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  • lendas da minha galiza 2011

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    531. lendas da minha galiza 11 dez 2011

     

    Galiza és tão especial

    quando sorris

    por que não sorris sempre?

     

    és tão bela

    quando ris com gargalhadas cristalinas

    por que não ris sempre?

     

    és tão amorosa

    quando falas e cicias

    por que não falas sempre?

     

     

    no meu quintal tenho um poço

    sempre cheio de palavras

    onde vou buscar inspiração

     

    é lá que busco amores

    como se fora o monte das Ánimas

    na era dos Templários

    quando os cervos eram livres e não havia lobos

     

    foi lá que aprendi a tua história

    depois de Ith filho de Breogán

    ir à Torre de Hércules

    divisar Eirin a Verde

     

    morto Ith, perdidas as Cassitérides

    aprisionados os Ártabros

    resta visitar Santo Andrés de Teixido

    duas vezes de morto

    que não o visitei uma de vivo

     

    e esta história queda silente

    nos livros e na memória dos velhos

    por que não a aprendem os nenos?

    agora que o rio Minho passa caladinho

    para não despertar os meninos

     

    hoje quando fui ao poço

    encontrei-o seco e mirrado

    sem um fio de água sequer

    não havia pardais nas árvores

    nem flores no jardim

    senti o coração trespassado

    as lágrimas secaram-me

    aºao trespassado Castelaer

    caladinho

    fincado no chão

    pios e polinia fadas ou sereias

    atopei umas Meigas

    a dançar com o Dianho

    foi então que o vi, o Chupacabras

    estandarte de Castela

     

    não mais haveria fadas ou sereias

    cronópios e polinópios

    vou juntar ferraduras, alho e sal

    colares de conchas e tesouras abertas

    esconjuro-vos ó meigas castelhanas

    que me salve o burro farinheiro

    vou ao banho santo em Lanzada (sansenxo)

     

    hei de te encontrar minha moura encantada

    não tenho medo de travessuras de Trasgos

    nem Marimanta ou Dama de Castro

    sem temor da Santa Companhatravessuras de Trasgos

    a Santa Companha

    nem do Nubeiro vagueando

    entre tempestades e tormentas

     

    hei de te encontrar minha moura encantada

    e brotará áuga do meu poço

    escreverei os versos e serão mágicos

    erguerei a tua flâmula

    no poste mais alto e cantarei

    Galiza livre sempre

     

     

     

