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  • poemas dedicados a timor no dia em que a indonésia invadiu

    poemas dedicados a timor no dia em que a indonésia invadiu

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    pintura de margarida bem madruga, oferta ao cnrt, timor-leste, 1999

     

     

     

     

     

     

     

    timor excertos d epoesia dedicada a timor do livro CRÓNICA DO QUOTIDIANO INÚTIL DE CHRYS CHRYSTELLO, 40 anos de vida literária 2011 ed calendário de letras v n gaia.

     

    547. eleições sem lições em timor, 8 julho 2012

     

    díli 23 setembro 1973

    cheguei hoje a timor português

    a vinda marcará a minha vida para sempre

    sem o saber nunca mais nada será igual

    o futuro começa hoje e aqui

    entrei no tempo da ditadura

    sairei na democracia adiada

     

    na bagagem guardo sabores,

    imagens e odores

    sonhos de pátria e amores

    divórcios e outras dores

     

    cheguei sem bandeiras nem causas

    parti rebelde revolucionário

    tinha uma voz e usei-a

    tinha pena e escrevi sem parar

    pari mais livros que filhos

    para bi-beres e mauberes

     

    48 anos de longo inverno da ditadura

    24 de luta independentista

    agora que a lois vai cheia

    e não se passa na seissal

    já maromác se apaziguou

    crescem os lafaek nos areais

    perdida a riqueza do ai-tassi

    gorada a saga do café

    resta o ouro negro

    para encher bolsos corruptos

    sem matar a fome ao timor

     

    perdido nas montanhas

    sem luz, água ou telefone

    repetindo gestos seculares

    mascando sempre mascando

    o placebo de cal e harecan

    mas com direito a voto

    para escolher quem o vai explorar

    sob a capa diáfana da lei e ordem

    do cristianismo animista

     

    oprimido sim

    mas enfim livre.

     

     

    548. queria ser toké 11 julho 2012

     

    eu queria ser toké e contar o que vi

    desde que partiste em 1975

     

    queria saber falar

    dar os nomes os locais e os atos

    de todas as atrocidades, violência e mortes

    que testemunhei mudo na minha parede

     

    eu queria ser toké e escrever tudo

     

    queria contar o que não querem que se saiba

    queria contar o que não queriam que se visse

    queria contar os gritos que ninguém ouviu

     

    queria ser água e apagar os fogos

    que extinguiram a nossa história

    como se não fora possível reconstruí-la

     

    queria ser pássaro e levar nas asas

    todos os que foram chacinados

    violados, torturados e obnubilados

    voar com as crianças que morreram de fome

    as mulheres tornadas estéreis

     

    tanta coisa que queria dar-te timor

    e não posso senão escrever palavras

    lembrar teu passado heroico

    sonhar futuros ao teu lado

     

     

    549. alucinação na areia branca (timor) 11 julho 2012

     

    era maio em 1975

    havia luar na areia branca

    sem ondas na ressaca

    caranguejos azuis na fina areia

    baratas voadoras à frente dos faróis

    eram pequenos os lafaek e raros

    quase se ouviam os corais a falar

     

    ao longe sem luzes em díli

    o escuro dos montes

     

    entre nós e o ataúro

    deslizavam barcos espiões

    antecipavam a komodo

    ensaiavam invasões

     

    corri a alertar

    ninguém quis ouvir

    escrevi e denunciei

    chamaram-me alucinado

     

    nunca imaginei o genocídio

     

     

     

     

     

     

    550. timor nas alturas 15 julho 2012

     

    queria subir ao tatamailau

    pairar sobre as nuvens

    das guerras, do ódio, das tribos

    falar a língua franca

    para todos os timores

     

    queria subir ao matebian

    ouvir o choro dos mortos

    carpir os heróis esquecidos

     

    queria subir ao cailaco e ao railaco

    consolar as vítimas de liquiçá

    beber o café de ermera

    reconstruir o picadeiro em bobonaro

    tomar banho no marobo

    ir à missa no suai

    buscar as joias da rainha de covalima

    passar a fronteira e voltar

    chorar todos os conhecidos e os outros

     

    e quando as lágrimas secassem

    à minha palapa imaginária regressaria

    à mulher mais que inventada

    um pente de moedas de prata ofertaria

    vogando nas suas ribeiras e vales

    sussurrando no espesso arvoredo

    desaguando no vale de vénus

     

    nos seus beiros navegaria

    ao ataúro e ao Jaco rumando

    desfrutando a paz e as belezas ancestrais

    ouvindo os tokés e as baratas aladas voando

    os insetos projetados contra as janelas

    atraídos pela luz do petromax

     

    a infância e a juventude são como uma bebedeira

    todos se lembram menos tu

     

    551. lágrimas por timor, até quando? 16 julho 2012

     

    confesso sem vergonha nem temores

    hoje os olhos transbordaram

    lágrimas em cascata como diques

    pior que a lois quando a chove

     

    o coração bateu impiedoso

    os olhos turvos a mente clara

    as mãos trémulas de impotência

     

    nas covas e nas valas comuns

    muitos se agitaram com a morte gratuita

     

    mais um casal de pais órfão

    mais um filho varado às balas

    sem razões nem justificações

     

    poucas vozes serenas se ouviram

    velhos ódios, vinganças acicatadas

    o povo dividido como em 1975

     

    sem alguém capaz de congregar o povo

    sem alguém capaz de governar para todos

    sem alguém acima de agendas pessoais

    sem alguém acima de partidos

     

    temos de ultrapassar agosto 75

    udt e fretilin

    a invasão indonésia e o genocídio

     

    faça-se ou não justiça

    é urgente um passo em frente

     

    é urgente alguém com visão

    um sonhador, um utópico

    um poeta como xanana já foi

     

    alguém que ame timor

    mais do que ama suas crenças

    mais do que ama suas ideias

    mais do que ama sua família

     

    talvez mesmo uma mulher

    sensível e meiga

    olhar almendrado

    pele tisnada

    capaz de amar

    impulsiva para acreditar

    liberta de injustiças passadas

    solta de ódios, vinganças e outras

    capaz de depor as armas

    todas e liderar.

