Carta Aberta aos Militantes do PSD/Açores André Silveira

Views: 8

Carta Aberta aos Militantes do PSD/Açores
Caros companheiros,
Escrevo-vos num momento de inquietação, mas também de profundo compromisso com os ideais que nos unem. Faço-o como militante, cidadão e homem que acredita que a Autonomia dos Açores deve ser sinónimo de responsabilidade, ambição e competência. É esse sentido de responsabilidade que me move.
Opto por esta via porque, apesar de ter procurado alertar quem de direito dentro das estruturas do partido, fui sistematicamente ignorado e, por vezes, hostilizado pelos nossos dirigentes. Este comportamento revela uma cultura que não promove o debate, nem se mostra disposta a ouvir vozes diferentes. É precisamente essa falta de abertura que considero urgente combater, para que o PSD/Açores volte a ser um espaço de pluralidade, ideias e compromisso com os Açorianos. Ao dia de hoje, todas as minhas missivas enviadas ao Sr. Presidente partido não obtiveram qualquer resposta, muito menos surtiram qualquer efeito prático, o que por si só é bastante revelador do estado actual da nossa liderança.
Passados quase cinco anos desde que o PSD, em coligação, assumiu o comando do Governo Regional, é imperativo reconhecer que não é possível fazer um balanço verdadeiramente positivo desta governação. Houve medidas importantes, como a Tarifa Açores, que democratizou a mobilidade interilhas, ou a descida de impostos, que aliviou as famílias e as empresas. Mas foram medidas avulsas, sem visão estratégica e sem articulação com um plano robusto de desenvolvimento económico. Foram, no fundo, gestos táticos sem pensamento estratégico, que, dado o fracasso, muito possivelmente terão de ser revertidas.
Prometeu-se tudo a todos. Substituiu-se a imobilidade socialista pelo deriva orçamental, numa espiral de promessas e despesa pública que compromete a sustentabilidade financeira da Região. Os orçamentos regionais passaram a ser instrumentos de sobrevivência política e não documentos orientadores de desenvolvimento. O Estado cresceu, e com ele, a dependência. A máquina administrativa continua lenta e ineficaz, mas mais cara. Os fundos comunitários, ferramenta essencial de transformação estrutural, continuam a ser utilizados de forma reativa e descoordenada, com taxas de execução preocupantes.
A Região revela-se um devedor crónico, estrangulando sistematicamente a vitalidade da iniciativa privada, de clubes, coletividades e IPSS, ao recorrer de forma reiterada e inaceitável ao financiamento indireto junto das empresas. Este comportamento mina a competitividade e a autonomia do tecido económico, ao mesmo tempo que a dívida pública regional continua a crescer a um ritmo alarmante. É um cenário que compromete a sustentabilidade financeira, exige vigilância permanente e impõe um sentido de responsabilidade redobrado por parte dos decisores políticos, sob pena de hipotecar irremediavelmente o futuro coletivo, se é que tal já não seja uma realidade, que apenas poderá ser corrigida via sacrificio de empresas e familias: dos Açorianos. O nosso partido na oposição tanto que criticou os anteriores governos, para agora fazer igual, ou em muitos casos, pior.
Nos momentos de crise, como o infeliz e trágico incêndio no Hospital do Divino Espírito Santo, a reação do Governo foi marcada pela pressa, emocionalismo e falta de ponderação, e sobretudo imobilidade. O anúncio quase imediato da construção de um hospital universitário, sem debate, sem estudo, sem plano financeiro claro, é um exemplo claro de como a governação se deixou capturar por impulsos e agendas externas, ou pessoais. Criar mais uma estrutura monumental sem antes cuidar da formação, fixação e valorização dos profissionais é continuar a cometer os erros do passado. É repetir os mesmos vícios com uma roupagem nova.
A substituição do mérito pela fidelidade partidária nas nomeações para cargos públicos tornou-se uma prática reiterada. A meritocracia, uma bandeira do nosso partido, foi abandonada. Esta realidade é especialmente grave quando se trata da juventude. Que incentivo tem um jovem qualificado para regressar aos Açores, ou para ficar, se vê que os cargos de liderança e decisão são atribuídos por amiguismo e não por competência? Esta cultura do facilitismo é corrosiva. Desmotiva os melhores e alimenta a mediocridade, e um partido que tolera a mediocridade está condenado a perder relevância.
A narrativa de crescimento económico tem sido repetida como um mantra, mas à luz dos dados, não passa de um micro balão de oxigénio estatístico. A convergência com o continente é anémica, uma décima no agregado de três anos, o investimento privado continua frágil e totalmente dependente dos apoios públicos, a produtividade estagnou e o mercado de trabalho totalmente paralisado pela falta de mão de obra, mas sem lugar para os mais qualificados. Os níveis de pobreza, de abandono escolar precoce, de dependência do Estado e de emigração jovem permanecem escandalosamente elevados. O que mudou estruturalmente? Muito pouco.