  • MORRE UMA LÍNGUA

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    Volto a partilhar pensando na street sale das Caxinas.
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    A MORTE ANUNCIADA DE UMA VELHA LÍNGUA
    Nas lojas e corredores dos “shoppings”
    Como se anuncia para breve a abertura de uma loja? “Opening Soon”, claro.
    Como se promovem vendas de ocasião a preços fantásticos? “Flash sales”, por exemplo.
    Como pode um cartaz de um café promover a venda de bicas ou cimbalinos? “Take a coffee” é uma boa hipótese.
    Como se aguça o apetite para uma nova colecção que está para sair? Pode ser “Worth waiting for”.
    Uma ideia para promover, numa tendinha de comida rápida, quatro produtos por apenas 5€? Que tal “High Five”?.
    E como designamos um espaço com produtos para crianças numa grande loja como a Fnac? “Fnac Kids”, como é óbvio.
    E a secção de jogos? “Gaming”, inevitavelmente.
    E como realçar que uma certa casa de comeres se distingue de outras que só vendem comida rápida e insípida? Que dizem a “Real food (for) Real People”?
    E finalmente, entre milhentos outros exemplos, que frase escolheríamos para um caixilho iluminado com uma mensagem ternurenta para a nossa mais-que-tudo? Vejam se gostam: “Always kiss me goodnight”.
    Tudo isto, e muito mais que aqui não cabe, foi por mim registado hoje, segunda-feira, numa curta volta de 15 minutos por um centro comercial pejado de gente mascarada. Onde? – perguntam vocês. Em Southampton? Nos arredores de Londres? Em Nova Iorque? Em São Francisco? Nada disso, caros amigos. Estes anúncios, cartazes, sinalizadores, toda esta publicidade comercial está espalhada de forma esmagadora pelas lojas e corredores do Norteshopping, em Matosinhos, terrinha que confina com a segunda cidade portuguesa, a mui nobre, leal e invicta cidade do Porto. Segundo me apercebi, mas posso estar enganado, quem circulava, conversava e comprava nas lojas do Norteshopping eram sobretudo cidadãos portugueses, nados e criados cá, com escolaridade obrigatória, cursos secundários e superiores ministrados na lingua de Camões.
    Portanto: a malta já não compra, vai às “sales”. Deixou de ter filhos, passou a ter “kids”. Não convida um amigo para um café, antes o desafia “let’s take a coffee?”. E por aí fora, num imenso, inusitado, disparatado e criminoso lesa língua lusitana. Na maioria dos jornais, nas redes sociais, no linguajar de café e de tasca, o português tem sofrido tratos de polé, está cada vez mais pobre, maltratado, simplificado. A última coisa que precisávamos era desta parolice de invadir o quotidiano popular com inglesices escusadas, pacóvias, disparatadas. Continuem assim, e dentro de duas ou três gerações a velha e bonita língua de Vieira, de Camilo, de Aquilino ou de Mário de Carvalho há-de transformar-se numa algaraviada incompreensível, sem pés nem cabeça, e as futuras gerações hão-de precisar de dicionários de português antigo para decifrarem os nossos criadores maiores. Um crime e uma tristeza.
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  • Crónica 480 alergia a festas chrys c

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    Crónica 480 alergia a festas

     

    Os politicamente corretos vão mesmo crucificar-me hoje. Tenho uma enorme alergia a festas da padroeira da freguesia, a meu favor os cães da vizinha, os de casa e dezenas de outros nas vizinhanças, e os pássaros que nessa semana debandam atordoados pelas incessantes roqueiras e foguetes tonitruantes que a desoras entre as 07 e as 03 da madrugada soam nos ares.

    Tal como a música encanada ou não que surge na maioria das ruas, como os bares e tascas improvisadas que nascem como cogumelos, e leva as pessoas a encostarem-se aos berros, gritos e em alegadas conversas (bêbadas, muitas vezes) até altas horas, sob a sacada das minhas janelas ou sentadas nos degraus do patamar de casa.

    Como a ecologia ainda não medra por estas bandas na manhã seguinte o chão fica atulhado de copos de plástico, beatas de cigarro e outros detritos que, eventualmente, o pessoal da junta irá limpar, quando acabarem de limpar as ruas dos detritos de folhas e flores que sobraram da procissão.

    Este ano a comissão organizadora ressabiada pelos dois anos de pandemia resolveu alargar de 6 para 10 dias as libações celebratórias, convidado grupos musicais para dois dias antes do habitual, mas a população que ainda trabalha durante a semana não parece ter aderido. Outra novidade foi a trasladação da imagem da Senhora do Rosário para a Capela e desta para a Igreja ter sido feita numa carrinha de vaqueiro e não aos ombros dos acólitos, um progresso tecnológico que demorou a chegar, e do qual ignoro ter sido um sucesso ou não.

    Desde há séculos que a tradição de pintar as casas se mantém. Este ano os pintores não tinham mãos a medir e eu que até pinto a casa quando precisa e não quando é festa, vi-me e desejei-me para arranjar “mestres” disponíveis dois meses antes do evento.

    Houve menos barulho duma forma geral, sem a discoteca improvisada na Rua do Rosário a debitar tecno bass até às três da manhã, o que os meus ouvidos agradecem e mais ainda o coração que palpita acelerado com esses ritmos.

