Estou 100% de acordo com Jorge Buescu.
Esta é também a minha leitura dos dados disponíveis e que a DGS tanto se esforça por estragar, deixando às aranhas quem tenta detectar tendências e pontos de inflexão… (daí o meu post irritado de ontem a propósito da mudança de critérios de notificação pela DGS).
Uma ressalva: estas considerações dependem de se atribuir alguma credibilidade, ainda que mínima, aos dados da DGS. Todavia, como. cada vez a minha confiança é menor…

<<ESPERANÇA CADA VEZ MAIS REAL
Quem me seguiu nos últimos dias sabe que sempre fui muito comedido desde que, a 1 de Abril, as curvas dos hospitalizados simples e UCI (ver gráficos) começaram a revelar uma tendência de abrandamento de crescimento. Este abrandamento ainda não se reflectiu na curva dos óbitos, o que é expectável. Sempre avisei que se tinha de pôr água na fervura, para não termos desilusões no dia seguinte. Sempre disse que com menos de 4 a 5 dias não se pode falar de tendência.
Estamos agora no 5º dia deste ciclo. Neste momento acho que já se pode tentar extrair algumas conclusões – embora, sublinho, com extrema prudência. Tudo aquilo que vou sugerir – sugerir, ainda não afirmar – vai ter de ser confirmado (ou infirmado) por ferramentas de análise matemática dura, e vou começar a trabalhar nisso.
Mas não posso deixar de partilhar os meus pensamentos de esperança neste momento.
Admitindo que os números do Boletim Epidemiológico da DGS retratam fielmente a realidade no terreno, assistimos desde 1 de Abril a uma súbita e surpreendente desaceleração nos principais indicadores do contágio (novos casos, internamentos hospitalares, internamentos UCI), que já se prolonga por cinco dias.
Gostaria de explicar por que razão essa desaceleração é tão importante, até do ponto de vista teórico. Na fase exponencial da epidemia, não só o crescimento é muito rápido, como a taxa de crescimento é cada vez maior (em termos matemáticos, a derivada também é exponencial). Ora, se nós estamos de facto a presenciar um crescimento cuja taxa está a diminuir (em termos matemáticos, a segunda derivada passou a negativa, e a concavidade passou a estar virada para baixo), isso assinala que o crescimento deixou de ser exponencial. Ou seja, teremos passado pelo famoso ponto de inflexão, que nos permite ver a luz ao fundo do túnel, e entrámos na fase logística do crescimento.
Será isto o que está a acontecer? Neste preciso momento ainda é difícil de dizer. A confirmar-se, seria uma notícia sensacional: significaria que, por uma unha negra, nos escapamos ao cenário de colapso do sistema de saúde. Mas também pode ser uma ilusão.
A perpectiva optimista é a seguinte. Por um lado, a evolução da curva epidemiológica a que estamos aparentemente a assistir não ocorreu em nenhum outro país europeu, o que significa que algo está a acontecer. Por outro lado, é também certo que em Portugal as medidas de contenção foram adoptadas numa fase mais precoce relativamente aos outros países. Finalmente sabemos, quer da literatura científica que dos nossos próprios trabalhos, que se o lockdown for eficaz, os seus efeitos devem começar a fazer-se sentir entre 10 e 12 dias após o seu início. Juntando todos estes factores, é muito tentador estabelecer um nexo de causalidade, interpretando este abrandamento da curva epidemiológica como consequência das medidas de contenção adoptadas.
No entanto, é necessária muita prudência na análise. Nas condições actuais não é possível assegurar tal nexo de causalidade. A curva epidemiológica está carregada de ruído devido a várias razões, uma das quais é o facto de o crescimento dos testes não estar a acompanhar o crescimento das infecções: a 27 de Março tínhamos 4.268 casos confirmados e fazíamos 7323 testes; hoje temos 11.730 casos confirmados e fazemos 5604 testes. Ora, testando menos, descobrem-se menos casos novos. Este facto pode introduzir um enviesamento estatístico significativo, levando-nos a pensar erradamente que estamos a observar menos casos novos na população, quando na realidade estamos apenas a fazer menos testes. Isto aconteceu em Itália: houve vários falsos alarmes até finalmente se atingir o ponto de inflexão no final de Março.
Coloquemo-nos no entanto na perspectiva optimista, supondo que atingimos neste início de Abril o ponto de inflexão da curva epidemiológica. Significa isto que o jogo está ganho e que podemos relaxar? De forma alguma! Temos de nos preparar para um longo cerco. Na curva de evolução dos infectados ao longo do tempo, o ponto de inflexão é uma boa notícia: significa que o crescimento deixou de ser exponencial para passar a ser cada vez mais lento e já vemos o pico. É como se estivéssemos a escalar uma montanha e a meio da subida houvesse uma zona carregada de nuvens: abaixo dela, não se vê o pico; ultrapassado esse nível, já se vê o pico. Mas a escalada continua: a curva continua a crescer. De facto, podemos pensar que o ponto de inflexão está sensivelmente a meio do caminho entre a base da curva (zero infectados) e o pico.
Portanto, mesmo nesta perspectiva optimista temos de nos preparar para mais umas semanas de subida do número de casos confirmados até atingirmos o pico dos infectados. Em números muito redondos, no momento em que escrevo estas linhas temos pouco mais de uma dezena de milhar casos confirmados. Se estamos de facto na inflexão – e neste momento, volto a sublinhar uma vez mais, nem isso está – então devemos esperar um pico dentro de algumas semanas: final de Abril-princípio de Maio. Esse pico corresponderá talvez a cerca de duas a três dezenas de milhar infectados activos (e a muito mais infectados invisíveis na população). A partir daí o número de infectados activos começa a decrescer, embora de forma muito mais lenta do que foi a subida.
A confirmar-se este cenário optimista, bem como todos os parâmetros actuais da doença, pelos meus cálculos conseguiremos escapar à justa ao cenário de ruptura do sistema de saúde e portanto de um desastre como o italiano ou espanhol. Mas vai ser mesmo, mesmo à justa, sem margem para erro nem para excessos de confiança.
A única forma de este cenário se concretizar é continuarmos, da forma mais determinada possível, a impedir durante este período crítico a propagação da doença a uma taxa maior. E neste momento a única ferramenta que temos para o conseguir é cumprir o mais rigorosa e disciplinadamente possível as medidas de contenção e o distanciamento social. E isto pelo menos durante as próximas 5 a 6 semanas, uma vez que o nosso lockdown não vai acabar no momento do pico mas apenas quando os níveis de segurança forem assegurados, o que é bastante mais tarde (note-se a cauda longa da distribuição). Portanto, dificilmente antes do final de Maio será levantado o lockdown.
Este é o nosso Home Front. É esta agora a missão de todos e cada um de nós. É a única forma de auxiliarmos médicos, enfermeiros e profissionais de saúde que já estão na linha da frente a combater por todos, e a quem presto a mais sincera e emocionada das homenagens.
Os próximos dias e semanas vão ser determinantes; mas temos, pela primeira vez desde o início deste processo, razões objectivas de esperança. Temos de saber estar à altura deste desafio, o maior das nossas vidas.
Sejamos fortes. Não temos opção. Até porque lá ao fundo já se vê a luz.
(Jorge Buescu
6/4/2020) >>