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  • PEDRO DA SILVEIRA E OBRAS SOBRE AS FLORES

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    Pedro da Silveira refere-se a este texto como sendo medíocre. Trata-se de uma pequena estória da autoria de Manuel Serrano (sob o pseudónimo Albino Morel). Manuel Serrano, um continental, esteve instalado nas Flores pelo menos em dois períodos, trabalhando na Estação de Radiotelegrafia. Chama-se «O oiro da Califórnia», e é de 1925. Infelizmente, não encontrei a versão completa. Se alguém a tiver, que se acuse! O que se segue é um artigo incluindo um extracto (o capítulo IV «Um noivo com “dollars”», talvez incompleto) publicado n’Os Açores – Revista ilustrada, de 1925-04, a. 1, n. 11, páginas 12 e 13:
    «O oiro da Califórnia
    O OIRO da California é uma interessante novela, prestes a entrar no prelo, da autoria do senhor Manuel Serrano, distinto escritor continental, ha muito residente nestes extremos oci- dentais da europa.
    A obrinha, limpa de complicada trama, é escrita em estilo simples, mas atraente, de maneira a fazer-se lida pela numerosa colónia açoriana, estabelecida na America do Norte. E, prefigura-se-nos, o autor conseguirá seu objectivo, porque a novela, a par do desataviado da linguagem, reflete um quadro muito verdadeiro da vida das Flores, de intenso colorido regionalista. O proprio autor o diz, em nota prévia:
    “Este livro não é para letrados; é uma narrativa singela, sem artificios de linguagem, aspirações de forma ou complicações de enredos.
    O presente trabalho, escrito especialmente para os Trabalhadores Açorianos da California; e só a eles delicado, procurou ser desataviado e simples como o é a sua origem: — a vida duma das mais pequenas ilhas dos Açores, onde a accão se passa. Pretendemos, apenas, levar até aos /farms/ um pedaço humilde da sua terra, chegando a admitir na obra algumas liberdades de linguagem regional, quer na narrativa quer no dialogo, com o sacrificio consciente do purismo literario, mas provavel relevo da pintura local, que tentamos, sem aptidões, fazer….”
    O excerto do capitulo ao lado transcrito é, pois, uma amostra do interessante trabalho, que não só os trabalhadores da California apreciarão. O leitor das boas letras lusitanas aprecia-lo-ha tambem e a bibliografia açoriana terá mais uma obra, tipicamente regional a enriquece-la.
    M.C.
    IV
    Um noivo com “dollars”
    Tudo se preparava em casa do José de Avelar para o receber, tendo seu pai, embora muito trôpego, ido a bordo busca-lo.
    Não foi sem grandes dificuldades que o recem-vindo conseguiu chegar a sua casa, depois de haver mostrado as malas na alfandega e de atender aos numerosos amigos que, no caes e rua acima, tinham ido ao seu encontro. O rapaz já estava desfeito de dar abraços nuns e apertos de mãos noutros, conforme os laços que ligavam os seus tempos de infancia áquela gente amiga.
    O pior fôra, sem duvida, o largo inquérito a que o tinham sujeito.
    Choveram-lhe mil perguntas sobre os que haviam ficado em California, outras tantas sôbre o que ele pensava fazer nas Flôres, só lhes faltando preguntar se trazia muitas águias, quantas botas tinha ao todo e qual o misterioso recheio duma pequena mala amarela, muito pesada, que o Avelar transportava a custo e para a qual se dirigiam de preferencia todos os olhares.
    Desta maneira foi quási ao meio-dia que o bom do José pôde abraçar sua mãe a quem tamanha demora parecêra úm século.
    A pobre tia Avelar, que nunca tinha logrado socêgo desde que o filho saíra da sombra daqueles tectos, ainda tinha receios, muito embora o soubesse em terra firme e tão perto de si, que ainda acontecesse alguma coisa má, capaz de lhe tirar o prazer supremo de voltar a pôr os olhos no seu filho único.
    Ha tanto mau olhado!…
    Colocada a meio da rua, a anciosa criatura mal poderia ter reconhecido o seu desejado moço nêsse homem alto e alentado que subia a Ribeira dos Barqueiros, cercado duma grande roda, se não ouvisse várias vozes anunciarem, alviçareiras: — É o José! — Lá vem o José de Avelar! Vem ali o rapaz da America! —
    O festejado florentino depois de ter beijado sua mãe que chorava de alegria, tratou de passar uma revista a todos os recantos da casa em que houvera uma transformação de dez anos. Cá fóra, na pequena sala, era onde isso menos se notava.
    Com efeito, lá estava ainda a velha mesa polida com a competente coberta de renda, já rala de lavagens; o antigo relogio de pendula a bater horas já roucas pelo longo trabalho a que fôra forçado; e, a meio de duas jarras, numa especie de trono, para se ver a grande estimação em que o tinham tido, o retrato de José, tal qual o tinha tirado numa das cidades de /East/.
    Ali apenas um melhoramento, que o regressado, de resto, já esperava encontrar: — dois quadros grandes, de molduras doiradas, a reflectirem um pequeno luxo no ambiente modesto, contendo as figuras ampliadas e coloridas de seu pae e de sua mãe, conforme um retratinho, devéras gasto, que êle recebêra na America.
    Por tal sinal que o fotografo errára as córes!…
    A dona da casa, mulher bastante trigueira, aparecia na pintura com uma côr encruada de pão mal cosido, a animar-se, apenas nas bochechas, por um tom fortemente vermelhaço de maçã de enxerto. Quanto ao bigode do pae ficára com umas tintas tão prêtas que o velhote quasi se babava de vaidade ao passar na sala e ao rever-se no precioso quadro, que o fazia muito mais novo.
    A tia Avelar acompanhava, de certo modo, seu esposo nestes transportes. Apezar de nunca ter tido, é verdade, aquela côr, tão visinha do tomate, muito se comprazia em secundar seu marido na admiração agradecida pelo habil retratista, que soubéra, a troco de dois “dollars”, dar uns ares tão bonitos ao velho casal de pombos.
    MANUEL SERRANO
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    Urbano Bettencourt