    O bar tasquinha em frente a casa não causou grande transtorno mas os seus frequentadores de ambos os sexos devem ter problemas auditivos pois ao virem cá para fora fumar e falar, faziam-no aos berros noite adentro adiando, injustamente, o meu sono de justo. Mas vá lá, foi um sacrifício por uma causa justa que esta gente nem é muito de futebóis, não vai a Fátima que é caro, as procissões de romeiros foram suspensas e só lhes resta a festa anual para se libertarem das grilhetas do quotidiano.

    Para isso se aperaltam novas e velhas em seus vestidos, saias curtas e decotes generosos, maquilhadas como se na ida às missas fossem a um concurso de misses. A grande diferença doutras eras é que não se apalavram namoros ou casamentos como dantes, e a estatística diz que em cada dez casamentos sete dão lugar a divórcio e em curto prazo.

    Mudam-se os tempos mas os emigrantes continuam a voltar para reviver eras passadas que já não reconhecem nestes dias que correm. Um casal deles, emigrado nas Américas há 60 anos até me pediu para lhes tirar uma foto quando eu gravava os tapetes de flores da procissão e foram contando a sua vida e o orgulho de serem nativos daqui.

    Ninguém se deu conta da crise que aí está para durar e encarecer mais a vida exceto o dono das vacas que pediu (como só ele sabe) preço mais alto para o leite. Concordo plenamente, desde que todos sejam compensados pela carestia desta inflação que nos vai fazer emagrecer as poupanças que não temos, os aumentos que não tivemos e a subida especulativa de todos os bens. Mas quando a crise apertar pode ser que as coisas mudem já que as mentalidades essas parecem imutáveis .

    Chrys Chrystello, drchryschrystello@journalist.com

    Jornalista, Membro Honorário Vitalício nº 297713

    [Australian Journalists’ Association – MEEA]

    Diário dos Açores (desde 2018)

    Diário de Trás-os-Montes (desde 2005)

    Tribuna das Ilhas (desde 2019)

    Jornal LusoPress Québec, Canadá (desde 2020)

    Jornal do Pico (desde 2021)

     

     

     

     

     

     

  • o futuro é hoje ago 1972

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    1. E-33 O FUTURO É HOJE AGO 10 1972

    1. o futuro é hoje (agosto 1972)

     

    era como sentir um deus dentro de mim e depois aquilo começava a mexer, a mexer, borbotando, saía da pele, trespassando os ossos, raspando o ar ao mesmo tempo que as mãos: como quem corta um pão enquanto permanece imutavelmente estático, sem queixas, sem gemidos nem dores, moldado ao gesto, elástico.

    era como sentir o tempo parado amanhã e apenas se visse o futuro em tudo, até no nevoeiro que crescendo dentro de nós já era húmido cacimbo, lá fora objetos mudos, quietos como jamais, nem dez segundos tinham passado e já era amanhã, vermelho, gorgolejante (o futuro às vezes pregava destas partidas).

    olhos sem brilho desorbitados, vagos, num qualquer espaço que nenhum de nós sabia identificar: como se estivéssemos do lado de lá e quando nos mirássemos, esconder-mos-íamos com pavor.

    então, vinha o espelho, as pessoas perguntavam por si próprias e as imagens…lá perduravam, as pessoas não.

    os rostos abrigavam-se num qualquer buraco à procura da luz que não vem dos buracos, já era dia, as ideias cavalgavam os minutos à desfilada por entre mudos sorrisos tolerantes de loucura. ninguém acreditava na linguagem dos olhos que já eram pó e habitavam um qualquer caixão. no entanto, ali estavam indesmentíveis, lembrando-nos como continuávamos vivos, de pé, naquele templo de morte.

    era costume pendurarmo-nos no tempo e os minutos eternos e futuros brincavam connosco, puxando-nos as cordas para nos balançarmos aflitos e temerosos já que não saberíamos viver noutro tempo.

