melbourne motorway

  • a escrita de Paulo M Morais por Pedro P Câmara

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  • página permanente homenagens helena chrystello

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  • Helena Chrystello, O Silêncio da Paixão ANABELA FREITAS

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    Helena Chrystello, O Silêncio da Paixão

    É difícil fazer a apresentação de uma obra como O Silêncio da Paixão. Desde logo pelo meu envolvimento no texto, envolvimento que durou meses. Mas seria sempre uma tarefa hercúlea, sobretudo, porque esta novela abre as portas a muitas leituras possíveis, porque é densa, porque nos envolve e depois nos arrasta com ela. Daria um outro livro falar na riqueza dos recursos a que a autora lança mão para nos seduzir com eles.

    A única tarefa fácil é a de dizer-vos do que fala o texto. A autora fez isso por nós e incluiu o resumo que o encabeça e que deve ter funcionado como um guia para a sua escrita.

    Clara Viel, a artista que cantou através do mundo inteiro. Aí está ela, na flor da vida, isolada em Joinville, no Cotentin. As dunas, o mar cinzento e a solidão. Ninguém sabe por que é que ela renunciou repetidamente à sua carreira, abandonou a música, os teatros, fugindo cada vez para mais longe.

    Estranha, silenciosa. Como única testemunha daquilo que ela parece procurar obstinadamente, um jovem. Para únicas imagens – apenas rochedos, água e céu – estes clarões dilacerantes das recordações. Berlim, o encontro com um pintor, Eric, o amor que irradia a memória. Como única ligação ao mundo exterior estas cartas chegadas de Praga onde alguém a ama ainda.

    Na lembrança tenaz, existe uma rotura. Fenda também na sua arte. Uma cena que Clara Viel não consegue reconstituir. Logo que ela se elevar para lá da doença, da alucinação, descobrirá talvez a verdade, saberá por que é que a morte a atrai tão fortemente.

    O destino permite-lhe ainda tornar a ver Eric; por fim a cena torna-se clara. O mar, a morte confundem-se.

    A narração é levada num ritmo onde o desejo da nostalgia e a nostalgia do desejo se alternam como a maré que cobre e descobre esta sombra – enigmático amor.

    «que cobre e descobre» – é exatamente este movimento de vaivém, repetitivo, que, ao longo de toda a novela envolve o leitor, como se ele rolasse nesse cenário de areia e mar. O uso predominante do presente do indicativo e as referências constantes à paisagem marinha e às suas constantes mutações, contribuem para essa sensação de identificação com a protagonista. O leitor sente, por empatia, o sufoco e, logo, o estado de saúde física e mental e toda a dimensão do sofrimento da protagonista. Por outro lado, os momentos de analepse na narrativa, a convocação do passado de Clara, muito embora frequentes, são breves e entrecortados, porque sempre O mar volta depressa, anelante. Esta omnipresença do mar torna-se obsessiva e oprimente. Porque esse mar tudo envolve, até mesmo o local que deveria ser o seu refúgio, a casa, pois ele espreita, impõe-se: Por entre todas as janelas.

    A autora não perde a oportunidade de realçar a importância que o mar tem. Seria incontornável, impossível, não falar do mar. Por isso, fá-lo também graficamente. Assim, a espaços, isola o sintagma “o mar” numa linha apenas, ora a meio da linha, ora no início do parágrafo.

    Na verdade, todos estes estratagemas preparam-nos para o fim anunciado: a morte no seio do mar.

    A própria protagonista é retratada nesse vaivém, como se flutuasse sobre as ondas, balançando entre o amor de dois homens – Gilles e Jiri – porém, sem que ela ceda, presa, constante na sua paixão por Eric, o fiel da balança.

    O mar domina todo o espaço cénico, pelo menos o da realidade. Só o das memórias é que nem sempre o inclui, pois esse é o tempo em que Clara ainda cantava, ainda se sentia presa à vida.

    E falar de mar é também falar do tempo, das fortes chuvadas, do frio, das nuvens, não ao estilo de um quadro impressionista, cheio de luz, em pinceladas rápidas, mas sim de um quadro romântico, carregado, dramático. O tempo atmosférico, sufocante e de mau agouro, também participa desse ritmo binário e também ele serve de adjuvante ao desfecho da ação:

    A tempestade rebenta depressa com a queda de granizo. Depois o silêncio. Novamente o granizo.

