. CARNEIROS AMESTRADOS uma crónica de 2007 e nada mudou…

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. CARNEIROS AMESTRADOS – NOVº 2007, CRÓNICA 47

Há muito o digo nos labirintos esconsos das crónicas: o ensino (como a democracia) segue o rumo globalizado de privatização. No futuro, será de má qualidade. A alternativa será o privado, levando a gleba (classe média), a engrenagens de dívidas perenes.

As elites irão optar por escolas privadas, donde sairão os futuros dirigentes. Ter-se-á um país a duas velocidades, os que têm e os que não têm. O antigo proletariado, sem emprego, com melhores condições que na ditadura, ostenta títulos académicos (Dr., Eng.º, Arq.º). As elites (à semelhança da outra senhora) manterão o privilégio de nomear as chefias dirigentes.

Com a passagem generalizada dos alunos, o país baixa o coeficiente de iletrados, e terá analfabetos com diplomas. Nada disto é à toa, não se iludam, não é cá, é em todo o mundo: EUA, Austrália, Reino Unido, onde escolas secundárias custam tanto ou mais que universidades.

Ninguém se preocupa com desempregados vitalícios (surgiram na década de 80 na Austrália). Ninguém perde sono ou apetite, pelos sem-abrigo nas ruas esvaziadas de humanidade, desertas à noite, enquanto o camartelo municipal não chega para demolir as casas que serão “gentrificadas” em condóminos de luxo. Os subúrbios do povo e classes menos abastadas passam a áreas VIP. O interior desertificado de Portugal será a coutada de ricos e poderosos.

A cidadania é sinónimo de coragem nesta crise. Os eleitos, sem ideias ou horizontes, que não sejam os dos benefícios pessoais e do partido. Esta teia intrincada de corrupção e nepotismo coloca em causa a democracia, e gera abstencionismo generalizado. Os ataques começaram com os poderes económicos a dominarem a comunicação. Depois, num processo politicamente correto, assiste-se à criação do ser imperfeito. Tudo será tão grave como não pagar impostos. As represálias irão fazer-se sentir sobre os que exercem um mero ato de cidadania.

O Quarto Poder, a imprensa do Watergate (1960) já não defende liberdades e direitos, nem faz denúncias. Manipula, mente e “orienta” com notícias falsas, como os patrões mandam. Esconde-se sob a ameaça velada das restritas leis que obrigam a denunciar as fontes sob pena de cadeia ou indemnizações milionárias. Os grandes grupos gabam-se de eleger governos e quando não o conseguem vale sempre a batota, no voto eletrónico ou noutra falcatrua de quem cria o software. Ninguém sabe quantas guerras e milhares de mortos foram causados por tais eleições. Esses grupos aumentaram desmesuradamente a influência, poder e lucros e nos comandam sem escrutínio. Nem só de petróleo vivem os EUA. Aqui fica o alerta para acordarem. Todos.

Portugal nunca foi um país de “jornalismo de investigação” agora ainda menos. A sociedade civil não se pronuncia e os jornalistas raramente o fazem. Os que querem ser esclarecidos contentam-se com o “underground” dos blogues, e seguem teorias da conspiração que os donos disto tudo propagam. Há acesso alargado à informação, mas as pessoas estão menos informadas. Vive-se a miragem da multiplicidade de canais, um excesso de “infoentretenimento” que retira capacidade para discernir. Os telejornais são decalcados uns dos outros, só os apresentadores e a ordem das notícias muda. Os grandes grupos promovem um cartel monopolizador da “verdade.” Esta censura é a pior e já me preocupava em meados de 80 na Austrália. É invisível e mais brutal que o velho “lápis azul” do SNI que eliminou muitas das 100 páginas do meu livro de poesia (Crónica do Quotidiano Inútil, 1972) elegantemente reduzido a 32.

Hoje não há debates, mas fachadas de pretensa discussão, propaganda da democracia “guiada,” comentadores, principescamente pagos pela TV, para fazerem publicidade gratuita aos partidos. Este cinzentismo acéfalo e monocórdico da comunicação social é enriquecido pela “imprensa cor-de-rosa” soporífera que causa danos irreversíveis à mente. Nenhum governo quer proibi-la ou sancioná-la, é um valioso aliado no obscurantismo que se empenham criar.