    e já tudo era música, vinha dos olhos, penetrava o sexo até os dentes rangerem de prazer. tudo era música incluindo o encarnado das paredes nuas (jamais haviam sido caiadas – como numa acusação) e vinha dos poros de suor, do cabelo empastado como bolas à chuva de verão (que jamais tombará!). sempre a música, na luz, nos sons irrepetidos, mijando na lua, na poesia, na inutilidade de corrermos atrás do que sempre nos fugirá, irremediavelmente parados num vasto campo atulhado de urnas vazias – JAMAIS ALGUÉM EXISTIU LÁ. –

    o som alucinado, as pessoas bem bebidas saindo com passos trôpegos, proclamando profissões entre confissões que nunca serão assinadas porque sinceras.

    e um cão sem sexo pois nunca foi cão, encosta-se a um poste, fitámos o animal como se ele existisse e nos chamasse e houvesse poste, depois afagávamo-lo com o olhar, dormiríamos descansados com o poste seco, sempre esteve, apenas poste, nada mais.

    um gato mia lugubremente a um guarda-noturno, sem rua nem farda, pois nunca foi admitido e continua a viver iludido, enquanto lhe pagam a fome com sorrisos de comiseração, e diariamente se arrasta pelas portas que lá não estão mas deviam, e já há quem lhe atire pedras, as quais não lhe acertando o trespassam, caindo atrás dele como se não o tivessem atingido, o que é mentira, pois as pedras tombam magoadas com restos de sangue coagulado, e o sangue das pedras é vermelho como o das estrelas que não brilham enquanto houver uma chávena de café para estancar o sangue com merda.

    já é noite, sempre o foi, mas o sol não acreditou até ver uma ratazana morta de medo e um polícia à paisana num bordel, vestido de luxo como morcego de raça, por entre pedras preciosas de mil enganos fosforecendo na treva.

    um mendigo busca um lato de lixo bem conservado e próspero para deitar os seus restos (que civismo! – comentarão e a esses responderei que nada disto existiu). depois, alguém irá, na sua opulência, remexê-los (inventar-lhes-á um nome, talvez banquete, palavra que conhece por ouvir dizer) e continuará de mãos bem estendidas sem que alguém vá e as acaricie (exceto com a saliva do desdém).

    a rua vazia como se ninguém a ativesse atravessado desde há séculos, o que também é mentira (outra), pois das pessoas sobraram sombras (ficam sempre para alguém ir e guardá-las) e cabeças de crianças que não nasceram, espetadas no chão para exemplo.

    passavam sem as verem, pisavam-nas e elas sem um grito, até que uma tropeçou e todos se calaram, era tarde, já chegara a hora de recolher, não havia tempo de arquivar imagens de agonia. já as gentes voavam mesmo sem quererem, incapazes de saberem como evitar pisar essas flores estranhas que ninguém colheria.

    cansadas em casa sem asas nem memória (que esta é uma dor), queriam dormir tranquilas e drogavam-se, pílulas coloridas, cada uma era cabeça de criança em tamanho de alfinete sem ponta nem voz.

    o sangue jorrando continuadamente como cascata em sonhos, como alguém quase a afogar-se querendo acordar para não morrer e logo acordando nadavam desesperadamente, não havia já quarto ou sala ou casa e ninguém restava para se lhe narrar o sonho.

    era assim naquele tempo até que um génio inventou a fala e todos gritaram como se fora vital, então, outrem gritou a lembrança de que já antes se entendiam por gestos e daí nasceu o silêncio.

    depois o hábito, o esquecimento, sem saberem o que existira antes do silêncio, e então já eram sapos de enormes bocas abertas, nem precisavam de nadar para (não) morrerem, pegajosos agarravam-se à paisagem evitando a todo o custo cair nela, dando-lhe cor sem movimento; como tinham o dom genial da voz sempre que respiravam e não sabiam que o faziam, logo morriam de novo (desta vez sufocados).

    filmes mudos não havia, eram todos toupeiras à custa de terem os olhos vendados (para não dizerem do que viam), escavavam, sem uma palavra, incitamento, e tudo ruía por toda a parte.

    deus não fora ainda inventado – nem era preciso – ninguém pensava e se o faziam, pensavam que não podiam, e acreditavam que não (assim estava determinado para não se contestarem dogmas).

