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leitura obigatória:::::::DIANA ZIMBRON MAGISTRAL SOBRE O DIÁRIO DE UM HOMEM SÓ
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Quando apresentei, pela primeira vez, um livro de Chrys, o volume VI da série ChrónicAçores, fiz questão de frisar que esse não era o último, apenas, na altura o mais recente, e que o autor já teria mais 200 crónicas na gaveta para uma próxima publicação. Fizeram-se caros, ele e a Helena, riram como se não achassem provável. Pois bem, entretanto, o sétimo já anda aí e cá está o ChrónicAçores volume 8: Diário de um Homem Só, uma viagem interior.
E este livro, como o título indica, em formato de diário, não vive de crónicas da gaveta, embora inclua algumas, já publicadas em outros volumes e outros contextos, a propósito de temas que vão ocupando a mente do autor. Pelo contrário, acompanha o dia-a-dia de um homem na sua recente e triste condição de viúvo, durante aproximadamente um ano. Inicia-se num período de grande tensão emocional, com o agravamento do estado de saúde da sua esposa, em dezembro de 2023 e relata-nos episódios reais, dá voz a um drama que preferíamos que fosse ficção. Que nos é próximo demais. Que mal podemos e não queremos imaginar.
O desespero da luta contra o tempo. Os constrangimentos e dificuldades de lidar com a logística e com as necessidades mais básicas a satisfazer. O esvair da imagem que se tem de um ente querido. De um ente muito querido. O mais querido de todos. A companheira de uma ou várias vidas.
Como ela quase deixou de comunicar, como deixou de ter energia, deixou de se interessar por pequenas coisas e abandonou os seus hábitos, num esforço insuportável para o mais simples e nada devia ser mais simples do que respirar.
Também vivemos, através das palavras do autor, os altos e baixos. As pequenas esperanças de recuperar alguma mobilidade. E, depois, a aceitação. A espera.
O simbolismo e significado de um chocolate por comer.
O sentimento de estar à mercê de algo muito mais forte, imprevisível e, esta palavra surge amiúde, ao longo do livro: inelutável.
Uma vivência demasiado real, demasiado íntima, demasiado dolorosa. A Visita da Saúde, mais um alto. Depois o derradeiro baixo.
Como custa morrer. Como custa viver.
O autor leva-nos pela mão, — já anteriormente o fez, por paragens mais longínquas, mais agradáveis ou, pelo menos, mais ligeiras — desta feita, através de um processo complexo de luto. Mostra o feio e o horrendo. Para que saia fortificado, tal como nos explica, e cito:
“a única forma de ser invulnerável é ser quase totalmente vulnerável, mas quanto mais vulnerável se é, mais capaz se é de sofrer as dores, humilhações e desaires, e assim serás capaz de enfrentar qualquer audiência. As pessoas devem comprometer-se a contar a sua história sem cuidarem do número de pessoas que a vão ler ou ouvir.” (Fim de citação)
A relatividade do tempo tem o condão de infligir chagas físicas. Enquanto 29 anos, vividos em comunhão com a sua esposa, pareceram passar num ápice, agora, cada hora como que dura 29 longos anos.
Na sua dor, desvia momentaneamente o foco para a busca do conhecimento, a racionalização, procurando organizar os seus sentimentos, de modo a conseguir continuar a funcionar.
Logo nos apresenta ao conceito de “individualidade dolorosa”, desenvolvido por Susan Sontag, em que a solidão introspetiva teria efeitos construtivos na eloquência. Não que Chrys tivesse falta dela. Mas entenda-se esta reflexão como manifestação da esperança de que, de algo tão mau, pudesse vir algo minimamente positivo.
É preciso aprender a viver na nova realidade. O contraste é muito bem descrito no excerto que se segue:
“com a Nini encontrei a minha razão de estar no mundo, era o meu mundo, o dela, o nosso, e era um mundo lindo, nadávamos nos dias, contra marés e tsunamis, bebíamos o chá doce de todos os anos juntos a que ela acrescentava sempre dois pacotes de açúcar pois nunca era suficientemente doce. Acordávamos com o chilrear dos pássaros, por entre ventos e tempestades, chuvas e derrocadas, marés gigantes e nevoeiros cerrados, nesta bruma húmida que caía pelas paredes da casa. Viajámos pelo mundo, dele fizemos o nosso lar, sem fronteiras nem passaportes, voando nas asas da utopia, criámos encontros, publicámos livros, unimos pontes e continentes, e quando estávamos a chegar ao cume dos nossos sonhos, abriu-se o alçapão da vida e sem apelo nem agravo, sem pedir licença, sem dó nem piedade sugou-te e deixou-me suspenso neste abismo que hoje são os meus dias, iguais e vazios.” (Fim de citação)
Tal como os seus dias, as páginas deste diário enchem-se das “minudências de dias vazios”. Os formulários, os pedidos, os certificados, as voltinhas, os dísticos, as contas, os impostos, as despesas. Burocracias ridículas, igualmente inelutáveis. Sobrevivência autómata, ultrapassando obstáculos a curto prazo.