     

     

    578. eu canto do maio, maio 1, 2013

     

    eu canto do maio as mortes inúteis

    os deportados para timor

    o sangue derramado

    tudo o que se pedia eram 8 horas

    de trabalho, descanso e recreação

     

    eu canto do maio a memória de 1886

    do degredo, do cárcere, das torturas

    das manifes proibidas, das bandeiras

    vermelhas do sangue inocente

    sem olhar a partidos nem a pessoas

     

    apenas o direito inalienável

    ao trabalho, ao descanso, à recreação

     

    para que os novos fascistas de hoje

    não roubem essas memórias

    esses direitos, essas lutas

    eu canto do maio o dia do trabalhador

    hoje desempregado, sem-abrigo, doente

    nos novos gulags e campos de concentração

    sem grades nem gás mortal

     

     

    608. eleições 29 jul 2013

     

    era tempo de eleições

    políticos vinham e prometiam

    a populaça aplaudia

    acenava e acreditava

     

     

    depois de contados votos

    os políticos desapareciam

    junto com as suas promessas

    e o povo esquecido esperava

    assim crendo na democracia

    uma pessoa, um voto, uma promessa

    repetiam a antiga escravatura

    acreditando serem livres

     

     

    610. história timor, 29 jul 2013

     

    primeiro veio a polícia

    expulsos estudantes “ocupas”

     

    depois vieram bulldozers

    assim acabou o hotel resende

     

    era história em díli

    e um povo que destrói

    não merece o seu futuro

    mas ganhou condomínios de luxo

     

     

     

    685 dili inundado, 6, fevº 2016

     

    maromác zangou-se

    as ribeiras transbordantes

    em dili nada mudou

    tudo alagado como dantes

     

    décadas depois

    nem os milhões do petróleo

    dominam as águas

    passados quarenta anos

    sem dinheiro para voltar

    dominam-me as mágoas

     

    a minha saudade

    rima com verdade

     

     

     

     

    634. guerra colonial, moinhos, 20/8/2013

     

    há várias catarses

    para a guerra colonial

    escrever livros

    tornar-se alcoólico

    ser antissocial ou violento

    eu apenas mudei de nome

    e de nacionalidade

    e nunca escreverei

    uma palavra que seja

    sobre esse inferno

    não posso perder mais tempo

    com essa trampa.

    449. EROS nos jardins de leste Díli, Timor, novembro, 25, 1974

     

     

     

    os corpos se venderam por dez réis de nada

     

    assim me serviam do que criam inútil

     

    e se davam

     

    fáceis e apáticas

     

    faziam amor como quem respira

     

    isto é

     

    o ritmo cósmico da órbita do poema

     

    descrevia uma sinusoide irregular

     

    e de tanto engravidarem

     

    sentiam na carne

     

    o vício de todas as necessidades

     

    e de tantas fomes acalentarem

     

    o instinto as aguilhoava

     

    nascituras

     

    logo então vitimadas

     

     

    -EROS senhor e amo nos jardins de leste

     

     

    pequenas

     

    saracoteantes

     

    delicado delinear de dietas forças

     

    figuras de cabaia e lipa[1]

     

     

    dos agrestes picos montesinos

     

    às planuras

     

    frágeis ninfas

     

    que o sol em nascendo vê primeiro”

     

    diac ca lai? la diac malai[2]

     

    e a gente compra

     

    Escudo ihra – Né

     

    la cói! ata! lima

     

    cabeça búlac! menina lá diac… ossam báric

     

    loro mai massimida

     

    os lábios de carmim de viva cal e da harecan

     

    haneçam maliri.[3]

     

     

     

     

     

     

     

    431. V. TIMOR Díli, Timor, setembro, 20, 1973

     

     

    timor cresceu cercado

     

    lendas que a distância empolgou

     

    o sonho

     

    a quietude

     

    as 1001 noites do oriente exótico

     

    o sortilégio dos trópicos

     

    para o europeu

     

    chegar era já desilusão

     

    desprevenido

     

    sobrevoa estéril ilha

     

    montes e pedras

     

    agreste paisagem sulcada

     

    leitos secos

     

    abruptas escarpas

     

    terra sem marca de homem

     

    esparsas cabanas de colmo

     

    será isto timor?

     

    o avião desce o vazio em círculos

     

    em vão os olhos buscam a pista

     

    por trás de um montículo imprevisto

     

    se vislumbra o “T

     

    e a torre de controlo dos folhetos de propaganda

     

    nunca existiu

     

    a alfândega é o bar

     

    a sala de espera

     

    sob o zinco e o colmo

     

    isto é baucau

     

    aeroporto internacional

     

    a vila salazar dos compêndios

     

    que a história esqueceu

     

    uma turba estranha se amontoa

     

    à chegada do cacatua-bote[4]

     

    o patas-de-aço

     

    esta a cerimónia sagrada do deus estrangeiro

     

    descendo dos céus

     

    dia de festa para os trajes multicoloridos

     

    o contraste do castanho de sóis pigmentados

     

    cinco da matina

     

    e é já o pó e o calor

     

    o espanto mudo nas bocas incrédulas

     

    as formalidades aqui com sabor novo

     

    espera lenta e compassada

     

    séculos de futuro por viver

     

    antes que ele venha

     

    antes não venha

     

    num barracão zincado uma velha bedford

     

    de carga com caixa fechada

     

    vidros de plástico sob o toldo puído

     

    pomposo dístico colonial

     

    carreira pública baucau-dili

     

    picada em terreno plano

     

    mar ao fundo

     

    baucau

     

    cidade menina por entre palmares

     

    densa vegetação tropical

     

    connosco se cruzam estranhos homens de lipa[5]

