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  • PAULA SOUSA LIMA E OS PALAVRÕES

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    AMIGOS, cá vai a crónica deste fim-de-semana, embora ele esteja a acabar:
    Acerca das palavras LVI – sobre os palavrões
    Quem, caríssimos leitores e caríssimas leitoras, nunca permitiu que um palavrão saísse veloz e certeiro dos seus lábios? Quase apostaria que não há um único cidadão português, em idade adulta, que jamais tenha proferido o seu palavrão – ou palavrãozinho, pois nisto do palavrão há vários graus, do mais levezinho e aceitável ao mais pesado e próprio para ruborescer as faces apudoradas.
    O palavrão, seja ele qual for, palavra única ou conjunto delas, deve ser incluído na classe das interjeições, porquanto com ele exprimimos emoções. E, sendo assim, usamos os palavrões para manifestarmos o que nos vai na alma, normalmente coisa má, embora nem sempre. Assim, o palavrão é, muito frequentemente, confundido com o insulto, conquanto isto não seja exato, pois pode insultar-se alguém – e muito –sem que usemos qualquer palavrão, tal como se pode usar palavrões em situações que não sejam a de injuriar alguém, até em contextos agradáveis e bem-dispostos.
    Muito marcado pela cultura dos grupos sociais e também das épocas, o palavão está hoje tão divulgado como nunca e é usado tão frequente e naturalmente como nunca. Sou do tempo, caros leitores e caras leitoras, em que numa família séria e honrada não se permitia o palavrão – se um, do grau mais levezinho, por inadvertência, nos saía dos lábios, as mães e as avós demonstravam veementemente a vontade de nos lavar a boca com sabão. Os leitores e as leitoras da minha geração lembrar-se-ão destas ameaças, certamente. Nunca me lavaram a boca com sabão, mas também eu nunca ousei dizer mais do que o palavrão mais corriqueiro que há, aquele que começa por “m” e que hoje até os miúdos do segundo ciclo usam, aquele a que até a minha mãe já não torce o seu delicado nariz, muito embora não o use, nem esse nem nenhum, no tempo dela uma senhora era uma senhora, não dizia coisas porcas.
    Hoje, caríssimos leitores e leitoras, como já devem ter notado, o palavrão tornou-se o pão nosso de cada dia, transbordou da tasca para os bancos das escolas, das vozes grossas de trabalhadores braçais para as vozinhas ingénuas (ou nem tanto) de adolescentes de ambos os sexos, sendo proferidos a propósito de tudo e de nada. Por uma questão de decoro (ou da educação que recebi), aqui não me atrevo a reproduzir aqui os palavrões que, enquanto professora, oiço nos corredores da escola, alguns tão grosseiros que, noutros tempos, sequer o tasqueiro os usaria. E o mais curioso – ou triste – é notar-se que tais palavrões surgem, a talho de foice, em quase todas as conversas que os adolescentes mantêm entre si, sem que eles se apercebam de quão reles é o seu linguajar. Estarei a ser velha, moralista, intransigente? É possível. É possível também que esta novíssima geração esteja a perder algum decoro – ou a não saber o que é decoro.
    É que, note-se, a grande maioria dos palavrões que os nossos meninos e as nossas meninas usam têm teor sexual. Sobre isto já me pronunciei, mas retomo as ideias mais relevantes: tão triste como ouvir os jovens a atirar palavrões grosseiros sem qualquer recato é reparar-se que a sexualidade deve ser muito mal-amada, pois está associada ao palavrão e ao insulto, merecia outro trato, mas isto vem-nos de longe, certamente de tempos em que o sexo era considerado porco e pecaminosos. Já não o é – ou será que é? –, mas, sem nos apercebermos, perpetuamos esse entendimento de que o sexo é coisa má ao repetirmos palavões cuja matriz é sexual.
    Bem, e porque, apesar de o tema dar pano para mangas, o espaço que me é cedido no jornal é – ó “m” – restrito, por aqui me quedo, confessando o meu pecadilho do palavão levezinho, sem o qual tenho dificuldade em passar. Não fique o leitor ou a leitora escandalizado/a, até a minha mãe já ultrapassou o desejo de me lavar a boca com sabão.
    Maria João Ruivo, Roberto Y. Carreiro and 73 others
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    • Lili Viana

      Não digo nem gosto de ouvir palavrões , só me permito uma excepção quando bato com o dedo mindinho num móvel porque não dói tanto se disser um palavrão 😂😂
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    • Carmelio Rodrigues