“A vida é uma greve de serviços mínimos,” diz o autor.
E apercebendo-se do pouco que isso é, para Chrys, torna-se essencial o lançamento de metas, como quem projeta um gancho, na ponta de uma corda, para dela se puxar, para se fazer avançar, ou apenas para se manter de pé. “Dar ao mundo as tuas obras, Nini. Realizar o colóquio em Santa Maria, como planeámos juntos”. Aqui, uma sobrevivência motivada por objetivos a médio prazo.
Ao mesmo tempo, a sobrevivência à base de memórias adubada pela fertilidade de outrora. Os acasos que lhes guiaram os passos, as peripécias, as pequenas implicâncias, quem as não tem.
Felizmente as suas fortes convicções ajudam a manter vertical a orientação corporal, como relembra o próprio, nas seguintes declarações:
“Rezam as crónicas que sou moderadamente otimista há décadas, baseado no princípio de que as coisas podem sempre ser piores, mas também podem melhorar”; e “Uma das coisas que me mantém vivo é a idealidade, além de económica tem funções terapêuticas importantes.” (fim de citação)
Cá e lá, no seu estilo bem conhecido, laivos de humor também sobreviveram e despontaram, nas suas memórias, nos comentários e escolha de partilhas. Uma dessas, cito:
“Estava em Lisboa numa das minhas incursões a Portugal, e um primo direito recém-casado com uma menina muito bem da Linha de Cascais, queria impressionar-me com a casa, a riqueza, a mulher cor-de-rosa e tudo o mais para australiano ver. Ao jantar iluminado por música clássica e ao som da romântica luz de velas, em castiçais de prata maciça, colocam-me (já servido) um prato de comida. Iria ficar a deliciar-me durante longos minutos. Passeava o garfo em círculos concêntricos ou em espiral, movimentos entrecortados com o saltitar da faca, esboçando novos bailados ou desenhos no molho viscoso e escuro. Imagens que a luz das velas não deixava penetrar…O cheiro intenso e a consistência eram óbvias, maldito polvo. Lá se fora a cerimónia, antigamente denominada “das nove horas”. A jovem esposa foi, de emergência, meter no micro-ondas um bife a descongelar. Seria este o primeiro e único jantar em casa do primo, quer nesse casamento quer no seguinte. Ainda hoje me interrogo por que nunca mais fui convidado.” (fim de citação)
Sempre provocatório, porém com empatia singela pela morte de uma paroquiana da sua freguesia, em plena missa, diz” Como ateu, diria que deus estava impaciente, mas poderia ter esperado um pouco, pelo fim da missa para a chamar ao seu encontro.” (fim de citação)
Pouco a pouco, no contratempo de tomar um copo de terapia para aguentar, no intervalo de mudar os passe-partouts de sítio e arquivar bibelôs, com esperança que a mulher lhe venha ralhar, Chrys mostra-nos a sua natureza e aquilo que o move. Pois como ele bem descreve:
“Todos conhecemos o perigo dos vulcões endormidos. Não podem ser perturbados, tal como os ursos hibernados não podem ser molestados no seu descanso. Nunca se sabe o que podem fazer quando enraivecidos, perseguindo os humanos como se fossem presas fáceis, enquanto os vulcões derramam a lava sob a forma escrita, expelindo raivas ancestrais incontidas, sofrimentos amarfanhados, dores insofridas, paixões por materializar e tudo o mais que temporariamente calaram à espera do dia do juízo final, em que pudessem falar como se não houvesse amanhã, como se tudo tivesse de ser dito já hoje e agora, aqui, sob pena de se perder o momento, essa janela do tempo que nos permite, por meros instantes, ser quem realmente somos, sem qualquer máscara ou peia social.” (fim de citação)
Neste livro, julgo que mais do que nos anteriores, raivas ancestrais são expelidas em chibatadas breves e assertivas. O autor chama falsos aos falsos, parolos aos parolos, escroques e vígaros a quem de direito, falhado a uma figura pública. Revela quem lhe estende a mão e quem lhe volta as costas.
Já dizia o ditado que mais vale um bom vizinho ao perto do que um mau parente ao longe.
Nesta narrativa de perda, o autor assume que Helena lhe faz falta de muitas formas. O yin perdeu o yang ou vice-versa. E a função moderadora, agregadora e revisora da esposa revela realmente a sua ausência. Imagina-se que parte destas traulitadas não teriam passado no seu filtro. Possivelmente, no que toca à parte feia e suja das relações familiares.