     

    galo de combate ao colo

     

    entre torsos e braços nus

     

    das ruínas do mercado se evocam

     

    desconhecidos templos romanos

     

    estrada n.º 1 até dili

     

    sulcam-se abruptas as encostas

     

    ao mar sobranceiras

     

    ali se adivinham cristais multicolores

     

    em lugar de pontes se atravessam ribeiras

     

    enormes

     

    leitos secos

     

    o tempo as converteu em estradas de ocasião

     

    pedregoso solo

     

    cores indefinidas

     

    castanhos e verdes

     

    palapas [6] dissimuladas na paisagem

     

    imagens tristes de pedras e montes

     

    baías primitivas

     

    inconquistas

     

    praias de despojos e conchas

     

    paraísos insuspeitos

     

    as gentes de sorrisos vermelhos

     

    assusto-me

     

    não é sangue nas bocas gengivadas

     

    masca, mescla de cal viva e harecan[7]

     

    placebo psicológico da alimentação que falta

     

    um sorriso encarnado esconde a fome

     

    súbito

     

    por paisagens que só a memória

     

    sem palavras descreverá

     

    eis dili

     

    a capital

     

    larguíssima avenida semeando o pó nas palapas

     

    casas de pedra com telhados de zinco

     

    na ponta leste chinas e timores

     

    partilham a promiscuidade da pobreza

     

    dili

     

    plana e longa

     

    a vasta baía antevendo imponente

     

    o ataúro ilha

     

    um porto incipiente

     

    a marginal desagua no farol

     

    construções coloniais pós 1945

     

    da guerra que ninguém quis

     

    dos mortos que os japoneses quiseram

     

    da neutralidade do país mãe calado e violado

     

    albergam chefes de serviço

     

    altas patentes militares

     

    sem guerras para lutar

     

    sem movimentos libertadores das gentes

     

     

     

    quinze quilómetros de asfalto

     

    três casas dantes da guerra grande

     

    aeródromo em terra batida

     

    um jipe de afugenta búfalo

     

    a rua comercial atravessa dili senhora

     

    de leste a oeste

     

    espinha dorsal

     

    o centro

     

    o palácio das repartições

     

    do governo

     

    perto um museu

     

    o seu nome ostenta o vazio

     

    riquezas sem fim

     

    seus governadores exportaram

     

    patriotas

     

    colonizadores de séculos com nada para mostrar

     

    um museu morto

     

    dois sinaleiros nas horas de ponta

     

    ociosos às portas dos cafés

     

    à noite transfiguram-se

     

    os bas-fond

     

    o texas bar

     

    da prostituição às slot machines

     

    o submundo

     

    a vida underground

     

    afogar esperanças em álcool

     

    sonhos há muito perdidos nunca sonhados

     

    restaurantes poucos

     

    melhor comida a chinesa

     

    bares espalhados pela cidade

     

    militares e álcool para calar distâncias

     

    um portugal dos pequeninos

     

    longínquo

     

    cada vez mais

    esquecido

     

    nunca

     

    perdido.

     

     

     

    1973 numa cidade sem vida

     

    morrendo nas cinzas próprias de cada noite

     

    por entre o silêncio e a voz triste dos tokés[8]

     

    o calor putrefacto

     

    por entre o voo alado das baratas gigantes

     

    carros poucos

     

    de dia só do estado

     

    motocicletas pululam por entre viaturas oficialmente pretas e verdes

     

    esperando mulheres de oficiais

     

    às portas dos cabeleireiros

     

    do liceu

     

    militares a pé

     

    em berliets ou unimogs

     

    chineses muitos

     

     

     

    dili é isto

     

    a desolação

     

    na parte alta da cidade o complexo militar

     

    barracas insalubres

     

    sob a sombra dos hospitais

     

    um civil um militar

     

    fresco e verdejante vale

     

    triste esta cidade

     

    pretensamente euro-africana

     

    palapas marginando ruas

     

    nelas vive o timor

     

    sem água nem luz

     

    dez ou quinze filhos

     

    que importa

     

    a miséria é só uma e a mesma?

     

     

     

    esta “a terra que o sol em nascendo vê primeiro”

     

     

     

    aqui as imagens

     

    e são já história

     

    não se repetirão

     

     

     

    aqui não daremos testemunho

     

    como transfigurar

     

    colónias pacíficas

     

    em palcos de guerra.

     

     

     

     

    433 I BUCÓLICA BOBONARIANA-I Bobonaro, Timor, novembro, 23, 1973

     

     

     

    a colina à esquerda ergue-se mansamente

     

    sem pressas

     

    caminha do mar

     

    reproduz-se altiva

     

    pico agreste me vigia

     

    não há vegetação

     

    nem sinais de gente

     

    (terá emigrado daqui a seiva?)

     

    as rochas puras ainda

     

    primitivas

     

    nascituras

     

    erguidas por ciclópicas mãos

     

    do fundo dos mares

     

    quedaram-se ostensivas

     

    desafio de nuvens eternas

     

    arbustos pequenos

     

    insignificantes como as gentes

     

    misturados na paisagem

     

    espraia-se na vastidão o olhar

     

    (começa em mim)

     

    e só montes

     

    pedras

     

    horizonte

     

    e eu aqui fechado

     

    cercado

     

    ilha de mim próprio

     

    o vale profundo

     

    (talvez abismo, talvez acusação)

     

    resisto

     

    diviso emaranhado das brumas

     

    ciscos amarelos

     

    (segredam-me são casas de gente)

     

     

    ENTÃO PARTO.

