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Ciclone Gabrielle: Açores sob aviso vermelho com ondas até 18 metros e vento forte – Expresso

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IPMA emite aviso vermelho para grupos Ocidental e Central dos Açores devido ao furacão Gabrielle. Tempestade aproxima-se com chuva intensa, vento e mar revolto, que colocam o arquipélago em alerta máximo

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Escolas com todos os professores: ministro disse 98%, afinal são só 22%

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Ministro da Educação disse que pelo menos 98% das escolas já tinham todos os professores necessários, na véspera do início do ano letivo.

Source: Escolas com todos os professores: ministro disse 98%, afinal são só 22%

NOVO LIVRO “DIÁRIO DE UM HOMEM SÓ”

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CAROS AMIGOS E ASSOCIADOS
provavelmente o último da série ChrónicAçores, este volume 8, “DIÁRIO DE UM HOMEM SÓ” é dedicado à Nini (Helena) Chrystello, por isso a vossa presença conta muito para mim. O vosso abraço dia 4 outº é bem-vindo na Livraria Letras Lavadas em Ponta Delgada

Diário de um Homem Só, de Chrys Chrystello, é uma obra profundamente introspetiva e melancólica que explora temas como a solidão, a reflexão existencial e a condição humana. Escrito em formato de diário, o livro mergulha nos pensamentos e emoções interiores de um homem solitário à medida que navega pela vida, pelas relações e pela sua própria psique.

 

A prosa de Chrystello é poética e filosófica, abordando frequentemente temas como a alienação, a nostalgia e a procura de sentido. As reflexões do protagonista revelam um profundo sentimento de isolamento, mas também momentos de clareza e autodescoberta. A narrativa mistura a reflexão pessoal com questões existenciais mais vastas, tornando-a numa leitura contemplativa.

 

O livro não é apenas um relato pessoal, mas também uma meditação universal sobre a solidão, o que o torna acessível a qualquer pessoa que tenha passado por momentos de profunda solidão. O seu estilo lírico e profundidade emocional deixam uma impressão duradoura, marcando-o como uma exploração pungente do que significa estar sozinho no mundo.

contracapa

Este Diário de um homem só, chegou ao termo do seu prazo de validade, após 12 meses de desabafos e dor, cumpriu a missão, e não sendo de catarse, expurgou silêncios, prantos e medos, neste doentio e anómalo sossego, nesta calma podre, nesta serenidade irreal, nesta tranquilidade artificial de autocontrolo, nesta paz doméstica da solidão, sem agitação da vida em comum, sem o dessossego da tua doença, sem o tumulto das tuas crises, sem a desordem do lento e inexorável caminhar terminal do teu enfisema pulmonar. O tempo passa, aumenta a saudade, a dor, a impotência de te rever apenas em fotos e filmes, sem poder(mos) regressar aos locais que passam, todo o dia, nas imagens na moldura digital em frente a mim.

 

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DIANA ZIMBRON SOBRE O DIÁRIO DE UM HOMEM SÓ

DIANA ZIMBRON SOBRE O DIÁRIO DE UM HOMEM SÓ

By CHRYS CHRYSTELLO on 25/05/2025

Quando apresentei, pela primeira vez, um livro de Chrys, o volume VI da série ChrónicAçores, fiz questão de frisar que esse não era o último, apenas, na altura o mais recente, e que o autor já teria mais 200 crónicas na gaveta para uma próxima publicação. Fizeram-se caros, ele e a Helena, riram como se não achassem provável. Pois bem, entretanto, o sétimo já anda aí e cá está o ChrónicAçores volume 8: Diário de um Homem Só, uma viagem interior.
E este livro, como o título indica, em formato de diário, não vive de crónicas da gaveta, embora inclua algumas, já publicadas em outros volumes e outros contextos, a propósito de temas que vão ocupando a mente do autor. Pelo contrário, acompanha o dia-a-dia de um homem na sua recente e triste condição de viúvo, durante aproximadamente um ano. Inicia-se num período de grande tensão emocional, com o agravamento do estado de saúde da sua esposa, em dezembro de 2023 e relata-nos episódios reais, dá voz a um drama que preferíamos que fosse ficção. Que nos é próximo demais. Que mal podemos e não queremos imaginar.
O desespero da luta contra o tempo. Os constrangimentos e dificuldades de lidar com a logística e com as necessidades mais básicas a satisfazer. O esvair da imagem que se tem de um ente querido. De um ente muito querido. O mais querido de todos. A companheira de uma ou várias vidas.
Como ela quase deixou de comunicar, como deixou de ter energia, deixou de se interessar por pequenas coisas e abandonou os seus hábitos, num esforço insuportável para o mais simples e nada devia ser mais simples do que respirar.
Também vivemos, através das palavras do autor, os altos e baixos. As pequenas esperanças de recuperar alguma mobilidade. E, depois, a aceitação. A espera.
O simbolismo e significado de um chocolate por comer.
O sentimento de estar à mercê de algo muito mais forte, imprevisível e, esta palavra surge amiúde, ao longo do livro: inelutável.
Uma vivência demasiado real, demasiado íntima, demasiado dolorosa. A Visita da Saúde, mais um alto. Depois o derradeiro baixo.
Como custa morrer. Como custa viver.
O autor leva-nos pela mão, — já anteriormente o fez, por paragens mais longínquas, mais agradáveis ou, pelo menos, mais ligeiras — desta feita, através de um processo complexo de luto. Mostra o feio e o horrendo. Para que saia fortificado, tal como nos explica, e cito:
“a única forma de ser invulnerável é ser quase totalmente vulnerável, mas quanto mais vulnerável se é, mais capaz se é de sofrer as dores, humilhações e desaires, e assim serás capaz de enfrentar qualquer audiência. As pessoas devem comprometer-se a contar a sua história sem cuidarem do número de pessoas que a vão ler ou ouvir.” (Fim de citação)
A relatividade do tempo tem o condão de infligir chagas físicas. Enquanto 29 anos, vividos em comunhão com a sua esposa, pareceram passar num ápice, agora, cada hora como que dura 29 longos anos.
Na sua dor, desvia momentaneamente o foco para a busca do conhecimento, a racionalização, procurando organizar os seus sentimentos, de modo a conseguir continuar a funcionar.
Logo nos apresenta ao conceito de “individualidade dolorosa”, desenvolvido por Susan Sontag, em que a solidão introspetiva teria efeitos construtivos na eloquência. Não que Chrys tivesse falta dela. Mas entenda-se esta reflexão como manifestação da esperança de que, de algo tão mau, pudesse vir algo minimamente positivo.
É preciso aprender a viver na nova realidade. O contraste é muito bem descrito no excerto que se segue:
“com a Nini encontrei a minha razão de estar no mundo, era o meu mundo, o dela, o nosso, e era um mundo lindo, nadávamos nos dias, contra marés e tsunamis, bebíamos o chá doce de todos os anos juntos a que ela acrescentava sempre dois pacotes de açúcar pois nunca era suficientemente doce. Acordávamos com o chilrear dos pássaros, por entre ventos e tempestades, chuvas e derrocadas, marés gigantes e nevoeiros cerrados, nesta bruma húmida que caía pelas paredes da casa. Viajámos pelo mundo, dele fizemos o nosso lar, sem fronteiras nem passaportes, voando nas asas da utopia, criámos encontros, publicámos livros, unimos pontes e continentes, e quando estávamos a chegar ao cume dos nossos sonhos, abriu-se o alçapão da vida e sem apelo nem agravo, sem pedir licença, sem dó nem piedade sugou-te e deixou-me suspenso neste abismo que hoje são os meus dias, iguais e vazios.” (Fim de citação)
Tal como os seus dias, as páginas deste diário enchem-se das “minudências de dias vazios”. Os formulários, os pedidos, os certificados, as voltinhas, os dísticos, as contas, os impostos, as despesas. Burocracias ridículas, igualmente inelutáveis. Sobrevivência autómata, ultrapassando obstáculos a curto prazo.
“A vida é uma greve de serviços mínimos,” diz o autor.
E apercebendo-se do pouco que isso é, para Chrys, torna-se essencial o lançamento de metas, como quem projeta um gancho, na ponta de uma corda, para dela se puxar, para se fazer avançar, ou apenas para se manter de pé. “Dar ao mundo as tuas obras, Nini. Realizar o colóquio em Santa Maria, como planeámos juntos”. Aqui, uma sobrevivência motivada por objetivos a médio prazo.
Ao mesmo tempo, a sobrevivência à base de memórias adubada pela fertilidade de outrora. Os acasos que lhes guiaram os passos, as peripécias, as pequenas implicâncias, quem as não tem.
 
