Categoria: açorianidades açorianismos autores açorianos

  • quando me tratavam por senhor

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    «[Antigamente] grandes empresas ou instituições não me tratavam por tu quando abria os seus sites (que não existiam nessa época) ou escutava a sua publicidade, até porque não me conheciam de lado nenhum» – comenta * (e bem) o escritor e editor Francisco José Viegas a respeito as formas de tratamento usadas em Portugal, em especial, na atualidade política.
    * in “Correio da Manhã” de 25 de julho de 2024.
    Que saudades dos tempos em que havia senhores - Controvérsias - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
    ciberduvidas.iscte-iul.pt
    Que saudades dos tempos em que havia senhores – Controvérsias – Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
    Tudo, aqui, à volta da língua portuguesa – o idioma oficial de Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste.

    Em 1972, Luís Filipe Lindley Cintra [1925-1991], um dos nossos grandes linguistas (autor de uma bela gramática – com o brasileiro Celso Cunha), publicou um estudo [intitulado] Sobre ‘Formas de Tratamento’ na Língua Portuguesa. Era outro tempo: grandes empresas ou instituições não me tratavam por tu quando abria os seus sites (que não existiam nessa época) ou escutava a sua publicidade, até porque não me conheciam de lado nenhum. Ainda se usava o vós. Hoje tuteia-se muito – um abuso deselegante. O destrambelhamento é tão grande na nossa língua que, quando queremos insultar ou diminuir alguém, o tratamos por senhor. O «Sr. Trump», «o Sr. Macron», «o Sr. Putin», como já foi «a Sra. Merkel». Quando alguém trata uma pessoa por «o Sr. Santos», «o Sr. Montenegro», já se sabe que é para chacota (o líder do PS é arrapazado para «Pedro Nuno», não sei porquê). Diz-se «senhor» e imita-se um esgar de nojo. Que saudades do tempo em que havia senhores. Na AR, já o Sr. Ventura trata as pessoas por você, o que é ainda mais agarotado. Que gente.

    Fonte
    Crónica do escritor e editor Francisco José Viegas, transcrita, com a devida vénia, do Correio da Manhã de 25 de julho de 2024.’

    in Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, https://ciberduvidas.iscte-iul.pt/artigos/rubricas/controversias/que-saudades-dos-tempos-em-que-havia-senhores/5593 [consultado em 06-08-2024]

  • poema inédito 743. Gaza, sem choro nem dó, (lomba da maia, 25/7/2024)

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    743. Gaza, sem choro nem dó, (lomba da maia, 25/7/2024)

     

    todos choram os mortos em gaza

    mais um genocídio sionista, dizem

    há fome, há dor, há morte

    agitam-se bandeiras e manifs

    todos solidários e palestinos

     

    os israelitas repetem em gaza

    os tormentos nazis que sofreram

    até ao extermínio quase total

    mas não vencem nem vencerão

     

    e eu que tanta vez fui palestino

    não choro nem tenho dó

    sofro silente as dores dos reféns

    de quem ninguém fala

    moeda de troca em campo de morte

     

  • poema inédito 744. Nini, sinto a tua enorme falta, 6.8.2024

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    744. Nini, sinto a tua enorme falta, 6.8.2024

     

    na esquina do tempo

    restam as nossas sombras

    memórias de vidas passadas

     

    na esquina da vida

    sobram os nossos silêncios

     

    na esquina da memória

    sombras silenciosas

    memórias dum amor eterno

     

    na esquina da morte

    ficaram imagens e sons

    que nenhum tempo apagará

  • male? female?

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    IBA chief demands Olympic boxer Imane Khelif proves she was ‘born a woman’
    🥊 The opinion of an expert
    “TRAPPED IN THE WRONG BODY”:
    THE BOXER IS A MAN.
    Pablo Munoz Iturrieta
    Textual ✍🏼
    Because there is a lot of confusion about this, I clear something up about this condition that I deal with in my book “Trapped in the Wrong Body”: The Boxer is a Man.
    What happens is that we are facing a case of an athlete with a sexual developmental disorder, carrier of XY chromosomes, who has testicles (usually internal), levels of typical male testosterone and functional androgen receptors, but whose case is usually described as women with “hyperandrogenism”, that is, women with abnormally high testosterone levels but they are men.
    These people experience the physical benefits of high testosterone during puberty, which translates into athletic advantages over women.
    The problem for sport and competition criteria is that these athletes with a sexual developmental disorder related to 5-alpha reduced (5-ARD) deficiency can be socialized as women, can be legally women, and can live and identify as women; but they are men. Again: they are MEN.
    These individuals are usually born with female-looking genitals, which can lead to them being misassigned as female sex.
    5-ARD is caused by a mutation in the gene that codes the reduced 5-alpha enzyme, which turns testosterone into a more powerful androgen, DHT. This androgen interacts with the androgen receptor, such as testosterone, and is necessary for the typical development of the external male genitals (penis and scrotum) and the prostate. Without DHT, typical female external genitals develop.
    JJOO organizers are aware that athletes with 5-ARD are male and are experiencing the benefits of male puberty.
    The requirement to reduce your testosterone to typically female levels is not discriminatory, as it concerns males asking to compete in the female category. But more importantly, all the relevant scientific evidence proves that reducing male T in adulthood does not invalidate the physical benefits of male puberty.