    O cenário é demasiado grandioso, dominador:

    Os cabelos, o rosto ensopados, Clara olha e pensa na sua morte, talvez porque desejasse estar ao nível daquilo que via.

    É esse mar que preenche todas as horas de Clara. É dele que agora ela se alimenta. Todos os seus sentidos são bombardeados pela presença dele: a visão, o olfato, o tato, o paladar e também a audição. Pois embora a música seja uma referência constante, desde logo porque Clara era cantora lírica, essa mesma música que preencheu a sua vida, acabou por ser abandonada e substituída pelo mar, como confessa a uma amiga que lhe pergunta se ela era feliz:

    -… feliz? A minha família gostava de mim. Tinha o mar em Joinville, os meus amigos, o piano…

    – A música? E agora?

    – O mar.

    Mas, obviamente que a música, muito embora já não faça parte da vida atual de Clara, por vontade própria, porque abandonou a carreira, está presente ao longo de toda a novela. Durante a leitura nunca perdemos de vista o facto de a protagonista ser cantora lírica. Falar da música torna-se óbvio e contribui para a criação de um ambiente onírico muito sugestivo. A sua presença é poderosíssima no texto. A música funciona ainda como a banda sonora da narrativa, o pano de fundo que nos prepara para a tragédia que se avizinha. É o leitmotiv de toda a ação. É também ela que desperta as memórias, que liga a protagonista ao seu passado, que nos dá conta do seu estado de ânimo no presente.

    Por isso, ela é devidamente escolhida. Nunca é uma referência inocente, porque vai sempre repercutir-se nos movimentos, nos sentimentos, nas memórias das personagens. Não são já as lider ou as árias na voz de Clara quando ainda cantava nos palcos de toda a Europa, é a música gravada que dá voz à memória. Podemos perceber como essas escolhas implicaram, por parte da autora, um conhecimento aprofundado da música, pelo menos uma busca muito seletiva de trechos musicais, adaptados a cada circunstância. Assim,

    A escolha de O Castelo de Barba Azul de Béla Bartók (Não conheço nada mais triste., afiança Gilles) pode ser entendida como uma alusão à inconstância amorosa de Eric e ao sofrimento que este causou nas mulheres rejeitadas;

    Já o Erwartung de Arnold Schönberg, o drama da mulher que encontra o seu amado morto, que o acusa de ser infiel, mas que desespera porque não sabe como viver sem ele, é convocado insistentemente ao longo do texto, porque tem paralelismo com a vida da protagonista, sem bem que a morte de Eric não seja real, seja apenas a ausência dele;

    O melodrama Pierrot lunaire (também de Schönberg) é recorrente, incluindo-se mesmo citações das líricas: (Am Hals ein Zöpfchen/ Wollüstig wird sie que significa: «Ela está voluptuosa com essa trança ao redor do pescoço» ou Den Wein, den man mit Augen trinkt). A violência verbal, a controvérsia causada por esta peça abre-nos a porta para a luta interna das personagens. Há também um excerto de uma pauta de Il lamento de Ariana de Monteverdi, que será o seu adeus a Jiri.

    Podemos acrescentar referências às Altenberg lieder de Berg, que deixam a protagonista desesperada, ou às pungentes lieder de Shumann. Ou às de Webern. Não faltam As Bodas de Fígaro que, quando ouvidas transportam a protagonista para o encontro com Jiri em Praga.

    Curiosamente, a tragédia de Pelléas and Mélisande de Claude Debussy torna-se parte da ação, confunde-se com ela, é mais como se fosse tomada por um acontecimento real, paradigmático:

    Ela fecha os olhos, deixa as mãos ao abandono. Sim, é tudo por causa de uma mentira, dessa necessidade de saber, enfim, – uma última vez – essa necessidade violenta e mórbida.

    Da mesma maneira que Golaud atormentando Mélissande: “A verdade, preciso de saber a verdade!”.

    Não admira a sua referência, pois, esta é também a ópera que liga Clara a Eric. Quase como uma premonição, este tinha pintado alguns quadros inspirado nela.

    A música, sempre a música, ligando impressões, memórias: A música que chama em seu socorro transporta-a a Berlim, há doze anos.

