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  • crónica de chrys c 558 Bucólica, ou de como eu gostava que a ilha permanecesse, 20.11.,2024

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    558 Bucólica, ou de como eu gostava que a ilha permanecesse, 20.11.,2024
    No amanhecer silencioso de São Miguel, a ilha acorda lentamente sob o típico manto de neblina suave que se ergue do Atlântico. As calçadas antigas, testemunhas de tantas histórias, guardam os passos apressados dos primeiros trabalhadores do dia. O aroma do café escapa pelas janelas entreabertas, encontrando-se com o frescor salgado do mar na Calheta de Pero de Teive que a ganância governativa destruiu.
    No parque de estacionamento a que chamam de mercado improvisado da Graça, à espera das obras de Santa Engrácia, os sorrisos e os cumprimentos matinais aquecem o ambiente. Aqui, o tempo parece correr de maneira diferente, medido pelos ciclos da natureza e pelas tradições que resistem à passagem dos calendários. Entre bancas de frutas frescas e peixes acabados de pescar, ouvem-se vozes que parecem vir de um passado distante, contando segredos de gerações. Parece um daguerreótipo doutras eras.
    Na costa norte, os poucos pescadores que ainda usam as artes, preparam as redes, com os olhos voltados para o horizonte, enquanto as mãos calejadas seguem uma coreografia aprendida desde a infância. Cada nó, cada gesto, é uma ligação com o mar que dá e, às vezes, toma. Eles sabem que a fartura e a escassez são parte do mesmo ciclo inquebrantável e só a teimosia lhes permite continuar na faina…
    À medida que a manhã avança, as escolas vão-se enchendo de risos e duma algaraviada de sons em salas onde faltam, cada vez mais, professores e os que há não caminham para jovens, pois esses são os futuros guardiões da ilha, que ali aprendem sobre o mundo que os rodeia, sobre as raízes, que os mantêm firmemente ligados a este pedaço de terra, sem saberem quanto tempo mais resistirão ao apelo da diáspora . Nas aulas de história, aprendem sobre navegadores e vulcões, tempestades e reconstruções, que sempre teceram a tapeçaria da identidade açoriana, um misto de miséria, trabalho e fé contra os elementos.
    E assim, em São Miguel, cada dia é uma nova página escrita com a simplicidade de quem sempre viveu em harmonia com a terra e o mar que nem as torrentes de turistas de mil e uma línguas distintas conseguem destrinçar. Uma nova página se escreve, onde passado e presente se entrelaçam num delicado equilíbrio, mas preservando a essência da comunidade que, apesar do mundo ao seu redor, mantém viva a chama da tradição e da história, mesmo que as drogas sintéticas lhes roubem mais e mais gente. Até quando?