Felizmente as suas fortes convicções ajudam a manter vertical a orientação corporal, como relembra o próprio, nas seguintes declarações:
Rezam as crónicas que sou moderadamente otimista há décadas, baseado no princípio de que as coisas podem sempre ser piores, mas também podem melhorar”; e “Uma das coisas que me mantém vivo é a idealidade, além de económica tem funções terapêuticas importantes.” (fim de citação)
Cá e lá, no seu estilo bem conhecido, laivos de humor também sobreviveram e despontaram, nas suas memórias, nos comentários e escolha de partilhas. Uma dessas, cito:
“Estava em Lisboa numa das minhas incursões a Portugal, e um primo direito recém-casado com uma menina muito bem da Linha de Cascais, queria impressionar-me com a casa, a riqueza, a mulher cor-de-rosa e tudo o mais para australiano ver. Ao jantar iluminado por música clássica e ao som da romântica luz de velas, em castiçais de prata maciça, colocam-me (já servido) um prato de comida. Iria ficar a deliciar-me durante longos minutos. Passeava o garfo em círculos concêntricos ou em espiral, movimentos entrecortados com o saltitar da faca, esboçando novos bailados ou desenhos no molho viscoso e escuro. Imagens que a luz das velas não deixava penetrar…O cheiro intenso e a consistência eram óbvias, maldito polvo. Lá se fora a cerimónia, antigamente denominada “das nove horas”. A jovem esposa foi, de emergência, meter no micro-ondas um bife a descongelar. Seria este o primeiro e único jantar em casa do primo, quer nesse casamento quer no seguinte. Ainda hoje me interrogo por que nunca mais fui convidado.” (fim de citação)
 
Sempre provocatório, porém com empatia singela pela morte de uma paroquiana da sua freguesia, em plena missa, diz” Como ateu, diria que deus estava impaciente, mas poderia ter esperado um pouco, pelo fim da missa para a chamar ao seu encontro.” (fim de citação)
 
Pouco a pouco, no contratempo de tomar um copo de terapia para aguentar, no intervalo de mudar os passe-partouts de sítio e arquivar bibelôs, com esperança que a mulher lhe venha ralhar, Chrys mostra-nos a sua natureza e aquilo que o move. Pois como ele bem descreve:
“Todos conhecemos o perigo dos vulcões endormidos. Não podem ser perturbados, tal como os ursos hibernados não podem ser molestados no seu descanso. Nunca se sabe o que podem fazer quando enraivecidos, perseguindo os humanos como se fossem presas fáceis, enquanto os vulcões derramam a lava sob a forma escrita, expelindo raivas ancestrais incontidas, sofrimentos amarfanhados, dores insofridas, paixões por materializar e tudo o mais que temporariamente calaram à espera do dia do juízo final, em que pudessem falar como se não houvesse amanhã, como se tudo tivesse de ser dito já hoje e agora, aqui, sob pena de se perder o momento, essa janela do tempo que nos permite, por meros instantes, ser quem realmente somos, sem qualquer máscara ou peia social.” (fim de citação)
 
Neste livro, julgo que mais do que nos anteriores, raivas ancestrais são expelidas em chibatadas breves e assertivas. O autor chama falsos aos falsos, parolos aos parolos, escroques e vígaros a quem de direito, falhado a uma figura pública. Revela quem lhe estende a mão e quem lhe volta as costas.
Já dizia o ditado que mais vale um bom vizinho ao perto do que um mau parente ao longe.
Nesta narrativa de perda, o autor assume que Helena lhe faz falta de muitas formas. O yin perdeu o yang ou vice-versa. E a função moderadora, agregadora e revisora da esposa revela realmente a sua ausência. Imagina-se que parte destas traulitadas não teriam passado no seu filtro. Possivelmente, no que toca à parte feia e suja das relações familiares.
Outras, mais inócuas não deixam de ser engraçadas. Por exemplo:
“Esqueci-me de noticiar que o Telmo há dias postou a imagem duma mota para combater a meia-idade, tinha idade para ter juízo, devia ter feito isso há 20 anos e não agora…”
Cumprindo com a sua função jornalística, o autor noticia assim, num diálogo com a esposa, como se esta o fosse ler, na secretária ao seu lado, no escritório da falsa. Aliás, dirige-se a ela ao longo da obra, mantendo-a, deste modo, perto de si e perto de nós, para que não caia no esquecimento. Mas, mais do que isso, num processo que apenas atribuímos aos filmes, pressente a mulher ao seu lado, sentindo a sua permanência, nos hábitos de 29 anos. Como se ouvisse, ainda, as suas recomendações, à saída para ir à farmácia. E parecendo dizer:
“Nem crer, nem deixar de crer. Pelo sim, pelo não, não me demoro.”
No seu percurso, Chrys pratica a escrita como principal forma de autocuidado.
A certa altura, sente-se na coragem de visitar a sua terra, lá em “Portugal” (palavras dele) — numa “Uma escapadela a Portugal” — e vai lá à Freguesia da Eucísia, que insiste ser tão pouco pomposa como a Aldeia da Lomba da Maia.
Vá-se lá perceber porquê, gosta de chamar umas coisas pelos seus nomes e outras não. Ou talvez se perceba, conhecendo o seu hobby provocatório. De terras portuguesas, partilha a seguinte análise acutilante:
 
“Aqui a saúde não tem grandes centros nem urgências, desertificada como as terras e terriolas, sem serviços nem gente. Ter um AVC aqui é meio caminho andado para o cemitério, mas vamos com boas vistas. (…)
Há estradas, vias rápidas, as velhas N-215 e a N-315, foram asfaltadas, mas não há gente e o movimento é tão diminuto como há 60 anos. (…)
Agora que há meios, não há gente para usufruir deles que tanta falta faziam quando estas férteis terras produziam tanta agricultura (e a Europa suspendeu). Custa ver estas encostas pejadas de oliveiras, inúmeras árvores de frutos, sem vivalma para as apanhar. Tanto que isto podia ser celeiro da nação, nem gente há para tratar delas. Dizem-me que a amêndoa de há 2 anos ficou armazenada sem se vender a preços irrisórios que nem cobriam as despesas da apanha.
Dos emigrantes que nas últimas décadas usaram para as colheitas, dizem-me que os ucranianos são os mais voluntariosos, já se foram os romenos de triste memória e vieram os búlgaros, igualmente uma desgraça. Portugueses nem vê-los.” (fim de citação)
 
Posteriormente, uma reflexão que passo a ler:
 