    foi nessa altura que a estrela se intitulou um qualquer nome e desatou a rodopiar, percorrendo o espaço em fuga interestelar, deixando para trás um rasto invisível que só tomava forma na imaginação das outras estrelas, as quais vinham de noite passear o cosmos, afastando poeira à sua passagem, desafiando o tempo, essa sucessão de instantes inacabados, infindavelmente continuados e perdidos desde o início, pois tudo foi sempiterno (até o silêncio) por nunca ter existido.

    esta noção de amanhã é falsa, equívoca, ainda falta inventar o “agora” como quem pede desculpa e não sabe, e já de trás todos gritam dizendo que sim para se suspenderem da sua total ignorância sem terem de admitir e confessar a sua inexistência, e então, de novo, inventam algo chamado “ontem” para se autodesculparem, e logo lhes agradecemos sem sabermos porquê.

    não estamos desesperados para nos suicidarmos com palavras, lá no íntimo nem a certeza de termos jamais nascido, tudo vago, sem contornos, sem cor nem forma.

  • Traduções para inglês de obras açorianas ajudam a “valorizar identidade” dos Açores nos EUA

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    “Mau Tempo no Canal”, de Vitorino Nemésio, “Ilhas Desconhecidas”, de Raul Brandão, “Pedras Negras”, de Dias de Melo, “A Ilha e o Mundo (e poemas selecionados)”, de Pedro da Silveira e “Um Sorriso na Escuridão”, de Adelaide Freitas foram as primeiras cinco obras traduzidas no âmbito do projecto editorial Bellis Azórica.
    A iniciativa, apresentada como o “único projecto editorial dedicado aos Açores em inglês”, é do Centre from Portuguese Studies and Culture – Tagus Press, com a participação dos professores Mário Duarte, da universidade de Massachussets – Dartmouth e Francisco Cota Fagundes, da Universidade de Massachussets – Amherst.
    Traduções para inglês de obras açorianas ajudam a "valorizar identidade" dos Açores nos EUA
    ACORIANOORIENTAL.PT
    Traduções para inglês de obras açorianas ajudam a “valorizar identidade” dos Açores nos EUA
    Seis obras da literatura açoriana traduzidas para inglês foram apresentadas na segunda-feira nos Estados Unidos da América (EUA) com o apoio do presidente do Governo dos Açores para “valorizar a tradição e identidade” dos Açores “pela literatura e poesia”.
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  • POEMA DE 1970 DE CHRYS C

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    vem correr comigo, à bi rua (junho ‑
    dezº 1970)
    vem correr comigo. cabelos soltos ao vento.
    pernas fustigadas pelas espigas,
    como um poema lançado ao fogo.
    o cheiro a campo e feno.
    calma na aldeia de campos povoados.
    gente afanosa que semeia o que se colhe
    as terras adubadas pelo suor.
    as mãos calejadas pelo trabalho.
    o pó a entranhar‑se
    nas rugas da cara.
    os dias belos, verdes e azuis, cinzentos, iguais a tantos.
    os cães ao longe guardando os rebanhos.
    a fome e os verdes prados.
    o sol a pino, como pá ou picareta abrindo estradas,
    fazendo brotar água das f(r)ontes dos lavradores.
    a brisa que não corre na sombra que se escolhe
    a merenda frugal comida de criança para homens feitos.
    a enxada até sol‑pôr.
    vidas penhoradas por frutos que não serão colhidos.
    ao longe passam carros sibilantes.
    por cima enormes monstros dos ares
    atroam a calma, violam a aldeia. o sino assustado repica a medo.
    pendurados nos fios há pardais. nas fundas há pedras.
    as velhas sentadas ao sol que entra nas portas abertas.
    enxameiam moscas. crianças chafurdam na lama.
    cães encostados às próprias sombras
    sacodem as moscas, coçam as pulgas
    (em todas as elites sociais há parasitas!)
    cabeças inquisidoras, dos lábios o cumprimento,
    saudação oculta, comentários inconvenientes.
    fica a pairar o murmúrio.
    chapéus nas cabeças, mãos que se levam ao chapéu.
    e nós só queríamos os verdes campos
    a vontade contida de correr e saltar
    a liberdade dos pássaros‑homens
    feitos aves.
    as noites claras e límpidas, estrelas como teto.
    a terra a pulsar sob nossos corpos.
    com um frémito percorrendo formas, o seu calor.
    coladas as bocas, juntas as mãos
    o nosso bafo entrecortado
    por teto as estrelas.