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  • documentário PEDRO DA SILVEIRA

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    Estreia a 10 de agosto, na RTP Açores, o documentário sobre a vida e a obra do extraordinário florentino Pedro da Silveira.
    Mais informações:
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    Urbano Bettencourt and others
  • excerto do meu diário de um homem só (de hoje)

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    1. 5.8.2024 2ª fª

    De manhã tinha consulta pelas 10.15 e lá fui ao HDES à otorrinolaringologia, queixar-me de estar surdo do lado direito como se o ouvido tivesse enchido de água na piscina e não saísse. O médico diz que não via nada de anormal, o que era mau sinal, pois devia ser no ouvido interno, e terei de fazer exames mais complicados dos que aqueles que ele podia fazer hoje, lá para dezembro. Cheguei eram 9.40 e fui logo atendido mas tive de estacionar na Pneumologia pois não havia nenhum lugar agora que o HDES plantou pilares (bolardos) em todos os passeios. Depois fui à Nova Gráfica buscar livros que tinha encomendado, passei pela farmácia mas ainda não podia levantar remédios com a limitação dos 30 dias. Fui lavar o carro (há meses que andava para o fazer). Os preços subiram de 4€ para 6.25 para o Smart. Finalmente conseguir ir ao Plano A na Ribeira Grande plastificar o cartão da ADSE para 2025 e o de pensionista da CGA.

    Pelas 09.00 estavam 25 ºC em Ponta delgada e pelas 10.30 já 28 ºC…queriam aquecimento global, ora tomem lá. Nini, se cá estivesses andavas a penar pois é calor demais para ti. Aqui em casa na falsa estão 31 º C e no nosso quarto 26 ºC, na cozinha e sala de estar apenas 24 ºC.

    Estive lá fora no pátio uns minutos a apanhar vitamina D que bem preciso dela, mas sempre protegendo a cabeça que não pode apanhar sol. A meio da tarde fiz mais uma pequena tradução que entrou e enviei, mas amanhã tenho de meter nos CTT a mesma em papel conforme o pedido da Alemanha.

    A Sunes (Susana Antunes) mandou mensagem a dizer que ou estava engripada ou covidesca…Nada dizem mas há muitas mortes semanais pelo COVID 19 em Portugal, mas como as urgências estão a fechar todas é isso que noticiam. Nos Açores o silêncio sobre o tema é total, no meio da falência técnica do HDES, da instalação do hospital modular no heliporto (modular disse eu, não foi modelar), com cirurgias tripartidas pela CUF, Clínica do Bom Jesus e edifício ardido do HDES…e muita coisa ainda por ativar. Hoje a entrada da Consulta Externa tinha centenas de pessoas, sem cadeiras para todas a aguardar serem chamadas. Todos dizem que está mais caótico do que já era, mas eu tenho escapado por entre os pingos…e hoje até fui atendido meia hora antes da hora marcada…

    17.45 lomba da maia, no meu pátio à sombra num pilar que nunca aquece com o sol atingimos hoje 30.5 ºC….novo recorde local em 20 anos… Embora veja anunciada a temp entre 25 e 26 º C mas eu vivo aqui com muitos termómetros há muitos anos e sei o que digo.