E já passou uma semana sobre o meu regresso da aldeia, revigorante, mas simultaneamente trouxe matéria para cogitação. Hoje os jovens (os meus filhos são disso exemplo) não conhecem a família nem têm memórias de infância a perpetuar e marcantes como as nossas. De que se vão lembrar quando tiverem a minha idade? Dum jogo de GameBoy? dum jogo de internet, dum torneio PlayNesti que venceram? Sem recordações de família alargada de Festas de Páscoa ou Natal em famílias com primos e tios só lhes restam os jogos.” (fim de citação)
 
Para além das reflexões a que nos obriga, de índole económica, pessoal e social, Chrys demonstra como os fenómenos naturais têm o poder de alterar o curso da história. Enriquecendo este difícil ano de vida, para seu e nosso benefício, com relatos da Subversão de Vila Franca do Campo, incluindo palavras de Gaspar Frutuoso.
Recupera e recicla material anteriormente utilizado, conforme vão surgindo temas dignos de nota. Alterando ligeiramente o discurso, apurando um ou outro recurso linguístico, como se dissesse: “a ver se consigo contar isto de uma maneira diferente. Vá, agora já passou a mensagem?”
Ao mesmo tempo, vai-nos dando conta do seu espírito e da sua sujeição a ações externas, a saber o estado do tempo ou contactos e convites que lhe estendam.
Como bom jornalista que é, faz apontamentos de sismos e intempéries na ilha. Entre as idas à farmácia — onde, pelo sim, pelo não, não se demora — e as irritações com os bolardos no parque de estacionamento do Hospital, dá conta, de recordes de temperatura que se sucedem. Numa narrativa bem documentada, que lhe é característica.
Se tivermos a pretensão de que, no futuro, alguém dê importância a seja o que for, a obra de Chrys será um tesouro para os historiadores dos próximos séculos.
Como o sino da igreja, do seu posto de observação, o autor pauta casamentos e funerais da sua Aldeia.
Sempre com um olho, crítico e analítico, no mundo, reporta acontecimentos desportivos, acidentes de aviação, guerras, fogos e assuntos mais ou menos sérios e preocupantes. Das suas observações, passo a citar algumas:
“Um Estado que deixa tribunais, conservatórias, e demais serviços públicos em Ponta Delgada (e em todas as ilhas) ao abandono, ao ponto de chover lá dentro, caírem tetos, estarem salas fechadas e os processos à espera de navegarem se chover muito, esse Estado não merece os impostos que arrecada.
As escolas, mesmo as mais novas, parecem precárias, dada a falta de manutenção, a deficiente construção, infiltrações, falhas estruturais e falta de verba para funcionarem em condições mínimas. No ensino falta tudo, dantes faltavam os bons resultados agora faltam professores, faltam assistentes operacionais, e até faltam (cada vez mais) alunos.
Madeira ardida é papel barato, mesmo que seja à custa de uma centena de vidas.
A versão oficial: o fogo de Pedrógão Grande começou com um raio numa árvore em Escalos Fundeiros. Com um nome destes não havia de cair lá um raio!
Quando me levantei a 6 de novembro do ano da desgraça de 24 já a raposa estava no galinheiro e as ovelhas tinham votado no lobo.”
 
Na sua narrativa, Chrys explica-nos que a história se repete e como ela se repete, por exemplo com uma comparação entre a ocupação da Ucrânia e os acontecimentos que levaram Olivença.
Ademais, ao longo da sua obra, sobressai um sentimento de desilusão pela aplicação coxa da democracia. Foi para isto que lutámos, foi esta a nossa herança? Para isto apregoámos liberdade? E cito:
Cheguei agora da praia (Moinhos), a favorita entre todas as parcas nesgas de areia da ilha (Pópulo e Milícias desgostam-me ambas pelos nomes pejados de democracia malcheirosa). Perdão, que alguém ao ler estas linhas (agora que o Governo guarda todas as nossas mensagens, nunca se sabe a que mãos isto irá parar) pode pensar que não perfilho dum amor doentio pela democracia. Mentiria se não o afirmasse aqui, só que esta democracia à portuguesa é tão triste e pequenina como o país. Sinto saudades de democracias grandes (como a australiana) e de países desse tamanho…” (fim de citação)
 
O autor enfatiza e demonstra como falta, ao país, tal como à região, visão a longo prazo em todos os setores. Tapa-se o sol com a peneira. Compra-se uma pistola para dar silicone nos buraquinhos, mas que seja a pistola mais cara e portentosa. Linda, invejável. Recomendo a leitura da crónica “VARINHA MÁGICA PRECISA-SE”, que muito bem exemplifica esta crítica. Chrys está convicto de que é possível fazer melhor, se houver humildade de tentar procurar os bons exemplos. Os bons exemplos, desta feita, que dos maus já nos fartámos.
Inspirada pelo autor que vim modestamente atentar — e tendo todo o cuidado, porque, cito: “As visões críticas ou não conformadas aos cânones podem acarretar sérios riscos para a saúde mental dos seus autores” —deixo uma notícia que sendo da minha área me interessa particularmente:
“O Governo regional aprovou, no passado dia 14, a aquisição de 700 painéis interativos e 4.500 computadores portáteis, visando a modernização das unidades orgânicas do sistema educativo regional”, enquanto isso, não há solução à vista para a falta de pessoal auxiliar nas escolas. Ou talvez seja essa a solução! IA em grande plano no quadro interativo: “menino X, faça favor de limpar o ranho”; “sinta-se servido de mais macarrão”; “não morda a sua colega”.
Deixo também duas recomendações: 1- preferencialmente, não enviuvar; e 2- não ler as crónicas “festivas” do Chrys, realismo exacerbado, chama-lhe.
 
Numa última nota, mais artística e colorida, volto a citar Chrys Chrystello:
 
“deparei com uma camioneta de passageiros estacionada aguardando o começo da semana para voltar a trabalhar. Acorreu‑me a ideia peregrina de como seria uma aventura “pedir emprestada” a carripana, começar a percorrer as aldeias (ditas freguesias nas ilhas) e gravar as histórias que os passageiros fossem contando. A viagem não teria destino. Duraria tanto quanto as histórias dos passageiros. Não seriam cobrados bilhetes. Pararia em todos os locais, podendo deter‑se para que fossem contadas as histórias e lendas do local onde paravam. Que livro maravilhoso não daria esse compêndio de histórias apanhadas ao acaso daqueles que tomassem o autocarro dos sonhos.” (fim de delírio)
 
O autor afirma: “Já vivi muito e intensamente as vidas todas que me foram proporcionadas” E eu acredito. Mas vamos nesse autocarro? Uma breve viagem.
 
Pelo sim, pelo não, não se demore.
 