    Manuel Menezes de Sequeira, tenho a obra completa. E, algures, uma nota sintética sobre a intriga.
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    Manuel Menezes de Sequeira

    «Na família não havia a Odisseia, nem Os Lusíadas ou a Guerra e Paz nem sequer a Bíblia, aqueles livros q…

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    Ser ilhéu – e salvar-se pelos livros – URBANO BETTENCOURT – RTP Açores

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  • antes que morra por antónio bulcão

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    Antes que morra
    Tem-me morrido muita gente, nos últimos tempos. Tanta que, quando consulto as páginas das funerárias, já rezo para que não haja caras novas. Se for a última vista, com toda a tristeza pelo ido, fica pelo menos a consolação de que a morte fez uma pausa breve.
    São amigos, conhecidos, mais velhos, mais novos. E, para além da dor e da programação do coração para a saudade, fica um sentimento de desperdício. A morte é um desperdício de saberes, de práticas, de sensibilidades.
    Já se devia ter inventado um meio para evitar que tudo se perca debaixo da terra ou nas chamas dos crematórios. Já nos devíamos ter concentrado nessa missão, mais do que ir à lua, a Marte, ou andar no espaço levitando em órbitas repetitivas.
    Mais do que inventar Gouchas iguaizinhos ao que existe, a inteligência artificial devia preocupar-se em preservar o que cada um tem dentro de si. As artes de pesca do pescador. Os almanaques do agricultor. Os cantos lusíadas do professor de Português.
    Quando morre alguém, é um ror de conhecimento que se perde. Livros lidos, canções ouvidas, filmes vistos, quadros mirados, viagens feitas, paisagens retidas… Por que não inventar uma ranhura no crânio de cada um, onde se pudesse introduzir uma disquete, uma pen, um dispositivo novo, para onde passasse tudo o que está dentro do cérebro do quase defunto, já extremamente ungido? Seria uma vida preservada, uma herança transmitida aos descendentes, para memória futura ou aprendizagem presente.
    Seria bem mais proveitoso passar para as mãos da viúva ou descendentes este álbum de existência, do que a chave do caixão ou o vaso com as cinzas.
    Alternativamente, uma solução mais poética ou ecológica. Seríamos todos cremados. Mas, em vez de as cinzas serem espalhadas pelos ares em lugares favoritos ou guardadas em cima da lareira, seriam enterradas e regadas diariamente, como uma espécie de sementes. E então nasceriam árvores, ou pequenos arbustos, que poderiam ser cheirados, cada ramo um saber.
    Cada um de nós vivo outra vez sob outra forma, almas plantadas a ressurgir, Bach a encher os campos. De alguns nasceriam flores, de outros espinhos. De outros talvez não nascesse nada, mas isso já tinha sido assim em vida. E não merece uma segunda vida quem não tenha vivido a primeira intensamente.
    Um pedido, para o meu velório, se aparecer alguém. Façam uma marcha e dancem, os que dançaram nas minhas. Representem um bailinho, os que entraram nos meus. Contem anedotas, os que riram das minhas. Leiam poemas, mas de Poetas a sério. Joguem king, ou sueca, os que ficaram nas mesmas mesas que eu, ganhando e perdendo.
    Façam da minha partida uma festa, até porque não imagino seja quem for a ter lágrimas por mim. E , se cumprirem este último desejo, se encherem a funerária de gargalhadas, de rimas, de voltas e tranceias… prometo ressuscitar.
    António Bulcão
    (publicada hoje no Diário Insular)
    —————————————————————————————————-