Quando os políticos falam não são eles, mas agências e grupos que os sustentam, os seus mandatários criam sítios e tweets de notícias falsas, repetidas por bots e outros algoritmos. Não se quer um cidadão culto e educado, para ter opções em liberdade, mas um pateta manipulado. Pensa que vive em democracia e é livre, participa na fraude, em inglês “read my lips.”

O povo quer escândalos dum pseudojetset e nobreza sem sangue azul, só fama fácil. Mortes, violações, inundações, incêndios, guerras e tragédias. O povo (retratado pelos atuais Eça de Queiroz e Ramalho Ortigão) quer ver as vergonhas dos outros para que não vejam a sua.

Assim se explica que a maioria dos bons jornalistas se encontre desempregada sem ser por opção ou por reforma antecipada. Nunca o país viu aumentar tanto e em tão pouco tempo, o fosso entre ricos e pobres como nas últimas décadas. As pensões e reformas são das mais baixas da Europa mas os Executivos ganham mais do que os congéneres norte-americanos.

Uma idosa que roubou um produto avaliado em 3,70€ levada a tribunal pelo supermercado, e o banqueiro nem sequer a tribunal vai? O roubo de milhões é um investimento falhado. o de cêntimos é crime de lesa-majestade. Gostava de escrever a palavra REVOLTEM-SE, mas pode ser crime de traição ou de apelo ao terrorismo, face às novas leis, pelo que me coíbo de o fazer.

Não interessa a população culta, educada e lida. Segue-se a máxima salazarista “quanto mais ignorantes mais felizes” ou como o amigo Daniel de Sá lestamente me avisou, no formato original “Um povo culto é um povo infeliz.” Seja feliz, seja inculto. A razão de todas as infelicidades reside na santa cultura que tanta dor pariu. Nada mais perigoso que uma pessoa que lê e estuda.

Portugal tem demasiadas leis e incumprimentos.

Aplicam-se de forma arbitrária, à letra da lei ou mera caça à multa. Há lóbis fortíssimos de médicos, farmacêuticos e advogados em quem não se toca e são corresponsáveis pela má saúde do país. O que é preciso é domesticar o povo para se imporem regras, na ditadura republicana, de esgares monárquicos, disfarçada de democracia. Os portugueses habituaram-se a goze agora e pague depois, se não morrer antes. Não se importam com os que roubam, até os invejam, gostariam de fazer o mesmo. A maioria não quer saber de princípios. Abomina quem os tem.

O que é que o homem comum pode fazer, além de falar no café e queixar-se aos amigos. Milhares de pessoas em manifestações de rua de nada serve, o poder não treme nem pestaneja, coça-se como atacado por uma inofensiva pulga. O excesso de informação, desinformação e manipulação acabam por condicionar o rebanho dócil dos que falam muito e se queixam mais, mas pouco fazem, prontos a criticar o governo sem perceberem que a verdadeira culpa radica neles. Para quê denunciar escândalos? Raro é o dia em que não surgem. A justiça, sempre esteve ao lado dos poderosos, ao lado dos que mais roubam e lesam o país. Viriato e Sertório foram apunhalados pelos companheiros. Aprende-se pouco em Portugal.

As democracias funcionam com gente culta e não com analfabetos. Noutros países (na Austrália vi isso) fazem-se sacrifícios, o país avança, aqui fica na mesma, trabalha-se para a estatística. Como escrevia Mendo Henriques (agosto 2008): “é altura de fazer uma revolução e dar o poder a quem tem cultura e não a quem tem dinheiro.

É uma questão de visão, a dos portugueses é tipo túnel. Outros veem longe, preocupados com o futuro. Aprendi imenso com os chineses e não esqueço a aprendizagem com os aborígenes: sobreviver milhares de anos com uma cultura oral, sem escrita, sem posse de terra, sem matar a não ser para a alimentação frugal, e preservar o meio ambiente. Foram capazes de manter um segredo (o crioulo de português que uma tribo usou durante mais de quatrocentos anos).