Outras, mais inócuas não deixam de ser engraçadas. Por exemplo:
“Esqueci-me de noticiar que o Telmo há dias postou a imagem duma mota para combater a meia-idade, tinha idade para ter juízo, devia ter feito isso há 20 anos e não agora…”
Cumprindo com a sua função jornalística, o autor noticia assim, num diálogo com a esposa, como se esta o fosse ler, na secretária ao seu lado, no escritório da falsa. Aliás, dirige-se a ela ao longo da obra, mantendo-a, deste modo, perto de si e perto de nós, para que não caia no esquecimento. Mas, mais do que isso, num processo que apenas atribuímos aos filmes, pressente a mulher ao seu lado, sentindo a sua permanência, nos hábitos de 29 anos. Como se ouvisse, ainda, as suas recomendações, à saída para ir à farmácia. E parecendo dizer:
“Nem crer, nem deixar de crer. Pelo sim, pelo não, não me demoro.”
No seu percurso, Chrys pratica a escrita como principal forma de autocuidado.
A certa altura, sente-se na coragem de visitar a sua terra, lá em “Portugal” (palavras dele) — numa “Uma escapadela a Portugal” — e vai lá à Freguesia da Eucísia, que insiste ser tão pouco pomposa como a Aldeia da Lomba da Maia.
Vá-se lá perceber porquê, gosta de chamar umas coisas pelos seus nomes e outras não. Ou talvez se perceba, conhecendo o seu hobby provocatório. De terras portuguesas, partilha a seguinte análise acutilante:
“Aqui a saúde não tem grandes centros nem urgências, desertificada como as terras e terriolas, sem serviços nem gente. Ter um AVC aqui é meio caminho andado para o cemitério, mas vamos com boas vistas. (…)
Há estradas, vias rápidas, as velhas N-215 e a N-315, foram asfaltadas, mas não há gente e o movimento é tão diminuto como há 60 anos. (…)
Agora que há meios, não há gente para usufruir deles que tanta falta faziam quando estas férteis terras produziam tanta agricultura (e a Europa suspendeu). Custa ver estas encostas pejadas de oliveiras, inúmeras árvores de frutos, sem vivalma para as apanhar. Tanto que isto podia ser celeiro da nação, nem gente há para tratar delas. Dizem-me que a amêndoa de há 2 anos ficou armazenada sem se vender a preços irrisórios que nem cobriam as despesas da apanha.
Dos emigrantes que nas últimas décadas usaram para as colheitas, dizem-me que os ucranianos são os mais voluntariosos, já se foram os romenos de triste memória e vieram os búlgaros, igualmente uma desgraça. Portugueses nem vê-los.” (fim de citação)
Posteriormente, uma reflexão que passo a ler:
“E já passou uma semana sobre o meu regresso da aldeia, revigorante, mas simultaneamente trouxe matéria para cogitação. Hoje os jovens (os meus filhos são disso exemplo) não conhecem a família nem têm memórias de infância a perpetuar e marcantes como as nossas. De que se vão lembrar quando tiverem a minha idade? Dum jogo de GameBoy? dum jogo de internet, dum torneio PlayNesti que venceram? Sem recordações de família alargada de Festas de Páscoa ou Natal em famílias com primos e tios só lhes restam os jogos.” (fim de citação)
Para além das reflexões a que nos obriga, de indole económica, pessoal e social, Chrys demonstra como os fenómenos naturais têm o poder de alterar o curso da história. Enriquecendo este difícil ano de vida, para seu e nosso benefício, com relatos da Subversão de Vila Franca do Campo, incluindo palavras de Gaspar Frutuoso.
Recupera e recicla material anteriormente utilizado, conforme vão surgindo temas dignos de nota. Alterando ligeiramente o discurso, apurando um ou outro recurso linguístico, como se dissesse: “a ver se consigo contar isto de uma maneira diferente. Vá, agora já passou a mensagem?”
Ao mesmo tempo, vai-nos dando conta do seu espírito e da sua sujeição a ações externas, a saber o estado do tempo ou contactos e convites que lhe estendam.
Como bom jornalista que é, faz apontamentos de sismos e intempéries na ilha. Entre as idas à farmácia — onde, pelo sim, pelo não, não se demora — e as irritações com os bolardos no parque de estacionamento do Hospital, dá conta, de recordes de temperatura que se sucedem. Numa narrativa bem documentada, que lhe é característica.
Se tivermos a pretensão de que, no futuro, alguém dê importância a seja o que for, a obra de Chrys será um tesouro para os historiadores dos próximos séculos.
Como o sino da igreja, do seu posto de observação, o autor pauta casamentos e funerais da sua Aldeia.