    Berlim em plena Guerra Fria, numa atmosfera política ambivalente, nesse limbo entre o Leste e o Ocidente. É neste espaço centro-europeu da Guerra Fria que as personagens do passado de Clara se movem.

    Um dia, Clara caminhou até ao Muro. Homens, mulheres vestidos de cinzento, de verde sombrio, esperavam e não se sabia se eles ficavam lá, com todas as esperanças de ver chegar algum parente, amigo, filho, se pensavam penetrar nas ruas interditas ou se não chegavam a acreditar no Muro. Os projetores das sentinelas, à noite, revisitavam as fachadas estreitas, os palácios abandonados.

    O ambiente soturno, a opressão política contribuem também para adensar a intriga. Mas mais explícito ainda talvez sejam os sonhos premonitórios:

    Houve durante a sua vida [de Clara] três sonhos premonitórios: a morte da mãe, o suicídio de Alain e um terceiro: a sua doença.

    A sua paixão é então vista como uma doença, doença que lhe será fatal e que é anunciada inconscientemente, ou talvez não, por Eric.

    «Quando nos amarmos demais, meu amor, matar-nos-emos juntos.». Eric falava, como se bebe, com embriaguez, sem pressentir o que poderia acontecer a Clara.

    Esta quase sentença, sentença ou promessa? será mais tarde reiterada por Clara:

    – Se nós amamos demais, meu amor, matamo-nos juntos.

    Mas Eric não estará com ela nesse momento. O amor dele tinha findado. Por isso, ela morre sozinha. A paixão de Clara e a traição de Eric tinham-na dominado totalmente.

    Não tenho ilusões de que o que disse sobre esta obra estará sempre muito aquém do muito que se poderá ainda continuar a dizer. Por isso, o melhor tributo que se lhe poderá prestar será lê-la e saborear cada uma das suas palavras.

    anabela freitas abril 2024

  • O Silêncio da Paixão”, uma novela póstuma de Helena Chrystello,

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    quarta-feira, 27 de novembro de 2024

    … quase feliz

     

    autorretrato

    É bem possível que à hora a que folheia este jornal eu esteja a apresentar, na EBI da Maia, o livro “O Silêncio da Paixão”, uma novela póstuma de Helena Chrystello, editada, este ano, pela Letras Lavadas. E é sobre este livro, escrito na década de 70 e que foi guardado numa gaveta até à morte da autora, em janeiro deste ano. Não conheço os motivos da decisão da autora, sei, isso sim, que o seu companheiro, o ChrysChrystello, sabia da existência de alguns escritos da Helena, mas ela nunca lhe permitiu o acesso, aliás como ele próprio refere na nota editorial que precede a novela, mas, como dizia, é sobre este livro que vou partilhar alguns apontamentos que fui preparando para o texto da apresentação formal.

    “O Silêncio da Paixão” foi concluído a 4 de fevereiro de 1976, ou seja, a Helena ainda não tinha concluído o seu 21.º aniversário natalício. Refiro este facto pois, quando lerem esta novela vão mergulhar numa narrativa densa e estruturada, diria mesmo que esta novela é literariamente adulta e, sendo a autora uma jovem mulher, esta contextualização, não é de somenos valor, e, a relevância que lhe estou a dar pretende acrescentar mérito à obra pois, a construção literária revela uma maturidade e até erudição que, nem sempre, os jovens escritores possuem.

    Os livros são, antes e depois de tudo, obras literárias, mas são-no também obras gráficas. A encadernação, o papel utilizado e os grafismos da capa valorizam a obra no seu conjunto. Assim, e antes de tecer algumas considerações, necessariamente breves, sobre a novela referencio alguns elementos da capa que, salvo melhor e douta opinião, é uma brilhante síntese da estória que nos é contada.

     

    foto de Aníbal C. Pires

    A tonalidade vermelha, como sabemos, capta de imediato a atenção, não é por acaso que alguns sinais de trânsito utilizam esta cor, e induz sentimentos fortes como sejam: paixão, amor, energia ou perigo. O olhar distante da mulher retratada, a própria autora, pode ser entendido como de contemplação e introspeção, mas também de tristeza, perda e pode indiciar um estado emocional complexo. Por fim a escolha do título da obra: “O Silêncio da Paixão”. Silêncio e paixão cruzam-se e entrecruzam-se na trama urdida pela Helena para nos conduzir pela recordações e arrebatamentos de uma mulher que se afastou do mundo, no qual viveu intensamente, e se abriga numa casa à beira-mar, em Joinville, na península de Contentin, no norte de França.