    Não tenho pachorra para os cromossomas x, y ou z e por isso estão a competir n as fêmeas, acho uma hipocrisia de manipulação da agenda social woke que nos querem impor coisas antinaturais e depois admiram-se do Chega de Ventura e dos Trumps que se aproveitam deste apagar civilizacional que enfrentamos, mas na final de boxe feminina temos dois homens que medíocres querem passar por mulher para ganharem medalhas, é um nojo que me impeliu a nada ver até agora dos JO, ainda para mais com muita gente respeitável a tomar posição na base do “nós” contra “eles”…não abdico de velhos princípios que me nortearam até aqui, e não aceito estes exageros de constructo social que nos querem impor. Há limites e estas bestas passaram todas as linhas vermelhas. A queda do império romano e outros teve semelhanças com esta fase atual que vivemos…depois não digam que não vos avisei, vem escrito numa cró

  • o mito do cesto da gávea

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    O mito do cesto da gávea

    Marco Neves

    Ago 4

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    Aviso: este texto contém palavrões; ou melhor, um palavrão repetido muitas vezes.

    Foto de Bruno Martins em Unsplash

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    Uma academia que não existe

    A «verdadeira» (sublinho as aspas) história da palavra «caralho» aparece em muitas páginas por essa Internet fora. Aqui fica uma das versões mais conhecidas (curiosamente, não refere o nome «cesto da gávea», que aparece em muitas outras versões da mesma história)[1]:

    Segundo a Academia Portuguesa de Letras, caralho é a palavra com que se denominava a pequena cesta que se encontrava no alto dos mastros das caravelas, de onde os vigias perscrutavam o horizonte em busca de sinais de terra. O caralho, dada a sua situação numa área de muita instabilidade (no alto do mastro) era onde se manifestava com maior intensidade o rolamento ou movimento lateral de um barco. Também era considerado um lugar de castigo para aqueles marinheiros que cometiam alguma infracção a bordo. O castigado era enviado para cumprir horas e até dias inteiros no caralho e quando descia ficava tão enjoado que se mantinha tranquilo por um bom tempo. Daí surgiu a expressão: Vai pró caralho. Hoje em dia, caralho é a palavra que define toda a gama de sentimentos humanos e todos os estados de ânimo.

    A história, tal como contada acima, é mesmo um vírus: está construída para se espalhar. Tem logo uma evocação de autoridade (a Academia Portuguesa de Letras) para que ninguém se atreva a duvidar! Depois, remete para aventuras, navegações, castigos de marinheiros. Revela-nos algo que não conhecíamos sobre o mundo. Uma maravilha — mas uma maravilha falsa do princípio ao fim.

    É falsa, mas prometo: a verdade sobre a origem da palavra é mais interessante, embora não a conheçamos na totalidade (é fácil criar mentiras bem compostas; é mais difícil escavar a verdade).

    Comecemos então pelo princípio: a famosa Academia Portuguesa de Letras. É famosa, mas tem um problema que a distingue de todas as outras academias de letras: não existe. Existem academias de letras noutras paragens: o Brasil tem uma Academia Brasileira de Letras, Espanha tem a Real Academia Espanhola, a França tem a Academia Francesa. Ora, Portugal não tem uma academia dedicada apenas às letras. Existe, isso sim, a Academia das Ciências de Lisboa, com uma Classe de Letras.

    Portanto, nenhuma Academia Portuguesa de Letras associou a origem da palavra «caralho» ao cesto das caravelas. Se formos generosos com a história e quisermos ver na referência uma alusão à Academia das Ciências de Lisboa, podemos sempre consultar o famoso dicionário dessa academia, que tem um verbete dedicado ao palavrão. Afirma-se por lá que a sua origem de «caralho» é a palavra latina (reconstruída) *caracŭlum, ou seja «pequeno pau». Não é uma etimologia aceite por todos, mas já lá chegaremos. Quero só sublinhar que o dicionário nada diz sobre cestos ou caravelas.

    Conselho de amigo: quando inventar uma história e quiser dar-lhe uma patine de verdade, use uma instituição verdadeira. Pelo menos, demoramos mais uns segundos a verificar a veracidade da história.

    Os primeiros registos de «caralho»

    A referência à academia poderia estar errada e, mesmo assim, a história ser verdadeira. Ora, não o é — por três razões: (1) a história ignora um facto essencial sobre a palavra; (2) os primeiros registos escritos da palavra não têm nada que ver com navegações nem com cestos; (3) não há registos anteriores ao século XX sobre uma associação do cesto (ou do mastro) das caravelas à palavra «caralho».

    O facto essencial que a história ignora é algo que acompanha a palavra desde os primeiros registos da sua existência: a palavra refere-se ao órgão sexual masculino. É verdade que, a partir desse sentido, é depois usada como interjeição em situações em que o órgão não é visto nem achado. É isso que acontece com muitos palavrões, transformados em interjeições. No entanto, ninguém nega que o sentido denotativo da palavra é mesmo esse: o órgão sexual masculino.