Sempre com um olho, crítico e analítico, no mundo, reporta acontecimentos desportivos, acidentes de aviação, guerras, fogos e assuntos mais ou menos sérios e preocupantes. Das suas observações, passo a citar algumas:
“Um Estado que deixa tribunais, conservatórias, e demais serviços públicos em Ponta Delgada (e em todas as ilhas) ao abandono, ao ponto de chover lá dentro, caírem tetos, estarem salas fechadas e os processos à espera de navegarem se chover muito, esse Estado não merece os impostos que arrecada.
As escolas, mesmo as mais novas, parecem precárias, dada a falta de manutenção, a deficiente construção, infiltrações, falhas estruturais e falta de verba para funcionarem em condições mínimas. No ensino falta tudo, dantes faltavam os bons resultados agora faltam professores, faltam assistentes operacionais, e até faltam (cada vez mais) alunos.
Madeira ardida é papel barato, mesmo que seja à custa de uma centena de vidas.
A versão oficial: o fogo de Pedrógão Grande começou com um raio numa árvore em Escalos Fundeiros. Com um nome destes não havia de cair lá um raio!
Quando me levantei a 6 de novembro do ano da desgraça de 24 já a raposa estava no galinheiro e as ovelhas tinham votado no lobo.”
Na sua narrativa, Chrys explica-nos que a história se repete e como ela se repete, por exemplo com uma comparação entre a ocupação da Ucrânia e os acontecimentos que levaram Olivença.
Ademais, ao longo da sua obra, sobressai um sentimento de desilusão pela aplicação coxa da democracia. Foi para isto que lutámos, foi esta a nossa herança? Para isto apergoámos liberdade? E cito:
“ Cheguei agora da praia (Moinhos), a favorita entre todas as parcas nesgas de areia da ilha (Pópulo e Milícias desgostam-me ambas pelos nomes pejados de democracia malcheirosa). Perdão, que alguém ao ler estas linhas (agora que o Governo guarda todas as nossas mensagens, nunca se sabe a que mãos isto irá parar) pode pensar que não perfilho dum amor doentio pela democracia. Mentiria se não o afirmasse aqui, só que esta democracia à portuguesa é tão triste e pequenina como o país. Sinto saudades de democracias grandes (como a australiana) e de países desse tamanho…” (fim de citação)
O autor enfatiza e demonstra como falta, ao país, tal como à região, visão a longo prazo em todos os sectores. Tapa-se o sol com a peneira. Compra-se uma pistola para dar silicone nos buraquinhos, mas que seja a pistola mais cara e portentosa. Linda, invejável. Recomendo a leitura da crónica “VARINHA MÁGICA PRECISA-SE”, que muito bem exemplifica esta crítica. Chrys está convicto de que é possível fazer melhor, se houver humildade de tentar procurar os bons exemplos. Os bons exemplos, desta feita, que dos maus já nos fartámos.
Inspirada pelo autor que vim modestamente atentar — e tendo todo o cuidado, porque, cito: “As visões críticas ou não conformadas aos cânones podem acarretar sérios riscos para a saúde mental dos seus autores” —deixo uma notícia que sendo da minha área me interessa particularmente:
“O Governo regional aprovou, no passado dia 14, a aquisição de 700 painéis interativos e 4.500 computadores portáteis, visando a modernização das unidades orgânicas do sistema educativo regional”, enquanto isso, não há solução à vista para a falta de pessoal auxiliar nas escolas. Ou talvez seja essa a solução! IA em grande plano no quadro interativo: “menino X, faça favor de limpar o ranho”; “sinta-se servido de mais macarrão”; “não morda a sua colega”.
Deixo também duas recomendações: 1- preferencialmente, não enviuvar; e 2- não ler as crónicas “festivas” do Chrys, realismo exacerbado, chama-lhe.
Numa última nota, mais artística e colorida, volto a citar Chrys Chrystello:
“deparei com uma camioneta de passageiros estacionada aguardando o começo da semana para voltar a trabalhar. Acorreu‑me a ideia peregrina de como seria uma aventura “pedir emprestada” a carripana, começar a percorrer as aldeias (ditas freguesias nas ilhas) e gravar as histórias que os passageiros fossem contando. A viagem não teria destino. Duraria tanto quanto as histórias dos passageiros. Não seriam cobrados bilhetes. Pararia em todos os locais, podendo deter‑se para que fossem contadas as histórias e lendas do local onde paravam. Que livro maravilhoso não daria esse compêndio de histórias apanhadas ao acaso daqueles que tomassem o autocarro dos sonhos.” (fim de delírio)
O autor afirma: “Já vivi muito e intensamente as vidas todas que me foram proporcionadas” E eu acredito. Mas vamos nesse autocarro? Uma breve viagem.