    A novela “O Silêncio da Paixão” não é um relato linear, ou seja, a narrativa é densa e intrincada, desde logo, pelas personagens, pela omnipresença do mar, pelo tempo atmosférico, pela música e as cidades, onde Clara, foi quase feliz.

    As leituras desta obra podem ser diversas o que nem sempre agrada a quem lê maquinalmente, mas deixar espaço para os leitores conjeturarem sobre o capítulo seguinte ou o desfecho da estória e, ainda assim, conseguir que a leitura seja apelativa e a vontade de voltar a página permaneça até às últimas palavras, não é de fácil concretização, mas enquanto leitor agrada-me que estes sejam alguns dos atributos desta invulgar peça literária. E é disso que falo quando me refiro a esta novela póstuma, falo da qualidade literária de “O Silêncio da Paixão”, da erudição e maturidade que a Helena Chrystello cedo deixou transparecer e que não mais voltou a demonstrar.

    A estória que nos é narrada tem como personagem central Clara Viel, aclamada cantora lírica que se afastou dos palcos e se refugiou, com já referi, numa casa à beira-mar. O jovem Gilles testemunha as suas quimeras, acompanha e ama esta mulher a quem já apareceram uns fios de cabelo branco. Clara não se consegue libertar de antigas paixões que se perpetuam e a fazem sofrer, nem atende a outros amores, seja Gilles o jovem que também procurou abrigo em Joinville para escrever, seja alguém de um passado vivido em Praga onde, como escreve a autora: “Durante muito tempo, Clara foi dominada por esta imagem, ela que fora quase feliz em Praga, um ano antes da primavera.”

    A autora, com mestria, explora, por um lado a mutabilidade dos momentos de felicidade e, por outro a importância e o poder da memória. Ser “quase feliz” pode ser ainda mais marcante, do que ter sido plenamente feliz. Foi algo que não se concretizou e fica para sempre como um vazio. A frase situa o evento no tempo pois, a alusão à primavera não se refere à chegada da estação do ano, mas sim a um acontecimento político de 1968 e que ficou conhecido como a “Primavera de Praga”, isto é, a narrativa remete-nos para o ano de 1967.

    Sobre a trama e a forma como a estória se desenrola, a ação da protagonista e das personagens que a acompanham, sejam as das memórias do passado, sejam do presente não adiantarei mais pois, julgo ser mais avisado deixar que façam a leitura deste livro sem que a minha visão possa vir a influenciar a vossa e, esta novela permite, como julgo já ter referido, várias leituras e todas elas legítimas.

     

    imagem retirada da internet

    Há, porém, dois elementos narrativos que não posso deixar de aludir pois, modelam e marcam presença, quase permanente, na construção literária desta novela: a música e o mar.

    A música, quiçá pela principal personagem ter sido cantora lírica, e como nos diz Anabela Freitas na apresentação que fez desta obra, no passado mês de outubro, em Vila do Porto, durante a realização do 39.º Colóquio da Lusofonia: “Mas, obviamente que a música, muito embora já não faça parte da vida atual de Clara, por vontade própria, porque abandonou a carreira, está presente ao longo de toda a novela. Durante a leitura nunca perdemos de vista o facto de a protagonista ser cantora lírica. Falar da música torna-se óbvio e contribui para a criação de um ambiente onírico muito sugestivo. A sua presença é poderosíssima no texto.”

     

    foto de Aníbal C. Pires

    Mas também o mar acompanha toda a narrativa do tempo presente, e socorro-me novamente das palavras de Anabela Freitas para que, com clareza, se perceba a relevância do mar na construção desta estória. “É esse mar que preenche todas as horas de Clara. É dele que agora ela se alimenta. Todos os seus sentidos são bombardeados pela presença dele: a visão, o olfato, o tato, o paladar e também a audição. Pois embora a música seja uma referência constante, desde logo porque Clara era cantora lírica, essa mesma música que preencheu a sua vida, acabou por ser abandonada e substituída pelo mar, como confessa a uma amiga…”

    “O Silêncio da Paixão” é uma estória de amores, desamores e solidão alicerçada na complexidade das relações humanas e das emoções que moldam as nossas vidas.