  • crónica de antónio bulcão

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    4B
    Eu sabia que valia a pena esperar.
    Não gosto nada de dizer “no meu tempo”, pois nunca fui proprietário de qualquer tempo. Por tal, prefiro falar no tempo em que fui criança, adolescente, jovem. Nesse tempo, que remonta às décadas de sessenta e parte de setenta do século passado, apenas se falava em maricas e fufas. Perdoem-me os bloquistas e outros politicamente correctos, já assanhados, danados para me saltarem em cima com os cidadãos e as cidadãs gays e lésbicas que merecem todo o respeito.
    Peço perdão aos fundamentalistas, mas, na verdade, não sinto a mínima culpa. Naquele tempo era assim. Como atenuante, apresento o facto de ter sempre respeitado os maricas e as fufas, alguns deles meus amigos. O corpo era deles, eu não tinha nada a ver com as suas tendências sexuais. E os gozos a que por vezes eram sujeitos nunca contaram com a minha participação, nem sequer com a minha cumplicidade.
    Além de que “maricas” não era apenas sinónimo de homossexual. Cabiam no termo os cagarolas, os medrosos, os que tinham medo de tudo, sendo que quando se lhes dizia “não sejas maricas” não havia qualquer carga sexual envolvida.
    Mal sabia eu que o mundo mudaria tanto com o passar dos anos. Às lésbicas e aos gays somaram-se bissexuais, naturalmente. Mas depois vieram transgéneros, queer, intersexos, assexuais, o LGBTQIA a ganhar novas letras a cada dia que passa.
    Novamente todo o respeito, da minha parte. Se há quem queira ser outro, ou não saiba o que é, ou se apaixone por uma árvore, não é da minha conta, a não ser que seja necessário socorrer alguém indefeso. O importante é que sejam felizes, as mulheres que moram em corpos de homens e querem deixar de morar, ou os amantes de criptomérias.
    Mas começava a preocupar-me a possibilidade de poder deixar de haver no alfabeto letras suficientes para albergar todas as diferenças, tal a velocidade a que surgem novas. Até que tive conhecimento da existência de um novo movimento, que pode ser a minha salvação. Parece que já existe há anos, oriundo da Coreia do Sul, mas ganhou grande expressão nos EUA depois da vitória de Trump, portanto só pode ser coisa boa.
    Trata-se de uma coisa chamada 4B. Passo a explicar.
    É um movimento de mulheres, que querem arrasar os machos. Para tal, adoptaram um catecismo de quatro bês.
    O primeiro B é de “bihon” – não casar com homens. O segundo B é de bichulsan – não engravidar. O terceiro B é de biyonae – não namorar com homens. E o último B é de bisekseu, não ter sexo com homens.
    Em poucas palavras, as mulheres que inventaram os quatro bês rejeitam totalmente a presença de homens na sua vida afectiva.
    E eu decidi aderir ao movimento. Por tal, aqui fica o compromisso, à atenção das mulheres. Prometo nunca namorar com homens, não ter sexo com nenhum macho, muito menos casar com um e engravidar nem me passa pela cabeça.
    Reclamo, então, a qualidade de membro fundador do 4B nos Açores. Registarei a necessária patente e aguardo, ansioso, a inscrição de todas as mulheres que se queiram juntar a mim.
    É a única saída que me resta, dado que o H, de heterossexual, não consta da sigla. Assim sendo, se tiverem de me encaixar nalguma letra, que seja o L. A partir de hoje, sou lésbica.
    António Bulcão
    (publicada hoje no Diário Insular)
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  • A opinião contundente de um autor celebrado sobre futuro da língua portuguesa

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    Em entrevista a VEJA, angolano José Eduardo Agualusa fala das ligações do país africano com o Brasil e rechaça um temor muito difundido sobre a lusofonia

    Source: A opinião contundente de um autor celebrado sobre futuro da língua portuguesa