 
 
 
 

 

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DIANA ZIMBRON SOBRE O DIÁRIO DE UM HOMEM SÓ

By CHRYS CHRYSTELLO on 25/05/2025

Quando apresentei, pela primeira vez, um livro de Chrys, o volume VI da série ChrónicAçores, fiz questão de frisar que esse não era o último, apenas, na altura o mais recente, e que o autor já teria mais 200 crónicas na gaveta para uma próxima publicação. Fizeram-se caros, ele e a Helena, riram como se não achassem provável. Pois bem, entretanto, o sétimo já anda aí e cá está o ChrónicAçores volume 8: Diário de um Homem Só, uma viagem interior.
E este livro, como o título indica, em formato de diário, não vive de crónicas da gaveta, embora inclua algumas, já publicadas em outros volumes e outros contextos, a propósito de temas que vão ocupando a mente do autor. Pelo contrário, acompanha o dia-a-dia de um homem na sua recente e triste condição de viúvo, durante aproximadamente um ano. Inicia-se num período de grande tensão emocional, com o agravamento do estado de saúde da sua esposa, em dezembro de 2023 e relata-nos episódios reais, dá voz a um drama que preferíamos que fosse ficção. Que nos é próximo demais. Que mal podemos e não queremos imaginar.
O desespero da luta contra o tempo. Os constrangimentos e dificuldades de lidar com a logística e com as necessidades mais básicas a satisfazer. O esvair da imagem que se tem de um ente querido. De um ente muito querido. O mais querido de todos. A companheira de uma ou várias vidas.
Como ela quase deixou de comunicar, como deixou de ter energia, deixou de se interessar por pequenas coisas e abandonou os seus hábitos, num esforço insuportável para o mais simples e nada devia ser mais simples do que respirar.
Também vivemos, através das palavras do autor, os altos e baixos. As pequenas esperanças de recuperar alguma mobilidade. E, depois, a aceitação. A espera.
O simbolismo e significado de um chocolate por comer.
O sentimento de estar à mercê de algo muito mais forte, imprevisível e, esta palavra surge amiúde, ao longo do livro: inelutável.
Uma vivência demasiado real, demasiado íntima, demasiado dolorosa. A Visita da Saúde, mais um alto. Depois o derradeiro baixo.
Como custa morrer. Como custa viver.
O autor leva-nos pela mão, — já anteriormente o fez, por paragens mais longínquas, mais agradáveis ou, pelo menos, mais ligeiras — desta feita, através de um processo complexo de luto. Mostra o feio e o horrendo. Para que saia fortificado, tal como nos explica, e cito:
“a única forma de ser invulnerável é ser quase totalmente vulnerável, mas quanto mais vulnerável se é, mais capaz se é de sofrer as dores, humilhações e desaires, e assim serás capaz de enfrentar qualquer audiência. As pessoas devem comprometer-se a contar a sua história sem cuidarem do número de pessoas que a vão ler ou ouvir.” (Fim de citação)
A relatividade do tempo tem o condão de infligir chagas físicas. Enquanto 29 anos, vividos em comunhão com a sua esposa, pareceram passar num ápice, agora, cada hora como que dura 29 longos anos.
Na sua dor, desvia momentaneamente o foco para a busca do conhecimento, a racionalização, procurando organizar os seus sentimentos, de modo a conseguir continuar a funcionar.
Logo nos apresenta ao conceito de “individualidade dolorosa”, desenvolvido por Susan Sontag, em que a solidão introspetiva teria efeitos construtivos na eloquência. Não que Chrys tivesse falta dela. Mas entenda-se esta reflexão como manifestação da esperança de que, de algo tão mau, pudesse vir algo minimamente positivo.
É preciso aprender a viver na nova realidade. O contraste é muito bem descrito no excerto que se segue:
“com a Nini encontrei a minha razão de estar no mundo, era o meu mundo, o dela, o nosso, e era um mundo lindo, nadávamos nos dias, contra marés e tsunamis, bebíamos o chá doce de todos os anos juntos a que ela acrescentava sempre dois pacotes de açúcar pois nunca era suficientemente doce. Acordávamos com o chilrear dos pássaros, por entre ventos e tempestades, chuvas e derrocadas, marés gigantes e nevoeiros cerrados, nesta bruma húmida que caía pelas paredes da casa. Viajámos pelo mundo, dele fizemos o nosso lar, sem fronteiras nem passaportes, voando nas asas da utopia, criámos encontros, publicámos livros, unimos pontes e continentes, e quando estávamos a chegar ao cume dos nossos sonhos, abriu-se o alçapão da vida e sem apelo nem agravo, sem pedir licença, sem dó nem piedade sugou-te e deixou-me suspenso neste abismo que hoje são os meus dias, iguais e vazios.” (Fim de citação)
Tal como os seus dias, as páginas deste diário enchem-se das “minudências de dias vazios”. Os formulários, os pedidos, os certificados, as voltinhas, os dísticos, as contas, os impostos, as despesas. Burocracias ridículas, igualmente inelutáveis. Sobrevivência autómata, ultrapassando obstáculos a curto prazo.
“A vida é uma greve de serviços mínimos,” diz o autor.
E apercebendo-se do pouco que isso é, para Chrys, torna-se essencial o lançamento de metas, como quem projeta um gancho, na ponta de uma corda, para dela se puxar, para se fazer avançar, ou apenas para se manter de pé. “Dar ao mundo as tuas obras, Nini. Realizar o colóquio em Santa Maria, como planeámos juntos”. Aqui, uma sobrevivência motivada por objetivos a médio prazo.
Ao mesmo tempo, a sobrevivência à base de memórias adubada pela fertilidade de outrora. Os acasos que lhes guiaram os passos, as peripécias, as pequenas implicâncias, quem as não tem.
 
Felizmente as suas fortes convicções ajudam a manter vertical a orientação corporal, como relembra o próprio, nas seguintes declarações:
Rezam as crónicas que sou moderadamente otimista há décadas, baseado no princípio de que as coisas podem sempre ser piores, mas também podem melhorar”; e “Uma das coisas que me mantém vivo é a idealidade, além de económica tem funções terapêuticas importantes.” (fim de citação)
Cá e lá, no seu estilo bem conhecido, laivos de humor também sobreviveram e despontaram, nas suas memórias, nos comentários e escolha de partilhas. Uma dessas, cito:
“Estava em Lisboa numa das minhas incursões a Portugal, e um primo direito recém-casado com uma menina muito bem da Linha de Cascais, queria impressionar-me com a casa, a riqueza, a mulher cor-de-rosa e tudo o mais para australiano ver. Ao jantar iluminado por música clássica e ao som da romântica luz de velas, em castiçais de prata maciça, colocam-me (já servido) um prato de comida. Iria ficar a deliciar-me durante longos minutos. Passeava o garfo em círculos concêntricos ou em espiral, movimentos entrecortados com o saltitar da faca, esboçando novos bailados ou desenhos no molho viscoso e escuro. Imagens que a luz das velas não deixava penetrar…O cheiro intenso e a consistência eram óbvias, maldito polvo. Lá se fora a cerimónia, antigamente denominada “das nove horas”. A jovem esposa foi, de emergência, meter no micro-ondas um bife a descongelar. Seria este o primeiro e único jantar em casa do primo, quer nesse casamento quer no seguinte. Ainda hoje me interrogo por que nunca mais fui convidado.” (fim de citação)
 
Sempre provocatório, porém com empatia singela pela morte de uma paroquiana da sua freguesia, em plena missa, diz” Como ateu, diria que deus estava impaciente, mas poderia ter esperado um pouco, pelo fim da missa para a chamar ao seu encontro.” (fim de citação)
 
Pouco a pouco, no contratempo de tomar um copo de terapia para aguentar, no intervalo de mudar os passe-partouts de sítio e arquivar bibelôs, com esperança que a mulher lhe venha ralhar, Chrys mostra-nos a sua natureza e aquilo que o move. Pois como ele bem descreve:
“Todos conhecemos o perigo dos vulcões endormidos. Não podem ser perturbados, tal como os ursos hibernados não podem ser molestados no seu descanso. Nunca se sabe o que podem fazer quando enraivecidos, perseguindo os humanos como se fossem presas fáceis, enquanto os vulcões derramam a lava sob a forma escrita, expelindo raivas ancestrais incontidas, sofrimentos amarfanhados, dores insofridas, paixões por materializar e tudo o mais que temporariamente calaram à espera do dia do juízo final, em que pudessem falar como se não houvesse amanhã, como se tudo tivesse de ser dito já hoje e agora, aqui, sob pena de se perder o momento, essa janela do tempo que nos permite, por meros instantes, ser quem realmente somos, sem qualquer máscara ou peia social.” (fim de citação)
 