    Vejamos agora aquilo que sabemos, de facto, sobre o aparecimento da palavra. Como não temos gravações das primeiras vezes que alguém a usou (uma chatice), temos de nos socorrer do registo escrito. A primeira referência ao palavrão é indirecta, mas muito curiosa.

    No ano de 982, num documento de doação do Mosteiro de São Pedro de Roda, na zona da actual Catalunha, aparece a referência ao nome de um monte: Caralio. Nada a dizer; a semelhança ao nosso palavrão poderia ser coincidência. Ora, anos antes, num documento de 974, o mesmo monte não aparece referido pelo nome porque o nome era, dizia o autor do documento, indecoroso. Ou seja, «caralio» já não se podia dizer em certas situações. Esta foi a primeira aparição da palavra. (Veja-se aqui a fonte.)

    Muito indirecta, é verdade. No entanto, desses vagos princípios, começámos a encontrar o palavrão nos registos das várias línguas românicas da Península Ibérica. Na nossa língua, a palavra aparece com frequência nas cantigas medievais, antes das navegações e afins. Se formos a https://cantigas.fcsh.unl.pt/ e pesquisarmos pela palavra, encontramos vários bons poemas dos primeiros tempos da nossa língua.

    Deixo apenas um exemplo, da autoria de Fernando Esquio:

    A vós, Dona abadessa,
    de mim, Dom Fernand’Esquio,
    estas doas vos envio,
    porque sei que sodes essa
    dona que as merecedes:
    quatro caralhos franceses
    e dous aa prioressa.

    Pois sodes amiga minha
    nom quer’a custa catar,
    quero-vos já esto dar
    ca nom tenho al tam aginha:
    quatro caralhos de mesa
    que me deu ũa burguesa,
    dous e dous ena bainha.

    Mui bem vos semelharám
    ca sequer levam cordões
    de senhos pares de colhões;
    agora vo-los darám:
    quatro caralhos asnaes,
    enmanguados em coraes
    com que calhedes a mam.

    Sei que a língua mudou muito, mas todos percebemos bem que o poeta não estava a falar de cestos. (Um esclarecimento cultural: os ditos «caralhos franceses» são objectos que substituem os verdadeiros; vêm bem enfeitados e são oferecidos à abadessa para o que lhe aprouver.)

    Avancemos. Há um facto que parece claro: a palavra já existia antes de haver um reino de Portugal. Aparece em todas as línguas românicas ibéricas e tem um primeiro registo (indirecto) no século X. Mais: em todas as referências medievais, não há qualquer ligação às navegações ou a cestos.

    Dito tudo isto, de onde vem a palavra? Há várias teorias. Uma delas está registada no Dicionário da Academia, que referi acima. Viria de uma palavra latina que significava «pequeno pau». Esta é também a opinião de José Pedro Machado, no seu Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Já o etimólogo catalão Joan Coromines, no Diccionario crítico etimológico castellano e hispânico, propõe uma origem pré-romana. Não há consenso entre etimólogos, mas nenhum refere qualquer ligação ao cesto da gávea ou às navegações (portuguesas ou outras).

    Se a palavra, de facto, a palavra tiver origem numa referência a um pequeno pau ou a uma estaca (não há provas), não será impossível imaginar que o termo fosse originalmente usado para designar também um pequeno mastro num barco. É apenas uma suposição: não há qualquer registo de tal uso. Repito: na escrita, a palavra aparece logo como palavrão e como referência ao órgão sexual masculino. É isso que sabemos.

    Ou seja: desde o início da nossa língua (e das línguas vizinhas) temos este palavrão ao dispor.

    Então de onde vem a associação do cesto da gávea ao palavrão?

    Anatomia da lenda do cesto

    A história do cesto e do caralho tem várias versões. Como qualquer lenda, é muito clara e impante em cada versão, mas muito variável entre versões.

    Há quem afirme que o caralho é o mastro e o cesto é a casa do caralho (essa correcção é muito frequente, o que não deixa de ser curioso: há quem se afadigue a corrigir uma história errada para substituí-la por outra história errada).

    Há quem diga que, pronto, é verdade que a origem do palavrão não é essa, mas os marinheiros passaram a usar o palavrão para designar o cesto (ou o mastro). Será verdade? Não sabemos (não há registos), mas se o for, já não é a explicação da origem da palavra.