  • poema de 1973 (chrys c) dedicado ao daniel filipe

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    https://blog.lusofonias.net/wp-content/uploads/2022/08/e-38-ao-daniel-filipe.pdf

    1. e.38. (ao daniel filipe) abril 30, 1973

     

    1.

    margem insólita de todo o poema

    sempre nos habita

    algures

    a palavra

    gesto

    talvez sorriso

    familiares viajantes de toda a história

    pairam sobre a memória do cristal

    estrangeiros pensamentos crescem dos dedos

    invadem a casa

    lavrando

    sonhos impossíveis

     

    atração eternizada nos transcende

    mística magia de rochas por decifrar

    fantasiosas

    oportunistas

    divagam

    insustentáveis teses

    nos zimbórios da retórica

    agnósticos

    céticos

    espraiam-se fervorosos

     

    no grito infeto

    a louca viagem

    multicolor do tempo

    grades de raiva

    inaudito flagelo

     

    pregaram às janelas do cérebro

    holofotes de cura do sono

    o crime da estátua

    tensas mordaças

    hirtas teias

    paisagens sem idade

     

    supliciaram o templo inerte

    do corpo

    violaram memórias

    confissões sempre retardadas

     

    o ódio calmo

    sereno companheiro

     

     

    anda camarada

    cospe-lhes o teu sangue puro

    ri-te da dor animal

    mas não lhes perdoes

    mas não esqueças

     

    o tóxico fumo

    da indomável vontade

    cansá-los-á

    rendidos

    frustres carrascos

    abater-te-ão

    e os dentes que te arrancaram

    e a língua que não te soltaram

    (embora ta cortassem)

    e o pensamento que te não aprisionaram

    serão a vitória

    serão a troça

     

    dos teus olhos abertos

    dois vulcões de sangue

    sem vida tos extirparam

    para que morto

    os não fulmines

     

     

    teus ossos lançados às cinzas e ao mar

    entoam canções heroicas

    também tu és o nobre canto

    resistente

     

     

    camarada

    nós te ergueremos

    bandeira viva

    é nossa a luta

    é nossa a desforra

    é nossa a trova

    espada deste canto

     

    amigo

    a liberdade te pertence

    a vida te merece

    poema sem tempo

    farpa

    mista voz desfraldada

    livros por habitar

    no mundo-do-sem-fim

    acorrentadas horas

    penosas arqueologias

    rastejantes

    subterrâneas as vozes

    nos invadem

    fecundas

    as mãos

    giz

    suor

    ironia despojada de lágrimas

    truncámos a palavra

    deserta

    (in)sobrevivente

    vencida foi

    no letargo da mediocracia.

     

    2.

    esgotem materiais e humanos

    atinja-se a inanição

    cooperem operários

    técnicos

    meros observadores

    TODOS

    novos

    velhos

    mulheres

    inválidos

    crianças

    inclusive homens

    (à cause du machîsme)

     

    reine a desordem

    e o caos

    não sucumba a vigilância

     

    policias ineptos

    soldadinhos de chumbo

    bombeiros de palha

    forças desmilitarizadas

    vigilantes

    bufos

    corpo-de-paz

    O IMPORTANTE SÃO AS FARDAS!

    mobilizados todos

    cursos especiais

    de desinfestação

    instrução de piqueniques volantes

    guerra sem cartel nem quartel

    até se estropiar a ORDEM

    (abolido temporariamente o trabalho)

     

    é perigosa

    anda protegida e bem armada

    (ao que consta

    de fontes fidedignas)

    o serviço nacional da malinformação

    atento e venerando

    tv

    jornais

    cinema-novo

    teatro-de-vanguarda

    convocados

    haverá comunicados horários concisos

    texto único

     

     

    congressos-mundiais-de-combate-inútil-reunidos

     

     

    (o debate é a base de toda a futilidade polemista!)

