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  • Escolas com todos os professores: ministro disse 98%, afinal são só 22%

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    Ministro da Educação disse que pelo menos 98% das escolas já tinham todos os professores necessários, na véspera do início do ano letivo.

    Source: Escolas com todos os professores: ministro disse 98%, afinal são só 22%

  • NOVO LIVRO “DIÁRIO DE UM HOMEM SÓ”

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    CAROS AMIGOS E ASSOCIADOS
    provavelmente o último da série ChrónicAçores, este volume 8, “DIÁRIO DE UM HOMEM SÓ” é dedicado à Nini (Helena) Chrystello, por isso a vossa presença conta muito para mim. O vosso abraço dia 4 outº é bem-vindo na Livraria Letras Lavadas em Ponta Delgada

    Diário de um Homem Só, de Chrys Chrystello, é uma obra profundamente introspetiva e melancólica que explora temas como a solidão, a reflexão existencial e a condição humana. Escrito em formato de diário, o livro mergulha nos pensamentos e emoções interiores de um homem solitário à medida que navega pela vida, pelas relações e pela sua própria psique.

     

    A prosa de Chrystello é poética e filosófica, abordando frequentemente temas como a alienação, a nostalgia e a procura de sentido. As reflexões do protagonista revelam um profundo sentimento de isolamento, mas também momentos de clareza e autodescoberta. A narrativa mistura a reflexão pessoal com questões existenciais mais vastas, tornando-a numa leitura contemplativa.

     

    O livro não é apenas um relato pessoal, mas também uma meditação universal sobre a solidão, o que o torna acessível a qualquer pessoa que tenha passado por momentos de profunda solidão. O seu estilo lírico e profundidade emocional deixam uma impressão duradoura, marcando-o como uma exploração pungente do que significa estar sozinho no mundo.

    contracapa

    Este Diário de um homem só, chegou ao termo do seu prazo de validade, após 12 meses de desabafos e dor, cumpriu a missão, e não sendo de catarse, expurgou silêncios, prantos e medos, neste doentio e anómalo sossego, nesta calma podre, nesta serenidade irreal, nesta tranquilidade artificial de autocontrolo, nesta paz doméstica da solidão, sem agitação da vida em comum, sem o dessossego da tua doença, sem o tumulto das tuas crises, sem a desordem do lento e inexorável caminhar terminal do teu enfisema pulmonar. O tempo passa, aumenta a saudade, a dor, a impotência de te rever apenas em fotos e filmes, sem poder(mos) regressar aos locais que passam, todo o dia, nas imagens na moldura digital em frente a mim.

     

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    DIANA ZIMBRON SOBRE O DIÁRIO DE UM HOMEM SÓ

    DIANA ZIMBRON SOBRE O DIÁRIO DE UM HOMEM SÓ

    By CHRYS CHRYSTELLO on 25/05/2025

    Quando apresentei, pela primeira vez, um livro de Chrys, o volume VI da série ChrónicAçores, fiz questão de frisar que esse não era o último, apenas, na altura o mais recente, e que o autor já teria mais 200 crónicas na gaveta para uma próxima publicação. Fizeram-se caros, ele e a Helena, riram como se não achassem provável. Pois bem, entretanto, o sétimo já anda aí e cá está o ChrónicAçores volume 8: Diário de um Homem Só, uma viagem interior.
    E este livro, como o título indica, em formato de diário, não vive de crónicas da gaveta, embora inclua algumas, já publicadas em outros volumes e outros contextos, a propósito de temas que vão ocupando a mente do autor. Pelo contrário, acompanha o dia-a-dia de um homem na sua recente e triste condição de viúvo, durante aproximadamente um ano. Inicia-se num período de grande tensão emocional, com o agravamento do estado de saúde da sua esposa, em dezembro de 2023 e relata-nos episódios reais, dá voz a um drama que preferíamos que fosse ficção. Que nos é próximo demais. Que mal podemos e não queremos imaginar.
    O desespero da luta contra o tempo. Os constrangimentos e dificuldades de lidar com a logística e com as necessidades mais básicas a satisfazer. O esvair da imagem que se tem de um ente querido. De um ente muito querido. O mais querido de todos. A companheira de uma ou várias vidas.
    Como ela quase deixou de comunicar, como deixou de ter energia, deixou de se interessar por pequenas coisas e abandonou os seus hábitos, num esforço insuportável para o mais simples e nada devia ser mais simples do que respirar.
    Também vivemos, através das palavras do autor, os altos e baixos. As pequenas esperanças de recuperar alguma mobilidade. E, depois, a aceitação. A espera.
    O simbolismo e significado de um chocolate por comer.
    O sentimento de estar à mercê de algo muito mais forte, imprevisível e, esta palavra surge amiúde, ao longo do livro: inelutável.
    Uma vivência demasiado real, demasiado íntima, demasiado dolorosa. A Visita da Saúde, mais um alto. Depois o derradeiro baixo.
    Como custa morrer. Como custa viver.
    O autor leva-nos pela mão, — já anteriormente o fez, por paragens mais longínquas, mais agradáveis ou, pelo menos, mais ligeiras — desta feita, através de um processo complexo de luto. Mostra o feio e o horrendo. Para que saia fortificado, tal como nos explica, e cito:
    “a única forma de ser invulnerável é ser quase totalmente vulnerável, mas quanto mais vulnerável se é, mais capaz se é de sofrer as dores, humilhações e desaires, e assim serás capaz de enfrentar qualquer audiência. As pessoas devem comprometer-se a contar a sua história sem cuidarem do número de pessoas que a vão ler ou ouvir.” (Fim de citação)
    A relatividade do tempo tem o condão de infligir chagas físicas. Enquanto 29 anos, vividos em comunhão com a sua esposa, pareceram passar num ápice, agora, cada hora como que dura 29 longos anos.
    Na sua dor, desvia momentaneamente o foco para a busca do conhecimento, a racionalização, procurando organizar os seus sentimentos, de modo a conseguir continuar a funcionar.
    Logo nos apresenta ao conceito de “individualidade dolorosa”, desenvolvido por Susan Sontag, em que a solidão introspetiva teria efeitos construtivos na eloquência. Não que Chrys tivesse falta dela. Mas entenda-se esta reflexão como manifestação da esperança de que, de algo tão mau, pudesse vir algo minimamente positivo.
    É preciso aprender a viver na nova realidade. O contraste é muito bem descrito no excerto que se segue:
    “com a Nini encontrei a minha razão de estar no mundo, era o meu mundo, o dela, o nosso, e era um mundo lindo, nadávamos nos dias, contra marés e tsunamis, bebíamos o chá doce de todos os anos juntos a que ela acrescentava sempre dois pacotes de açúcar pois nunca era suficientemente doce. Acordávamos com o chilrear dos pássaros, por entre ventos e tempestades, chuvas e derrocadas, marés gigantes e nevoeiros cerrados, nesta bruma húmida que caía pelas paredes da casa. Viajámos pelo mundo, dele fizemos o nosso lar, sem fronteiras nem passaportes, voando nas asas da utopia, criámos encontros, publicámos livros, unimos pontes e continentes, e quando estávamos a chegar ao cume dos nossos sonhos, abriu-se o alçapão da vida e sem apelo nem agravo, sem pedir licença, sem dó nem piedade sugou-te e deixou-me suspenso neste abismo que hoje são os meus dias, iguais e vazios.” (Fim de citação)
    Tal como os seus dias, as páginas deste diário enchem-se das “minudências de dias vazios”. Os formulários, os pedidos, os certificados, as voltinhas, os dísticos, as contas, os impostos, as despesas. Burocracias ridículas, igualmente inelutáveis. Sobrevivência autómata, ultrapassando obstáculos a curto prazo.
    “A vida é uma greve de serviços mínimos,” diz o autor.
    E apercebendo-se do pouco que isso é, para Chrys, torna-se essencial o lançamento de metas, como quem projeta um gancho, na ponta de uma corda, para dela se puxar, para se fazer avançar, ou apenas para se manter de pé. “Dar ao mundo as tuas obras, Nini. Realizar o colóquio em Santa Maria, como planeámos juntos”. Aqui, uma sobrevivência motivada por objetivos a médio prazo.
    Ao mesmo tempo, a sobrevivência à base de memórias adubada pela fertilidade de outrora. Os acasos que lhes guiaram os passos, as peripécias, as pequenas implicâncias, quem as não tem.
     