  • insegurança josé gabriel ávila

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    Insegurança : crón. rádio
    Antigamente era frequente ouvir-se os mais velhos dizerem: “Estamos prà’qui num cantinho do céu”.
    A vida nas freguesias rurais e mesmo nas cidades era calma, pouco ou nada acontecia e quando havia algo de anormal gerava-se um sobressalto coletivo.
    Já todos temos a noção de que o mundo mudou: tudo se sabe na hora porque as redes sociais distribuem as notícias de uma fora alarmante, acompanhadas de imagens e não é fácil dizer que não foi assim. Agora já não é a TV que disse e por isso faz fé, mas o telemóvel de cada um, que permanentemente debita a verdade de quem põe a correr a notícia.
    Estamos todos sujeitos às “verdades” e às mentiras de canais poderosíssimos que corrompem o dito e o feito a seu belo prazer.
    Tem sido esse o método usado por cadeias do poder nacional e internacional, em situações de guerra e de paz, sempre em proveito dos donos disto tudo e em prejuízo dos mais fracos.
    O mundo desenvolvido, o mundo da abundância e da opulência, trouxe consigo lutas cruéis entre povos e nações para dominar tudo e todos e entrou no seio das famílias e da sociedade através do consumo de estupefacientes, do álcool e da violência. Resultado: ninguém está seguro, nem mesmo os membros da família do mesmo sangue.
    Insegurança é uma situação social tão frequente que quem vive ainda num “cantinho do céu” que se deixe ficar porque isto não está para brincadeiras…
    A semana passada soube-se que os imigrantes portugueses indocumentados, sobretudo os que trabalham na Nova Inglaterra e que são de certo modo protegidos pelas autoridades locais, podem vir a ser perseguidos e deportados pela futura administração Trump.
    Quantos dos que votaram no futuro Presidente americano já passaram por essas dificuldades….
    Que vão fazer agora? Calar-se e fechar-se em copas, vendo que compatriotas seus, gente trabalhadora como a América gosta de apregoar, de um momento para o outro, terá de abandonar aquele país e regressar, sem conseguir os seus intentos?!…
    Tudo isto contribui para a insegurança que muitos governantes pretendem combater, mas fazem-no da pior maneira: recorrendo a expulsões arbitrárias, discriminando famílias e pessoas trabalhadoras cujo objetivo é atingir um patamar de sobrevivência e de dignidade.
    A paz e a dignidade humanas constroem-se na solidariedade e na compreensão. Não na luta, na discriminação, não olhando o outro como inimigo ou impedindo-o de aceder aos bens da terra que é de todos.
    A paz é possível e necessária para vivermos em concórdia e tranquilidade.
    Que cada um faça a sua parte!
    Ponta Delgada,17 de novembro de 2024
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  • PÂNICO EM PONTA DELGADA: ROEDORES EM FUGA

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    557. ROEDORES EM FUGA 18.11.2024

     

    557. ROEDORES EM FUGA 18.11.2024

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    Eles Andam Aí Chrys Chrystello

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    Lusodescendentes Eleitos Nos Eua

  • há $$$ para a bagacina para a cadeia não

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    In jornal “Correio dos Açores” de 16-11-2024
    A “Cadeia de Ponta Delgada” e a minha indignação!
    No passado dia 7 de novembro, a Associação Seniores de S. Miguel promoveu e, muito bem, um debate no Coliseu Micaelense sobre “O Estabelecimento Prisional de Ponta Delgada”, tendo como oradores convidados o Advogado Elias Pereira e o Presidente do Sindicato Nacional de Guardas Prisionais, Frederico Morais.
    Recordo que já no tempo da outra “senhora” se falava na necessidade de remodelar ou construir de raiz uma Cadeia nova. Após o 25 de abril de 1974, mais concretamente em 1976, foi prometido, em democracia, uma “Cadeia” nova para Ponta Delgada.
    Ao longo destes 48 anos, perdemos o número de promessas, de visitas ministeriais, de secretários de estado, de políticos, todos patenteando as maiores angústias face ao que constatavam naquele Estabelecimento Prisional!
    É esta “Cadeia” a pior do país! Um armazém que era oficina onde se ocupavam os detidos foi transformado numa camarata com 47 camas de um lado, do outro armários, uma única porta de saída e entrada, uma única casa de banho. Uma camarata única no país e digna do terceiro mundo!
    A “Cadeia” atualmente tem capacidade para 141 detidos, estão lá 173, mais de metade destes detidos são, lamentavelmente, jovens!
    A solução encontrada para a sobrelotação da “Cadeia” foi, e é, a transferência de presos para outros estabelecimentos prisionais espalhados pelo país.
    São estes, entre muitos outros, os problemas, até de construção e adaptação do espaço físico ao fim a que se destina, de que padece a “Cadeia de Ponta Delgada”. Situação que me marca e envergonha, enquanto cidadão Açoriano e Português.
    Como é possível, nestas condições, garantir a segurança dos detidos e dos Guardas Prisionais? Como é possível garantir as condições sanitárias e psicológicas destes detidos e dos Guardas Prisionais?
    Numa “Cadeia” sempre sobrelotada e com a sua população maioritariamente jovem, qual o trabalho ao nível social/profissional digno realizado para uma reinserção social destes jovens?
    A solução encontrada, a transferência de detidos, para além de desumana assume-se como uma dupla pena: o afastamento da família, dos pais, da esposa, dos filhos. Não será um convite à revolta, ao desequilíbrio mental, à reincidência no crime? Não irá contra os “Direitos Liberdades e Garantias” do cidadão?
    Em pleno século XXI, como é possível um país de Direito e Democrático, estar há 48 anos a adiar a construção de uma “Cadeia”, para garantia da dignidade a estes homens e mulheres que são cidadãos legítimos deste pais, tendo apenas a infelicidade de um dia cair no crime?
    Como é possível que o poder público eleito pelos cidadãos, a Assembleia Regional dos Açores, o Governo Regional dos Açores, a Câmara Municipal de Ponta Delgada, não se unem na reivindicação e resolução de uma situação terceiro mundista que em nada dignifica estes nossos conterrâneos, a nossa Região?
    Sabemos que a haver “Cadeia”, só será, na melhor das hipóteses, lá para o ano de 2033, se houver. Vamos continuar a assobiar para o lado numa situação miserável onde estão encarcerados os nossos concidadãos?
    Esta situação vai contra os Direitos, Liberdades e Garantias da Constituição Portuguesa, é desumana. A sociedade micaelense/açoriana não pode permitir a continuação desta barbaridade!
    Uma lição pode-se já tirar desta triste situação, tendo em conta o número assustador de jovens nesta “Cadeia”: a sociedade, a família e o Estado, falharam e continuam a falhar, levando jovens, sem o saber e conhecimentos adquiridos, mal preparados para a vida, a caírem no crime!
    A aposta no ensino é a base de uma sociedade evoluída, é um investimento com retorno enorme e garantido!
    Termino felicitando a Associação Seniores de S. Miguel, pela ótima iniciativa na denúncia/alerta de uma situação que é desumana, degradante e insustentável nos dias de hoje!
    Bem hajam!
    ______________________________________________Carlos A. C. César
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    Artur Neto, Sonia Nicolau and 35 others