Neste livro, julgo que mais do que nos anteriores, raivas ancestrais são expelidas em chibatadas breves e assertivas. O autor chama falsos aos falsos, parolos aos parolos, escroques e vígaros a quem de direito, falhado a uma figura pública. Revela quem lhe estende a mão e quem lhe volta as costas.
Já dizia o ditado que mais vale um bom vizinho ao perto do que um mau parente ao longe.
Nesta narrativa de perda, o autor assume que Helena lhe faz falta de muitas formas. O yin perdeu o yang ou vice-versa. E a função moderadora, agregadora e revisora da esposa revela realmente a sua ausência. Imagina-se que parte destas traulitadas não teriam passado no seu filtro. Possivelmente, no que toca à parte feia e suja das relações familiares.
Outras, mais inócuas não deixam de ser engraçadas. Por exemplo:
“Esqueci-me de noticiar que o Telmo há dias postou a imagem duma mota para combater a meia-idade, tinha idade para ter juízo, devia ter feito isso há 20 anos e não agora…”
Cumprindo com a sua função jornalística, o autor noticia assim, num diálogo com a esposa, como se esta o fosse ler, na secretária ao seu lado, no escritório da falsa. Aliás, dirige-se a ela ao longo da obra, mantendo-a, deste modo, perto de si e perto de nós, para que não caia no esquecimento. Mas, mais do que isso, num processo que apenas atribuímos aos filmes, pressente a mulher ao seu lado, sentindo a sua permanência, nos hábitos de 29 anos. Como se ouvisse, ainda, as suas recomendações, à saída para ir à farmácia. E parecendo dizer:
“Nem crer, nem deixar de crer. Pelo sim, pelo não, não me demoro.”
No seu percurso, Chrys pratica a escrita como principal forma de autocuidado.
A certa altura, sente-se na coragem de visitar a sua terra, lá em “Portugal” (palavras dele) — numa “Uma escapadela a Portugal” — e vai lá à Freguesia da Eucísia, que insiste ser tão pouco pomposa como a Aldeia da Lomba da Maia.
Vá-se lá perceber porquê, gosta de chamar umas coisas pelos seus nomes e outras não. Ou talvez se perceba, conhecendo o seu hobby provocatório. De terras portuguesas, partilha a seguinte análise acutilante:
 
“Aqui a saúde não tem grandes centros nem urgências, desertificada como as terras e terriolas, sem serviços nem gente. Ter um AVC aqui é meio caminho andado para o cemitério, mas vamos com boas vistas. (…)
Há estradas, vias rápidas, as velhas N-215 e a N-315, foram asfaltadas, mas não há gente e o movimento é tão diminuto como há 60 anos. (…)
Agora que há meios, não há gente para usufruir deles que tanta falta faziam quando estas férteis terras produziam tanta agricultura (e a Europa suspendeu). Custa ver estas encostas pejadas de oliveiras, inúmeras árvores de frutos, sem vivalma para as apanhar. Tanto que isto podia ser celeiro da nação, nem gente há para tratar delas. Dizem-me que a amêndoa de há 2 anos ficou armazenada sem se vender a preços irrisórios que nem cobriam as despesas da apanha.
Dos emigrantes que nas últimas décadas usaram para as colheitas, dizem-me que os ucranianos são os mais voluntariosos, já se foram os romenos de triste memória e vieram os búlgaros, igualmente uma desgraça. Portugueses nem vê-los.” (fim de citação)
 
Posteriormente, uma reflexão que passo a ler:
 
E já passou uma semana sobre o meu regresso da aldeia, revigorante, mas simultaneamente trouxe matéria para cogitação. Hoje os jovens (os meus filhos são disso exemplo) não conhecem a família nem têm memórias de infância a perpetuar e marcantes como as nossas. De que se vão lembrar quando tiverem a minha idade? Dum jogo de GameBoy? dum jogo de internet, dum torneio PlayNesti que venceram? Sem recordações de família alargada de Festas de Páscoa ou Natal em famílias com primos e tios só lhes restam os jogos.” (fim de citação)
 
Para além das reflexões a que nos obriga, de índole económica, pessoal e social, Chrys demonstra como os fenómenos naturais têm o poder de alterar o curso da história. Enriquecendo este difícil ano de vida, para seu e nosso benefício, com relatos da Subversão de Vila Franca do Campo, incluindo palavras de Gaspar Frutuoso.
Recupera e recicla material anteriormente utilizado, conforme vão surgindo temas dignos de nota. Alterando ligeiramente o discurso, apurando um ou outro recurso linguístico, como se dissesse: “a ver se consigo contar isto de uma maneira diferente. Vá, agora já passou a mensagem?”
Ao mesmo tempo, vai-nos dando conta do seu espírito e da sua sujeição a ações externas, a saber o estado do tempo ou contactos e convites que lhe estendam.
Como bom jornalista que é, faz apontamentos de sismos e intempéries na ilha. Entre as idas à farmácia — onde, pelo sim, pelo não, não se demora — e as irritações com os bolardos no parque de estacionamento do Hospital, dá conta, de recordes de temperatura que se sucedem. Numa narrativa bem documentada, que lhe é característica.
Se tivermos a pretensão de que, no futuro, alguém dê importância a seja o que for, a obra de Chrys será um tesouro para os historiadores dos próximos séculos.
Como o sino da igreja, do seu posto de observação, o autor pauta casamentos e funerais da sua Aldeia.
Sempre com um olho, crítico e analítico, no mundo, reporta acontecimentos desportivos, acidentes de aviação, guerras, fogos e assuntos mais ou menos sérios e preocupantes. Das suas observações, passo a citar algumas:
“Um Estado que deixa tribunais, conservatórias, e demais serviços públicos em Ponta Delgada (e em todas as ilhas) ao abandono, ao ponto de chover lá dentro, caírem tetos, estarem salas fechadas e os processos à espera de navegarem se chover muito, esse Estado não merece os impostos que arrecada.
As escolas, mesmo as mais novas, parecem precárias, dada a falta de manutenção, a deficiente construção, infiltrações, falhas estruturais e falta de verba para funcionarem em condições mínimas. No ensino falta tudo, dantes faltavam os bons resultados agora faltam professores, faltam assistentes operacionais, e até faltam (cada vez mais) alunos.
Madeira ardida é papel barato, mesmo que seja à custa de uma centena de vidas.
A versão oficial: o fogo de Pedrógão Grande começou com um raio numa árvore em Escalos Fundeiros. Com um nome destes não havia de cair lá um raio!
Quando me levantei a 6 de novembro do ano da desgraça de 24 já a raposa estava no galinheiro e as ovelhas tinham votado no lobo.”
 