     

     

    sem hesitar cavalgo

     

    pedras

     

    ribeiros

     

    encostas

     

    subo

     

    desço

     

    torno a subir e nada destrinço

     

    insensível à rude beleza

     

    atinjo inóspito cume

     

    estranhamente plano

     

    nele plantaram casas

     

    cinco

     

    seis

     

    uma ao centro

     

    lulic[9] dizem-me

     

    baixo-me e entro

     

    teto erguido a pique

     

    muro de pedra a tocar baixo sobrado

     

    térreo madeirame trabalhado segue as vigas

     

    quadros sacros

     

    sol

     

    elementos

     

    animais

     

    no andar elevadiço

     

    um lar entesourado em morada última

     

    assusto-me

     

    em volta ósseas relíquias

     

    cheiro imenso a fumigação

     

     

     

    saio

     

     

     

    respiro ar puro

     

    sacrossanto

     

    das montanhas cercanias

     

     

     

    uma laje quadrada

     

    uma placa ereta

     

    tipo tumular

     

    flores murchas e perdidas

     

    casas sem muros

     

    no andar térreo

     

    animais se abrigam

     

    por cima pessoas se alojam

     

    deitadas

     

    a nascer

     

    a cozinhar

     

    a comer

     

    a dormir

     

    a morrer

     

     

     

    quando as chuvas tombam

     

    e o colmo amolece

     

    quando o sopro do vento vem

     

    rasgando a mirrada pele

     

    quando maromác[10] se zanga

     

    nascem surdos lamentos

     

    ninguém ouvirá.

     

     

     

    olhei

     

    vi gente

     

    acocorada

     

    semidespida

     

    esquelética

     

    nuas crianças

     

    algumas do colo a mim chegaram

     

    sorrindo orgulhosas da sua alva pele

     

    pedindo as fotografasse

     

    tartamudeavam malai[11] como quem se afirma

     

    compreendi esse estranho orgulho

     

    ilegítimo

     

    mulheres se alugam para não perecerem

     

    da fome vil

     

    quando novas servem de pasto

     

    a abutres forasteiros

     

    depois

     

    escavacadas

     

    descarnadas

     

    desdentadas

     

    mascando infindáveis sementes

     

    esboçam sorrisos

     

    para a objetiva acusadora e cúmplice

     

     

     

    não mais suportei este dantesco inferno

     

    saí

     

    acenei

     

     

     

    voltei as costas

     

    voltei ao exílio

     

     

     

    • ENOJADO -.

     

     

     

     

    450. O TETO DO MUNDO Díli, Timor, dezembro, 3, 1974

     

     

    como romper as palavras?

     

    o som e o lamento do ai-tassi

     

    sagrado lenho

     

    em ti se moldaram

     

    faces e rugas milenárias

     

    caminhos de teto do mundo

     

    nas mãos vazias viaja o passaporte

     

    para que não sucumbas hoje

     

    há muitas mortes nos amanhãs

     

    teus pés ligeiros voam vinte quilómetros

     

    o cacho solitário que colheste

     

    bananas com que não matas as fomes

     

    enganas malai com parco lucro

     

    escudo lima[12]

     

    e teu rosto infantil e puro

     

    sorria

     

    vendeste a sobrevivência duma semana

     

    caminhas curvado e galgas montanhas

     

    teus os reinos de Railaco e TataMaiLau[13]

     

    por isso retornas e teu sorriso é jovem

     

    na cal e harecan misturas o prazer e o engano

     

    também teu estômago sorri confiante

     

    também tua a linguagem do corpo

     

    no regresso de braços dolentes

     

    firme em teu braço direito

     

    o teu combate de penas

     

    pobre mercador de ilusões em galos de luta

     

    acaricias teu ganha-pão

     

    teu desporto

     

    e apostas

     

    mais

     

    sempre mais

     

    são tuas as lágrimas

     

    a revolta e a derrota

     

    é teu o sangue e o alimentaste

     

    guardas o estilete acerado

     

    não decepou medos

     

    são tuas as planícies e as ribeiras

     

    as torrentes inundaram o arrozal

     

    levaram pontes e caminhos

     

    e tu ris do grande engenheiro malai

     

    como do búfalo do china luís

     

    navegando rumo à liberdade

     

    nem pensas na tua

     

    das árvores pendem camarões doces do rio

     

    e o pequeno jacaré

     

    faz o cruzeiro oceânico Ribeira de Seiçal-Dili

     

    maromác[14] sabe

     

    maubere é diac [15]e vai passar

     

    esse o lado outro do abismo.

     

     

     

     

    434. A LEPRA Díli, Timor, dezembro, 3, 1974

     

     

     

    eu vi-os

     

    de olhar gasto e gestos caídos

     

    vinham com neves eternas nos cabelos

     

    enxada às costas

     

    vergados ao peso de séculos

     

    maltrapilhos

     

    descalços

     

    rotos

     

    bronzeados por sóis perdidos

     

    na memória dos tempos

     

    uma grande fome para contar

     

    e o silêncio sem fim

     

    de todas as solidões

     

     

    falei-lhes

     

    acenaram sem se deterem

     

    cadência de autómatos

     

    sem vontade

     

    explicaram por gestos

     

    o que presumi sorriso

     

    onde só havia gengivas descarnadas

     

    informes

     

    perguntei

     

    donde vinham

     

    de que estranha guerra

     

    sobreviviam

     

    sem abrandarem a insólita marcha

     

    puxaram da bia sem idade

     

    acenderam-na na concha dos dedos recurvos

     

    suspiraram

     

    fundo

     

    como jamais ouvira

     

    era um sopro indefinido

     

    murmurado

     

    amargo

     

     

     

    entretanto havíamos chegado

     

    povoado estranho

     

    sem gente

     

    nem cães

     

    ladrando em redor

     

    casas estranhas

     

    elevações de colmos

     

    suspensas de estacas

     

    mudas

     

    sem janelas

     

    nem portas

     

    um silêncio velho de morte

     

     

     

    deixar a alma

     

    deste ritmo

     

    parar

     

     

    deixar o instante

     

    deste tempo

     

    renascer

     

    eterno

     

     

     

    esta a proposta

     

    inicial

     

    iniciática

     

    até lá, como?