     

     

    imperioso manter a população

    hibernada

    estado-de-sítio

    recolher obrigatório

    em todos os bordeis e lupanares

    acerada vigilância

    abolida a privacia

    e a intimidade

    vasculhadas pessoas e haveres

     

    obstruam as ruas

    com barricadas de papelão

     

    (inauguradas em direto pela tv)

     

    cidades

    estradas

    portos

    marítimos e aéreos

    espiados

    como rezam as tradições

    francas das fronteiras

     

     

    (a burocracia ocupar-se-á do restante)

     

     

    antiguerrilheira e apátrida

    – infiltrou a ORDEM –

    teve o apoio de minorias já detetadas

    condenada ao malogro

    cresceu

    e se fez gente temida

    racionados viveres

    por estratos sociais

    senhas e talões

    no mercado negro

    dos intelligence services locais

    amestrados cães pastores

    vigilantes

    rebuscam residências

    a elite comunizava livros proibidos

     

     

    o tesouro com poderes supranormais

    emitia metal sonante

    descongelados salários da administração

    fomentada a espiral inflacionária

    falidos pequenos e médios empresários

    monopolizado o grande capital

    o país crescia

    sólido e inabalável

    a ORDEM enaltecia a família e a religião

    sem amigos nem-conhecidos-de-café

    ninguém afrontava a pública militância

    viajava-se nos coletivos

    preferencialmente amarelos

    desajustada tendência aos discursos

    do grão-mestre

    impostos pagos

    residência nos subúrbios

    débitos ao merceeiro

    jogadores fortuitos de totobolas

    – apostas simples –

    horários fixos por contratos coletivos

     

    os católicos de domingo

    funcionários devotados

    soletravam o respeito

    honestos e pontuais

    sem ambições viviam

    orgulhosamente sós.

     

     

    – então chegou o tempo das flores –

     

     

    maculado o vernáculo solo pátrio

    desmascararam-se abusos

    de vítimas nenhumas

    sufocaram-se greves

    carregou a polícia de choque

    prisões maciças

    sem culpa formada

    torturas

    deportações

    nada foi eficaz

    o poder legalmente constituído

    autoridade irrefutável

    caiu

    sem pretensas liberalizações subversivas

    debilitados os poderes cívicos

    a elite dirigente escoiceada e depurada

     

    – (eram homens públicos de muito mérito!) –

     

    foram traídos pelo povo

    a quem não serviam

    reconheceu-se autoridade à ONU

    entabularam-se negociações com terroristas

    (até então guerrilheiros sem pátria)

    ignoraram-se imaginosos esquartejamentos de brancos colonos

    e a terra una

    multirracial porque discriminatória

    pluricontinental porque imperialeira

    finalmente hipotecou tradições balofas

    enterravam-se prósperos futuros planejados

     

    (o presente era de crise

    mas as previsões mentiam seguras)

     

    aprestado o ajuste de contas

    alguém houve

    pagando com a vida

    morte

    ou o que preciso fosse

    demolida a ameaça

    pela população gentia

    brotou a voz uníssona e liberta das massas

    milhões de vidas salvas

    antes de contaminadas

     

     

    nascia um jovem continente no velho mundo.

     

  • poema – excerto 1972

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    jogos de portuguerra, a erich maria remarque (abril 1972)

     

    ….

    aqui e agora se medita
    inaudito espetáculo revolucionário
    ministros‑de‑guerra
    em luta corpo‑a‑corpo

    nações beligerantes
    evitariam gratuito sangue
    o povo pagaria imposto
    para morrer desfastiado
    passaria fome para ter governantes bélicos
    a geografia da velhice sobreviveria em paz.