    Felizmente as suas fortes convicções ajudam a manter vertical a orientação corporal, como relembra o próprio, nas seguintes declarações:
    Rezam as crónicas que sou moderadamente otimista há décadas, baseado no princípio de que as coisas podem sempre ser piores, mas também podem melhorar”; e “Uma das coisas que me mantém vivo é a idealidade, além de económica tem funções terapêuticas importantes.” (fim de citação)
    Cá e lá, no seu estilo bem conhecido, laivos de humor também sobreviveram e despontaram, nas suas memórias, nos comentários e escolha de partilhas. Uma dessas, cito:
    “Estava em Lisboa numa das minhas incursões a Portugal, e um primo direito recém-casado com uma menina muito bem da Linha de Cascais, queria impressionar-me com a casa, a riqueza, a mulher cor-de-rosa e tudo o mais para australiano ver. Ao jantar iluminado por música clássica e ao som da romântica luz de velas, em castiçais de prata maciça, colocam-me (já servido) um prato de comida. Iria ficar a deliciar-me durante longos minutos. Passeava o garfo em círculos concêntricos ou em espiral, movimentos entrecortados com o saltitar da faca, esboçando novos bailados ou desenhos no molho viscoso e escuro. Imagens que a luz das velas não deixava penetrar…O cheiro intenso e a consistência eram óbvias, maldito polvo. Lá se fora a cerimónia, antigamente denominada “das nove horas”. A jovem esposa foi, de emergência, meter no micro-ondas um bife a descongelar. Seria este o primeiro e único jantar em casa do primo, quer nesse casamento quer no seguinte. Ainda hoje me interrogo por que nunca mais fui convidado.” (fim de citação)
     
    Sempre provocatório, porém com empatia singela pela morte de uma paroquiana da sua freguesia, em plena missa, diz” Como ateu, diria que deus estava impaciente, mas poderia ter esperado um pouco, pelo fim da missa para a chamar ao seu encontro.” (fim de citação)
     
    Pouco a pouco, no contratempo de tomar um copo de terapia para aguentar, no intervalo de mudar os passe-partouts de sítio e arquivar bibelôs, com esperança que a mulher lhe venha ralhar, Chrys mostra-nos a sua natureza e aquilo que o move. Pois como ele bem descreve:
    “Todos conhecemos o perigo dos vulcões endormidos. Não podem ser perturbados, tal como os ursos hibernados não podem ser molestados no seu descanso. Nunca se sabe o que podem fazer quando enraivecidos, perseguindo os humanos como se fossem presas fáceis, enquanto os vulcões derramam a lava sob a forma escrita, expelindo raivas ancestrais incontidas, sofrimentos amarfanhados, dores insofridas, paixões por materializar e tudo o mais que temporariamente calaram à espera do dia do juízo final, em que pudessem falar como se não houvesse amanhã, como se tudo tivesse de ser dito já hoje e agora, aqui, sob pena de se perder o momento, essa janela do tempo que nos permite, por meros instantes, ser quem realmente somos, sem qualquer máscara ou peia social.” (fim de citação)
     
    Neste livro, julgo que mais do que nos anteriores, raivas ancestrais são expelidas em chibatadas breves e assertivas. O autor chama falsos aos falsos, parolos aos parolos, escroques e vígaros a quem de direito, falhado a uma figura pública. Revela quem lhe estende a mão e quem lhe volta as costas.
    Já dizia o ditado que mais vale um bom vizinho ao perto do que um mau parente ao longe.
    Nesta narrativa de perda, o autor assume que Helena lhe faz falta de muitas formas. O yin perdeu o yang ou vice-versa. E a função moderadora, agregadora e revisora da esposa revela realmente a sua ausência. Imagina-se que parte destas traulitadas não teriam passado no seu filtro. Possivelmente, no que toca à parte feia e suja das relações familiares.
    Outras, mais inócuas não deixam de ser engraçadas. Por exemplo:
    “Esqueci-me de noticiar que o Telmo há dias postou a imagem duma mota para combater a meia-idade, tinha idade para ter juízo, devia ter feito isso há 20 anos e não agora…”
    Cumprindo com a sua função jornalística, o autor noticia assim, num diálogo com a esposa, como se esta o fosse ler, na secretária ao seu lado, no escritório da falsa. Aliás, dirige-se a ela ao longo da obra, mantendo-a, deste modo, perto de si e perto de nós, para que não caia no esquecimento. Mas, mais do que isso, num processo que apenas atribuímos aos filmes, pressente a mulher ao seu lado, sentindo a sua permanência, nos hábitos de 29 anos. Como se ouvisse, ainda, as suas recomendações, à saída para ir à farmácia. E parecendo dizer:
    “Nem crer, nem deixar de crer. Pelo sim, pelo não, não me demoro.”
    No seu percurso, Chrys pratica a escrita como principal forma de autocuidado.
    A certa altura, sente-se na coragem de visitar a sua terra, lá em “Portugal” (palavras dele) — numa “Uma escapadela a Portugal” — e vai lá à Freguesia da Eucísia, que insiste ser tão pouco pomposa como a Aldeia da Lomba da Maia.
    Vá-se lá perceber porquê, gosta de chamar umas coisas pelos seus nomes e outras não. Ou talvez se perceba, conhecendo o seu hobby provocatório. De terras portuguesas, partilha a seguinte análise acutilante:
     
    “Aqui a saúde não tem grandes centros nem urgências, desertificada como as terras e terriolas, sem serviços nem gente. Ter um AVC aqui é meio caminho andado para o cemitério, mas vamos com boas vistas. (…)
    Há estradas, vias rápidas, as velhas N-215 e a N-315, foram asfaltadas, mas não há gente e o movimento é tão diminuto como há 60 anos. (…)
    Agora que há meios, não há gente para usufruir deles que tanta falta faziam quando estas férteis terras produziam tanta agricultura (e a Europa suspendeu). Custa ver estas encostas pejadas de oliveiras, inúmeras árvores de frutos, sem vivalma para as apanhar. Tanto que isto podia ser celeiro da nação, nem gente há para tratar delas. Dizem-me que a amêndoa de há 2 anos ficou armazenada sem se vender a preços irrisórios que nem cobriam as despesas da apanha.
    Dos emigrantes que nas últimas décadas usaram para as colheitas, dizem-me que os ucranianos são os mais voluntariosos, já se foram os romenos de triste memória e vieram os búlgaros, igualmente uma desgraça. Portugueses nem vê-los.” (fim de citação)
     
    Posteriormente, uma reflexão que passo a ler:
     
    E já passou uma semana sobre o meu regresso da aldeia, revigorante, mas simultaneamente trouxe matéria para cogitação. Hoje os jovens (os meus filhos são disso exemplo) não conhecem a família nem têm memórias de infância a perpetuar e marcantes como as nossas. De que se vão lembrar quando tiverem a minha idade? Dum jogo de GameBoy? dum jogo de internet, dum torneio PlayNesti que venceram? Sem recordações de família alargada de Festas de Páscoa ou Natal em famílias com primos e tios só lhes restam os jogos.” (fim de citação)
     