Na sua narrativa, Chrys explica-nos que a história se repete e como ela se repete, por exemplo com uma comparação entre a ocupação da Ucrânia e os acontecimentos que levaram Olivença.
Ademais, ao longo da sua obra, sobressai um sentimento de desilusão pela aplicação coxa da democracia. Foi para isto que lutámos, foi esta a nossa herança? Para isto apregoámos liberdade? E cito:
Cheguei agora da praia (Moinhos), a favorita entre todas as parcas nesgas de areia da ilha (Pópulo e Milícias desgostam-me ambas pelos nomes pejados de democracia malcheirosa). Perdão, que alguém ao ler estas linhas (agora que o Governo guarda todas as nossas mensagens, nunca se sabe a que mãos isto irá parar) pode pensar que não perfilho dum amor doentio pela democracia. Mentiria se não o afirmasse aqui, só que esta democracia à portuguesa é tão triste e pequenina como o país. Sinto saudades de democracias grandes (como a australiana) e de países desse tamanho…” (fim de citação)
 
O autor enfatiza e demonstra como falta, ao país, tal como à região, visão a longo prazo em todos os setores. Tapa-se o sol com a peneira. Compra-se uma pistola para dar silicone nos buraquinhos, mas que seja a pistola mais cara e portentosa. Linda, invejável. Recomendo a leitura da crónica “VARINHA MÁGICA PRECISA-SE”, que muito bem exemplifica esta crítica. Chrys está convicto de que é possível fazer melhor, se houver humildade de tentar procurar os bons exemplos. Os bons exemplos, desta feita, que dos maus já nos fartámos.
Inspirada pelo autor que vim modestamente atentar — e tendo todo o cuidado, porque, cito: “As visões críticas ou não conformadas aos cânones podem acarretar sérios riscos para a saúde mental dos seus autores” —deixo uma notícia que sendo da minha área me interessa particularmente:
“O Governo regional aprovou, no passado dia 14, a aquisição de 700 painéis interativos e 4.500 computadores portáteis, visando a modernização das unidades orgânicas do sistema educativo regional”, enquanto isso, não há solução à vista para a falta de pessoal auxiliar nas escolas. Ou talvez seja essa a solução! IA em grande plano no quadro interativo: “menino X, faça favor de limpar o ranho”; “sinta-se servido de mais macarrão”; “não morda a sua colega”.
Deixo também duas recomendações: 1- preferencialmente, não enviuvar; e 2- não ler as crónicas “festivas” do Chrys, realismo exacerbado, chama-lhe.
 
Numa última nota, mais artística e colorida, volto a citar Chrys Chrystello:
 
“deparei com uma camioneta de passageiros estacionada aguardando o começo da semana para voltar a trabalhar. Acorreu‑me a ideia peregrina de como seria uma aventura “pedir emprestada” a carripana, começar a percorrer as aldeias (ditas freguesias nas ilhas) e gravar as histórias que os passageiros fossem contando. A viagem não teria destino. Duraria tanto quanto as histórias dos passageiros. Não seriam cobrados bilhetes. Pararia em todos os locais, podendo deter‑se para que fossem contadas as histórias e lendas do local onde paravam. Que livro maravilhoso não daria esse compêndio de histórias apanhadas ao acaso daqueles que tomassem o autocarro dos sonhos.” (fim de delírio)
 
O autor afirma: “Já vivi muito e intensamente as vidas todas que me foram proporcionadas” E eu acredito. Mas vamos nesse autocarro? Uma breve viagem.
 
Pelo sim, pelo não, não se demore.
 
 
 
 
 

 

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OSVALDO CABRAL SINAIS DE DEGRADAÇÃO

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SINAIS DE DEGRADAÇÃO
A candidatura de André Ventura às presidenciais de 18 de Janeiro veio baralhar o cenário político e é muito provável que tenha influência nas eleições autárquicas do próximo dia 12 de Outubro.
É sabido que a maior fraqueza do Chega é não ter mais ninguém sem ser Ventura, enfermando do mesmo problema o Chega-Açores, em que a figura do omnipresente José Pacheco trava a expansão do Chega.
É neste sentido que as autárquicas vão ser interessantes, também aqui nos Açores, para se medir os sinais que o eleitorado vai dar com vista aos actos eleitorais seguintes.
Quem anda na rua sabe que existe uma crescente insatisfação com a governação da coligação regional, mas também não se vê no PS de Francisco César a alternativa desejada.
Os sinais parecem evidentes e a observação que nos parece mais clara no espaço público é que muitos eleitores já não querem saber da qualidade dos candidatos, mas antes a melhor forma de demonstrarem o descontentamento, de preferência na força política que mais protesta e fala a mesma linguagem das conversas de café.
Para estes eleitores, que são cada vez mais, o voto no Chega de Ventura e Pacheco é um voto de catarse, de raiva e vingança contra os “velhos” partidos que não estão a perceber o que está a acontecer e que teimam em governar sempre da mesma maneira.
Os erros e vícios acumulam-se atrás uns dos outros, como ainda agora aconteceu na última sessão plenária do parlamento regional, em que os deputados do Chega deram um baile às bancadas da coligação em dois temas muito mal geridos pela equipa de Bolieiro: a redução de despesas e da dívida pública e a trapalhada da cedência do complexo do Lajedo ao Santa Clara.
As pessoas vão-se cansando desta degradação na política regional e a reacção mais básica é protestar juntamente com os que também protestam, à falta de criatividade e profundas reformas.
É verdade que as eleições autárquicas são diferentes das outras, onde os partidos não estão no centro da decisão de cada eleitor, mas sim a credibilidade dos candidatos, o grau de proximidade e a apreciação pessoal no meio local.
Por isso, vai ser interessante seguir o movimento dos eleitores no dia 12 de Outubro: ou mantêm a clássica posição de votar nos candidatos que acham mais adequados às suas freguesias e municípios (são as eleições onde há mais transferências de voto partidário), ou mandam às malvas a tradição e votam no Chega ou grupos independentes, só para demonstrarem a sua insatisfação com os partidos do sistema.
Acho que não é de menosprezar a segunda hipótese, como parecem alguns candidatos incumbentes, até porque não é por acaso que o Chega apresenta-se a todos os municípios dos Açores, mesmo com candidatos “importados”, para capitalizar o tal descontentamento generalizado.
As eleições não serão, assim, um passeio para os candidatos dos maiores partidos da Região.
Vão ter que se aplicar e, muitos deles, certamente que preferem não ter ao seu lado os respectivos líderes.
Seja qual for o resultado, uma coisa é certa: há cada vez mais sinais de degradação da vida política, os protagonistas são cada vez mais fracos e a linguagem utilizada, sobretudo no parlamento e no espaço público, é de uma mediocridade ainda mais degradante.
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GOVERNAR POR GRUPOS – É um clássico da governação em qualquer parte, mas com mais incidência nos Açores: quando não se tem capacidade para decidir ou realizar obra, cria-se um grupo de trabalho!
Já perdi a conta do número de grupos e comissões nomeadas pela coligação regional para estudar inúmeros assuntos, sendo os mais ridículos a nomeação de grupos de trabalho para estudar o estudo que já está feito, como o estudo da ampliação da pista do Pico ou do serviço de transporte marítimo de carga.
Na semana passada o Governo dos Açores nomeou mais dois: um Grupo de Trabalho para as pragas nas vindimas e mais uma comissão para avaliar o futuro do HDES. O primeiro é para estudar o óbvio, de que os vitivinicultores queixam-se há vários anos, e o segundo é para empurrar com a barriga as obras no HDES, que já deviam ter arrancado no primeiro semestre deste ano.
Outros grupos e comissões que deambulam por aí, sem que se conheçam resultados: Grupo de Trabalho para desenvolver projecto-piloto para a semana de quatro dias; Dois Grupos de Trabalho para planear o rejuvenescimento e os novos modelos de organização do trabalho na Administração Pública Regional; Grupo de Trabalho para rever e melhorar o funcionamento das Comissões para a Dissuasão da Toxicodependência; Grupo de Trabalho para o Projecto Anel Interilhas (este sugerido à República); Grupo de Trabalho para avaliar os danos no HDES; Grupo de Trabalho Recursos Marinhos Não Vivos; Grupo de Trabalho para estudar eventual aumento de deportados dos EUA; Grupo de Trabalho para estudar um regulamento das touradas à corda; Grupo de Trabalho para a revisão do POTRAA; Grupo de Trabalho para estudar a figura do Cuidador de Crianças; Grupo de Trabalho para estudar o parque habitacional de Santa Maria…
E não acaba aqui. Já nem faço referência à longa lista de comissões, que também é extensa.
O grupo de trabalho sobre as pragas bem poderia estudar, também, esta praga.
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GANÂNCIA – Os bancos portugueses andaram a enganar a população durante mais de uma década, trocando entre si informações confidenciais sobre taxas de juro, empréstimos e comissões, para combinarem uma concertação de preços.
A garotice foi descoberta pela Autoridade da Concorrência e os tribunais condenaram a banca a uma multa ridícula de 225 milhões de euros, que acabou por ser prescrita devido ao lindo sistema judicial que temos no país das maravilhas.
Ao “cartel da banca” seguiu-se o “cartel da distribuição”, outra praga que merecia um Grupo de Trabalho, que também apostou na combinação de preços, sendo condenado a 700 milhões de euros, que deverão ter o mesmo destino da banca..
Se o Estado português é o primeiro a dar o exemplo de incumprimento para com os cidadãos, onde tudo falha, não é surpresa que os grandes privados sigam a banda no país dos brandos costumes.
Os consumidores, como sempre, é que se lixam!
Osvaldo Cabral
Setembro 2025
(Açoriano Oriental, Diário Insular, Portuguese Times EUA, LusoPresse Montreal)