Pelo sim, pelo não, não se demore.
a luz ao fundo do tunel 24.5.25
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591. a luz ao fundo do túnel 24.5.25
Alguns de vós podem ter reparado que em 025 raramente tenho escrito sobre as vicissitudes políticas do país, pela mera razão de que as minhas queixas são quase as mesmas das de Eça de Queiroz há mais de um século e meio, acrescidas da desenfreada vertigem das gentes rumo ao abismo. Não só em Portugal, mas no resto do mundo, como em tantas outras épocas do passado, a História repete-se e o desfecho será idêntico.
No entanto a minha digressão por outros temas sofreu um rude golpe em abril com um acidente cardiovascular triplo, que levou a que fosse chamado de emergência um helicóptero da Terceira para me retirar das Lajes das Flores onde declamava poesia no 40º colóquio da lusofonia e me trazer para o HDES em Ponta Delgada.
Para além de enormes perdas de memória desse evento e dos 3 dias que o antecederam confesso que de pouco ou nada posso recordar o que se passou. Tampouco vi alguma luz, nem algum tunel, nem vi a minha vida repassar em milhões de imagens à minha frente, nada, o zero absoluto. Fiquei surpreendido quando recuperei os sentidos e me perguntaram se sabia onde estava. Pensei ainda estar nas Flores.
Não sei se foi bom não ter revivido a minha vida, nem ter visto a luz e o túnel, mas a memória ficou definitivamente com lapsos e a própria linguagem – por vezes – parece ter sido esquecida. Uma experiência dolorosa da qual sei ter perdido totalmente a noção de nove dias de vida e que tento exorcizar nesta lenta recuperação a que, – quase um mês de internamento – irei prosseguir em passo bem lento e inseguro.
Sei que tenho implantes para estabilização cardíaca, mas o susto foi demasiado e a escapatória demasiado precária para eu tornar a viver como até agora, pelo que as minhas preocupações com os arrepelantes resultados eleitorais serão a menor das minhas preocupações.
A dádiva da vida que me foi concedida, uma vez mais, é demasiado grande para me perturbar com minudenciais políticas.
diário de bordo duma morte não-anunciada do chrys
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589. ressurrecto 16.5.2025
E ao 3º dia, dizem, que ressuscitou, ou melhor dizendo, neste caso concreto, à terceira tentativa ressuscitou, depois de paragens cardíacas, desmaios e arritmias. E o Papa Francisco morreu dia 21.4.2025, uns 5 dias antes das minhas paragens cardíacas, não estava destinado irmos na mesma onda.
Eu que não estou vocacionado para Papa, a não ser dos colóquios da lusofonia, fiquei-me no recobro da ICU – UCI (Unidade de Cuidados Intensivos) da Cardiologia do HDES (Hospital do Divino Espírito Santo de Ponta Delgada), ligado a aparelhos vários que passam o tempo a tocar bips de diferentes tons e durações. Consta que já tenho um implante CDL desfibrilhador, cujo nome alternativo jamais me ocorre, por entre as inúmeras falhas de memória e de vocabulário que vou tendo.
posteriormente esclarecem que o termo é CDI (Cardioversores desfibriladores implantáveis (pacemaker com desfibrilhador).Picuinhices designatórias que não obscurecem a gravidade do procedimento. Os primeiros dias foram complicados sem memória viável do que me aconteceu nas Lajes mas eternamente grato pela presença de helicóptero na Terceira para me ir buscar e me evacuar para PDL.
Os dias na UCI foram de vagas memórias recheados de visões, fruto do coquetel de drogas que me deram. Alucinações, uma sensação de quarta dimensão que se prolongava pelos dias e noites. Era como estivesse sob a ação de psicotrópicos ou alucinogénios, cogumelos mágicos ou quejandos. Até as notas manuais que tomei parecem psicotrópicas. Os dias passaram ao ponto de nem dar conta da sua voragem, e ter perdido a conta de tais dias…até que me deram a data e dei conta do tempo que passara (perdi quase uma semana sem dar conta).
Recebi notícias do Madruga, Sunes, Anabela, Gabriela, Diana, Aníbal, Vasco P da Costa, entre outros.
Hoje (data não determinada), pelo 2º dia tomei banho sentado, uma auxiliar fez-me a barba, tive a primeira aula de fisioterapia e comi melhore (ovos recheados).
Sexta-feira 9 de maio, acordei renovado ou assim o penso quando me comparo com ontem. Dormi toda a noite, levantei-me uma vez para abluções noturnas e uma matinal como quando estava numa rotina normal. Pelas 06.00 primeira ronda de exames e drogas e pequeno-almoço pelas 09.00. Tomei duche pela primeira vez por conta própria com supervisão de enfermeira e auxiliar. Fez-me sentir levemente menos dependente e intuiu-me a escrever sentado no cadeirão enquanto tento recordar o dia de ontem.