    Para além das reflexões a que nos obriga, de índole económica, pessoal e social, Chrys demonstra como os fenómenos naturais têm o poder de alterar o curso da história. Enriquecendo este difícil ano de vida, para seu e nosso benefício, com relatos da Subversão de Vila Franca do Campo, incluindo palavras de Gaspar Frutuoso.
    Recupera e recicla material anteriormente utilizado, conforme vão surgindo temas dignos de nota. Alterando ligeiramente o discurso, apurando um ou outro recurso linguístico, como se dissesse: “a ver se consigo contar isto de uma maneira diferente. Vá, agora já passou a mensagem?”
    Ao mesmo tempo, vai-nos dando conta do seu espírito e da sua sujeição a ações externas, a saber o estado do tempo ou contactos e convites que lhe estendam.
    Como bom jornalista que é, faz apontamentos de sismos e intempéries na ilha. Entre as idas à farmácia — onde, pelo sim, pelo não, não se demora — e as irritações com os bolardos no parque de estacionamento do Hospital, dá conta, de recordes de temperatura que se sucedem. Numa narrativa bem documentada, que lhe é característica.
    Se tivermos a pretensão de que, no futuro, alguém dê importância a seja o que for, a obra de Chrys será um tesouro para os historiadores dos próximos séculos.
    Como o sino da igreja, do seu posto de observação, o autor pauta casamentos e funerais da sua Aldeia.
    Sempre com um olho, crítico e analítico, no mundo, reporta acontecimentos desportivos, acidentes de aviação, guerras, fogos e assuntos mais ou menos sérios e preocupantes. Das suas observações, passo a citar algumas:
    “Um Estado que deixa tribunais, conservatórias, e demais serviços públicos em Ponta Delgada (e em todas as ilhas) ao abandono, ao ponto de chover lá dentro, caírem tetos, estarem salas fechadas e os processos à espera de navegarem se chover muito, esse Estado não merece os impostos que arrecada.
    As escolas, mesmo as mais novas, parecem precárias, dada a falta de manutenção, a deficiente construção, infiltrações, falhas estruturais e falta de verba para funcionarem em condições mínimas. No ensino falta tudo, dantes faltavam os bons resultados agora faltam professores, faltam assistentes operacionais, e até faltam (cada vez mais) alunos.
    Madeira ardida é papel barato, mesmo que seja à custa de uma centena de vidas.
    A versão oficial: o fogo de Pedrógão Grande começou com um raio numa árvore em Escalos Fundeiros. Com um nome destes não havia de cair lá um raio!
    Quando me levantei a 6 de novembro do ano da desgraça de 24 já a raposa estava no galinheiro e as ovelhas tinham votado no lobo.”
     
    Na sua narrativa, Chrys explica-nos que a história se repete e como ela se repete, por exemplo com uma comparação entre a ocupação da Ucrânia e os acontecimentos que levaram Olivença.
    Ademais, ao longo da sua obra, sobressai um sentimento de desilusão pela aplicação coxa da democracia. Foi para isto que lutámos, foi esta a nossa herança? Para isto apregoámos liberdade? E cito:
    Cheguei agora da praia (Moinhos), a favorita entre todas as parcas nesgas de areia da ilha (Pópulo e Milícias desgostam-me ambas pelos nomes pejados de democracia malcheirosa). Perdão, que alguém ao ler estas linhas (agora que o Governo guarda todas as nossas mensagens, nunca se sabe a que mãos isto irá parar) pode pensar que não perfilho dum amor doentio pela democracia. Mentiria se não o afirmasse aqui, só que esta democracia à portuguesa é tão triste e pequenina como o país. Sinto saudades de democracias grandes (como a australiana) e de países desse tamanho…” (fim de citação)
     
    O autor enfatiza e demonstra como falta, ao país, tal como à região, visão a longo prazo em todos os setores. Tapa-se o sol com a peneira. Compra-se uma pistola para dar silicone nos buraquinhos, mas que seja a pistola mais cara e portentosa. Linda, invejável. Recomendo a leitura da crónica “VARINHA MÁGICA PRECISA-SE”, que muito bem exemplifica esta crítica. Chrys está convicto de que é possível fazer melhor, se houver humildade de tentar procurar os bons exemplos. Os bons exemplos, desta feita, que dos maus já nos fartámos.
    Inspirada pelo autor que vim modestamente atentar — e tendo todo o cuidado, porque, cito: “As visões críticas ou não conformadas aos cânones podem acarretar sérios riscos para a saúde mental dos seus autores” —deixo uma notícia que sendo da minha área me interessa particularmente:
    “O Governo regional aprovou, no passado dia 14, a aquisição de 700 painéis interativos e 4.500 computadores portáteis, visando a modernização das unidades orgânicas do sistema educativo regional”, enquanto isso, não há solução à vista para a falta de pessoal auxiliar nas escolas. Ou talvez seja essa a solução! IA em grande plano no quadro interativo: “menino X, faça favor de limpar o ranho”; “sinta-se servido de mais macarrão”; “não morda a sua colega”.
    Deixo também duas recomendações: 1- preferencialmente, não enviuvar; e 2- não ler as crónicas “festivas” do Chrys, realismo exacerbado, chama-lhe.
     
    Numa última nota, mais artística e colorida, volto a citar Chrys Chrystello:
     
    “deparei com uma camioneta de passageiros estacionada aguardando o começo da semana para voltar a trabalhar. Acorreu‑me a ideia peregrina de como seria uma aventura “pedir emprestada” a carripana, começar a percorrer as aldeias (ditas freguesias nas ilhas) e gravar as histórias que os passageiros fossem contando. A viagem não teria destino. Duraria tanto quanto as histórias dos passageiros. Não seriam cobrados bilhetes. Pararia em todos os locais, podendo deter‑se para que fossem contadas as histórias e lendas do local onde paravam. Que livro maravilhoso não daria esse compêndio de histórias apanhadas ao acaso daqueles que tomassem o autocarro dos sonhos.” (fim de delírio)
     
    O autor afirma: “Já vivi muito e intensamente as vidas todas que me foram proporcionadas” E eu acredito. Mas vamos nesse autocarro? Uma breve viagem.
     
    Pelo sim, pelo não, não se demore.
     
     
     
     
     

     

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    DIANA ZIMBRON SOBRE O DIÁRIO DE UM HOMEM SÓ