É improvável que alguém nascido depois de 1939 viva até aos 100 anos – ZAP Notícias

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Embora o número de centenários possa estar a aumentar, uma nova investigação revela que, estatisticamente, ninguém que viva atualmente deve esperar viver até aos 100 anos.

Source: É improvável que alguém nascido depois de 1939 viva até aos 100 anos – ZAP Notícias

(eleições à vista) viver é uma canseira

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viver é uma canseira abr 2025

 

Li há dias numa parede grafitada que viver é uma canseira, quem o disse e recriou para a posteridade deve ter tido uma vida desastradamente monótona e desinteressante.

A minha maior canseira foi chegar à 4ª idade com o cérebro de 25 anos e um corpo de 125.

Nem queiram saber o rol de maleitas que surgem, umas atrás das outras num corpo aparentemente saudável e não muito escalavrado pelos anos. É esta canseira que ora me aflige pela expectativa daquilo que de pior ainda está por chegar.

Sempre pedi à minha mulher que não me deixasse conhecer este estado civil de viuvez pois já pressentia as dores que traria.

É precisamente agora que pareço ter perdido toda e qualquer réstia de paciência, para ouvir as promessas ocas dos políticos balofos, que nunca fizeram nada na vida a não ser venderem promessas vazias. E de eleição em eleição reciclam-se e prometem o que já tinham prometido e que tanto eles como os eleitores se esqueceram.

E tudo aquilo que ainda não fizeram, em mandatos anteriores, será agora que vão fazer, até melhor do que seria de esperar dada a conjuntura, que, conjuntamente com a ingrata mãe natura, o clima, a economia, a guerra (qualquer uma, não importa), algumas potências estrangeiras, a globalização, o protecionismo ou outro qualquer asteroide impediram anteriormente que fosse realizado.

Entre outras notícias de somenos importância desfilam pelos entediantes ecrãs da nossa realidade destilando palavras inócuas que parecem encher o mundo de bolas de cristal coloridas plenas de futuros acontecimentos inconseguidos.

O tempo, esse mestre maior, acaba sempre por se ver livre dos seus seguidores e, mais cedo ou mais tarde, transita para outra dimensão onde deles jamais se ouvirá falar. Mas logo outros políticos de carreira surgirão para lhes tomar o lugar. Escrevo isto e lembro a história de Roma ao longo de séculos, e sorrio ao vê-la aqui reproduzida já no curto espaço da minha vida.

Está aí mais uma eleição à sua espera, e de nada servirá o seu voto exceto para justificar que a democracia ainda é o melhor sistema de todos, apesar das suas fragilidades, desigualdades, iniquidades e abusos e se estiver numa fase da vida que é uma canseira, como eu estou, sabe bem que a autocracia e a ditadura ainda o fariam bem mais infeliz.

A NOVELA INÉDITA DE HELENA CHRYSTELLO

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A NOVELA INÉDITA DE HELENA CHRYSTELLO 25.1.2025

 

Dia 26 de janeiro passou um ano de imensa saudade pela partida da minha mulher, professora, pedagoga, autora e vice-presidente dos nossos Colóquios da Lusofonia.

No seu espólio guardado ciosamente sem intervenção de olhares estranhos por décadas, encontramos manuscritos vários que enviamos à amiga e escritora Anabela Brito de Freitas (ex-Mimoso) para melhor indagar sobre o seu conteúdo.

Dentre as inúmeras surpresas estava uma novela completa datada de 1976 quando a Helena tinha 21 anos incompletos e é dessa obra que aqui damos conta (celebrando um ano de dolorosa ausência) nas palavras da sua descobridora Anabela Freitas:

Helena Chrystello, O Silêncio da Paixão

 

É difícil fazer a apresentação de uma obra como O Silêncio da Paixão. Desde logo pelo meu envolvimento no texto, envolvimento que durou meses. Mas seria sempre uma tarefa hercúlea, sobretudo, porque esta novela abre as portas a muitas leituras possíveis, porque é densa, porque nos envolve e depois nos arrasta com ela. Daria um outro livro falar na riqueza dos recursos a que a autora lança mão para nos seduzir com eles.

A única tarefa fácil é a de dizer-vos do que fala o texto. A autora fez isso por nós e incluiu o resumo que o encabeça e que deve ter funcionado como um guia para a sua escrita.

Clara Viel, a artista que cantou através do mundo inteiro. Aí está ela, na flor da vida, isolada em Joinville, no Cotentin. As dunas, o mar cinzento e a solidão. Ninguém sabe por que é que ela renunciou repetidamente à sua carreira, abandonou a música, os teatros, fugindo cada vez para mais longe.

Estranha, silenciosa. Como única testemunha daquilo que ela parece procurar obstinadamente, um jovem. Para únicas imagens – apenas rochedos, água e céu – estes clarões dilacerantes das recordações. Berlim, o encontro com um pintor, Eric, o amor que irradia a memória. Como única ligação ao mundo exterior estas cartas chegadas de Praga onde alguém a ama ainda.

Na lembrança tenaz, existe uma rotura. Fenda também na sua arte. Uma cena que Clara Viel não consegue reconstituir. Logo que ela se elevar para lá da doença, da alucinação, descobrirá talvez a verdade, saberá por que é que a morte a atrai tão fortemente.

O destino permite-lhe ainda tornar a ver Eric; por fim a cena torna-se clara. O mar, a morte confundem-se.

A narração é levada num ritmo onde o desejo da nostalgia e a nostalgia do desejo se alternam como a maré que cobre e descobre esta sombra – enigmático amor.

«que cobre e descobre» – é exatamente este movimento de vaivém, repetitivo, que, ao longo de toda a novela envolve o leitor, como se ele rolasse nesse cenário de areia e mar. O uso predominante do presente do indicativo e as referências constantes à paisagem marinha e às suas constantes mutações, contribuem para essa sensação de identificação com a protagonista. O leitor sente, por empatia, o sufoco e, logo, o estado de saúde física e mental e toda a dimensão do sofrimento da protagonista. Por outro lado, os momentos de analepse na narrativa, a convocação do passado de Clara, muito embora frequentes, são breves e entrecortados, porque sempre O mar volta depressa, anelante. Esta omnipresença do mar torna-se obsessiva e oprimente. Porque esse mar tudo envolve, até mesmo o local que deveria ser o seu refúgio, a casa, pois ele espreita, impõe-se: Por entre todas as janelas.