Torna-se difícil descrever as atuais limitações e se ou quanto poderei recuperar. Acabei agora mais uma aula (sessão) de fisioterapia que correu tão bem que até foi encurtada de 60 para 20’. As pessoas que ligam a indagar, dão apoio, incentivam e conto com elas para efetuarmos novos desafios e colóquios. Tenho de aproveitar a oferta do diretor regional das comunidades logo que esteja pronto e apto.
Outra sessão de fisioterapia com a pedaleira durante 20’. Nada mau. Não me deixam ter alta este fim de semana, pois a febre matinal continuava nos 38 ºC, sem se saber qual a causa da infeção, havendo deficiência de potássio e magnésio.
Veremos como isto evolui, tenho medo de tornar a ir para casa, sem estar nas condições mínimas para me movimentar como antes deste incidente cardiovascular…
A Bé e João insistem na necessidade de mudança do meu escritório para o quarto da frente , com a qual posso concordar mas que não queria permanente.
A velhice é uma chatice.
Sei que não vai ser fácil mas estou a mentalizar-me para os desafios seguintes e suas limitações. Adaptar a mente ao físico, por mais que custe. Hoje, por exº a tosse reduziu-se para o menor nível da semana sem expetoração externa e curtas tossidelas.
Dói-me o triângulo (isto deve ser coisa dos Açores) da cervical (pescoço) até ao fim das costelas uma dor crónica.
10.5.2025 o Biónico homem acordou para efetuar os testes e exame habituais pelas 06.00 da manhã com a mesma febre da véspera, 38 ºC que ninguém descobre a que infeção se refere.
Por via disso fizeram inúmeras colheitas de sangue e outras durante toda a manhã.
Tomei banho ajudado pelas enfermeiras e assistentes, depois fico num estado de limbo, como se estivesse drogado, sem me mexer. Fiquei assim até à hora do almoço pelo meio-dia. Convenci o pessoal a deixarem-me ir para a cama pelas 14 e tal quando chegava o João a visitar-me, primeiro, e depois, a Bé que parte hoje no voo das 16.00 e tanto apoio anímico me deu nestes dias, com a sua mera presença aqui.
Finalmente consegui ir ao WC sozinho.
Agora voltará o João amanhã. Já lhe estava a dar conta de tudo que é preciso fazer até dia 30 em termos de colóquio e de burocracia que há a tratar. Espero ter forças e conseguir tratar o que há a fazer. Vai fazer falta a presença da Bé, pois a presença dela sempre foi como que uma substituição da presença da mãe que tanta falta fez nestes tempos e, em especial na fase de evacuação e de internamento.. e que falta tão atormentada foi. A Nini poderia não ter feito nada nem ter poderes para me acompanhar mais de perto mas a sua presença seria um bálsamo, mais forte que a medicina do homem branco ainda não inventou.
Somos 3 nesta enfermaria, apenas um há tantos dias como eu (e ficaria depois de eu sair). Todo o aspeto de emigrado, tem direito a visita dupla da mulher e filha enquanto eu tenho de aguentar separadamente e aguardar a vinda da Bé e do João. Fala português mas ao telefone , muitas vezes, em inglês. Outras vezes, fico com a sensação de que ele está a falar outra língua – sem que eu a consiga deslindar ou identificar – (foi-lhe perguntado pela enfermeira mas negou) e em tais ocasiões trata-se dum idioleto monossilábico que soa a nada que eu conheça. Intrigante. Quem saberá o que dizem e a razão. Normalmente essas conversas nunca ocorrem na presença da mulher e da filha ou outras visitas (com aspeto cigano). Será Romani?
Deste desespero de internamento levo comigo o sorriso de algumas pessoas (médicos, enfermeiras, auxiliares) para servirem de espelho aos restantes dias.
O meu vizinho de quarto e de cama intriga-me. Pode ser um mero pedreiro ou eletricista mas pressinto-o mais como um pau-mandado, uma espécie de gângster pelo aspeto, engraçadas estas minhas conjeturas quiçá suscitadas pelo excesso de medicamentos.
Ainda agora dizia que são 19.00 e a mãe deve estar a ligar, mas são 16.00 e, infelizmente, a mãe não liga mais.
Tenho andado a ler “Palavras nómadas” da Dora Gago e dou graças pela evacuação ter sido nos Açores, e por aqui falarem uma variante de PT-EUR…nem quero imaginar como seria difícil em Macau.
12 maio, 10.00 acordaram-me e surpresa a infeção assinalada esta manhã de 38.3 ºC, mas agora baixou para 36 ºC., depois do pequeno-almoço, deram-me banho e demais requisitos médicos, incessantes…ao pequeno-almoço contei 19 comprimidos, mas estou fraco e muito trêmulo, embora com saudade de estar encasa. Hoje estou com a sensação de ir desmaiar ao andar e tento imaginar o medo que isso me causa se for para casa.
Pelo meio-dia tive a agradável surpresa da visita do Eduardo Bettencourt Pinto que me fez companhia durante duas horas de amiga cavaqueira, em que se falou de família, AICL, colóquios e outros (tudo menos política).