     

     

     

     

    433.II BUCÓLICA BOBONARIANA Bobonaro, Timor, novembro, 23, 1973

     

     

     

    (permaneci calado

    traído por pensamentos galopantes

    onde as mulheres

    cadê as crianças?

    que gente esta

    donde vem?

    que peso arrastam

    penosa

    mecanicamente?)

     

     

     

    ao longe divisei um ancião

     

    vergado como uma aduela

     

    corri para ele

     

    inspirou-me medo

     

    fez um gesto vago

     

    um arremedo

     

    a suster-me

     

    estaquei a distância

     

    nem um pássaro riscava a muda quietude do céu

     

     

     

    tremi

     

    como se de súbito

     

    me penetrassem

     

    as respostas todas

     

     

     

    virei costas

     

    e corri

     

    corri

     

    corri

     

     

     

    e aqui estou

     

    hoje

     

    a dar-vos conta

     

    do que vi.

     

     

     

     

     

    452. MEMÓRIAS Díli, Timor, abril, 13, 1975

     

     

     

    ave louca

     

    sinusoide voo

     

    rias-te

     

    nem sabíamos o quê

     

    de quê

     

    era já o fumo

     

    olhos e mãos

     

    baças mãos

     

    gestos nunca antes inventados

     

    sabíamos do tempo a imponderabilidade

     

    a curva obscena dos corpos

     

    na posse do mundo estávamos e éramos

     

    coloridos e diáfanos

     

    queimávamos identidades

     

    alguém cantarolava palavras

     

    desconexas

     

    inúteis

     

    carícias

     

    premeditadamente esquecidas

     

    ela se levantou

     

    a víamos como se não fosse

     

    isto é

     

    criada no instante mesmo

     

    hesitante

     

    avançava pela janela

     

    ninguém a abrira

     

    seria talvez noite

     

    transcendental o país

     

    bebedeiras de amor

     

    roteiros estelares

     

    no suor do regresso

     

    como se nunca partiras

     

    no sorriso distante

     

    nos teus lábios

     

    cresceram da criança os olhos

     

    encheu-se a sala de frágeis gestos

     

    alguém ousara!

     

    na rua um escape no silêncio do grito

     

    a regra é saber que horas são

     

    ou medo

     

    a vertigem

     

    a regra do pavor

     

    o voo de ficar

     

    céleres que nem imagens

     

    falam de nós

     

    no teto branco ou nu

     

    ou somos

     

    desirmanados no frémito que nos invade

     

    a resposta recusada

     

    texto ou resumo

     

    a vida violada.

     

     

     

     

    451. PORQUE JOVENS Bali, dezembro, 3, 1974

     

     

     

    eram jovens

     

    por isso partiam

     

    nas mãos os cravos

     

    nos lábios mil sangues

     

    por florescer

     

    os corpos amadureciam quando matavam

     

    pilhavam

     

    violavam

     

    era o fogo das balas

     

    as granadas

     

    o napalm

     

    a carne para canhões

     

     

     

    porque jovens

     

    cantavam impolutos

     

    e as mãos decepavam

     

    a saudade desilusionada

     

    irmãos todos

     

    fratricidas

     

    o papão fantoche do governo

     

    lhes ensinara o decálogo de guerra

     

    indesejada

     

     

     

    porque jovens

     

    partiam obrigados

     

    nos sonhos

     

    armada a verdade

     

    vulcões por semear

     

    sangrando campos

     

    estiolavam

     

    eram os braços emigrados

     

    era a fome

     

    eram soldados

     

    era o povo

     

    porque soldados e povo

     

    partiam

     

    levavam ódios insentidos

     

    cumpriam destinos alheados

     

    nos lábios as palavras

     

    e eram amor

     

    o alfabeto dos oprimidos

     

    para uso interior

     

    lá onde os regulamentos não mandam

     

    pelo caminho

     

    eram a voz e a bandeira

     

    o povo sorria às armas

     

    libertado caminhava

     

    no braço armado do povo.

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

     

    443. Post-scriptum (a andré breton)

     

     

     

    como num mundo

     

    outro

     

    em mim

     

    aguda memória

     

    inenarrável

     

    caminho no fogo das mãos

     

    é nossa a estrada

     

    alheios

     

    os calendários o negam

     

    no vento da derradeira galáxia

     

    nascitura terra

     

    fálica linguagem

     

    precipitamos cegueiras

     

    violento abismo

     

     

    • momento zero na viagem do corpo-

     

     

    fomos a lava e o magma

     

    ébrios

     

    exaustos

     

    incendiário batismo bíblico

     

    construímos a casa e as areias

     

    nove

     

    para ti

     

    eram os meses infenecidos

     

    hoje

     

    palavras intimidadas

     

    seminolentes

     

    cerne de alquimias

     

    para quê crer

     

    utopias suicidas

     

    o país o decepam

     

    apáticos

     

    direi mesmo

     

    apátridas

     

    resignados

     

    assistimos

     

    gerámos a hidra

     

    agnósticos

     

    incréus

     

    expectamos

     

    das cinzas

     

    das ruínas

     

    obnubiladas memórias

     

    aqui começa

     

    a medieval noite

     

    silêncio de vivos com morte nos olhos.

    [1] saia de tecido colorido, típica de Timor, de origem malaia, e que é usada enrolada à cintura, descendo até aos tornozelos

    [2] Em Tétum no original

    [3] Em Tétum no original

    [4] cacatua-bote ou patas-de-aço eram designações dadas pelos timorenses aos aviões

    [5] lipa, saia de tecido colorido, típica, de origem malaia, os timorenses usam-na enrolada à cintura descendo até aos tornozelos.

    [6] casas cónicas, quadradas ou rectangulares em colmo

    [7] folha de planta semelhante à do tabaco

    [8] espécie de lagarto sonoro, cuja idade se determinava pelo número de vezes que emitia o som toké.