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    Jose Vieira Medeiros

    Já foram enterrados uns milhões para retirar a bagacinha, entra governo e sai governo todos prometem mas nada fazem
  • vivam os monárquicos

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    crónica de 2022

    AGORA QUE AS FESTAS SE FORAM 13.9.2022

    Possa eu continuar a contar livremente sonhos e utopias, sinal de que os senhores do mundo ainda não calaram todas as vozes. Aqui não é o Haiti (como dizia o Caetano Veloso) nem a Coreia do Norte e ainda há liberdade de pensar. O meu voto continua sem estar à venda, mesmo só com valor estatístico sem representatividade eleitoral. Controlado, vigiado, escutado, analisado e dissecado vou resistir enquanto puder (i.e. viver) a ser um mero píxel nos ecrãs dos controladores globais que nos programam. Não será pelo medo que viciarão os momentos livres e felizes. E eu que até sou súbdito da coroa britânica interrogo-me se Portugal é, de facto, um país monárquico ou membro da Commonwealth, pois desde o falecimento da augusta soberana Elizabeth Regina que 90% dos canais noticiosos de TV não dá senão a cobertura de tudo o que se passa na velha Albion. Faltou mostrar as solas dos sapatos do novo Rei ou a cor das cuecas. Tenho pena dele, começar o primeiro emprego aos 73 anos é duro e temo que cá pensem em alterar a idade da reforma, fruto desta sua tomada de posse tão adiantado em anos. Entretanto os poderes que mandam viram-se livres daquela que se deveria ter tornado rainha consorte, Diana de seu nome, aceitando a sua substituição por esta divorciada que ora acompanha Carlos (III ou Carlos I da Austrália). Nem as monarquias são já o que eram e qualquer dia (exceto nas Arábias) passam a espécie em vias de extinção apenas visíveis em zoológicos especiais. Não é que as democracias que eu conheço sejam muito melhores, e há sempre umas ditaduras e uns tiranos ao virar de cada esquina, prontos a satisfazer os populismos de que se alimentam as festas de verão com que comecei esta crónica.