Ao deslocar-me para as minhas necessidades fisiológicas, numa sala mais afastada da cama, verifico que os pés estão mais seguros e o seu peso assenta mais uniformemente no chão, com uma postura, levemente, mais ereta.
Contudo, na casa de banho, verifico como estamos todos dependentes de outros em atos tão banais como este. A nossa dependência em ambiente hospitalar é irreversivelmente elevada e vem à mente, sem razão nem desacordo o meu pesar pelo que fiz em jovens anos quando queimava moscas e formigas com fogo. Era uma chacina que hoje não consigo explicar e não encontrou remorsos nos sótãos da memória.
Nunca falei e menos ainda escrevi sobre este terrível genocídio do qual estou disposto a arrepender-me, hoje e aqui. Seria por ter medo? Jamais pensara no motivo ou nisto até agora. Isto levanta a questão de recompensa que aqueles animais estarão agora dispostos a infligir-me em troca das multifacetadas malfeitorias infantis por mim praticadas.
Começo a vê-los, enormes, aqui nas redondezas da cama, a prepararem-me o mais apropriado local para a sublevação.
O médico que hoje me observou pretendia saber a atual medicamentação e se não fosse o meu filho João viver aqui seria difícil dar-lhe tal informação, dado que a filha Bebé não levara consigo o papel impresso que lhe dei nas Flores.
Poderia ser curioso o título deste capítulo “Quase morri nas Flores”
Maio 2ª fª, dia 6
Noite muito agitada, acordei 2 ou 3 vezes e fui ao WC sem necessidade mas por mera vontade de me sentir vivo.
Pelas 06.00 as recolhas de amostras do costume e febre mais baixa do que é costume, acompanhada da costumeira série de recolhas de sangue, mostras disto e daquilo.
Acordo sempre com a terrível falta da Nini. Tento ser os dois apesar de fisicamente ninguém saber que está ao meu lado. Não é fácil explicar a mim mesmo o que se passa e ela sempre a instilar coragem e força, dizendo “tudo vai ficar bem” ou “melhor” e vou sair desta , mas tenho muito medo de ir para casa e viver sozinho.
Acabo de ter uns momentos com resultados positivos para quem esteve de ama tantos dias. Outra terapeuta e mais 30’ de exercício, cansado como se tivesse corrido a maratona, agora estou no sofá e a cabeça pesa imenso, que nem a consigo suportar. Fico muito desconfortável .
Toda a instabilidade desta situação coloca-me num vértice de tempo em que fico pendurado no espaço por infinita opção do destino. Vivo, quiçá, numa outra dimensão onde tudo está suspenso. Por vezes, sinto mesmo que não estou aqui mas numa posição superior de onde me observo e analiso e é assim que me considero agora. Sei que me faz sentir estranho mas o vizinho da cama ao lado é açoriano se bem que não fale outras línguas e o falar dele eu não o compreendo, isso vem-me preocupando há dias e tem-me feito magicar.
Hoje, de manhã ele teve duas visitas e entendo que podem ter falado crioulo ou romani pelo que o entendi ainda menos. E as visitas, segundo espreitei, tinham feições gitanas. Creio não ter dúvidas mas não entendo os meus vizinhos de cama nem de ilha.
Interrompo este diário de bordo, como lhe chamou a enfermeira Ana, trigueira, que me confessou estar já a ler os meus livros e ter até descoberto que fui batizado como José Alberto.
Fui chamado a uma sala escura e frisa. Lembrei-me de Salazar, vá-se lá saber porquê. Ali fiquei seminu, deitado sobre o lado esquerdo e de costas enquanto me faziam ecocardiogramas ou coisa semelhante a eletrocardiografias.. regressei ao quarto, onde um dos 3 doentes teve hoje alta e fico só com o estranho ser de fala alienígena e que nunca consegui decifrar…
Muitas vezes, nos locais onde vivi, nem metas tive (exº Macau), nem destinos, nem rumos certos. Havia uma falta de metas, um deixar correr , mais traços gerais do que queria e onde queria.
Quando penso nisto sou obrigado a pensar que, afinal, esses destinos, essas metas afinal só o eram depois da partida desses mesmos lugares (uma justificação?), outros lugares de amor eram terras a preservar, memórias a chorar, como pátrias que me foram roubadas.
E, dito isto, ora penso, e os Açores o que são? Por vezes, penso neles como a continuação da Escola Primária.
E o vizinho, gutural, continua a proferir sons que não descodifico, que não fazem nenhum sentido, que não se assemelham a nenhuma das línguas que conheço…ao ouvi-lo posso afirmar que os de Rabo-de-Peixe ou de Fenais da Ajuda, nem terão grande sotaque. Isto que ouço são sons trogloditas, sem conexão a idioletos, dialetos conhecidos. Imagino o diálogo se fossemos, nós dois, os únicos habitantes desta ilha deserta!.