    A Helena dedicou a sua vida a divulgar autores de língua portuguesa e, em particular, autores dos Açores, aqui nascidos, ou açorianos por opção própria e que a vida ilhanizou, grupo onde a Helena se pode incluir. Não sei, nem isso é importante para mim, das razões que levaram a Helena a encerrar esta novela numa gaveta e, também, não sei das razões que a fizeram parar por ali. Sei, contudo, depois de ter lido a novela “O Silêncio da Paixão”, que Helena poderia ter construído uma carreira literária ímpar.

    Ponta Delgada, 26 de novembro de 2024

    Aníbal C. Pires, In Diário Insular, 27 de novembro de 2024

    39.º Colóquios da Lusofonia, Santa Maria, outubro de 2024

     

    (Textos base utilizados para a apresentação do livro “Antologia de Humor Açoriano”)

     

     

    Humor e literatura – uma convivência pacífica

     

     

     

    O importante não é o grito, mas o sussurro ou, melhor dizendo,

    mais eficiente que a gargalhada é o sorriso

     

    Mia Couto

     

    Neste livro, que reúne 15 autores açorianos, o leitor poderá encontrar excertos de obras literárias que se podem designar por “humor na literatura” e “textos humorísticos”. Julgo ser oportuno, antes de tecer outras considerações sobre este trabalho, e sem pretender imiscuir-me em saberes que não são os meus, listar, ou pelo menos tentar, algumas caraterísticas destes géneros sem que, na opinião que aqui expresso, a essa diferenciação esteja associada qualquer apreciação valorativa.

    “Humor na literatura” – o humor é utilizado como um recurso estilístico ou temático dentro de uma obra literária. Não é o objetivo principal da obra, mas sim uma ferramenta para enriquecer a narrativa, desenvolver personagens, ou explorar temas complexos de forma mais compreensível, ou irónica. Pode estar presente em qualquer género literário, drama, ficção científica, romance, conto ou mesmo poesia. O humor constitui-se apenas como recurso, mais ou menos subtil, e serve para subverter expectativas, criticar normas sociais, ou revelar aspetos complexos da condição humana, conquanto coexista de forma complementar com outros elementos literários.

    “Textos humorísticos” – são geralmente considerados um género em si mesmo, como comédia, sátira, paródia, ou crónica humorística. Os “textos humorísticos” visam criar, no essencial, situações de entretenimento e humor. Esses textos são criados com o propósito de provocar riso, ou pelo menos um sorriso. O humor é o elemento dominante. E outros aspetos, como a construção do enredo ou dos personagens, são secundários ou servem o propósito de criar situações divertidas que provoquem o riso.

    Sendo a principal finalidade provocar o riso os “textos humorísticos” socorrem-se de outros elementos literários para reforçar o seu propósito. A sátira, e a crítica social, económica e política são muitas vezes integradas nos “textos humorísticos” conferindo-lhes maior profundidade e, mesmo mais comicidade.

    Pode afirmar-se que o “humor na literatura” é o uso do humor como um componente dentro de uma obra literária mais ampla e complexa, enquanto “textos humorísticos” são obras literárias dedicadas a criar situações de humor que induzem o sorriso, o riso ou a gargalhada compulsiva.

    Em Portugal a literatura e o humor sempre conviveram bem, a sátira nas cantigas de “escárnio e maldizer”, mas também na obra de Gil Vicente e de Manuel Maria Barbosa du Bocage, a ironia de Camilo Castelo Branco, o humor mordaz de Eça de Queiroz, apenas a título de exemplo, pois, outros autores recorrem mais ou menos arguciosamente a elementos de humor na construção das suas narrativas. Os textos humorísticos para a “Revista à Portuguesa”, ou ainda, outras manifestações de teatro popular, como são os “Bailinhos” de Carnaval” da ilha Terceira, constituem-se, também, como bons exemplos de um percurso pacífico entre o humor e a criação literária e, contraria a ideia de sermos um povo sorumbático.

    A criação literária, a produção de textos humorísticos e o sentido de humor nacional desdizem a construção social da imagem de que os portugueses são um povo taciturno. Outras serão as causas que nos tolhem, mas esse é um outro fado.