      Como sempre, leio e releio as crónicas, para aprender alguma coisa, principalmente gramática, que necessito. E tenho aprendido!
      Noutro sentido, não me agradou a referência a “tasca” e a repetição “tasqueiro,” por um lado, e “família séria e honesta” dum lado oposto.
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      • 10 h
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    • Paula Viveiros

      Querida amiga, embora esteja um pouco longe deste espaço, ao domingo não deixo de cá vir para ler a tua crónica, que adoro. Obrigada Paula. Um grande beijinho no teu ❤
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      • 9 h
    • Marieta Brito da Mana

      Também não sou, nem nunca fui de palavrões, mas confesso que fico impressionada pela forma como os jovem se dirigem uns aos outros, sem respeitar nada nem ninguém!
      Também aprecio muito as suas crónicas.
      Beijinho.
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      • 9 h
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    • Roberto Silveira

      Talvez usar o palavrão é muito dificil,só em casos extremos o nde a privacidade reguarda estes itens!..Sempre é bom um tema que integre a sua funcionalidade na nossa realidade,
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      • 7 h
    • Roberto Silveira

      Parabéns

      pela sua crónica,.Paula de Sousa lima!..

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      • 7 h
    • AnaBela Terceira

      Infelizmente uma realidade presenciada em todos os setores da nossa sociedade
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      • 2 h
    • Maria Clara

      Para expressar certos estados de alma, nada como um palavrãozito dito para dentro. Quem nunca o fez??? Eu assumo 🙂. Bjs, Paulinha. Daqui a dias retomamos o “dizer interiormente” um palavrãozito. Não vem mal ao mundo por isso
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      • 2 h
      • Teresa Viveiros

        Maria Clara Palavrãozito dito para dentro… pelo pessoal do Norte!? Bem, haverá sempre alguma exceção para confirmar a regra. lol
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        • 1 h
      • Maria Clara

        Teresa Viveiros 🤣🤣🤣🤣 alto e bom som só num circulo muoto restrito! E se os dissesse em francês???? Très chic, ehemmm???!!!!
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        • 1 h
    • Maria Vieira Soares

      Parabéns

      pela crónica! Vos de sucesso.

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      • 2 h
    • Amelia Botelho Botelho

      Reflito no facto de sexualidade ser mal amada ou algo porco e pecaminoso e fico sem saber o que é pior se isso se o maldito palavrão repetido como bordão da modernidade.
      Coisas ruins!
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      • 1 h
  • DO-TURISMO-A-LITERATURA-ACORIANA-CHRYS-C.

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    faltou mencionar que na lagoa do canário e na das empadadas com o acesos restrito a pedestres, os deficientes ficam de fora…esquecimento, discriminação??

     

  • não violentem a língua

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    4 m
    Via Vitor Lopes Dias
    Não se admirem se, em breve, nos tentarem convencer que a Lógica (modo correcto de pensar, subjacente à linguagem) foi uma invenção arbitrária dos gregos…
    A título de exemplo:
    Existe a palavra: PRESIDENTA? Que tal colocarmos um “BASTA” no assunto? No português existem os particípios activos como derivativos verbais.
    Por exemplo: o particípio activo do verbo “atacar” é “atacante”, o de “pedir” é “pedinte”, o de “cantar” é “cantante”, o de “existir” é “existente”, o de “mendigar” é “mendicante”, etc. Qual é o particípio activo do verbo “ser”? O particípio activo do verbo ser é “ente”; aquele que é: o ente; aquele que tem entidade. Assim, quando queremos designar alguém com capacidade para exercer a acção que expressa um verbo, há que se adicionar à raiz verbal os sufixos “-ante”, “-ente” ou “-inte”. Portanto, a pessoa que preside é PRESIDENTE,e não “presidenta”, independentemente do sexo.
    Diz-se: capela ardente, e não capela “ardenta”; estudante, e não “estudanta”; adolescente, e não “adolescenta”; paciente, e não “pacienta”.
    Um bom exemplo do erro grosseiro seria:
    “A candidata a presidenta comporta-se como uma adolescenta pouco pacienta que imagina ter virado eleganta para tentar ser nomeada representanta.
    Esperamos vê-la algum dia sorridenta numa capela ardenta, pois esta dirigenta política, de entre tantas outras suas atitudes barbarizentas, não tem o direito de violentar o pobre português, só para ficar contenta”.
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