    By CHRYS CHRYSTELLO on 25/05/2025

    Quando apresentei, pela primeira vez, um livro de Chrys, o volume VI da série ChrónicAçores, fiz questão de frisar que esse não era o último, apenas, na altura o mais recente, e que o autor já teria mais 200 crónicas na gaveta para uma próxima publicação. Fizeram-se caros, ele e a Helena, riram como se não achassem provável. Pois bem, entretanto, o sétimo já anda aí e cá está o ChrónicAçores volume 8: Diário de um Homem Só, uma viagem interior.
    E este livro, como o título indica, em formato de diário, não vive de crónicas da gaveta, embora inclua algumas, já publicadas em outros volumes e outros contextos, a propósito de temas que vão ocupando a mente do autor. Pelo contrário, acompanha o dia-a-dia de um homem na sua recente e triste condição de viúvo, durante aproximadamente um ano. Inicia-se num período de grande tensão emocional, com o agravamento do estado de saúde da sua esposa, em dezembro de 2023 e relata-nos episódios reais, dá voz a um drama que preferíamos que fosse ficção. Que nos é próximo demais. Que mal podemos e não queremos imaginar.
    O desespero da luta contra o tempo. Os constrangimentos e dificuldades de lidar com a logística e com as necessidades mais básicas a satisfazer. O esvair da imagem que se tem de um ente querido. De um ente muito querido. O mais querido de todos. A companheira de uma ou várias vidas.
    Como ela quase deixou de comunicar, como deixou de ter energia, deixou de se interessar por pequenas coisas e abandonou os seus hábitos, num esforço insuportável para o mais simples e nada devia ser mais simples do que respirar.
    Também vivemos, através das palavras do autor, os altos e baixos. As pequenas esperanças de recuperar alguma mobilidade. E, depois, a aceitação. A espera.
    O simbolismo e significado de um chocolate por comer.
    O sentimento de estar à mercê de algo muito mais forte, imprevisível e, esta palavra surge amiúde, ao longo do livro: inelutável.
    Uma vivência demasiado real, demasiado íntima, demasiado dolorosa. A Visita da Saúde, mais um alto. Depois o derradeiro baixo.
    Como custa morrer. Como custa viver.
    O autor leva-nos pela mão, — já anteriormente o fez, por paragens mais longínquas, mais agradáveis ou, pelo menos, mais ligeiras — desta feita, através de um processo complexo de luto. Mostra o feio e o horrendo. Para que saia fortificado, tal como nos explica, e cito:
    “a única forma de ser invulnerável é ser quase totalmente vulnerável, mas quanto mais vulnerável se é, mais capaz se é de sofrer as dores, humilhações e desaires, e assim serás capaz de enfrentar qualquer audiência. As pessoas devem comprometer-se a contar a sua história sem cuidarem do número de pessoas que a vão ler ou ouvir.” (Fim de citação)
    A relatividade do tempo tem o condão de infligir chagas físicas. Enquanto 29 anos, vividos em comunhão com a sua esposa, pareceram passar num ápice, agora, cada hora como que dura 29 longos anos.
    Na sua dor, desvia momentaneamente o foco para a busca do conhecimento, a racionalização, procurando organizar os seus sentimentos, de modo a conseguir continuar a funcionar.
    Logo nos apresenta ao conceito de “individualidade dolorosa”, desenvolvido por Susan Sontag, em que a solidão introspetiva teria efeitos construtivos na eloquência. Não que Chrys tivesse falta dela. Mas entenda-se esta reflexão como manifestação da esperança de que, de algo tão mau, pudesse vir algo minimamente positivo.
    É preciso aprender a viver na nova realidade. O contraste é muito bem descrito no excerto que se segue:
    “com a Nini encontrei a minha razão de estar no mundo, era o meu mundo, o dela, o nosso, e era um mundo lindo, nadávamos nos dias, contra marés e tsunamis, bebíamos o chá doce de todos os anos juntos a que ela acrescentava sempre dois pacotes de açúcar pois nunca era suficientemente doce. Acordávamos com o chilrear dos pássaros, por entre ventos e tempestades, chuvas e derrocadas, marés gigantes e nevoeiros cerrados, nesta bruma húmida que caía pelas paredes da casa. Viajámos pelo mundo, dele fizemos o nosso lar, sem fronteiras nem passaportes, voando nas asas da utopia, criámos encontros, publicámos livros, unimos pontes e continentes, e quando estávamos a chegar ao cume dos nossos sonhos, abriu-se o alçapão da vida e sem apelo nem agravo, sem pedir licença, sem dó nem piedade sugou-te e deixou-me suspenso neste abismo que hoje são os meus dias, iguais e vazios.” (Fim de citação)
    Tal como os seus dias, as páginas deste diário enchem-se das “minudências de dias vazios”. Os formulários, os pedidos, os certificados, as voltinhas, os dísticos, as contas, os impostos, as despesas. Burocracias ridículas, igualmente inelutáveis. Sobrevivência autómata, ultrapassando obstáculos a curto prazo.
    “A vida é uma greve de serviços mínimos,” diz o autor.
    E apercebendo-se do pouco que isso é, para Chrys, torna-se essencial o lançamento de metas, como quem projeta um gancho, na ponta de uma corda, para dela se puxar, para se fazer avançar, ou apenas para se manter de pé. “Dar ao mundo as tuas obras, Nini. Realizar o colóquio em Santa Maria, como planeámos juntos”. Aqui, uma sobrevivência motivada por objetivos a médio prazo.
    Ao mesmo tempo, a sobrevivência à base de memórias adubada pela fertilidade de outrora. Os acasos que lhes guiaram os passos, as peripécias, as pequenas implicâncias, quem as não tem.
     
    Felizmente as suas fortes convicções ajudam a manter vertical a orientação corporal, como relembra o próprio, nas seguintes declarações:
    Rezam as crónicas que sou moderadamente otimista há décadas, baseado no princípio de que as coisas podem sempre ser piores, mas também podem melhorar”; e “Uma das coisas que me mantém vivo é a idealidade, além de económica tem funções terapêuticas importantes.” (fim de citação)
    Cá e lá, no seu estilo bem conhecido, laivos de humor também sobreviveram e despontaram, nas suas memórias, nos comentários e escolha de partilhas. Uma dessas, cito:
    “Estava em Lisboa numa das minhas incursões a Portugal, e um primo direito recém-casado com uma menina muito bem da Linha de Cascais, queria impressionar-me com a casa, a riqueza, a mulher cor-de-rosa e tudo o mais para australiano ver. Ao jantar iluminado por música clássica e ao som da romântica luz de velas, em castiçais de prata maciça, colocam-me (já servido) um prato de comida. Iria ficar a deliciar-me durante longos minutos. Passeava o garfo em círculos concêntricos ou em espiral, movimentos entrecortados com o saltitar da faca, esboçando novos bailados ou desenhos no molho viscoso e escuro. Imagens que a luz das velas não deixava penetrar…O cheiro intenso e a consistência eram óbvias, maldito polvo. Lá se fora a cerimónia, antigamente denominada “das nove horas”. A jovem esposa foi, de emergência, meter no micro-ondas um bife a descongelar. Seria este o primeiro e único jantar em casa do primo, quer nesse casamento quer no seguinte. Ainda hoje me interrogo por que nunca mais fui convidado.” (fim de citação)
     
    Sempre provocatório, porém com empatia singela pela morte de uma paroquiana da sua freguesia, em plena missa, diz” Como ateu, diria que deus estava impaciente, mas poderia ter esperado um pouco, pelo fim da missa para a chamar ao seu encontro.” (fim de citação)
     
    Pouco a pouco, no contratempo de tomar um copo de terapia para aguentar, no intervalo de mudar os passe-partouts de sítio e arquivar bibelôs, com esperança que a mulher lhe venha ralhar, Chrys mostra-nos a sua natureza e aquilo que o move. Pois como ele bem descreve:
    “Todos conhecemos o perigo dos vulcões endormidos. Não podem ser perturbados, tal como os ursos hibernados não podem ser molestados no seu descanso. Nunca se sabe o que podem fazer quando enraivecidos, perseguindo os humanos como se fossem presas fáceis, enquanto os vulcões derramam a lava sob a forma escrita, expelindo raivas ancestrais incontidas, sofrimentos amarfanhados, dores insofridas, paixões por materializar e tudo o mais que temporariamente calaram à espera do dia do juízo final, em que pudessem falar como se não houvesse amanhã, como se tudo tivesse de ser dito já hoje e agora, aqui, sob pena de se perder o momento, essa janela do tempo que nos permite, por meros instantes, ser quem realmente somos, sem qualquer máscara ou peia social.” (fim de citação)
     