    [9] lúlic significa sagrado em tétum

    [10] o equivalente a deus em língua tétum

    [11] designação dada aos brancos pelos timorenses

    [12] o equivalente a cinco escudos em moeda de timor

    [13] picos mais altos de timor, rondando os 3 mil metros de altitude

    [14] maromác o equivalente a deus em língua tétum

    [15] maubere é diac, o timorense é bom, coisa boa

     

  • O ESTÍMULO AO USO DA LÍNGUA PORTUGUESA EM TIMOR LESTE E GUINÉ BISSAU | Blogue do IILP

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    Em janeiro de 2015, o primeiro ministro de Guiné Bissau, Hernâni Coelho, realizou um discurso em prol do uso do português como língua de trabalho na União Econômica e Monetária da África Ocidental …

    Source: O ESTÍMULO AO USO DA LÍNGUA PORTUGUESA EM TIMOR LESTE E GUINÉ BISSAU | Blogue do IILP

  • Poetas – Observatório da Língua Portuguesa

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    Source: Poetas – Observatório da Língua Portuguesa

  • DO IBERISMO AO 1º DE DEZEMBRO

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    DO IBERISMO AO 1º DE DEZEMBRO
    2.7.1. IBERISTAS

     

    Gostava de ter algumas réstias do meu sempiterno otimismo, mas a reserva desoladamente está no nível mínimo desde há duas décadas. Quando, ano após ano, a chuva cai dentro de casa e alaga o chão ou os móveis como se não houvesse teto, temos de assumir que estas casas são de péssima qualidade e estes “mestres” de construção não passam de biscateiros incapazes de fazerem uma obra como deve ser. Mas se vou a um restaurante o resultado é similar com um serviço deficiente a preços de luxo. Se vou a um mecânico automóvel idem aspas. Ou na saúde, na justiça, na ignorância santa dos novos professores e seus alunos, na incompetência dos que governam e mandam. É esta a tradição e não é de hoje, vem de há muitos anos como constatei ao traduzir este parágrafo:

    Enquanto a Terceira e as ilhas próximas resistiam ao assalto dos espanhóis à Coroa portuguesa, S. Miguel franqueou-lhes a entrada. Isto deveu-se ao facto de o Corregedor Ciprião de Figueiredo estar sedeado em Angra. Fiel apoiante do Prior de Crato, terá proferido a frase “antes morrer livres que em paz sujeitos”. … A capitania de S. Miguel estava na mão da influente família Gonçalves da Câmara. Além disso, residia em S. Miguel o Bispo dos Açores, D. Pedro de Castilho, fiel a Filipe II. Viria a ser Vice-Rei de Portugal em paga da fidelidade à causa castelhana. Mais tarde, o Capitão do Donatário de S. Miguel recebeu o título de Conde de Vila Franca. Abundam ainda agora os que esquecem o terror do domínio castelhano e pressurosos querem entregar o país ao vizinho ibérico. Miguel Urbano Rodrigues escrevia em 2006 (“Alentejo Popular” (Beja) 02-11-06):

    Os iberistas, ao esboçarem uma Espanha pletórica de energias, de progresso e criatividade, simulam esquecer a mais alta taxa de desemprego da União Europeia. Não aludem ao racismo e à xenofobia que fazem hoje da pátria de Cervantes um dos países europeus onde os imigrantes, sobretudo os magrebinos, equatorianos e colombianos, são mais discriminados. Preferem discorrer sobre a localização da capital, a estrutura institucional do Estado, Federação ou simples transformação de Portugal em mais uma Região Autónoma, e, o papel do Rei. Fala-se do bacalhau, do fado, do flamenco, de marialvas e senhoritos, dos dois idiomas, … longe de serem «muito parecidos», portugueses e espanhóis distanciaram-se progressivamente, exibindo atitudes quase antagónicas. Trabalham e comem a horas diferentes, transformam o culto do aperitivo num instrumento de convívio.

    Outra omissão é a falta de referências à colonização económica de Portugal pela Espanha. O processo em curso é avassalador. Há três décadas a Espanha não existia como parceiro comercial. Hoje ocupa o primeiro lugar nas importações portuguesas. A banca espanhola conquistou parcela importante do mercado português. O mesmo ocorre com a hotelaria e as grandes transnacionais como El Corte Inglês e Zara. As imobiliárias espanholas invadem as cidades. O processo de colonização pacífica assume facetas particularmente alarmantes no Alentejo onde capitalistas espanhóis compraram as melhores terras no Alqueva. Adquiriram milhares de hectares para criação de porcos, instalação de lagares e plantação de oliveiras e vinhas. A invasão é festejada pelo Governo e pela grande burguesia. Agradecem.

    Saúdam os espanhóis como agentes do progresso. Com a espontaneidade da nobreza de 1383 a saudar D João De Castela e a nobreza de 1580 a alinhar com Filipe II. Essa forma de dominação económica encobre uma modalidade de intervenção imperial. Hoje, ninguém se surpreenderia se Portugal passasse a dependência espanhola, como se de um banco se tratasse. Como se falássemos em abrir um escritório no litoral já que o interior está desertificado de gentes e de economias de mercado viáveis. Por outro lado, despontam iniciativas de união ibérica, nem sempre dissimuladas, que causam engulhos.

    Por ser um estudioso que condensou o que penso, sigamos Carlos Fontes,

    O iberismo é típico do séc. XIX. As pequenas nações condenadas a serem absorvidas pelas grandes (teoria darwinista). É uma manifestação patológica de indivíduos que sofreram influência espanhola ou se assumiram como agentes de interesses espanhóis. Quando a situação é melhor no outro lado da fronteira, a integração surge como a solução para resolver a crise, sem trabalho.