    eu tenho um poema apropriado de 2012

    563. quando morrer (lomba da maia) 4 dezº 2012

     

    quando eu morrer

    não declare nada

    que eu não tivesse dito

    não elogie nem critique

     

    quando eu morrer

    não vá ao meu velório

    nem mande flores

    escreva uma frase lapidar

    e publique-a

     

    quando eu morrer

    faça uma festa

    leia um poema meu

    beba um bom champanhe francês

    fume um cubano

    seja politicamente incorreto

    como eu seria

     

    quando eu morrer

    sem ver luz ao fim do túnel

    vou esquecer muitas coisas

    mas pedirei à minha mulher

    que me construa novo taj mahal

  • Mia Couto vence prémio da Feira Internacional do Livro de Guadalajara

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    O escritor moçambicano Mia Couto é o vencedor do Prémio FIL (Feira Internacional do Livro de Guadalajara) de Literatura em Línguas Românicas 2024, anunciou hoje o júri, numa conferência de imprensa no México.

    Source: Mia Couto vence prémio da Feira Internacional do Livro de Guadalajara

  • Carlos Reis · O Prémio da Feira Internacional do Livro de Guadalajara (México

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    O Prémio da Feira Internacional do Livro de Guadalajara (México) em Literaturas de Línguas Românicas é atribuído anualmente e está dotado com 150 mil dólares. De acordo com o regulamento, “podrán ser candidatos al Premio autores de obras literarias pertenecientes a cualquier género, sin distinción de nacionalidad o sexo, que empleen como medio de expresión alguna de las siguientes lenguas romances: español, catalán, gallego, francés, italiano, rumano o portugués, y cuya carrera literaria sea notable internacionalmente a la fecha de presentación de su candidatura, y esté compuesta por obras originales y de su autoría primigenia efectivamente publicadas, traducidas a otros idiomas y goce del reconocimiento de la crítica internacional.”
    À convocatória de 2024 apresentaram-se, por proposta do júri ou de instituições culturais e académicas, 49 nomes, representando seis línguas românicas, sendo oito deles de língua portuguesa. Na sequência de várias etapas de seleção, o júri internacional designado para o efeito esteve reunido este fim de semana, em Guadalajara, para escolher o premiado, que será revelado amanhã, dia 2, numa conferência de imprensa, pelas 11 horas (18 horas em Portugal).
    O júri do Prémio da Feira Internacional do Livro de Guadalajara (2024) está composto por Carlos Reis (Portugal), Graciela Montaldo (Argentina), Jerónimo Pizarro (Colômbia), Juan Luis Cebrián (Espanha), Lucía Melgar (México), Oana Fotache Dubălaru (Roménia) e Vittoria Borsó (Itália).
    Em edições anteriores, o Prémio da Feira Internacional do Livro de Guadalajara foi atribuído, entre outros, a Nicanor Parra, Nélida Piñon, Juan Marsé, Rubem Fonseca, Juan Goytisolo, Yves Bonnefoy, Claudio Magris, Enrique Vila-Matas, António Lobo Antunes e Lídia Jorge.
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    Francisco Maduro-Dias, Eduardo Ferraz da Rosa and 151 others

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  • Onésimo Almeida: “Há histórias de sucesso em todas as áreas. Lembro que o gabinete de Obama tinha três luso-americanos” 

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    Com meio século de vida nos EUA, Onésimo Teotónio Almeida, professor catedrático na Brown, autor de livros como ‘L’(USA)lândia’, fala sobre o que liga Portugal e a América, e como a nossa comunidade se integrou além-Atlântico, com algumas figuras a destacarem-se na política, nas forças armadas e até nos negócios.

    Source: Onésimo Almeida: “Há histórias de sucesso em todas as áreas. Lembro que o gabinete de Obama tinha três luso-americanos” 

  • veja as diferenças

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    Raul Brandão & Vasco Rosa, «A pedra ainda espera dar flor» (sic), 2013
    Rodrigo Areias, «A pedra sonha dar flor», 2024
    — Veja as diferenças!!!
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