    Neste livro, julgo que mais do que nos anteriores, raivas ancestrais são expelidas em chibatadas breves e assertivas. O autor chama falsos aos falsos, parolos aos parolos, escroques e vígaros a quem de direito, falhado a uma figura pública. Revela quem lhe estende a mão e quem lhe volta as costas.
    Já dizia o ditado que mais vale um bom vizinho ao perto do que um mau parente ao longe.
    Nesta narrativa de perda, o autor assume que Helena lhe faz falta de muitas formas. O yin perdeu o yang ou vice-versa. E a função moderadora, agregadora e revisora da esposa revela realmente a sua ausência. Imagina-se que parte destas traulitadas não teriam passado no seu filtro. Possivelmente, no que toca à parte feia e suja das relações familiares.
    Outras, mais inócuas não deixam de ser engraçadas. Por exemplo:
    “Esqueci-me de noticiar que o Telmo há dias postou a imagem duma mota para combater a meia-idade, tinha idade para ter juízo, devia ter feito isso há 20 anos e não agora…”
    Cumprindo com a sua função jornalística, o autor noticia assim, num diálogo com a esposa, como se esta o fosse ler, na secretária ao seu lado, no escritório da falsa. Aliás, dirige-se a ela ao longo da obra, mantendo-a, deste modo, perto de si e perto de nós, para que não caia no esquecimento. Mas, mais do que isso, num processo que apenas atribuímos aos filmes, pressente a mulher ao seu lado, sentindo a sua permanência, nos hábitos de 29 anos. Como se ouvisse, ainda, as suas recomendações, à saída para ir à farmácia. E parecendo dizer:
    “Nem crer, nem deixar de crer. Pelo sim, pelo não, não me demoro.”
    No seu percurso, Chrys pratica a escrita como principal forma de autocuidado.
    A certa altura, sente-se na coragem de visitar a sua terra, lá em “Portugal” (palavras dele) — numa “Uma escapadela a Portugal” — e vai lá à Freguesia da Eucísia, que insiste ser tão pouco pomposa como a Aldeia da Lomba da Maia.
    Vá-se lá perceber porquê, gosta de chamar umas coisas pelos seus nomes e outras não. Ou talvez se perceba, conhecendo o seu hobby provocatório. De terras portuguesas, partilha a seguinte análise acutilante:
     
    “Aqui a saúde não tem grandes centros nem urgências, desertificada como as terras e terriolas, sem serviços nem gente. Ter um AVC aqui é meio caminho andado para o cemitério, mas vamos com boas vistas. (…)
    Há estradas, vias rápidas, as velhas N-215 e a N-315, foram asfaltadas, mas não há gente e o movimento é tão diminuto como há 60 anos. (…)
    Agora que há meios, não há gente para usufruir deles que tanta falta faziam quando estas férteis terras produziam tanta agricultura (e a Europa suspendeu). Custa ver estas encostas pejadas de oliveiras, inúmeras árvores de frutos, sem vivalma para as apanhar. Tanto que isto podia ser celeiro da nação, nem gente há para tratar delas. Dizem-me que a amêndoa de há 2 anos ficou armazenada sem se vender a preços irrisórios que nem cobriam as despesas da apanha.
    Dos emigrantes que nas últimas décadas usaram para as colheitas, dizem-me que os ucranianos são os mais voluntariosos, já se foram os romenos de triste memória e vieram os búlgaros, igualmente uma desgraça. Portugueses nem vê-los.” (fim de citação)
     
    Posteriormente, uma reflexão que passo a ler:
     
    E já passou uma semana sobre o meu regresso da aldeia, revigorante, mas simultaneamente trouxe matéria para cogitação. Hoje os jovens (os meus filhos são disso exemplo) não conhecem a família nem têm memórias de infância a perpetuar e marcantes como as nossas. De que se vão lembrar quando tiverem a minha idade? Dum jogo de GameBoy? dum jogo de internet, dum torneio PlayNesti que venceram? Sem recordações de família alargada de Festas de Páscoa ou Natal em famílias com primos e tios só lhes restam os jogos.” (fim de citação)
     
    Para além das reflexões a que nos obriga, de índole económica, pessoal e social, Chrys demonstra como os fenómenos naturais têm o poder de alterar o curso da história. Enriquecendo este difícil ano de vida, para seu e nosso benefício, com relatos da Subversão de Vila Franca do Campo, incluindo palavras de Gaspar Frutuoso.
    Recupera e recicla material anteriormente utilizado, conforme vão surgindo temas dignos de nota. Alterando ligeiramente o discurso, apurando um ou outro recurso linguístico, como se dissesse: “a ver se consigo contar isto de uma maneira diferente. Vá, agora já passou a mensagem?”
    Ao mesmo tempo, vai-nos dando conta do seu espírito e da sua sujeição a ações externas, a saber o estado do tempo ou contactos e convites que lhe estendam.
    Como bom jornalista que é, faz apontamentos de sismos e intempéries na ilha. Entre as idas à farmácia — onde, pelo sim, pelo não, não se demora — e as irritações com os bolardos no parque de estacionamento do Hospital, dá conta, de recordes de temperatura que se sucedem. Numa narrativa bem documentada, que lhe é característica.
    Se tivermos a pretensão de que, no futuro, alguém dê importância a seja o que for, a obra de Chrys será um tesouro para os historiadores dos próximos séculos.
    Como o sino da igreja, do seu posto de observação, o autor pauta casamentos e funerais da sua Aldeia.
    Sempre com um olho, crítico e analítico, no mundo, reporta acontecimentos desportivos, acidentes de aviação, guerras, fogos e assuntos mais ou menos sérios e preocupantes. Das suas observações, passo a citar algumas:
    “Um Estado que deixa tribunais, conservatórias, e demais serviços públicos em Ponta Delgada (e em todas as ilhas) ao abandono, ao ponto de chover lá dentro, caírem tetos, estarem salas fechadas e os processos à espera de navegarem se chover muito, esse Estado não merece os impostos que arrecada.
    As escolas, mesmo as mais novas, parecem precárias, dada a falta de manutenção, a deficiente construção, infiltrações, falhas estruturais e falta de verba para funcionarem em condições mínimas. No ensino falta tudo, dantes faltavam os bons resultados agora faltam professores, faltam assistentes operacionais, e até faltam (cada vez mais) alunos.
    Madeira ardida é papel barato, mesmo que seja à custa de uma centena de vidas.
    A versão oficial: o fogo de Pedrógão Grande começou com um raio numa árvore em Escalos Fundeiros. Com um nome destes não havia de cair lá um raio!
    Quando me levantei a 6 de novembro do ano da desgraça de 24 já a raposa estava no galinheiro e as ovelhas tinham votado no lobo.”
     