    Alguns assassinatos de iberistas ficaram célebres, como defesa de valores fundamentais – dignidade, identidade cultural e liberdade -, mas também respeito por si próprios. Um povo que não se respeita a si próprio, nunca será respeitado por outros. Ora, o iberista sempre manifestou um profundo desprezo pela dignidade e liberdade do português, agindo de modo a destruir a comunidade que o viu nascer… As mortes de dois iberistas assumiram uma enorme carga simbólica na história

    A morte do Conde de Andeiro, fidalgo galego, foi o símbolo de liberdade de um povo que recusa as ingerências externas e os jogos palacianos. Este traidor castelhano participou em conspirações ao serviço de Portugal e de Inglaterra. Em Lisboa, ascendeu a uma elevada posição na corte, tendo recebido de D. Fernando o título de Conde de Ourém, e na crise de 1383-85, esteve ao serviço de Castela.

    Foi assassinado, em 1383, por D. João, mestre de Avis e futuro rei. A sua nefasta ação traduziu-se numa violenta guerra civil que só terminou quando os portugueses exterminaram os aliados de Castela.

    Já a morte de Miguel de Vasconcelos exprime simbolicamente a afirmação da identidade cultural de um povo, cuja forte individualidade saiu reforçada após uma opressão de 60 anos. Ficou tristemente célebre pelo ódio que nutria pelos seus concidadãos.

    Em 1634 tentaram-no matar. Se o tivessem feito, muitas vidas teriam sido provavelmente poupadas. Na manhã de 1 de dezembro de 1640, quando os portugueses restauraram a independência foi o primeiro a ser morto… depois, o povo português travou, durante 28 anos, uma sangrenta guerra na Europa e na América do Sul pela defesa da sua liberdade e dignidade.

    Ora bem, como ninguém estuda História, episódios como este perdem a força e não são transmitidos de geração para geração, perdendo-se a memória coletiva do povo. Continuemos com as palavras de Carlos Fontes. Nas últimas décadas, órgãos de comunicação social, usando da liberdade de expressão, têm procurado abrir fraturas na sociedade. O objetivo é:

    1. Mostrar através de “sondagens” encomendadas ou “discussões” públicas que na sociedade portuguesa existe um grupo cujo objetivo é a dissolução do Estado português;
    2. Dar “voz” à hipotética minoria iberista portuguesa. Ao mesmo tempo, a imprensa espanhola mostra a aceitação à integração.
    3. Os supostos iberistas não constituem uma corrente de opinião nem um movimento organizado. Oliveira Martins (1845-1894) é o melhor exemplo dos esbirros iberistas. É difícil de determinar a causa do profundo ódio que manifestava. Foi um típico vira-casaca: anarquista, socialista, republicano, monárquico, liberal, antiliberal. Defendeu a liberdade, mas também a ditadura. Atacou os ditadores, mas apoiou João Franco, sendo apontado como um dos introdutores das ideias socialistas e como um protofascista. Muitas das ideias foram aplicadas por ditadores (Sidónio Pais ou Oliveira Salazar). Antero de Quental (1869) era um confesso iberista, dois anos depois já nem fala no assunto, e mais tarde abomina a ideia. Algo idêntico ocorreu com Teófilo Braga.

    Durante as eleições legislativas de setembro de 2009 – a TVI -, canal de televisão controlado por espanhóis interferiu diretamente na campanha eleitoral, e…afastou a “jornalista” (Manuela Moura Guedes) que desde 2008 promovia uma campanha de propaganda contra o governo socialista…e a comunicação social espanhola procurava lançar nova campanha em defesa das teses iberistas, apoiada na “sondagem” realizada pela Universidade de Salamanca, com a colaboração de alienados no ISCTE (Lisboa).

    A razão por que escolhi este tema é a data que ora se celebra, o dia da Restauração da Independência de 1 de dezembro de 1640. Para que os mais jovens nunca o esqueçam e deixem de a tratar como um dia sem aulas. Infelizmente, é para a maioria, um dia como qualquer outro nos Açores, sem que o povo se dê conta do seu significado:

    “…arrebatados do generoso impulso, saíram todos das carroças e avançaram ao paço. Neste tempo andava D. Miguel de Almeida, venerável e brioso, com a espada na mão gritando: — Liberdade, portugueses! Viva El-Rei D. João, o Quarto!”

    A ideia de nacionalidade esteve por trás da restauração da independência plena após 60 anos de monarquia dualista. Cinco séculos de governo próprio haviam forjado a nação, rejeitando a união com o país vizinho. A independência fora sempre um desafio a Castela. Entre os dois estados houve sucessivas e acerbas guerras, as únicas que Portugal travou na Europa. Para os Portugueses, os Habsburgo eram usurpadores, os Espanhóis inimigos e os partidários, traidores. Avançara depressa a castelhanização do País de 1580 a 1640. Autores e artistas gravitavam na corte espanhola, fixavam residência, aceitavam padrões espanhóis e escreviam em castelhano, enriquecendo o teatro, a música ou a arte pictórica espanholas. A perda da individualidade cultural era sentida por portugueses, a favor da língua pátria e da sua expressão em prosa e poesia. Contudo, os intelectuais sabiam perfeitamente que os esforços seriam vãos sem a recuperação da independência política. Muitas razões que justificavam a união das coroas ficaram ultrapassadas. O Império Português atravessava uma crise com a entrada em jogo de holandeses e ingleses. Perdera o monopólio comercial (Ásia, África e Brasil) e a Coroa, a nobreza, o clero e a burguesia haviam sofrido severos cortes de receitas.

    Os Espanhóis reagiam contra a presença portuguesa nos seus territórios, mediante vários processos, entre os quais a Inquisição. Isso suscitou grande animosidade nacionalista em Portugal aprofundando o fosso entre os dois países. Margarida, duquesa de Mântua, neta de Filipe II, exerceu o governo de Portugal de 1634 a 1640, como vice-rei e capitão-general. Economicamente, a situação piorara desde 1620 e estava longe de brilhante. Os produtores sofriam com a queda dos preços do trigo, azeite e carvão. A crise afetava as classes baixas, cuja pobreza aumentou. O agravamento dos impostos tornava a situação pior. Para explicar os tempos difíceis, a solução apresentava-se fácil e óbvia: a Espanha, causa de todos os males.