    Esta obra é mais um contributo para a divulgação da relação do humor com a criação literária e de promoção de autores açorianos, mas não se esgota em si mesmo, pois constitui-se tão-somente como uma pequena mostra do muito que, também na relação do humor com a literatura, se produz nos Açores.

    A obreira que esboçou e deu início a esta obra deixou-nos um significativo e relevante conjunto de trabalhos e estudos literários que resultaram da sua paixão pela literatura, pelos Açores e pelas “lusografias”.

    A pesquisa e divulgação literária confunde-se, a par do ensino, com a vida de Helena Chrystello, este trabalho é o seu derradeiro contributo.

     

    Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, agosto de 2024

     

     

     

     

     

     

     

     

    antes e depois de tudo

    Os humoristas dizem coisas sensatas revestidas de loucura,

    e loucuras revestidas de sensatez.

     

    Carlo Dossi

     

     

    A Helena Chrystello deixou algumas palavras, transcritas abaixo, sobre o que seria o início da sua nota introdutória.

    “A comédia teve origem na Grécia Antiga e retrata os seres humanos como seres sociais. É como se o autor, através da encenação, utilizasse peças cómicas como um espelho diante da sociedade. Trata-se de um género crítico burlesco e humorado que satiriza diversos aspetos da sociedade desde os costumes, hábitos, moral, dentro outros.

    Acha-se que a comédia é o oposto de drama. No entanto, quando falamos de géneros literários, a comédia é na verdade um tipo de drama. O humor é o estado de espírito de um indivíduo.

    – sátiras políticas; critica sociais; humor e estilo burlesco; ironia e sarcasmo.”

     

    Não pretendo dar continuidade àquela que seria a “nota introdutória” da Helena, mas esta compilação de textos humorísticos carece de algumas referências para que os leitores e os autores, aqui representados e os que, por razões diversas, não estão incluídos, fiquem na posse de alguma informação sobre os caminhos trilhados até chegar ao produto final.

    Este repositório de textos de humor na literatura açoriana procura, ainda que sem o conseguir na sua integridade, dar corpo ao trabalho iniciado por Helena Chrystello a partir de uma sugestão feita por Onésimo Teotónio Almeida, no dia 17 de junho de 2022, logo após a apresentação pública, em Ponta Delgada, do livro “nova antologia de autores açorianos”.

    A sugestão foi testemunhada por alguns dos presentes, na sessão de apresentação, que apoiaram e incentivaram a Helena Chrystello a pôr mãos à obra. E não perdeu tempo pois, de imediato aceitou o repto e me convidou a fazer o prefácio, desafio ao qual anuí sem grande resistência, mas sempre dizendo que havia muitas e mais habilitadas opções para a tarefa.

    A sua fragilidade, motivada pelo estado saúde que a foi inexoravelmente debilitando até à sua prematura morte, não a impediu de dar início ao trabalho tendo elaborado uma lista de autores e reunido alguns textos. Na fase final da sua vida solicitou ao Chrys Chrystello que me pedisse para eu terminar o trabalho por ela iniciado. A resposta não poderia ser outra: acedi, com a consciência de que este não era (é) um trabalho para o qual estivesse devidamente habilitado e que, com todos os afazeres que já tinha agendados e programados, para 2024, seria uma autêntica maratona. Aceitei o desafio para honrar a memória da Helena Chrystello, cumprindo assim um dos seus últimos desejos.

    Esta coletânea de textos de humor de 15 autores açorianos, sendo representativa, é uma parte, uma pequena parte, do que se produziu e produz nos Açores e que poderia ser incluída neste trabalho. De fora ficaram muitos autores, uns por indisponibilidade dos próprios, outros por desconhecimento do organizador, outros ainda por falta de tempo pois, a data para apresentação foi programada, pela Helena, para outubro de 2024 e o tempo escasseou.

    Ao ler o índice de autores verifica-se um desequilíbrio de género, em 15 autores apenas 1 mulher. Não foi uma opção da Helena, nem de quem deu continuidade ao seu trabalho, também não se fica a dever à inexistência de autoras que, não fazendo do humor a sua principal opção literária, com maior ou menor subtileza utilizam o humor nas suas criações literárias.