    Na sua narrativa, Chrys explica-nos que a história se repete e como ela se repete, por exemplo com uma comparação entre a ocupação da Ucrânia e os acontecimentos que levaram Olivença.
    Ademais, ao longo da sua obra, sobressai um sentimento de desilusão pela aplicação coxa da democracia. Foi para isto que lutámos, foi esta a nossa herança? Para isto apregoámos liberdade? E cito:
    Cheguei agora da praia (Moinhos), a favorita entre todas as parcas nesgas de areia da ilha (Pópulo e Milícias desgostam-me ambas pelos nomes pejados de democracia malcheirosa). Perdão, que alguém ao ler estas linhas (agora que o Governo guarda todas as nossas mensagens, nunca se sabe a que mãos isto irá parar) pode pensar que não perfilho dum amor doentio pela democracia. Mentiria se não o afirmasse aqui, só que esta democracia à portuguesa é tão triste e pequenina como o país. Sinto saudades de democracias grandes (como a australiana) e de países desse tamanho…” (fim de citação)
     
    O autor enfatiza e demonstra como falta, ao país, tal como à região, visão a longo prazo em todos os setores. Tapa-se o sol com a peneira. Compra-se uma pistola para dar silicone nos buraquinhos, mas que seja a pistola mais cara e portentosa. Linda, invejável. Recomendo a leitura da crónica “VARINHA MÁGICA PRECISA-SE”, que muito bem exemplifica esta crítica. Chrys está convicto de que é possível fazer melhor, se houver humildade de tentar procurar os bons exemplos. Os bons exemplos, desta feita, que dos maus já nos fartámos.
    Inspirada pelo autor que vim modestamente atentar — e tendo todo o cuidado, porque, cito: “As visões críticas ou não conformadas aos cânones podem acarretar sérios riscos para a saúde mental dos seus autores” —deixo uma notícia que sendo da minha área me interessa particularmente:
    “O Governo regional aprovou, no passado dia 14, a aquisição de 700 painéis interativos e 4.500 computadores portáteis, visando a modernização das unidades orgânicas do sistema educativo regional”, enquanto isso, não há solução à vista para a falta de pessoal auxiliar nas escolas. Ou talvez seja essa a solução! IA em grande plano no quadro interativo: “menino X, faça favor de limpar o ranho”; “sinta-se servido de mais macarrão”; “não morda a sua colega”.
    Deixo também duas recomendações: 1- preferencialmente, não enviuvar; e 2- não ler as crónicas “festivas” do Chrys, realismo exacerbado, chama-lhe.
     
    Numa última nota, mais artística e colorida, volto a citar Chrys Chrystello:
     
    “deparei com uma camioneta de passageiros estacionada aguardando o começo da semana para voltar a trabalhar. Acorreu‑me a ideia peregrina de como seria uma aventura “pedir emprestada” a carripana, começar a percorrer as aldeias (ditas freguesias nas ilhas) e gravar as histórias que os passageiros fossem contando. A viagem não teria destino. Duraria tanto quanto as histórias dos passageiros. Não seriam cobrados bilhetes. Pararia em todos os locais, podendo deter‑se para que fossem contadas as histórias e lendas do local onde paravam. Que livro maravilhoso não daria esse compêndio de histórias apanhadas ao acaso daqueles que tomassem o autocarro dos sonhos.” (fim de delírio)
     
    O autor afirma: “Já vivi muito e intensamente as vidas todas que me foram proporcionadas” E eu acredito. Mas vamos nesse autocarro? Uma breve viagem.
     
    Pelo sim, pelo não, não se demore.
     
     
     
     
     

     

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  • OSVALDO CABRAL SINAIS DE DEGRADAÇÃO

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    SINAIS DE DEGRADAÇÃO
    A candidatura de André Ventura às presidenciais de 18 de Janeiro veio baralhar o cenário político e é muito provável que tenha influência nas eleições autárquicas do próximo dia 12 de Outubro.
    É sabido que a maior fraqueza do Chega é não ter mais ninguém sem ser Ventura, enfermando do mesmo problema o Chega-Açores, em que a figura do omnipresente José Pacheco trava a expansão do Chega.
    É neste sentido que as autárquicas vão ser interessantes, também aqui nos Açores, para se medir os sinais que o eleitorado vai dar com vista aos actos eleitorais seguintes.
    Quem anda na rua sabe que existe uma crescente insatisfação com a governação da coligação regional, mas também não se vê no PS de Francisco César a alternativa desejada.
    Os sinais parecem evidentes e a observação que nos parece mais clara no espaço público é que muitos eleitores já não querem saber da qualidade dos candidatos, mas antes a melhor forma de demonstrarem o descontentamento, de preferência na força política que mais protesta e fala a mesma linguagem das conversas de café.
    Para estes eleitores, que são cada vez mais, o voto no Chega de Ventura e Pacheco é um voto de catarse, de raiva e vingança contra os “velhos” partidos que não estão a perceber o que está a acontecer e que teimam em governar sempre da mesma maneira.
    Os erros e vícios acumulam-se atrás uns dos outros, como ainda agora aconteceu na última sessão plenária do parlamento regional, em que os deputados do Chega deram um baile às bancadas da coligação em dois temas muito mal geridos pela equipa de Bolieiro: a redução de despesas e da dívida pública e a trapalhada da cedência do complexo do Lajedo ao Santa Clara.
    As pessoas vão-se cansando desta degradação na política regional e a reacção mais básica é protestar juntamente com os que também protestam, à falta de criatividade e profundas reformas.
    É verdade que as eleições autárquicas são diferentes das outras, onde os partidos não estão no centro da decisão de cada eleitor, mas sim a credibilidade dos candidatos, o grau de proximidade e a apreciação pessoal no meio local.
    Por isso, vai ser interessante seguir o movimento dos eleitores no dia 12 de Outubro: ou mantêm a clássica posição de votar nos candidatos que acham mais adequados às suas freguesias e municípios (são as eleições onde há mais transferências de voto partidário), ou mandam às malvas a tradição e votam no Chega ou grupos independentes, só para demonstrarem a sua insatisfação com os partidos do sistema.
    Acho que não é de menosprezar a segunda hipótese, como parecem alguns candidatos incumbentes, até porque não é por acaso que o Chega apresenta-se a todos os municípios dos Açores, mesmo com candidatos “importados”, para capitalizar o tal descontentamento generalizado.
    As eleições não serão, assim, um passeio para os candidatos dos maiores partidos da Região.
    Vão ter que se aplicar e, muitos deles, certamente que preferem não ter ao seu lado os respectivos líderes.
    Seja qual for o resultado, uma coisa é certa: há cada vez mais sinais de degradação da vida política, os protagonistas são cada vez mais fracos e a linguagem utilizada, sobretudo no parlamento e no espaço público, é de uma mediocridade ainda mais degradante.
    ****
    GOVERNAR POR GRUPOS – É um clássico da governação em qualquer parte, mas com mais incidência nos Açores: quando não se tem capacidade para decidir ou realizar obra, cria-se um grupo de trabalho!
    Já perdi a conta do número de grupos e comissões nomeadas pela coligação regional para estudar inúmeros assuntos, sendo os mais ridículos a nomeação de grupos de trabalho para estudar o estudo que já está feito, como o estudo da ampliação da pista do Pico ou do serviço de transporte marítimo de carga.
    Na semana passada o Governo dos Açores nomeou mais dois: um Grupo de Trabalho para as pragas nas vindimas e mais uma comissão para avaliar o futuro do HDES. O primeiro é para estudar o óbvio, de que os vitivinicultores queixam-se há vários anos, e o segundo é para empurrar com a barriga as obras no HDES, que já deviam ter arrancado no primeiro semestre deste ano.
    Outros grupos e comissões que deambulam por aí, sem que se conheçam resultados: Grupo de Trabalho para desenvolver projecto-piloto para a semana de quatro dias; Dois Grupos de Trabalho para planear o rejuvenescimento e os novos modelos de organização do trabalho na Administração Pública Regional; Grupo de Trabalho para rever e melhorar o funcionamento das Comissões para a Dissuasão da Toxicodependência; Grupo de Trabalho para o Projecto Anel Interilhas (este sugerido à República); Grupo de Trabalho para avaliar os danos no HDES; Grupo de Trabalho Recursos Marinhos Não Vivos; Grupo de Trabalho para estudar eventual aumento de deportados dos EUA; Grupo de Trabalho para estudar um regulamento das touradas à corda; Grupo de Trabalho para a revisão do POTRAA; Grupo de Trabalho para estudar a figura do Cuidador de Crianças; Grupo de Trabalho para estudar o parque habitacional de Santa Maria…
    E não acaba aqui. Já nem faço referência à longa lista de comissões, que também é extensa.
    O grupo de trabalho sobre as pragas bem poderia estudar, também, esta praga.
    ****
    GANÂNCIA – Os bancos portugueses andaram a enganar a população durante mais de uma década, trocando entre si informações confidenciais sobre taxas de juro, empréstimos e comissões, para combinarem uma concertação de preços.
    A garotice foi descoberta pela Autoridade da Concorrência e os tribunais condenaram a banca a uma multa ridícula de 225 milhões de euros, que acabou por ser prescrita devido ao lindo sistema judicial que temos no país das maravilhas.
    Ao “cartel da banca” seguiu-se o “cartel da distribuição”, outra praga que merecia um Grupo de Trabalho, que também apostou na combinação de preços, sendo condenado a 700 milhões de euros, que deverão ter o mesmo destino da banca..
    Se o Estado português é o primeiro a dar o exemplo de incumprimento para com os cidadãos, onde tudo falha, não é surpresa que os grandes privados sigam a banda no país dos brandos costumes.
    Os consumidores, como sempre, é que se lixam!
    Osvaldo Cabral
    Setembro 2025
    (Açoriano Oriental, Diário Insular, Portuguese Times EUA, LusoPresse Montreal)
  • É improvável que alguém nascido depois de 1939 viva até aos 100 anos – ZAP Notícias