    A conspiração independentista era heterogénea [nobres, funcionários da Casa de Bragança e do clero]. Em novembro conseguiram o apoio do duque de Bragança. Na manhã do 1º de dezembro, um grupo de nobres atacou a sede do governo (Paço da Ribeira) prendeu a duquesa de Mântua, matou e feriu membros da guarnição militar e funcionários, como o Secretário de Estado, Miguel de Vasconcelos. Já dizia Camões: “Também dos Portugueses alguns traidores houve, algumas vezes…” Lusíadas, C. IV, 33. Seguidamente, os revoltosos percorreram a cidade, aclamando o novo estado, secundados pelo entusiasmo popular, a mudança do regime foi recebida e obedecida sem dúvida. Só Ceuta permaneceu fiel à causa de Filipe IV.

    1. João IV entrou em Lisboa a 6 de dezembro. Proclamar a separação fora fácil, difícil seria mantê-la. Tal como em 1580, em 1640 os portugueses estavam desunidos. As classes inferiores mantinham a fé nacionalista em D. João IV, mas o clero e a nobreza, com laços em Espanha, hesitavam. O novo monarca estava numa posição pouco invejável. Do ponto de vista teórico, tornava-se necessário justificar a secessão não como usurpador, mas a reaver o que por direito legítimo lhe pertencia.

    Abundante bibliografia (em Portugal e fora dele) procurou demonstrar os direitos reais do duque de Bragança. Se o trono jamais estivera vago de direito, em 1580 ou 1640, não havia razões para eleição em cortes, o que retirava ao povo a importância que teria, fosse o trono declarado vago.

    in Oliveira Marques, “A Restauração e suas Consequências”, in História de Portugal, vol. II, Do Renascimento às Revoluções Liberais, Lisboa, ed. Presença, 1998, pp. 176-201). Todo o reinado (1640-56) foi orientado por prioridades. Primeiro, a reorganização militar, reparação de fortalezas, linhas defensivas fronteiriças, fortalecimento das guarnições e obtenção de material e reforços. Paralelamente, a intensa atividade diplomática nas cortes da Europa, para obter apoio militar e financeiro, negociar tratados de paz ou de tréguas, conseguir o reconhecimento da Restauração, e a reconquista do império ultramarino. A nível interno, a estabilidade dependeu, do aniquilamento da dissensão a favor de Espanha. A guerra da Restauração mobilizou todos os esforços e absorveu enormes somas. Pior, impediu o governo de conceder ajuda às atacadas possessões ultramarinas. Mas, se o Império, na Ásia, foi sacrificado, salvou a Metrópole da ocupação pelos espanhóis. Portugal não dispunha de exército moderno, as forças terrestres escassas, as coudelarias extintas e os melhores generais lutavam pela Espanha, e a guerra se limitou a operações fronteiriças de pouca envergadura.

    Do lado espanhol, a Guerra dos Trinta Anos (até 1659) e a questão da Catalunha (até 1652) atrasavam ofensivas de vulto. A guerra, que se prolongou por 28 anos, teve altos e baixos até se assinar o Tratado de Lisboa, em 1668, entre Afonso VI de Portugal e Carlos II de Espanha, em que este reconhece a independência do nosso País. Hoje, gente com passaporte português celebra o 1º de dezembro como desastre ou deplorável evento. Esquecem que se tratou da reconquista da liberdade do povo e da nação subjugada pela dinastia dos Filipes de Castela. Mais vale um povo pobre e livre do que rico na gaiola dourada com as cores do reino de Espanha. Assim o dizem os galegos que se aproximam das origens portuguesas preservando a língua e cultura comuns: a memória dos homens é curta.

    São interessantes os “pequenos detalhes” que determinam a História e que legalizaram de pleno direito a sucessão de Filipe II ao trono de Portugal em 1580 por morte sem descendência do herdeiro varão cardeal D. Henrique (68 anos) 9º filho do rei D. Manuel I. A candidatura de Filipe era fortíssima e indiscutível pelo casamento da filha terceira de D. Manuel I, com Carlos V, pais de Filipe I (II de Espanha). Paradoxalmente, antes da candidatura de Filipe, a situação poderia ter sido invertida, unificando as coroas ibéricas “para o lado português”. Em 1499, foi proclamado herdeiro das coroas de Portugal e de Espanha, Miguel da Paz, primeiro filho de D. Manuel I com Isabel, filha dos Reis Católicos. Azar dos portugueses ou conspiração castelhana, morreu com 2 anos de idade.

    Os portugueses serão sempre saudosistas, dos espanhóis, de Salazar e do sonho chamado 25 de abril.

    — Quem diria que Portugal estaria melhor como província espanhola do que independente?

    (Os galegos dizem que não).

    • Quem garante que não seria Portugal uma célula independentista, tipo ETA, (aliada ou não à Galiza)?
    • E se fosse ao contrário? Se o Reino de Espanha fosse hoje uma província de Portugal?

    Que aconteceria aos Bourbon?

    Só tinham utilidade nos EUA. Lá emborcam todos os Bourbon que encontram.

    Infelizmente, aqui ao lado, entronizam-nos e chamam-lhes Reis.

     

     

  • A língua portuguesa no mundo hoje – Observatório da Língua Portuguesa

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    (intervenção realizada durante o “Seminário Internacional sobre os 25 anos da CPLP” – 11 de novembro de 2021, Lisboa, Portugal) Boa tarde a todos. É com muito gosto que integro o painel desse importante evento, sobretudo para falar sobre a Língua Portuguesa no mundo hoje.  Agradeço, pois, o amável convite que me foi formulado pelos […]

    Source: A língua portuguesa no mundo hoje – Observatório da Língua Portuguesa