    Outros dizem que a história é a origem da expressão «vai para o caralho» e não da palavra em si. Também não há registos que o seja, mas aqui já estamos a ver uma lenda aflita, a fugir com o rabo à seringa. Resumo: é falsa, mas se a torcermos muito e semicerrarmos os olhos vislumbramos, lá muito ao fundo, um pedaço de verdade.

    Antes de avançar: há uma associação óbvia entre as palavras «caralho», «mastro» e «verga». Todas podem ser usadas como designações do órgão sexual masculino. A questão é se a palavra «caralho» tem origem numa designação náutica. Ou seja: a questão é se a palavra começou por designar um elemento náutico (um mastro ou um cesto) e só depois o órgão sexual masculino. Não há qualquer indício de que tal seja verdade. Essa etimologia falsa aparece muito recentemente (à escala da história da língua).

    Em relação à história do cesto da gávea, a primeira referência que encontro é numa página brasileira de 2005[2]. Depois, aparece noutros locais com cada vez mais frequência.

    Pesquisei em corpora da língua, em textos de etimólogos, em livros. A indicação mais antiga da história parece ser já deste século. É possível que a história já corresse em mensagens de correio electrónico, naquelas correntes pejadas de mentiras que eram habituais nos anos 90. Também é possível que tenha sido importada de Espanha, onde uma lenda parecida também se encontra aqui e ali (e, tal como cá, é também recente).

    Depois de 2005, a história aparece em livros publicados, mas só depois das primeiras versões em linha. Livros mais antigos ou investigações com algum tipo de investigação etimológica minimamente cuidadosa não apresentam qualquer referência à associação entre o cesto da gávea e o palavrão. Se pesquisarmos em livros de História sobre as navegações, sobre terminologia náutica, sobre etimologia, não encontramos nada que confirme a lenda.

    Lembro (já me estou a repetir): a palavra é mais antiga que as caravelas, que as navegações, que Portugal. Não sabemos qual a sua origem, mas sabemos que aparece logo como referência ao órgão sexual masculino.

    Tendo em conta o espaço vazio da origem etimológica, imagino que alguém argumente: ora, se não sabemos qual a origem, pode até acontecer que seja o cesto! Ou o mastro! Até poderá ser, mas não serão nem o cesto nem o mastro das caravelas portuguesas. Enfim, se quisermos enfiar esta história recente na origem remota de uma palavra, ninguém nos impede, mas podemos fazer o mesmo com qualquer outra história que inventemos à pressão. Se eu disser que a palavra tem origem numa árvore que existia em Silves, ali por volta do ano 800, que se chamava Caralho e tinha a forma parecida com o órgão sexual masculino, tenho tantas provas disso como da associação ao cesto da gávea (ou seja, nenhumas).

    Se procurarmos uma associação da palavra «caralho» com o mastro das embarcações (uma das versões com que a lenda se tenta defender), encontramos uma curiosa referência no livro Almanak Caralhal, de 1860, em que se conta a sucinta história de Frei Martinho, que «oferece heroicamente o seu caralho para mastro grande da maior nau das Índias».

    É este indício que a história afinal tem um fundo de verdade? Antes pelo contrário. Note-se que a palavra é usada para designar o órgão sexual, que iria servir de mastro — a palavra não designa o mastro. Mas há algo mais importante: num livro destes, dedicado ao caralho, não haver qualquer referência à lenda é uma clara indicação de que esta é posterior. E, de facto, passariam ainda mais de 100 anos até que a história começasse a aparecer na escrita.

    O que sabemos é que a palavra surge no registo escrito da língua logo com o significado que tem hoje e é usada como interjeição e palavrão. É interessante pensar que este palavrão acompanha os portugueses desde o início: é mais antigo do que o país e nunca houve nenhum português que não o conhecesse. As palavras mudam muito, mas os palavrões ficam.

    Nota: este texto é uma primeira versão de um capítulo de um livro que sairá em breve.

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    [1] VortexMag: https://www.vortexmag.net/coisas-que-voce-nao-sabia-o-verdadeiro-significado-da-palavra-caralho/

    [2] http://www.posto7.com.br/curiosidades.htm

    Pode encontrar os meus livros nesta página. Obrigado!

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  • URBANO NAS SETE CIDADES E RAUL BRANDÃO

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    Excelente iniciativa da CMPDL nas Sete Cidades: exposição de fotografias e palestra de Urbano Bettencourt sobre as «notas e paisagens» de Raul Brandão ali mesmo. E o texto será em breve publicado num jornal. Parabéns a todos!
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