Reconheço que há exceções. Na Educação, surgem alguns sinais positivos de mudança. Em algumas secretarias e direcções regionais, com lideranças sérias e dedicadas, há iniciativas que merecem aplauso. Mas são ilhas de competência num oceano de inércia. E isso não chega. Os Açores precisam de um novo impulso, de uma nova ambição, de uma nova liderança.
A minha desilusão é funda, mas não é sinónimo de desistência. Recuso-me a aceitar que este é o melhor que conseguimos fazer. Recuso-me a acreditar que o PSD/Açores está condenado a repetir os erros que tão duramente criticou no passado. O nosso partido foi, é e deve continuar a ser uma referência de competência, de autonomia e de responsabilidade. Mas para isso, tem de mudar, caso contrário os melhores continuarão a sair, ou pior a desistir quietamente.
É necessária uma reformulação profunda no Governo. É imperativo dar oportunidades reais à nova geração de políticos e técnicos, que trazem consigo não apenas energia e visão, mas também uma ligacão mais directa aos desafios contemporâneos. Este tem sido um governo do passado, rico em experiência, mas parco em soluções e ainda mais em coragem para afrontar o status quo que nos aprisiona. É esse mesmo status quo que, mantendo os Açores até agora à cauda do país, urge ser combatido com inteligência, ambição e renovada ousadia.
Mas não basta sangue novo ou uma organização mais ágil e moderna. Os Açores precisarão de políticas verdadeiramente corajosas, algumas delas duras e inevitavelmente impopulares. O futuro exige escolhas difíceis, que não podem continuar a ser adiadas por receios eleitorais ou por conveniências partidárias. Recordemos o que Pedro Passos Coelho teve de fazer num momento particularmente crítico para o país. As suas medidas foram contestadas, mas a sua herança de responsabilidade e recuperação financeira permanece até hoje. Nos Açores, também terá de haver quem esteja disposto a colocar o futuro à frente da popularidade imediata.
Desenganem-se se acham que a revisão da Lei de Finanças Regionais será a panaceia para todos os nossos problemas. Não será. E trará certamente outros desafios. A Região tem de se assumir financeiramente se quer ser verdadeiramente autónoma. O atual modelo de assistência do Estado às regiões através da LFR é inédito na Europa e frequentemente apontado como exemplo de solidariedade nacional. Mas essa dependência é também um entrave. Será muito difícil, para não dizer impossível, resolver os nossos problemas estruturais apenas por essa via. Uma renegociação séria, mas honesta, implicará seguramente sacrifícios das famílias e das empresas, não devendo porém permitir recuar um milímetro na autonomia à república centralista. Temos de assumir com humildade que podíamos e devíamos ter feito melhor nestes quase cinco anos.
Olhemos, por contraste, para o exemplo da Madeira. A Região teve de atravessar uma fase de grande rigor, assumir escolhas políticas difíceis e corrigir desequilíbrios profundos. Não o fez sem resistências nem sem dor, mas hoje é uma das regiões mais sólidas do país do ponto de vista económico e financeiro. Os problemas não desapareceram, como nunca desaparecem, mas o rumo está traçado: fugir ao peso insustentável da dívida, libertar recursos para investir no futuro e construir uma economia mais resiliente. Também os Açores precisam de uma travessia semelhante, com liderança, visão e determinação.
Acresce a tudo isto o falhanço claro na reforma dos sistemas de transporte de mercadorias, tanto por via marítima como aérea. Os estudos estão feitos, os modelos internacionais são bem conhecidos e as necessidades estão identificadas há muito. No entanto, o bloqueio reside na ausência total de vontade política, ou melhor dizendo, de coragem, para enfrentar os lobbies, a inércia institucional e os interesses instalados. Reformar estes sistemas será sempre desafiante, complexo e impopular em certos sectores, mas é absolutamente essencial para garantir o desenvolvimento económico sustentável dos Açores, sobretudo nas ilhas mais pequenas, que continuam a viver numa economia de escassez por falta de acesso regular e eficiente aos bens essenciais e às cadeias de valor alargadas. Adiar esta reforma é perpetuar o insucesso económico de grande parte do nosso arquipélago.
Soma-se a urgência incontornável de promover uma reestruturação de fundo no Serviço Regional de Saúde (SRS), O desafio é colossal, mas inevitável: a despesa com a saúde tornou-se incomportável e continua a crescer sem paralelo com os resultados. A solução não está na construção de mais betão, nem muito menos em estruturas provisórias ou modulares que consomem recursos sem resolver os problemas estruturais. O novo paradigma tem de assentar no investimento nas pessoas, médicos, enfermeiros, técnicos e gestores, e na eficiência da gestão, como na adopção de soluções tecnológicas que promovam a eficiência e uma acessibilidade melhorada por parte dos Açorianos. Sem um sistema de saúde sustentável e centrado na qualidade do serviço prestado, os Açores continuarão a gastar mais para oferecer menos.