17 horas, febre nos 35.9 ºC, todo o dia, finalmente sem febre. Há pouco nos exames de EEC falavam em deixar-me regressar na quinta-feira. Previ e cumpriu-se a não vinda do João hoje.
Das inúmeras vezes que fui ao WC a fim de evitar “incidentes duplos” constatei ter já mais mobilidade e estabilidade ao andar.
Ligou, há pouco a Anabela, e debatemos futuros colóquios com que ela e Madruga se podem já entreter.
13.5.2025 dormi bem, apenas me levantei uma vez, mas acordei com dores na ferida que tarda em sarar e se refere à pressão nas costelas…
a manhã teve a presença de um médico que entrou a meio da sessão do EEC a querer saber tudo, em detalhe, o que se passara bem como a Dra. Gabriela que, entretanto, também entrou. Vão continuar a fazer testes quanto aos baixos níveis de potássio. Hoje, de novo, sem febre. Talvez me deixem sair amanhã. Quando me comunicaram a possível saída amanhã tenho de confessar que fui assaltado pelo imenso medo de sobreviver sozinho.
Espero que estejam certos pois o retomar da vida neste network de apoio reduzido atemoriza. A Berta está nas quintas, e segundas de 15 em 15 dias. O João e Catarina vivem aqui perto, logo na entrada da Lomba. Além deles posso chamar o senhorio Sr. Hermano, a D Rosa do minimercado e a sempre atenta governanta D. Berta.
O João soube da hipótese quando veio cá na pausa de almoço e avisou que tem o carro em manutenção até pelas 17.00 de amanhã pelo que só me poderá transportar a essas horas.. não sei quem mais devo avisar .
Até hoje o serviço hospitalar tem sido muito bom. Ainda agora passam pela terceira ou quarta vez desde manhã cedo, a ver se alguém precisa de esvaziar os recipientes portáteis da urina em cada cama.
Ao fim da manhã, a brigada do reumático (o pessoal mais velho de todos) limpa o pó, o chão e passa a esfregona.
A tarde a tirar cateteres e disfarçando as enormemente assustadoras nódoas negras que traçam o meu corpo como as fossas do Mindanau, um mapa-múndi…eu fecho os olhos, só os abro para ver a minha Nini aqui ao lado, mais impressionada e assustada que eu, mas sempre à espera que terminem as torturas. A seguir, as pálpebras fecham e cá estou na enfermaria de 3 doentes.
Não sou suicida nem tenho vontade de o ser, desde a morte da minha Nini sempre disse que me queria juntar a ela, mas o facto de estar um héli parado na Terceira pronto a ir às Flores buscar-me, significa que ainda não faço parte do Grande Desígnio Universal da Partida.
Cá ficarei, afinal a Nini mandou-me tomar conta da cadela e tenho de ficar.
14.5.2025
Creio que estou aqui há 18 dias no HDES e pode ser que deem alta hoje, de tarde. Soba janela fica a entrada da Pneumologia (onde tantas vezes viemos) e acaba de parar uma ambulância dos Bombeiros, curiosamente com a metade da porta por pintar pelo que se lia apenas “BOMB”, o que daria lugar a 1001 cogitações curiosas.
11.00 acabei agora o duche ajudado pela assistente sendo depois observado por 2 médicos que inspecionaram o implante e entenderam que estava bem. A saída para hoje pode confirmar-se.
Esta tarde a filha Bé telefonou a saber da saída. Honestamente disse-lhe não saber, nem estar preocupado, o que deveria ter-lhe dito é que não tenho pressa alguma. Tenho medo de tudo, até do tráfego intestinal que de 3 em 3 dias se descoordena, como hoje em pleno duche e me deixa mais embaraçado que nunca. Isto são coisas de que ninguém mais fala mas a mim me afetam psicologicamente até ao tutano.
Tenho imenso medo de ter de usar fraldas no futuro, o que me limitaria totalmente, acabando com os colóquios e tudo o resto. Seria um recluso.
São verdades que ainda não tenho de partilhar exceto com estas enfermeiras, médicos e auxiliares.
Realidades que os outros que me rodeiam ignoram ou não estão interessados em saber sobre a fragilidade do corpo humano doente. Já não sou o mesmo que estava nas Flores a 26 de abril 2025.
Ganhei coragem, fui à receção perguntar” saio hoje?” e tive alta pelas 17.00. aguardo que o filho me venha buscar e transportar a casa donde saí a 23.4.2025. “Mixed feelings” but “she’ll be right, mate!” acabam por encapsular estes momentos finais no HDES.
O João decidiu tomar conta do pai e ir jantar e dormir a minha casa. Bem hajas filho.
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