A autora não perde a oportunidade de realçar a importância que o mar tem. Seria incontornável, impossível, não falar do mar. Por isso, fá-lo também graficamente. Assim, a espaços, isola o sintagma “o mar” numa linha apenas, ora a meio da linha, ora no início do parágrafo.

Na verdade, todos estes estratagemas preparam-nos para o fim anunciado: a morte no seio do mar.

A própria protagonista é retratada nesse vaivém, como se flutuasse sobre as ondas, balançando entre o amor de dois homens – Gilles e Jiri – porém, sem que ela ceda, presa, constante na sua paixão por Eric, o fiel da balança.

O mar domina todo o espaço cénico, pelo menos o da realidade. Só o das memórias é que nem sempre o inclui, pois esse é o tempo em que Clara ainda cantava, ainda se sentia presa à vida.

E falar de mar é também falar do tempo, das fortes chuvadas, do frio, das nuvens, não ao estilo de um quadro impressionista, cheio de luz, em pinceladas rápidas, mas sim de um quadro romântico, carregado, dramático. O tempo atmosférico, sufocante e de mau agouro, também participa desse ritmo binário e também ele serve de adjuvante ao desfecho da ação:

A tempestade rebenta depressa com a queda de granizo. Depois o silêncio. Novamente o granizo.

O cenário é demasiado grandioso, dominador:

Os cabelos, o rosto ensopados, Clara olha e pensa na sua morte, talvez porque desejasse estar ao nível daquilo que via.

É esse mar que preenche todas as horas de Clara. É dele que agora ela se alimenta. Todos os seus sentidos são bombardeados pela presença dele: a visão, o olfato, o tato, o paladar e também a audição. Pois embora a música seja uma referência constante, desde logo porque Clara era cantora lírica, essa mesma música que preencheu a sua vida, acabou por ser abandonada e substituída pelo mar, como confessa a uma amiga que lhe pergunta se ela era feliz:

-… feliz? A minha família gostava de mim. Tinha o mar em Joinville, os meus amigos, o piano…

– A música? E agora?

– O mar.

Mas, obviamente que a música, muito embora já não faça parte da vida atual de Clara, por vontade própria, porque abandonou a carreira, está presente ao longo de toda a novela. Durante a leitura nunca perdemos de vista o facto de a protagonista ser cantora lírica. Falar da música torna-se óbvio e contribui para a criação de um ambiente onírico muito sugestivo. A sua presença é poderosíssima no texto. A música funciona ainda como a banda sonora da narrativa, o pano de fundo que nos prepara para a tragédia que se avizinha. É o leitmotiv de toda a ação. É também ela que desperta as memórias, que liga a protagonista ao seu passado, que nos dá conta do seu estado de ânimo no presente.

Por isso, ela é devidamente escolhida. Nunca é uma referência inocente, porque vai sempre repercutir-se nos movimentos, nos sentimentos, nas memórias das personagens. Não são já as lider ou as árias na voz de Clara quando ainda cantava nos palcos de toda a Europa, é a música gravada que dá voz à memória. Podemos perceber como essas escolhas implicaram, por parte da autora, um conhecimento aprofundado da música, pelo menos uma busca muito seletiva de trechos musicais, adaptados a cada circunstância. Assim,

A escolha de O Castelo de Barba Azul de Béla Bartók (Não conheço nada mais triste., afiança Gilles) pode ser entendida como uma alusão à inconstância amorosa de Eric e ao sofrimento que este causou nas mulheres rejeitadas;

Já o Erwartung de Arnold Schönberg, o drama da mulher que encontra o seu amado morto, que o acusa de ser infiel, mas que desespera porque não sabe como viver sem ele, é convocado insistentemente ao longo do texto, porque tem paralelismo com a vida da protagonista, sem bem que a morte de Eric não seja real, seja apenas a ausência dele;

O melodrama Pierrot lunaire (também de Schönberg) é recorrente, incluindo-se mesmo citações das líricas: (Am Hals ein Zöpfchen/ Wollüstig wird sie que significa: «Ela está voluptuosa com essa trança ao redor do pescoço» ou Den Wein, den man mit Augen trinkt significando «O vinho que se bebe com os olhos» ). A violência verbal, a controvérsia causada por esta peça abre-nos a porta para a luta interna das personagens. Há também um excerto de uma pauta de Il lamento de Ariana de Monteverdi, que será o seu adeus a Jiri.

Podemos acrescentar referências às Altenberg lieder de Berg, que deixam a protagonista desesperada, ou às pungentes lieder de Shumann. Ou às de Webern. Não faltam As Bodas de Fígaro que, quando ouvidas transportam a protagonista para o encontro com Jiri em Praga.

Curiosamente, a tragédia de Pelléas and Mélisande de Claude Debussy torna-se parte da ação, confunde-se com ela, é mais como se fosse tomada por um acontecimento real, paradigmático:

Ela fecha os olhos, deixa as mãos ao abandono. Sim, é tudo por causa de uma mentira, dessa necessidade de saber, enfim, – uma última vez – essa necessidade violenta e mórbida.

Da mesma maneira que Golaud atormentando Mélissande: “A verdade, preciso de saber a verdade!”.

Não admira a sua referência, pois, esta é também a ópera que liga Clara a Eric. Quase como uma premonição, este tinha pintado alguns quadros inspirado nela.

A música, sempre a música, ligando impressões, memórias: A música que chama em seu socorro transporta-a a Berlim, há doze anos.

Berlim em plena Guerra Fria, numa atmosfera política ambivalente, nesse limbo entre o Leste e o Ocidente. É neste espaço centro-europeu da Guerra Fria que as personagens do passado de Clara se movem.

Um dia, Clara caminhou até ao Muro. Homens, mulheres vestidos de cinzento, de verde sombrio, esperavam e não se sabia se eles ficavam lá, com todas as esperanças de ver chegar algum parente, amigo, filho, se pensavam penetrar nas ruas interditas ou se não chegavam a acreditar no Muro. Os projetores das sentinelas, à noite, revisitavam as fachadas estreitas, os palácios abandonados.

O ambiente soturno, a opressão política contribuem também para adensar a intriga. Mas mais explícito ainda talvez sejam os sonhos premonitórios:

Houve durante a sua vida [de Clara] três sonhos premonitórios: a morte da mãe, o suicídio de Alain e um terceiro: a sua doença.

 

A sua paixão é então vista como uma doença, que lhe será fatal e que é anunciada inconscientemente, ou talvez não, por Eric.

«Quando nos amarmos demais, meu amor, matar-nos-emos juntos.». Eric falava, como se bebe, com embriaguez, sem pressentir o que poderia acontecer a Clara.

Esta quase sentença, ou promessa? será mais tarde reiterada por Clara:

– Se nós amamos demais, meu amor, matamo-nos juntos.

Mas Eric não estará com ela nesse momento. O amor dele tinha findado. Por isso, ela morre sozinha. A paixão de Clara e a traição de Eric tinham-na dominado totalmente.

Não tenho ilusões de que o que disse sobre esta obra estará sempre muito aquém do muito que se poderá ainda continuar a dizer. Por isso, o melhor tributo que se lhe poderá prestar será lê-la e saborear.

Apesar da insistência da UAc, Ministério da Educação rejeita alterar fórmula de financiamento – RTP Açores

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Financiamento da Universidade dos Açores

Source: Apesar da insistência da UAc, Ministério da Educação rejeita alterar fórmula de financiamento – RTP Açores