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    Embora o número de centenários possa estar a aumentar, uma nova investigação revela que, estatisticamente, ninguém que viva atualmente deve esperar viver até aos 100 anos.

    Source: É improvável que alguém nascido depois de 1939 viva até aos 100 anos – ZAP Notícias

  • (eleições à vista) viver é uma canseira

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    viver é uma canseira abr 2025

     

    Li há dias numa parede grafitada que viver é uma canseira, quem o disse e recriou para a posteridade deve ter tido uma vida desastradamente monótona e desinteressante.

    A minha maior canseira foi chegar à 4ª idade com o cérebro de 25 anos e um corpo de 125.

    Nem queiram saber o rol de maleitas que surgem, umas atrás das outras num corpo aparentemente saudável e não muito escalavrado pelos anos. É esta canseira que ora me aflige pela expectativa daquilo que de pior ainda está por chegar.

    Sempre pedi à minha mulher que não me deixasse conhecer este estado civil de viuvez pois já pressentia as dores que traria.

    É precisamente agora que pareço ter perdido toda e qualquer réstia de paciência, para ouvir as promessas ocas dos políticos balofos, que nunca fizeram nada na vida a não ser venderem promessas vazias. E de eleição em eleição reciclam-se e prometem o que já tinham prometido e que tanto eles como os eleitores se esqueceram.

    E tudo aquilo que ainda não fizeram, em mandatos anteriores, será agora que vão fazer, até melhor do que seria de esperar dada a conjuntura, que, conjuntamente com a ingrata mãe natura, o clima, a economia, a guerra (qualquer uma, não importa), algumas potências estrangeiras, a globalização, o protecionismo ou outro qualquer asteroide impediram anteriormente que fosse realizado.

    Entre outras notícias de somenos importância desfilam pelos entediantes ecrãs da nossa realidade destilando palavras inócuas que parecem encher o mundo de bolas de cristal coloridas plenas de futuros acontecimentos inconseguidos.

    O tempo, esse mestre maior, acaba sempre por se ver livre dos seus seguidores e, mais cedo ou mais tarde, transita para outra dimensão onde deles jamais se ouvirá falar. Mas logo outros políticos de carreira surgirão para lhes tomar o lugar. Escrevo isto e lembro a história de Roma ao longo de séculos, e sorrio ao vê-la aqui reproduzida já no curto espaço da minha vida.

    Está aí mais uma eleição à sua espera, e de nada servirá o seu voto exceto para justificar que a democracia ainda é o melhor sistema de todos, apesar das suas fragilidades, desigualdades, iniquidades e abusos e se estiver numa fase da vida que é uma canseira, como eu estou, sabe bem que a autocracia e a ditadura ainda o fariam bem mais infeliz.

  • AIMA manda português abandonar território nacional – Portugal – SÁBADO

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    Despacho da Agência para a Integração Migrações e Asilo notifica 72 imigrantes para abandonarem território nacional e expõe dados pessoais de todos, incluindo moradas. Advogada destaca violação da proteção de dados e diz que um dos seus clientes até já obteve a nacionalidade portuguesa.

    Source: AIMA manda português abandonar território nacional – Portugal – SÁBADO

  • poesia publicada na editora chiado “entre o sono e o sonho” 2015-2025

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    maria nobody 2015, 2017, 2018

    710 nao quero saber o teu nome 2019

    714 O BEM MAIOR COVID 2020

    724. Para uma biblioteca universal da felicidade 2021

    711 desculpa o atraso 2022

    736, não à guerra na ucrânia, 2023

    742 nii dores 2024

     

    738 imarcescível 2025

     

     

    ler aqui todos

     

    509. maria nobody, à maria mãe, (pico, 9 agosto 2011)

     

    maria nobody

    de todos ninguém

     

    de alguém

    de um só

    maria nobody

    com body de jovem

     

    maria só minha

    assim te sonho

    assim te habito

     

    maria nobody

    de todos ninguém

     

    maria nobody

    mãe

    amante

    mulher

    minha maria

     

    maria nobody

    de todos ninguém

    nem sabes a riqueza

    que a gente tem

     

    maria nobody

    de todos ninguém

     

    maria só minha

    dos filhos também

    maria nobody

    mais ninguém tem.

     

    In poesia chiado entre o sono e o sonho 2015 vol 6

    710. não quero saber o teu nome, 4.8.2019

     

    não quero saber o teu nome

    nem a tua idade

    nem o teu bairro

    nem o teu emprego

     

    não quero saber a tua riqueza

    nem o teu carro

    nem as tuas férias

    nem a tua família

     

    quero saber como tratas as estrelas

    e os animais

     

    quero saber onde nasce teu sorriso

    e as tuas lágrimas

     

    quero saber como tratas as nuvens

    a bruma e o sol-pôr

     

    quero saber como sonhas

    onde moram teus devaneios

    e se neles há lugar para os meus

     

    • Iin poesia chiado entre o sono e o sonho 2019 volume xi

     

     

    714 O BEM MAIOR COVID-19 21.6.2020

     

    Quando deixarem morrer os teus pais

    num lar sem água

    Deixa lá é por um bem maior

    Quando recusarem levar

    os teus pais ao hospital

    deixa lá é por um bem maior

    quando recusarem tratar os teus pais

    porque os remédios são caros

    deixa lá é por um bem maior

    quando derem aos teus pais

    morfina que inibe respirar

    em vez de entubarem num ventilador

    deixa lá é por um bem maior

    quando em nome de um vírus

    te tirarem toda a liberdade

    deixa lá é por um bem maior

    quando em nome da saúde

    te controlarem o smartphone

    deixa lá é por um bem maior

    quando em nome de um bem maior

    te levarem ao matadouro

     

    deixa lá é por um bem maior

     

    in poesia chiado entre o sono e o sonho 2020 vol. xii

     

    724. Para uma biblioteca universal da felicidade 1.5.2021

     

    se poeta sou

    sei a quem o devo

    ao povo a quem dou

    os versos que escrevo

    (lembrando poema de fernando manuel bernardo

    cantado por manuel freire)