    A representatividade geográfica, estando mais equilibrada que a de género, está longe de corresponder à realidade regional e a haver alguma nota crítica, só poderá ser pela sobre representação de autores oriundos da ilha Terceira. Disparidade que pode ser interpretada como os leitores entenderem, mas que também não resultou nem da vontade da Helena Chrystello, nem de quem deu continuidade ao trabalho que ela iniciou. Adveio da disponibilidade dos autores para, logo na fase inicial do projeto, cederem os textos e de uma solicitação feita à margem da lista original que a Helena Chrystello tinha elaborado. Ao longo do trabalho foram feitas algumas insistências junto de alguns(mas) autores(as) que faziam parte da lista elaborada pela Helena, mas o retorno ficou aquém do que seria desejável.

    O humor na literatura e na cultura popular é um campo inesgotável de estudo e que pode merecer a atenção de investigadores e académicos. Esta obra é, como já foi referido, uma pequena e representativa amostra da utilização do humor em diferentes contextos literários e, é nosso propósito contribuir para promover a literatura com humor e os textos literários humorísticos.

    Antes de terminar importa relevar o papel e apoio do Chrys Chrystello para que este projeto fosse finalizado. Obrigado Chrys!

    Esta obra, para além de outros desígnios, é, antes e depois de tudo, uma singela homenagem à memória da Helena Chrystello e um reconhecimento pelo contributo que, ao longo da sua vida, deu à divulgação e ao ensino da língua portuguesa.

     

    Aníbal C. Pires, Ponta Delgada, agosto de 2024

    ÑOTA EDITORIAL POR CHRYS C

    Helena Chrystello

     

    Nota Editorial

     

     

    Ao longo dos anos sempre soube que a Nini (Helena) tinha textos secretos do tempo antigo, antes de a proibirem escrever (1978-1992). Quando nos conhecemos em 1994 e soube que eu escrevia, uma das coisas que me disse foi nunca hás de ler os meus escritos enquanto eu for viva. De facto, assim foi, sem que se descortinasse a razão. Nem eu sabia onde estavam, nem quais os formatos ou modos de escrita, além daquilo que ela nos foi proporcionando, ao longo dos anos, em colóquios e outros eventos literários.

    Era aliás, ela quem me fazia a revisão de todos os meus livros e dos artigos que semanalmente publico nos jornais, e sempre descobria uma falta de vírgula aqui, palavra em duplicado ou sem sentido, outra omissão acolá.

     

    Quando, após a sua passagem para outra dimensão, andava a vasculhar, com a filha, qual o material didático e outro a doar e a aproveitar, deparamos num armário – ao lado da secretária principal – com blocos de notas e outros escritos contendo os tais arquivos secretos.

     

    Anquilosado pela profunda dor, da recente perda, estava incapaz de ser eu a vasculhar o conteúdo daquela descoberta e vendo que se tratava de originais manuscritos da Nini, decidi entregar tudo nas mãos dessa amiga e escritora ímpar que é a Anabela Freitas (Mimoso). Foi ela que descobriu pérolas várias desde tenra idade, abarcando poesia (em francês, mas também em português) e entre outros escritos e compilações de obras, de pensamentos, de citações, estava esta novela, que resolvi dedicar postumamente, a mim mesmo, como forma de minorar a perda e esta ausência da autora que tanto me dói.

     

    Agradeço do fundo do coração o imenso trabalho que a Anabela teve ao embrenhar-se em centenas de páginas manuscritas, que nos permitirá ter, finalmente, acesso a uma obra inédita daquela que humildemente sempre se dizia compiladora de obras de outros, preferindo sempre, com o seu enorme sorriso, com o riso contagiante, a sua alegria e vontade de viver (mesmo com a adversidade da profunda doença que a levou) manter-se na sombra dos colóquios e do marido, sem querer sequer chamar a atenção para o seu enorme talento, sabedoria e amor aos outros, incluindo o mecenato de vários livros em anos recentes.

     

    Um enorme abraço de agradecimento ao Sr. Ernesto Rezendes que ao saber da descoberta desta obra inédita e desconhecida prontamente se ofereceu para a dar à estampa, em paralelo com a Antologia de Humor Açoriano, que ela esforçadamente começou a compor nos últimos três meses de vida.

     

    Chrys Chrystello 2024