Temos o abandono quase total da estratégia de captação de investimento externo. Foi necessário desmontar a teia socialista que tinha capturado esse setor e o instrumentalizou para fins de propaganda e clientelismo. Mas não bastava desfazer o passado: era preciso construir algo novo. Falta uma verdadeira agência regional de captação de investimento, profissional e eficaz, que articule com as estruturas nacionais, que conheça os mercados internacionais, e que promova activamente os Açores como destino de investimento e empreendedorismo. Sem investimento privado não haverá futuro, nem liberdade, nem prosperidade.
O fracasso na resolução da herança socialista na SATA é tão gritante que dificilmente poderia passar despercebido. Os recursos despendidos na aérea regional, ano após ano, dariam para construir centenas de habitações e resolver parte significativa das carências habitacionais. A destruição de liquidez é quase obscena numa região de cofres vazios, mas que mantém os tiques de ostentação suficientes para sustentar artificialmente uma empresa que há muito deixou de servir o interesse dos Açores e que, pelo contrário, continua a servir de plataforma para benefícios de alguns à custa de todos.
No domínio da habitação, todo o esforço permanece excessivamente dependente do PRR e, ainda assim, perante a gravidade da emergência social, está muito aquém da velocidade exigida pelas circunstâncias. Os parcos recursos disponíveis são tragados por um desequilíbrio orçamental em franca expansão ou desviados para empreendimentos faraónicos de utilidade questionável. Embora o investimento público atual supere o verificado nos governos do PS entre 2013 e 2020, continua a ser insuficiente, incapaz de responder às necessidades prementes, e claramente inferior ao alcançado pelos primeiros governos do PSD nas décadas de 1980 e 1990 e pelo PS entre 1996 e 2012. A habitação, tal como o SRS e a reforma da administração pública, deveria constar no núcleo das prioridades de ação imediata, não se justificando, por comparação, a opção pela construção de novas circulares, ao embelezamento de baías ou à edificação de imponentes colossos de betão condenados à irrelevância pela ausência de quem lhes dê uso.
Se excluirmos as vendas pontuais dos hotéis da Graciosa e das Flores, o Governo Regional não alienou qualquer outro imóvel nem procedeu a privatizações relevantes no sector empresarial do Estado. Tal imobilismo contrasta com a manutenção de sectores estratégicos, como o da energia, à exploração privada, sem que exista um racional sólido que o justifique, sobretudo tratando-se de áreas reguladas, fortemente subsidiadas e com rentabilidade praticamente garantida. A EDA, pela sua importância estrutural e estratégica, deve permanecer sob controlo do Estado, mas o seu capital deveria estar aberto à participação dos Açorianos, reforçando o enraizamento local e a partilha dos benefícios económicos.
O PSD Açores foi o fundador da nossa Autonomia, agora à beira dos 50 anos. Cabe-nos, por isso, ser o motor de uma reflexão profunda e corajosa sobre o que deve ser a Autonomia para o resto do século XXI. Uma reflexão progressista, desamarrada de dogmas ideológicos, centrada nas pessoas e orientada para o futuro. Temos de repensar o nosso modelo de desenvolvimento, a nossa inserção no mundo, a nossa capacidade de autogoverno e, sobretudo, o papel da nossa cultura como o cimento que mantém este arquipélago de nove partes razoavelmente unido. A Autonomia não pode ser apenas um conjunto de competências, tem de ser uma identidade ativa, moderna e ambiciosa.
O meu repto é claro: sejamos motor de transformação dentro do partido. Não se muda um sistema de fora para dentro. A mudança verdadeira faz-se por dentro, com coragem, com ideias, com militância activa e com sentido de missão. Sei bem que este não é um caminho fácil. Quem o percorre, paga um preço. Eu sei o que tenho sofrido por não me calar. Mas não me arrependo. Porque calar é consentir.
Lanço-vos um desafio: partilhem esta carta. Discutam-na. Façam-na chegar aos vossos amigos, familiares, companheiros de militância. Concordem e discordem, mas sem excluir ninguém, sem purismos ideológicos, sem ressentimentos pessoais. Com vontade sincera de reerguer o partido e de devolver aos Açores um governo que mereça esse nome.
Sem pessoas não há PSD. Sem pessoas não há Açores. Os Açores só serão grandes se forem dos seus, com os seus, com os que escolheram chamar-lhe seus e para os seus. E nós, militantes do PSD, temos de estar na primeira linha dessa missão.
Com convicção e a esperança que resta,
André Silveira
Militante nº 222583

Comentários

Deixe um comentário

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.