     

    se poeta sou

    sei a quem o devo

    a meu pai

    que me ensinou

    a gostar de poesia

    dos clássicos aos neorrealistas

    da antologia da novíssima poesia

    da maria alberta meneres e m. de melo e castro

    à matura idade de mourão-ferreira

    quando só me apaixonava

    por quem gostava de poesia

    e sabia sonhar nas marés

    de paul eluard à autobiografia de maiakowki

    dos 40 anos de servidão de jorge de sena

    aos operários em construção de vinicius de moraes

    fiz minhas as lutas dos trabalhadores

    espoliados escravos da ditadura

    e dos infantes que se opunham à guerra

    organizei concertos de música proibida

    marchei à frente dos cavalos da gnr

    dos poemas escolhidos de jorge luís borges

    e entre duas memórias de carlos de oliveira

    lavrei meu canto e lavei a minha alma

    mas quem me ensinou

    foram os livros que levei

    para timor, macau e austrália

    zeca afonso no livro proibido

    os cantares do single de 1964

    que ouvi ao vivo no tup no porto

    aprendi lawrence ferlinghetti

    em como eu costumava dizer

    revoltei-me e tornei-me animal político

    no uivo de allen ginsberg

    com todos subi às montanhas de bobonaro

    e boiei na areia branca de díli

    a vocação animal de herberto helder

    levou-me a imaginar sereias em Bali

    cabaias e ousados cheong sam

    de ninfas orientais nos casinos de macau

    os olhos de silêncio de ramos rosa

    fizeram-me sofrer amores incompreendidos

    a invenção do amor de daniel filipe

    ou a sua pátria lugar de exílio

    fizeram da minha poesia uma arma

    a antologia breve de neruda

    e a crítica doméstica dos paralelepípedos

    ou a noção de poema de nuno júdice

    e o canto e as armas de manuel alegre

    foram livros de cabeceira

    até à idade do meio

    depois na idade matura descobri

    as maravilhas atlantes

    no fogo oculto de vasco pereira da costa

    dancei o tango nos mares do sul

    do eduardo bettencourt pinto

    e mergulhei nos poemas vadios

    de álamo oliveira

    e nos lugares, sombras e afetos

    do urbano bettencourt

    sem sair dos silos do silêncio

    de Eduíno de jesus

    e tantos outros autores

    que aprendi a decifrar

    neles me perdi e encontrei

    com eles serei amortalhado

    para que ao morrer se evole de mim

    o cheiro diáfano das palavras dos mestres

    e o mundo seja mais respirável

    e mais justo nas palavras dos poetas

    porque eu sei

    se poeta sou

    a eles o devo

     

    in poesia chiado entre o sono e o sonho 2021 volume xiii

    711. desculpa o atraso (lomba da maia) 5 janº 2020

    Frase de um poema de Lâmia Brito, incluído no livro “Todas as funções de uma cicatriz, doburro, 2017)

     

    meu amor desculpa o atraso

    fiquei preso num poema

    que nunca cheguei a escrever

    que nunca cheguei a declamar

    que nunca cheguei a dedicar

    e queria tanto ter chegado a horas

    queria tanto ter escrito

    queria tanto declamar

     

    meu amor desculpa o atraso

    fiquei preso num poema

    com as palavras que nunca te disse

    com os sentimentos que nunca te expressei

    como se o amanhã existisse

    queria tanto ter dito

    queria tanto expressar o amor

    como se o amanhã fosse hoje

     

    meu amor desculpa o atraso

    fiquei preso num poema

    e só tu me podes libertar

     

    in poesia chiado entre o sono e o sonho 2022 volume xiv

    736, não à guerra (na Ucrânia), 28. fevº 2022

     

    já não ouço os tambores de guerra

    silenciaram as sirenes aéreas

    os alarmes calaram-se

    as bombas não caem

    os soldados não disparam

    o choro das crianças ficou suspenso

    os mortos não estrebucham

    os feridos não gemem

    nesta guerra não há bons nem maus

    nem o czar nem os falcões eua

    neste mar de gente

    morta e inocente

    feneceu a humanidade.

     

    já não quero salvar o mundo

    nem salvar o planeta

    nem salvar-me a mim

    não quero salvar nada

    não quero guerra nem paz

    nem capitalismo nem comunismo

    nem nenhum outro ismo

    nem quero acabar com a fome

    ou a sede ou a pobreza

    quero voltar à pureza original

    da infância e da ingenuidade

    em vez de estar aqui velho

    à espera que nos matem a todos.

     

    In poesia chiado entre o sono e o sonho 2023 volume xv

     

    https://youtu.be/I6DggTPZPQQ

     

    742 dores – Maria nini nunca saberei viver sem ti 4.2.2024

     

     

    o pior de tudo são os silêncios sem fim

    entrecortados pelo toque dos sinos,

    o pior de tudo é não ouvir a tua voz

    ao telefone com colegas e amigas

    ou a ralhar com as cadelas ou comigo

    o pior de tudo é ninguém bater, o telefone não tocar

    e os silêncios dantescos como as sombras

    como os murmúrios que ainda ouço, das tuas dores

     

    o pior de tudo é a irreversibilidade

    as fotos que passam não voltam

    29 anos de memórias, partilhas, cumplicidades,

    e a certeza inabalável de que nada nos separaria

    e nada nos separará, ou afastará

    nem a morte traiçoeira que chegou sem ser convidada

     

    o pior de tudo são os silêncios sem fim

    entrecortados pelo toque dos sinos,

    o pior de tudo é não ter quem leia os meus escritos

    não os corriges nem criticas

    o amanhã não vai mudar nada

    e a solidão será companheira indesejada e fria

    havia tantos planos e projetos

    a tua vontade inabalável para os concluir

    mesmo quando já te faltavam as forças

     

    o pior de tudo são os silêncios sem fim

    entrecortados pelo toque dos sinos,

    como os murmúrios que ainda ouço, com as dores

    e as fotos que passam na moldura não voltam mais

    nem as poderemos recriar ou reviver

    e onde quer que vá estive lá contigo

     

    o pior de tudo são os silêncios sem fim

    esta irreversibilidade inaceitada

    chorar a saudade do teu riso alegre

    ansiar o teu sorriso cúmplice

    nestes dias chorosos e tristes

    solitários, vazios, silenciosos

     

    o pior de tudo são os silêncios sem fim

    esta imensa dor nunca vai passar

    a angústia e solidão não vai mudar

    preciso tanto de ti ao meu lado

    para me ajudares com esta dor

    não quero viver sem ti

    não posso crer que não vais voltar

     

    o pior de tudo são os silêncios sem fim

    e ninguém sente o que estou a passar

    só tu entendes esta dor

    só tu podes secar estas lágrimas

    só tu podes dar-me razão para viver

    e eu nunca saberei viver sem ti

     

    in poesia chiado entre o sono e o sonho 2024 volume xvi

     

    (ouçam a leitura sublime deste poema pelo Diogo Ourique)

    https://youtu.be/I6DggTPZPQQ?list=PLwjUyRyOUwOKRIA8XUWpVdMb8qRyjwlPB

    738 imarcescível 22.5.2022

     

    imarcescível quis ser

    escrevi livros, plantei árvores e tive filhos

    lavrei no granito natal

    os meus petróglifos de nazca

    em timor dissipei-me na areia branca

    em bali fui hippie em kuta beach

    em macau fiz tai chi no lou lim iok

    na austrália nadei em rottnest island

    em bragança renasci transmontano

    e no basalto açoriano gravei

    imperecíveis poemas

    este o improvável epitáfio

     

    in poesia chiado entre o sono e o sonho 2025 volume xvii